Bolsonaro

José Casado: O valor das promessas

É politicamente perigoso supor que 57,7 milhões de brasileiros elegeram Jair Bolsonaro sem ter a mais vaga ideia do que ele vai fazer no Palácio do Planalto, a partir de 1º de janeiro. Sua vitória em todo o Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Norte (exceto Tocantins e Pará) não foi acaso.

Goste-se ou não, mais da metade do eleitorado deu-lhe o crédito de confiança que era reivindicado pelos adversários. E, dizia Abraham Lincoln, ninguém é suficientemente competente para governar outras pessoas sem o seu consentimento.

O problema de Bolsonaro, agora, é cumprir as promessas. Quase todas, sim, podem ser qualificadas como confusas, inconsistentes, equivocadas, entre outros adjetivos. Uma exceção está no compromisso público assumido no sábado, 20 de outubro: “O que eu pretendo é fazer uma excelente reforma política para acabar com instituto da reeleição que, no caso, começa comigo, se eu for eleito.”

Não conseguiria ser mais límpido. É, portanto, legítima a expectativa de que Bolsonaro apresente ao novo Congresso, em fevereiro, um projeto de renúncia à reeleição, limitando-se aos 1.460 dias do mandato.

Faltam razões objetivas para não se acreditar ao menos nesse compromisso de um candidato que, há 72 horas, obteve maioria de votos numa dimensão só comparável ao mapa eleitoral de Lula em 2002.

Outras promessas independem da caneta presidencial, como a de enxugar “em 15% ou 20%” o número de integrantes do Legislativo.

A renúncia à reeleição, não. Ela está sujeita, única e exclusivamente, à sua vontade, já expressa em público.

Bolsonaro estará ausente da disputa presidencial de 2022. Outro que abdicou, publicamente, foi Ciro Gomes (PDT), que no dia 12 de setembro, no Rio, disse o seguinte: “(Se Bolsonaro ganhar) eu vou desejar boa sorte, cumprimentá-lo pelo privilégio e depois vou chorar com a minha mãe. Saio da política. A minha razão de estar na política é amor, paixão, confiança. Se nosso povo por maioria não corresponder, vou chorar.”

Não há por que não acreditar neles.


Merval Pereira: Novos tempos

Bolsonaro terá que entender que é presidente de todos, e adequar seus pontos de vista a uma realidade diferente

Bolsonaro ganhou com mais de 10 milhões de votos de diferença, a vantagem é grande, mas foi eleito com um índice recorde de rejeição, e não teve a maioria dos votos totais. Nem os votos de Bolsonaro são todos dele, nem os votos de Haddad são do PT.

Nessa eleição tão polarizada em projetos antagônicos, muita gente votou em Bolsonaro contra o PT, e outros tantos votaram em Haddad contra Bolsonaro. Os dois precisam colocar os pés no chão. Nas eleições anteriores, a disputa havia sido muito mais sobre projetos de país semelhantes entre PT e PSDB, de cunho esquerdista, muito baseados na social-democracia.

Mesmo que o PT tenha tentado jogar o PSDB para a direita do espectro político, os tucanos tinham um DNA de esquerda, que foram perdendo pouco a pouco, e só agora caminham para a direita devido à vitória de João Doria em São Paulo.

Esse tsunami que carregou boa parte da velha política e seus hábitos, revelados na Operação Lava-Jato, vai ter consequências. O povo já há muito demonstrava que não gostou do que estava vendo, depois que caiu a máscara de políticos tradicionais.

Esse sentimento foi demonstrado em diversas ocasiões, o establishment não entendeu, ou fingiu que não entendeu, e foi apanhado de surpresa pelo levante através do voto. O PSDB quase certamente deverá sofrer uma cisão que pode vir a ser o embrião de um novo partido, que reunirá outros políticos deslocados em seus partidos pela adesão em massa ao novo governo de direita.

Nesta eleição, a novidade é que houve uma rejeição grande aos dois projetos que os candidatos representavam. Tanto a esquerda quanto Bolsonaro vão ter que ir para o divã. A esquerda tem que fazer com urgência uma autocrítica, como disse o rapper Mano Brown, especialmente o PT: perderam a disputa de ideias na sociedade, abrindo espaço para o conservadorismo, que se tornou eleitoralmente majoritário.

Seria preciso tentar reorganizar o partido em outras bases, mas não parece que o PT esteja disposto a isso, com essa posição de “resistência” a priori ao novo governo. Haddad, que no primeiro momento encarnou o militante petista, no dia seguinte enviou uma mensagem ao novo presidente desejando-lhe boa sorte. Mas provavelmente deve ter provocado a ira da máquina partidária, que não lhe dará espaço.

Bolsonaro vai ter que entender que ele é presidente de todos os brasileiros, e adequar seus pontos de vista a uma realidade diferente da daquele nicho eleitoral que se acostumou a conquistar com uma retórica inflamada, defendendo teses muitas vezes autoritárias, ou mesmo inaceitáveis.

Ele terá que avaliar se seus projetos correspondem ao desejo da maioria. Assim como Trump venceu no Colégio Eleitoral, mas perdeu nos votos gerais, também Bolsonaro não teve a maioria dos votos, o que não os deslegitima. As outras duas vezes em que isso aconteceu foram momentos de divisão do país. Bolsonaro teve 49,85% dos votos totais, somados os dois candidatos, os brancos e os nulos.

Puxados por MG e SP, os votos nulos nesta eleição chegaram a 7,4% do total no segundo turno, aumento de 60% em relação à eleição de 2014. Foram 42 milhões de eleitores que se recusaram a escolher candidato. Os outros dois casos em que isso aconteceu foram com Collor, em 1989, e Dilma, na reeleição, em 2014, como bem lembrou Pedro Dias Leite.

Vai ser um aprendizado democrático. Começamos bem, pois Bolsonaro teve que recuar de algumas propostas e retificar alguns arroubos retóricos, porque perdeu votos no final do segundo turno. Também o PT teve que mudar seu programa três ou quatro vezes durante a campanha, abrindo mão de convocação de Constituinte, por exemplo.

As instituições brasileiras funcionaram muito bem nesta eleição, e estão conseguindo enquadrar o novo presidente numa moldura democrática, mais ampla que o pensamento do indivíduo Bolsonaro. Um conjunto de instituições como o Ministério Público, e o Poder Judiciário, com papel destacado do Supremo Tribunal Federal em episódios marcantes neste segundo turno, é o guardião da Constituição.

A sociedade organizada colocou limites nas tentativas autoritárias dos governos petistas, e certamente os colocará em eventuais movimentos nesse sentido do novo governo.


Folha de S. Paulo: Eleição de Bolsonaro é teste de fogo para nossa democracia, diz historiador

Para José Murilo de Carvalho, muita coisa ruim pode ser feita dentro dos limites da Constituição

Mario Cesar Carvalho, da Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - É um teste de fogo para a democracia brasileira a eleição do deputado federal e capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República.

A opinião é de José Murilo de Carvalho, 79, um dos mais importantes historiadores do país, autor de um clássico sobre a nascente República ("Os Bestializados") e de uma obra que se tornou referência no estudo da relação dos militares com a política ("Forças Armadas e Política no Brasil").

Carvalho acha que o maior risco não é um golpe ou autogolpe, para o qual, segundo ele, faltaria o apoio das Forças Armadas. "O problema é que a Constituição de 1988 é muito generosa em relação à interferência militar na política", afirmou à Folha.

O artigo 142 da Constituição, segundo ele, permite que militares sejam chamados para garantir ameaças aos poderes constitucionais e à lei e à ordem. "Muita coisa ruim pode ser feita dentro desses limites sem caracterizar golpe", diz.

Carvalho, professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Academia Brasileira de Letras desde 2004, prevê anos difíceis pela frente. "Haverá tentativas de introduzir, por lei ou decreto, medidas que representem retrocesso democrático. A principal tarefa da oposição será combater sem tréguas essas tentativas".

Se as instituições chegarem intactas em 2022, "já será um ganho", na opinião dele.

O historiador, que também é cientista político, diz que só por uma "enorme burrice" Bolsonaro manteria o discurso ofensivo e preconceituoso que caracterizou seus mandatos como parlamentar e sua campanha à Presidência. "Imagino que haverá pessoas a seu redor, inclusive generais, que o farão mudar de retórica. Caso contrário, ele estaria cavando a própria sepultura política".

Como explicar a chegada de Jair Bolsonaro, um deputado do baixo clero, à Presidência da República?
Precisaria de um tratado para responder a essa pergunta. Não tenho nada de diferente do coquetel que tem sido apresentado: falta de confiança nos políticos e na política desde 2013, crise econômica, desgaste do longo governo do PT, Lava Jato, violência, reação a mudanças que afetaram os conceitos e valores tradicionais a respeito de família e gênero.

A eleição de Jair Bolsonaro é uma ameaça à democracia? Há risco de um golpe?
É um teste de fogo para nossa democracia. A haver golpe seria o que o general Mourão [vice-presidente eleito] chamou de autogolpe, isto é, dado pelo próprio governo, como em 1955 e 1969. Não acredito que vá haver o indispensável apoio militar para isso. O problema é que a Constituição de 1988 é muito generosa em relação à interferência militar na política. O artigo 142 dá às Forças Armadas o papel de garantidoras dos poderes constitucionais e, a pedido de um desses, de garantidoras da lei e da ordem. Muita coisa ruim pode ser feita dentro desses limites sem caracterizar golpe.

O senhor foi um dos primeiros historiadores a estudar as Forças Armadas por dentro. Por que os militares apoiam, em diferentes graus, um capitão que foi reformado por indisciplina?
Eles têm em comum um etos militar composto de valores e atitudes. Embora nem sempre seguidos, há a ideia de serviço à pátria, de honestidade pessoal, de ordem, de hierarquia, de cumprimento do dever. Posso imaginar o desconforto de oficiais generais ao terem que bater continência para um capitão. Quanto ao apoio, é preciso distinguir. O profissionalismo, isto é, a resistência à intervenção, é mais forte na Marinha e na Aeronáutica. Todas as manifestações políticas recentes de militares procedem de oficiais generais do Exército, inclusive do comandante dessa Força.

Por que os eleitores decidiram trazer os militares de volta para a política? É uma reação ao PT ou esse retorno tem razões mais complexas?
Esta é a grande pergunta a ser feita. Bolsonaro sempre foi figura apagada que só passou a ter alguma evidência a partir das manifestações de 2013. Estas manifestações, que ninguém previu, deram o alarme, que ninguém ouviu, de que algo se movia entre certas placas tectônicas de nossa sociedade, um mal-estar um tanto difuso, mas real. Daí para cá esse movimento só fez crescer impulsionado pela crise econômica, pela Lava Jato, pelo aumento da violência, por certas leis no âmbito de valores familiares e religiosos que ofendiam o tradicionalismo de muitos. Bolsonaro navegou nessa onda.

Bolsonaro elogia a ditadura, defende a tortura, ofende negros, mulheres e gays. O sr. acha que isso foi uma estratégia para se tornar popular, e ele vai se moderar na Presidência, ou o capitão é assim mesmo?
Seria uma enorme burrice manter essas ideias grosseiras na Presidência. Imagino que haverá pessoas a seu redor, inclusive generais, que o farão mudar de retórica. Caso contrário, ele estaria cavando a própria sepultura política.

Por que corrupção e violência, e não a desigualdade, viraram temas centrais da disputa?
Foi a grande falha destas eleições: discutiram-se temas relevantes, mas omitiu-se o mais importante, que é a luta contra a desigualdade. O país tem pela frente a imensa tarefa de incorporar milhões de desempregados, subempregados e não empregáveis pela baixa escolaridade. Estamos brincando, ou brigando, na praia, alheios a um grande tsunami que se forma no horizonte.

Por que mesmo preso Lula conseguiu levar o PT ao segundo turno e busca qualificar Fernando Haddad para ser o líder da oposição?
Getúlio Vargas, de seu refúgio em São Borja, virou a eleição de 1945 a favor do general Dutra, que o depusera, dando-lhe seu apoio, anunciado pelo rádio cinco dias antes da eleição com [o que hoje seria] hashtag "ele disse". Lula, apesar da prisão, ainda possui capital político considerável. Seu carisma e a memória de seu governo foram suficientes para alavancar Haddad. Quanto a qualificar Haddad para ser líder da oposição, será necessário verificar se ele tem o perfil político para a tarefa.

Há alguma chance de o país se pacificar? O que podemos esperar do governo de Bolsonaro?
Não se pode contestar a legitimidade da eleição, a maioria dos eleitores assim o quis. Mas o país sai dela profundamente dividido, sem lideranças ou partidos capazes de promover o diálogo. Não haverá pacificação. Serão anos difíceis e haverá tentativas de introduzir, por lei ou decreto, medidas que representem retrocesso democrático. A principal tarefa da oposição será combater sem tréguas essas tentativas. Já será um ganho se chegarmos ao final do primeiro mandato com instituições intatas e os valores preservados. Se conseguirmos, nossa democracia terá passado num teste difícil e se fortalecido. Se não, não.

ENTENDA A CITAÇÃO FEITA AO GENERAL DUTRA
Em 27 de novembro de 1945, a cinco dias das eleições, Getúlio Vargas conseguiu mudar o rumo da disputa presidencial e eleger o general Eurico Gaspar Dutra. Vargas havia sido deposto e estava em autoexílio na sua fazenda em São Borja (RS), na fronteira com a Argentina.

De lá Getúlio mandou divulgar a seguinte frase em apoio ao general que participara do golpe contra ele: "Ele disse: votai em Dutra". A mensagem, divulgada em panfletos em todo o país com a foto de Vargas, alterou os rumos do pleito.

O brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, representante dos conservadores que aparecia como favorito nas eleições, acabou derrotado por Dutra. O general, candidato do PSD, recebeu 3,2 milhões de votos, cerca de 1,2 milhão a mais do que o brigadeiro.


Luiz Carlos Azedo: Depois da ressaca

“Enquanto não forem divulgados a nova equipe econômica e os planos do governo, haverá inquietação no mercado. Há duas incógnitas: o corte de gastos e a reforma da Previdência”

“Presidente Jair Bolsonaro. Desejo-lhe sucesso. Nosso país merece o melhor. Escrevo essa mensagem, hoje, de coração leve, com sinceridade, para que ela estimule o melhor de todos nós. Boa sorte!”, disparou no Twitter o candidato do PT, Fernando Haddad, ontem, reconhecendo a vitória do adversário e cumprimentando o novo presidente eleito, o que não havia feito no domingo. Também pelo Twitter, lacônico, respondeu Bolsonaro: “Senhor Fernando Haddad, obrigado pelas palavras! Realmente o Brasil merece o melhor”. Que ninguém espere uma dança de acasalamento, mas é um bom começo para o país voltar à calma depois da ressaca eleitoral.

Ressaca mesmo, porque o dólar voltou a subir ontem. A moeda havia caído abaixo de R$ 3,60, mas encerrou o dia em alta de 1,51%, vendida a R$ 3,7068. O dólar turismo encerrou a R$ 3,86, sem a cobrança de IOF. Analistas de mercado fazem duas leituras: uma minimiza o fato, atribuindo a queda aos investidores que aproveitaram os preços atrativos para irem às compras; outros, veem na alta do dólar um sinal de que os investidores não estão com confiança nos rumos da economia, porque Bolsonaro emite sinais contraditórios sobre o poder de decisão de Paulo Guedes, futuro ministro da Fazenda, sobre a política econômica.

Apelidado de Posto Ipiranga pelo próprio presidente eleito, Guedes é um economista da escola de Chicago, com propostas ultraliberais. Acontece que o homem forte na equipe de transição é o deputado Onyx Lorenzoni, uma espécie de “tertius”, em razão dos choques que estariam ocorrendo entre o grupo de militares liderado pelo general Augusto Heleno, futuro ministro da Defesa, e a equipe de economistas de Guedes.

Enquanto não forem divulgados a nova equipe econômica e os planos do governo, haverá inquietação no mercado. Há duas incógnitas em relação à política econômica: o corte de gastos e a reforma da Previdência. Bolsonaro falou em reduzir para 10 os ministérios, fundindo ou extinguindo os existentes, mas já desistiu de acabar com os ministérios de Meio Ambiente, que seria anexado à Agricultura, e da Indústria e Comércio, que seria absorvido pela Fazenda. Recuou no decorrer do segundo turno, em razão de compromissos assumidos com o agronegócio e a indústria. O lobby desses setores é poderoso, são aliados de primeira hora do presidente eleito.

Previdência
Futuro ministro da Casa Civil, o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS) anunciou o desejo de que a reforma da Previdência seja feita de uma única vez, para durar 30 anos. Descartou o projeto apresentado pelo presidente Michel Temer, na forma de emenda à Constituição, que está à espera de votação na Câmara dos Deputados desde a decretação da intervenção federal no Rio de Janeiro. A legislação impede mudanças na Constituição durante a vigência da intervenção. No caso do Rio, a medida tem previsão de durar até 31 de dezembro deste ano.

Ex-líder do DEM, Lorenzoni tem muita cancha na Câmara, mas pode ser que esteja desperdiçando uma grande oportunidade ao não votar a reforma ainda este ano, aproveitando a capacidade de negociação do governo Temer no Congresso e a expectativa de poder de Bolsonaro. Argumenta: “aquilo que foi proposto pelo atual governo era apenas um remendo com o objetivo de fazer um ajuste curto de caixa e não duraria cinco anos”.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-depois-da-ressaca/


El País: Porte de arma, Previdência, mentira: as declarações de Bolsonaro analisadas

Presidente eleito deu bateria de cinco entrevistas às TVs nesta segunda e defendeu aprofundar reforma trabalhista

Por Flávia Marreiro e Érica Saboya, do El País

ultradireitista Jair Bolsonaro concedeu nesta segunda-feira suas primeiras entrevistas como presidente eleito na qual mesclou a tentativa de suavizar sua retórica virulenta contra opositores à reafirmação de ameaças e a defesa de projetos radicais na área de segurança que devem enfrentar resistência na cúpula do Judiciário. As cinco principais TVs do país encadearam uma sequência de aparições do capitão reformado no Exército, algumas ao vivo e outras gravadas, nas quais ele afirmou que pretende negociar a aprovação da reforma da Previdência ainda neste ano. Bolsonaro anunciou que cogita convidar o juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, para uma vaga do Supremo Tribunal Federal ou para o Ministério da Justiça. No Jornal Nacional, da TV Globo, o principal noticiário televisivo do país, fez também novos ataques à imprensa e ao jornal Folha de S. Paulo, a quem ele voltou a ameaçar com o corte de verba de publicidade federal.

Leia as principais declarações das entrevistas contextualizadas e analisadas.

Reforma da Previdência

"Semana que vem estaremos em Brasília e buscaremos junto ao atual Governo aprovar alguma coisa do que está em andamento lá [no Congresso], como a reforma da Previdência, se não num todo, em parte do que está sendo proposto, porque evitaria problemas para o futuro governo que, no caso, seria eu. Vamos buscar maneiras de evitar novas ditas pautas bombas, porque temos um déficit monstruoso e não podemos aumentar esse déficit para o ano que vem sob o risco de um Brasil entrar em colapso”

"Todo mundo tem que entender que a melhor reforma não é a minha, não é a sua, é aquela que passa no Parlamento. Se quiser impor os 65 anos, a chance de derrota é muito grande. Se nós dermos um ano agora, o ano que vem dermos mais um ano, vamos para 62. Afinal de contas, a proposta de 65 não é para agora”

O contexto e as implicações: 

A promessa de tentar aprovar a reforma da Previdência ainda em 2018 deve ser bem recebida por investidores e a maior parte dos economistas, que defendem que a mudança é urgente para retirar as contas públicas de uma rota insustentável. O presidente Michel Temer se disse disposto a tentar aprovar a reforma neste ano, mas há, em primeiro lugar, a dificuldade de mobilizar o Congresso na reta final para passar um tema extremamente impopular. Bolsonaro e seus auxiliares criticam o projeto de Temer, que já tramita na Câmara, e emitem declarações contraditórias sobre o assunto. O presidente eleito fala em uma reforma gradual, no qual a idade mínima para homens comece subindo para 61 anos, e não para 65 anos como propõe o atual governo, o que melhoraria as chances de aprovação, mas podem desagradar as expectativas do mercado. Além disso, enquanto o presidente eleito fala em aprovar "parte" da reforma, Onyx Lorenzoni, seu futuro ministro-chefe da Casa Civil, disse nesta segunda-feira que quer que se discuta o tema "uma única vez". Outro obstáculo e que um dos principais rombos do sistema é a aposentadoria de militares, e a expectativa é que o futuro Governo não altere isso.

Sérgio Moro no Ministério da Justiça ou Supremo

"Pretendo, sim, (convidar Sérgio Moro) não só para o Supremo, mas quem sabe até para o Ministério da Justiça. Pretendo conversar com ele, saber se há interesse dele nesse sentido também. Se houver interesse, com toda certeza será uma pessoa de extrema importância para um Governo como o nosso.

O contexto e as implicações:

O juiz federal Sérgio Moro, do Paraná, se notabilizou pela Operação Lava Jato e, especialmente, por ter condenado por corrupção ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que culminaria na prisão do petista e no impedimento de que ele concorresse à Presidência da República. Não há vagas no Supremo Tribunal Federal no momento, de modo que, se nada mudar, o mais provável é que o convite seja feito para a Justiça, uma pasta estratégica que tem o comando da Polícia Federal. De acordo com as pesquisas, Moro não está no auge de sua popularidade nem é livre de críticas por tomar atitudes lidas como motivadas politicamente, como divulgar trechos da delação premiada do petista Antonio Palocci antes do primeiro turno. De todo modo, se o juiz aceitar, Bolsonaro agradaria a base antipetista ferrenha que idolatra o juiz.

Porte de armas e 'licença para matar'

“A orientação nossa é que a 'efetiva necessidade' (exigida no Estatuto do Desarmamento para compra de arma de fogo) está comprovada pelo estado de violência em que a gente vive no Brasil. Nós estamos em guerra. Nós queremos mexer na lei e também diminuir de 25 para 21 anos de idade (a idade mínima para o porte de armas). E mais ainda: dar o porte definitivo para o cidadão."

"O porte tem que ser flexibilizado também. ‘Por que um caminhoneiro não pode ter porte de arma de fogo?’ Um caminhoneiro dorme no posto de gasolina e quando acorda não mais nenhum step. Então, você casar isso com o excludente de ilicitude, que eu digo que é em defesa da vida própria e de terceiros, do patrimônio próprio e de terceiros. Pode ter certeza que a bandidagem vai diminuir. Porque um caminhoneiro armado, ao reagir a alguém que estiver furtando ou roubando o seu step, ele vai dar o exemplo para a bandidagem. Seguinte: atirou, o elemento está abatido, em legítima defesa. Ele vai responder, mas não tem punição. Isso vai diminuir a violência no Brasil com toda certeza”

"Temos que abandonar o politicamente correto de achar que com todo mundo desarmado o Brasil vai ser melhor. Não vai ser melhor [...] A arma de fogo, mais do que garantir a vida de uma pessoa, garante a liberdade de um povo”

O contexto e as implicações:

Derrubar o Estatuto do Desarmamento é uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro e há vários projetos tramitando na Câmara a respeito, que poderiam ser colocados em votação ainda neste ano. O presidente eleito quer liberar o porte, a posse e reduzir a idade mínima necessária para comprar uma arma, ou seja, fazer uma guinada radical na atual política. Especialistas criticam a possibilidade porque dizem que ela vai aumentar a violência e o número de homicídios, que já é recorde. Num reflexo da perspectiva de liberação, as ações da fabricante de armas Forjas Taurus têm subido.

O segundo ponto mencionado é transformar em automático o chamado "excludente de ilicitude", que é prerrogativa que todos têm, inclusive policiais, evocar legítima defesa quando cometem um homicídio. Bolsonaro não detalha, mas quer a isenção de punição seja ampla e para todos, espécie de "licença para matar", não apenas em defesa da própria vida ou de terceiros, mas em nome da defesa do patrimônio. A proposta, uma das mais radicais do presidente eleito, tem de passar no Congresso, mas  deve ter resistência importante no Supremo Tribunal Federal. "Isso seria claramente declarado inconstitucional", afirma Oscar Vilhena, da FGV. Para analistas, a simples defesa de Bolsonaro da medida pode impactar nas Polícias Militares, já que funcionaria como um endosso dos homicídios cometidos pelos policiais. A taxa de violência policial no Brasil já é uma das mais altas do mundo e há baixíssimo índice de investigação dos homicídios cometidos pelos agentes. Para especialistas, a regra pode escalar o número de mortes violentas no país. A ex-senadora e candidata derrotada à Presidência, Marina Silva (REDE), criticou.

Marina Silva

@MarinaSilva

A entrevista do é preocupante sob muitos aspectos, mas nenhum é tão preocupante quanto a sua ideia fixa em querer induzir a sociedade a acreditar que poderá resolver o grave problema da violência fazendo justiça com as próprias mãos

Minorias e mentira sobre o 'kit gay'

“Eu queria saber, que me definissem, o que é minoria. Quais os direitos de tais minorias? Nós somos todos, não tem diferença minha para você [...] Somos todos iguais, como está no próprio artigo quinto na Constituição. Agora, não podemos pegar certas minorias e achar que têm superpoderes, diferentes dos demais. Se conseguirmos igualdade para todo mundo, todos se sentirão satisfeitos”

“Ganhei o rótulo por muito tempo de homofóbico. Na verdade, eu fui contra um kit, feito pelo então ministro da Educação, (Fernando) Haddad, em 2009 para 2010, que chegaria nas escolas um conjunto de livros, cartazes e filmes onde passariam crianças se acariciando e meninos se beijando. Não poderia concordar com isso. E a forma como eu ataquei essa questão é que foi um tanto quanto agressiva. Tivemos, em parte, sucesso porque no ano seguinte, a própria presidente Dilma Rousseff resolveu recolher esse material, mas o rótulo ficou. Isso aconteceu em razão no Nono Seminário LGBT Infantil na Comissão de Direitos Humanos na Câmara.

O contexto e as implicações:

Bolsonaro rejeita o conceito de minorias, mas nega ser depreciativo em relação a esses seguimentos da sociedade, como negros, índios, mulheres e homossexuais. Ele tem amplo histórico de declarações racistas, homofóbicas e misóginas e seu apoiadores mais radicalizados tem evocado o presidente eleito para hostilizar e, em alguns casos atacar diretamente, esse público. Durante a campanha, também houve episódios em que ele voltou a estigmatizar esses setores. Numa transmissão ao vivo via Facebook, em 12 de outubro, ele atacou a ex-ministra das Mulheres do Governo Dilma, Eleonora Menicucci. No ar na rede, Bolsonaro leu trechos de uma entrevista onde Menicucci falava que é bissexual e lembrou que ela, durante a ditadura, ficou presa com a ex-presidenta Dilma Rousseff. "Como uma mulher dessas pode representar todas as mulheres do Brasil?" Tem sido uma estratégia comum do presidente eleito dar declarações de tons diferentes a diferentes audiências.

Durante a entrevista, na TV Globo, Bolsonaro voltou a mentir sobre o chamado "kit gay", termo pejorativo para um material antihomofobia que, à diferença do que ele afirma, não foi criado pelo petista Fernando Haddad. O presidente eleito voltou dizer que aconteceu na Câmara um seminário dedicado ao "LGBT Infantil". O evento, na verdade, debateria a sexualidade na infância. A repulsa a respeito de dois temas foi amplamente explorado por Bolsonaro na campanha.

Ataque a 'Folha de S.Paulo'

"Sou totalmente favorável à liberdade de imprensa. Temos a questão da propaganda oficial do governo que é uma outra coisa. (...) O jornal Folha de S.Paulo fez uma matéria, no dia 10 de janeiro, e a rotulou (Walderice Santos da Conceição) de forma injusta como (funcionária) fantasma. Só que nesse dia, 10 de janeiro, ela estava de férias. Então, ações como essa, como parte de uma imprensa que, mesmo se mostrando a injustiça que cometeu com uma senhora, ao não voltar atrás, obviamente que não posso considerar essa imprensa digna. Não quero que ela acabe. Mas no que depender de mim, na propagando oficial do governo, a imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal [...] Por si só esse jornal se acabou, não tem prestígio mais nenhum. Quase todas as fake news que se voltaram contra mim partiram da Folha de S. Paulo."

O contexto e as implicações:

Na TV Globo, Bolsonaro foi questionado sobre a ameaça que fez à Folha de S. Paulo via Twitter na semana anterior, prometendo cortar a publicidade federal se fosse eleito. O jornal, o maior do país, publicou reportagem afirmando que Walderice Santos da Conceição, lotada em seu gabinete na  Câmara, na verdade prestava serviços particulares para ele no litoral do Rio. A Folha também publicou reportagem sobre a existência de um esquema ilegal bancado por empresas para dispara mensagens em massa via WhatsApp para favorecer Bolsonaro - o caso está sob investigação.

Os ataques ao jornal são a faceta mais visível da estratégia que emula a usada por Donald Trump contra a imprensa tradicional. Todo conteúdo incômodo é classificado como fake newsAs ameaças provocaram reações de associações de jornalistas e das empresas jornalísticas. Jornalistas da Folha que fizeram reportagens críticas contra Bolsonaro e o WhatsApp do próprio jornal foram alvo de ataques virtuais coordenados. "O problema é o estímulo à intimidação, a ações coletivas para expor os profissionais e até suas famílias. Isso tudo não é condizente com a liberdade de expressão e com a liberdade de imprensa”, declarou, na semana passada, Daniel Bramatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI).


Ricardo Noblat: Em cena, o Bolsonaro democrata

Todo cuidado com o outro é pouco

O que você prefere – seja para conviver, exaltar ou se opor? O Bolsonaro que no último domingo dia 21 dizia que os “vermelhos” seriam varridos do país para a cadeia ou o exílio?

Ou o Bolsonaro que sete dias depois, uma vez eleito presidente da República, jurou invocando Deus que será um defensor incondicional da Constituição, da democracia e da liberdade?

Essa pergunta não deve ser feita a um bolsonarista da gema. Primeiro porque ele só tem tempo para celebrar a vitória. Segundo porque continua disposto a justificar tudo o que o Mito faça ou diga.

E assim será até que as ações do futuro governante comecem a afetar sua vida para o mal em nome do bem futuro. Finalmente cairá a ficha. E o coração cederá a vez ao bolso.

Bolsonaro fez dois discursos depois de eleito. O primeiro por meio das redes sociais para os acostumados a vê-lo ali. O segundo transmitido por redes de emissoras de rádio e de televisão.

Foi de improviso o primeiro. O segundo foi lido. Importa o segundo. Ele marca a migração do Bolsonaro extremista velho conhecido para o Bolsonaro democrático novinho em folha que agora se apresenta.

De um total de 955 palavras distribuídas em 36 parágrafos, Bolsonaro usou 14 delas para referir-se diretamente à liberdade e seus derivativos. E mais 6 à democracia. E mais 2 à Constituição.

Os dois parágrafos a seguir resumem sua mensagem e não deixam de ser o inverso do que ele sempre disse, sugeriu ou insinuou:

“Liberdade é um princípio fundamental. Liberdade de ir e vir, andar nas ruas, em todos os lugares deste país. Liberdade de empreender. Liberdade política e religiosa. Liberdade de informar e ter opinião. Liberdade de fazer escolhas e ser respeitado por elas.

Este é um país de todos nós, brasileiros natos ou de coração. Um Brasil de diversas opiniões, cores e orientações.”

Estamos a um passo – quem sabe? – de sermos obrigados a reconhecer que Bolsonaro é um democrata de berço. Ou de admitirmos que se fantasiou de ditador tão somente para se eleger.

A verdade talvez esteja no meio. Numa democracia, um autocrata pode vencer, mas só governa se aplicar um golpe ou se acomodar-se às regras do jogo. Adiante, poderá até tentar mudá-las.

Seja bem-vindo, pois, o Bolsonaro recém-convertido à democracia. Quanto ao outro, em vias de ser apagado, recomenda-se cuidado e eterna vigilância.


Angela Bittencourt: Espera-se que Paulo Guedes "governe" na medida certa

Câmbio é "calcanhar de Aquiles" dos estrangeiros

A lua de mel do mercado com o novo presidente eleito neste domingo vai durar até a cerimônia de posse? Esta pergunta foi feita, na semana passada, repetidamente à Coluna, que devolveu a questão, recebeu várias respostas e considerou esta a mais instigante: "Vai durar até que o ministro da Fazenda descubra que o tempo da economia é um e o tempo da Política é outro. O tempo da economia é o da urgência; o tempo da política é o da negociação. Há um excesso de otimismo com Paulo Guedes exatamente porque o economista ainda não se apropriou adequadamente da figura de ministro que exercerá a partir de segunda-feira", afirma o interlocutor.

Para um profissional do mercado financeiro, Paulo Guedes pode cometer um equívoco - ou meter os pés pelas mãos - se decidir se apressar para fazer anúncios assim que formalizada a vitória de Jair Bolsonaro. "O que se espera é que ele volte a falar. Que não se tranque em copas. Que sinalize que a equipe que já está na Fazenda e no Tesouro e no BC permaneça ou diga que seguem conversando e isso vale também para Bolsonaro. Vale até um 'tamo junto' de Bolsonaro, referindo-se às equipes ou parte delas que já estão no governo", diz a fonte.

Outra clara indicação observada pela Coluna é quanto à formalidade esperada para as reformas. Questionados sobre a independência do Banco Central (BC), os profissionais do mercado financeiro são positivos quanto ao assunto, acreditam que o governo fruto dessa eleição preocupa-se com legitimidade das instituições e perseguirá a independência do BC. E, também por esse motivo, consideram indispensável a aprovação de um projeto de lei que discrimine todas as condições a serem cumpridas pela instituição para que ela tenha o selo de "independente".

Nesse sentido, o momento é considerado perfeito pelo fato de Ilan Goldfajn, presidente do BC, estar chegando ao final do segundo mandato, podendo ser reeleito por mais dois e quebrando mandatos por períodos coincidentes aos dos poderes Legislativo e Executivo. O que também vale para a diretoria da instituição. Um dos entrevistados da Coluna acredita que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fará das tripas coração para que Ilan tenha esse legado no currículo. E ele também, inclusive, porque, das 513 cadeiras da Câmara, 251 foram renovadas nessas eleições. E Maia, que era considerado um deputado forte na Casa, agora é considerado forte no Centrão.

Embora Jair Bolsonaro não seja Geraldo Alckmin, o candidato de fato cobiçado pelo mercado desde o minuto inicial da campanha eleitoral para presidente da República, a corrida acabou e o resultado agradou. Afinal, Bolsonaro não é PT e está ainda mais à direita.

Quadro posto já na sexta. "Há ou não um rali armado para a segunda?", questiono. "Resposta de US$ 10 milhões", devolve o analista.

"Uns dizem que sim, outros dizem que não. Mas hoje começa a doer carregar dólares em carteira. É alta a propensão a 'stopar'. A vender para conter o risco de assumir novas perdas", explica o analista de um grande banco. Ele lembra que o dólar ficou um bom tempo ao redor de R$ 3,70 e chegou a R$ 4,20, com o PT avançando nas pesquisas. Até aqui, só lucro. Mas a queda foi rápida e, abaixo de R$ 3,70, é perda. Já estamos a R$ 3,65.

Esse profissional alerta que a grande maioria dos investidores estrangeiros deixou o Brasil até duas a três semanas antes do 1º turno das eleições. O resultado do 1º turno, com vantagem para Bolsonaro, não atraiu essa modalidade de investidor para novas compras. "Neste caso, o D+1 não funcionou", diz.

O interlocutor da Coluna lembra que os estrangeiros continuam mantendo posição de compra em instrumentos derivativos de câmbio representados por contratos de dólar futuro e contratos de cupom cambial ou juro em dólar negociados na B3.

Essas compras começaram em março, quando o saldo era de US$ 11 bilhões. Em abril já estavam em US$ 23 bilhões; em maio, em, US$ 26 bilhões; em junho, US$ 34 bilhões; em julho, US$ 32 bilhões; agosto, US$ 39 bilhões; e, na última quinta-feira, em US$ 38,5 bilhões. Estas posições são utilizadas como garantia para transações com juros e ações no Brasil normalmente. Contudo, o analista entrevistado informa que boa parte desses dólares é hedge de aplicações feitas em outros países emergentes. E que alterações expressivas na taxa de câmbio no Brasil poderão desorientar grandes mercados.

Este profissional não descarta a possibilidade de a taxa de câmbio declinar a R$ 3,50, mas considera o futuro imprevisível, de fato, caso a reforma da Previdência não tome a direção prevista pelo mercado, o que pode ocorrer caso o governo não obtenha uma maioria solidária ou, ainda, caso o PT faça uma oposição ruidosa ao governo na Câmara dos Deputados, onde terá a maior bancada.

Um outro analista, também muito atento aos movimentos cambiais, tem uma avaliação diferente por contemplar um novo elemento: maior oferta de dólares ao Brasil pelo petróleo do pré-sal. Para este profissional, a vitória de Jair Bolsonaro vai recuperar a imagem do Brasil, o Investimento Direto no País (IDP) seguirá na ordem de US$ 70 bilhões ao ano, o superávit comercial ficará próximo a esse valor e o país ainda terá a receita adicional do pré-sal.

"Creio que teremos sim esse problema cambial. Uma apreciação do real que pode chegar a 20%. E, a se confirmar, será grave porque não há produtividade que compense essa variação de câmbio e não podemos imaginar que o mercado não vai fazer o que sabe, que é antecipar o movimento, o 'overshooting'", lamenta.

Uma preocupação que está no ar quando se pensa em dólar no Brasil é a intensa queda das Bolsas americanas. Em outubro, o Nasdaq tombou 10,93%, o que fez evaporar mais de US$ 1 trilhão de valor de mercado de seus componentes.

Mas Pedro Martins, estrategista de ações para o JPMorgan, em entrevista a José de Castro, do Valor, diz que é prematuro considerar que o mais longo "bull market" da história dos EUA chegou ao fim. E avalia que o nível "descontado" das ações emergentes em 2018 acaba deixando esses mercados mais atrativos neste momento.


Celso Rocha de Barros: No fundo do poço há o porão

Nunca descemos tão baixo, nunca fomos tão repulsivos

Não há como diminuir o tamanho da catástrofe que aconteceu ao Brasil neste domingo (28). Somos o único país do Ocidente cujo presidente tem como livro de cabeceira as memórias falsificadas do maior torturador da ditadura militar. Somos o único país do Ocidente cujo presidente prefere ter um filho morto a ter um filho gay.

O vice-presidente do Brasil é um defensor consistente de golpes de Estado. O filho do presidente fala abertamente em fechar o Supremo Tribunal Federal. Animados pelo exemplo de seu líder, juízes censuram universidades, e fanáticos ofendem gays nas ruas.

Nunca descemos tão baixo, nunca fomos tão repulsivos diante do mundo, que assistiu o desenrolar desse desastre com horror.

Chegamos no fundo do poço, e ali havia um porão. O porão.

Temos o líder mais extremista de todas as nações democráticas, e precisamos torcer para que a situação continue a ser essa: afinal, talvez não estejamos mais entre as nações democráticas em breve.

O tema desse pós-eleição será o risco de golpe militar, ou escalada autoritária. Quando isso é assunto, a democracia já está doente. O papel dos militares na política brasileira deveria ser o que é em todas as nações desenvolvidas: nenhum.

Descemos um degrau, caímos para a Série B dos regimes políticos. Se já há o medo, a liberdade não é a mesma. Se há a preocupação de não provocar uma reação desmesurada do lado do poder, a liberdade não é mais a mesma. Hoje já amanhecemos menos livres.

A vitória de Bolsonaro consagrou os piores da campanha do impeachment: os adultos responsáveis que aceitaram participar do governo Temer e deram sua contribuição à estabilização -- Alckmin, Meirelles -- foram destroçados. Bolsonaro, aliás, teve especial satisfação em trabalhar por derrotas do PSDB nos segundos turnos estaduais.

Quem venceu: o MBL, Bolsonaro, os defensores do golpe militar, Janaina Paschoal, Levy Fidélix, leitores de Olavo de Carvalho. Pois é.

O que sobrou do centro? Há algum país do mundo em que o sujeito que apoiou Bolsonaro, que se absteve diante de Bolsonaro, é considerado de centro?

Há o Centrão, o fisiologismo, e a esperança de que o Centrão -- nosso inimigo até sábado, quando éramos uma nação civilizada -- agora controle Bolsonaro. Até sábado, discutíamos como nos livrarmos do Centrão e reposicionarmos a política brasileira em termos de uma centro-esquerda e uma centro-direita competitivas. Agora torcemos pelo Centrão. Caímos isso tudo.

E agora vai chegar a conta do estelionato eleitoral bolsonarista, das fraudes de WhatsApp e da fuga dos debates: o Brasil está prestes a descobrir que não, a crise econômica não foi causada por corrupção, e que ajustes dolorosos são necessários.

Enfim, o país escolheu o que escolheu, e agora é hora de pagar o preço dessas escolhas. Que, é claro, pode incluir o fim da democracia brasileira tal qual nós a conhecemos.

Mas foi muito importante que a vitória de Bolsonaro fosse muito menor do que teria sido antes que sua máquina de fake news fosse desbaratada, antes de sua promessa de perseguir opositores, antes da mobilização antifascista da última semana.

Bolsonaro assumirá com a maré já virando contra ele. Faz muita, muita diferença. No mínimo, ganhamos tempo para descobrir o que pode ser feito nesse novo cenário.

*Celso Rocha de Barros é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Vera Magalhães: No mano a mano, presidente eleito supera Lula

Preso desde abril, petista achou que ditaria, da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o resultado da eleição

Luiz Inácio Lula da Silva foi suplantado por Jair Bolsonaro neste domingo. Esta é a grande fotografia que fica do resultado do segundo turno. Fernando Haddad sempre foi um dublê de corpo numa eleição que desde cedo se tornou plebiscitária entre o lulismo e o antilulismo.

Condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, preso desde abril, Lula achou que ditaria, da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, o resultado da eleição. Seu peso na política brasileira foi suficiente para levar Haddad ao segundo turno, contra o adversário que ele escolheu lá atrás e que achou que era inelegível, dada a alta rejeição que tinha.

Bolsonaro fez aposta semelhante, com sinal trocado. Enxergou o fastio com o PT ainda antes do impeachment de Dilma Rousseff, e soube semear este campo com discurso radical que escanteou o PSDB e tirou do partido o papel de polo opositor ao petismo, que ocupava havia mais de duas décadas.

A maioria do eleitorado brasileiro comprou o discurso de Bolsonaro, o mesmo que choca a outra quase metade que não o sufragou. O resultado dessa guinada é a eleição do primeiro presidente assumidamente de direita desde Fernando Collor – que, embora tenha feito campanha prometendo abertura econômica, não tinha cores tão acentuadas de conservadorismo nos costumes, nem uma contraposição ideológica tão nítida.

A guinada é mais ampla que a eleição de Bolsonaro: o novo Congresso e o comando dos principais Estados também penderam para a direita. Isso terá reflexos nas principais decisões econômicas e na pauta de segurança e dos costumes que o futuro presidente vai endereçar.

Por fim, se coloca a dúvida quanto ao respeito do eleito à democracia e às instituições. Em seu primeiro discurso escrito depois de eleito, Bolsonaro fez um aceno à conciliação ao dizer que governará para todos os brasileiros, mencionou inúmeras vezes a palavra “liberdade” e falou com todas as letras que fará reformas para recuperar a grave situação fiscal que encontrará. É um começo auspicioso, pois o candidato, ao longo da campanha, deu margem para dúvida quanto a esses compromissos – que ele categorizou como “promessa”.


Eliane Cantanhêde: Bolsonaro promete ‘Nação grande, livre e próspera’. Mas como?

Mais do que as palavras, destacam-se os símbolos no primeiro pronunciamento do presidente eleito

O grande desafio a partir de agora é decifrar quem é, o que pretende e o que vai conseguir efetivamente fazer o novo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que quebra todos os paradigmas e foi eleito num dos maiores movimentos de renovação já vistos no País. Há uma esperança enorme, mas também muitos temores.

Após a vitória, Bolsonaro fez um apelo à pacificação de um País que sai profundamente dividido da eleição e se comprometeu com “a Constituição, a democracia e a liberdade”. Isso é importante não só para a Nação, mas para o próprio Bolsonaro, que chocava ao defender a ditadura e a tortura, mas deixa para trás a persona candidato e assume a de presidente eleito, contemporizador e pragmático como deve ser.

Mais do que as palavras, destacam-se no primeiro pronunciamento os símbolos. Ele desdenhou a TV e optou pelas redes sociais, tão fundamentais para a construção de sua candidatura e a vitória. E mais: a simplicidade dele e de sua mulher, a Bíblia e a Constituição sobre a mesa, o broche de deputado federal na lapela do paletó, sem gravata.

Além de símbolos, porém, Bolsonaro precisa finalmente mostrar a que veio, detalhar um programa econômico sólido, definir prioridades e metas. Nada disso ficou claro durante a campanha, mas acabou o tempo. Não há alternativa: é mostrar ou mostrar qual será o governo, e com quem.

Para começar, tem de deixar claro qual a autonomia do economista Paulo Guedes, a dimensão e a forma do ajuste fiscal e do enxugamento do Estado. E, afinal, onde se encaixa a fundamental preocupação social?

Bolsonaro não ganhou de goleada, mas saiu das urnas com enorme legitimidade e corre um risco: qualquer erro será amplificado proporcionalmente ao tamanho da expectativa gerada. Foram muitas as promessas, serão igualmente muitas as cobranças. E, além de encarnar o “novo”, os valores da família, da ordem e do progresso, muito pouco, praticamente nada, se sabe do capitão que chegou à Presidência da República.

Todos os candidatos, todos os cidadãos querem e sonham transformar o Brasil “numa grande, livre e próspera Nação”, como ele anunciou ontem. O problema não é querer, é saber como e em quanto tempo fazer.


Cacá Diegues: O futuro depois da eleição

Só posso entender clara vitória de Bolsonaro como uma punição que o povo resolveu dar ao país, sobretudo às suas elites governantes

Como se supunha que fosse acontecer, Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República. Não há mistério algum em saber quem ele é, não preciso sussurrar num tom de voz conspiratório que ouvi dizer isso ou aquilo dele, do que disse ou andou fazendo. O que ele é, o próprio Bolsonaro nos revela em tantos vídeos que ele mesmo grava ou deixa gravar para exibição pública.

Através desses vídeos, ficamos sabendo que ele considera a ONU uma perigosa reunião de comunistas; que afastaria o Brasil do Acordo de Paris; que pretende resolver a polarização radicalizada da sociedade brasileira eliminando um dos lados, aquele que chama de “vermelho”, dando a seus ativistas a opção de deixar o Brasil ou ir para a cadeia. Os mesmos vídeos nos quais seu filho Eduardo, deputado como ele, afirma que um cabo e um soldado são suficientes para fechar o Supremo Tribunal Federal, confirmando a anedota pessimista do jurista Nelson Hungria: “Acima do Supremo, só os tanques e as baionetas”.

Os vídeos nos mostram que Bolsonaro prefere um regime autoritário e é a favor da tortura, tratando como herói um célebre torturador dos porões de nossa ditadura, Carlos Alberto Brilhante Ustra. O ex-capitão adotou, como slogan de sua campanha à Presidência, a frase patriótica e religiosa: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Como dificilmente o Senhor vai se dar ao trabalho de descer à Terra para ajudá-lo a governar o país nesses próximos quatro anos, só restará a Bolsonaro se auto-nomear delegado d’Ele, autorizando a si mesmo os gestos que julgar que Deus praticaria.

Nada do que é dito nos parágrafos anteriores é fofoca, disse me disse com a intenção de prejudicar a imagem de um candidato legitimamente eleito pelo povo do país. Tudo foi dito por ele mesmo, ao vivo ou em vídeos que tratou de difundir pelos programas digitais dos quais participou em campanha. Uma novidade inteligente, pois o mundo digital cria novas tecnologias e faz o raciocínio analógico único envelhecer.

Como não acredito que existam 60 milhões de brasileiros que pensam desse modo, que tenham pelos outros brasileiros sentimento tão destrutivo, só posso entender essa clara vitória de Bolsonaro como uma punição que o povo resolveu dar ao país, sobretudo às suas elites governantes. É como se dissessem à população que estão cansados de serem iludidos, de ouvir promessas que não se cumprem, de sofrerem calados à espera de uma remissão que nunca chega. Chega de incompetência, chega de malfeitos, chega de corrupção, chega de brincadeira com a felicidade do povo, agora vai ser pau puro, vocês que se danem.

Não me venham com a velha história de que o povo foi enganado, de que não faz ideia de quem são esses caras. Pela alegria que vejo nas ruas, o povo votou consciente, era isso mesmo o que ele queria. Os eleitores de Bolsonaro não são militantes de nenhum partido, nem ativistas de nenhuma ideologia, não têm uma cartilha doutrinária pela qual rezam sua doutrina. Ideologia de emergente é ascensão social, e não luta de classes. E o “perigo comunista” acabou há muito tempo, hoje só existe como pretexto para golpes de Estado.

Apenas os eleitores se cansaram e só nos resta respeitar sua decisão. Eles quiseram punir o Brasil pela distância entre a imagem ideal do país e o que ele é de fato. Quem não estiver de acordo, que se prepare para a oposição que a democracia lhes dá o direito de exercer. A democracia que obriga o poder a aceitar a diferença, sem exigir nenhuma submissão do pensamento, apenas o respeito às regras e às leis.

Em 1776, a Revolução Americana inaugurou a democracia moderna. Mas foi na França, em 1789, um século antes da Proclamação da República no Brasil, que a ideia de democracia foi formulada com mais precisão, através de mote célebre: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A liberdade se tornou uma reivindicação básica do capitalismo; e a igualdade, do socialismo. Sempre esperei que o Brasil resolvesse o impasse inventando a fraternidade dos tempos modernos, resolvendo com uma face humana o confronto contemporâneo entre o indivíduo e a sociedade, o direito de sermos o que somos sem fazer mal a ninguém, de bem com todos. Ainda temos o direito de sonhar.


Bernardo Mello Franco: O baixo clero sobe a rampa

Festa da vitória de Bolsonaro teve discurso anticomunista, oração com pastor e aceno às bancadas conservadoras do Congresso

Na primeira aparição como presidente eleito, Jair Bolsonaro fechou os olhos, baixou a cabeça e fez silêncio para ouvir apalavra de Magno Malta. De camiseta amarela e relógio de ouro no pulso, o dublê de senador e cantor gospel festejou a vitória de “um cristão verdadeiro, um patriota”. “Os tentáculos da esquerda jamais seriam arrancados sema mão de Deus”, celebrou.

O tom de pregação também marcou o discurso de Bolsonaro. Ele começou citando uma passagem bíblica: “Conhecerei a verdade, e a verdade vos libertará”. Depois agradeceu as orações de eleitores e definiu sua chegada à Presidência como “uma missão de Deus”.

Foram sinalizações claras ao eleitorado evangélico, que impulsionou sua vitória. No Ibope de sábado, ele ostentava 27 pontos de vantagem neste segmento religioso. Entre os católicos, Fernando Haddad aparecia dois pontos à frente.

Sete dias depois de ameaçar os opositores coma cadeia ou o exílio, o presidente eleito tentou se reapresentar como conciliador. No discurso lido, prometeu um governo “defensor da Constituição, da democracia e da liberdade”. “Não é a palavra vã de um homem. É um juramento a Deus”, disse.

Em outro momento, ele afagou as Forças Armadas com uma homenagem ao comandante da tropa na Guerra do Paraguai. “Não sou Caxias, mas sigo o exemplo deste grande herói brasileiro. Vamos pacificar o Brasil”, afirmou.

Antes de surgir diante das câmeras, Bolsonaro saudou os seguidores em seu ambiente favorito: as redes sociais. Mais à vontade, definiu seus eleitores como “integrantes de um grande exército que sabia para onde o Brasil estava marchando e clamava por mudanças”.

Na fala de improviso, o presidente eleito voltou a soar como o candidato em campanha. Atacou a “grande mídia”, prometeu combater o “comunismo” e acenou aos velhos companheiros do Congresso. “Todos os nossos compromissos serão cumpridos com as variadas bancadas”, disse.

A frase é uma senha de que Bolsonaro encampará as agendas dos ruralistas, da frente evangélica ed abancada da bala. O capitão construiu sua carreira no chamado baixo clero, esnobado por seguidos governos. Agora a turma vai subir a rampa do Planalto a seu lado.