Bolsonaro
El País: Nomeação de Moro aumenta munição para acusações de ação política do magistrado
Entre os que atuam no combate à corrupção, a indicação de Moro é uma "oportunidade". Mas juristas e petistas afirmam que ida de juiz para o Governo demonstra viés político de sua atuação
Considerado o maior algoz do PT, responsável pela condenação em primeira instância do ex-presidente Lula, o que abriu caminho para tirá-lo da disputa eleitoral, o juiz Sérgio Moro aceitou assumir nesta quinta-feira um dos mais importantes ministérios do Governo de Jair Bolsonaro. O futuro superministro da Justiça e Segurança Pública irá fazer parte de uma gestão assumidamente antipetista, com um presidente que falou até mesmo em “varrer os vermelhos” do país durante a campanha. Com isso, o juiz da Operação Lava Jato se tornou uma vidraça para os críticos que o acusavam de atuação política contra o PT em suas decisões.
A defesa de Lula afirmou que a nomeação "prova definitivamente que Lula foi processado, condenado e encarcerado sem que tenha cometido crime, com o claro objetivo de interditá-lo politicamente" e diz que tomará "as medidas cabíveis no plano nacional e internacional para reforçar o direito do ex-presidente a um julgamento justo". Em nota, Moro, que em diversas ocasiões afirmou que “jamais entraria para a política”, deu a tônica de como se dará sua atuação: uma “forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos”. A pasta que caberá a ele será uma junção de várias secretarias e ministérios que ainda não está completamente definida, segundo Bolsonaro. Transparência, Segurança Pública, Justiça, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, atualmente ligado à Fazenda), e Controladoria-Geral da União devem integrar a pasta. O magistrado terá o controle sobre a Polícia Federal, uma das principais entidades responsáveis pela Operação Lava Jato – sendo a outra o Ministério Público Federal, que não será subordinado a Moro.
Ao tomar a decisão de ingressar no novo Governo, Moro abriu mão de uma carreira com estabilidade em troca de um cargo do qual pode ser mandando embora a qualquer momento. Por isso, gerou especulações de que estaria de olho em uma indicação para o Supremo Tribunal Federal em novembro de 2020, quando o decano Celso de Mello se aposentará, uma tese confirmada por Bolsonaro em uma entrevista coletiva na tarde desta quinta. Outra possibilidade seria a de que Moro disputasse a presidência em 2022, mas esta hipótese dependeria em grande medida da aprovação, pelo atual presidente eleito, do fim da reeleição, uma medida defendida por ele durante a campanha.
Independentemente de qual o caminho a ser trilhado pelo juiz, a decisão "deixou o Judiciário em situação difícil, joga uma sombra sobre este poder no sentido de que fortalece o discurso de que existia uma atuação política por parte do magistrado”, acredita o jurista Walter Maieróvitch. Ele também vê como “incompatível” para um juiz de formação humanista “o alinhamento a um Governo cujo presidente eleito diz ter o livro do coronel e torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra em sua cabeceira, e que afirma ser favorável à ditadura militar, pena de morte, redução da maioridade penal e ser contra a liberdade de imprensa”.
Dois fatos recentes dão ainda mais munição para as acusações de atuação política de Moro no magistério durante as eleições. Em 1º de outubro, uma semana antes do primeiro turno, Moro retirou o sigilo de parte da delação do ex-ministro do PT Antônio Palocci que implicava ainda mais Lula. E o vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, afirmou que as primeiras sondagens e contatos com o juiz ocorreram “semanas atrás, durante a campanha”. Esta aproximação teria sido feita pelo futuro superministro da Economia, Paulo Guedes. Questionado sobre isso, Bolsonaro discordou do relato de seu vice, e afirmou que os contatos de Guedes com o juiz se deram apenas depois das eleições: "Tenho pouco contato com o Mourão", disparou o presidente eleito, que afirmou na tarde desta quinta que se os petistas criticaram a escolha de Moro é sinal de que ele fez "a coisa certa".
A estes episódios eleitorais que podem lhe imprimir o rótulo de ter agido contra o PT somam-se outros fatos já criticados durante o curso da Operação Lava Jato. Como, por exemplo, a condução coercitiva do ex-presidente Lula, feita sem convocação formal e, portanto, irregular (e condenada pelo STF) e a retirada de sigilo de áudios de conversa do petista com a então presidenta Dilma Rousseff. Este último fato deu combustível para a oposição que terminou por afastar a presidenta do cargo. Posteriormente, o juiz se envolveu em outra polêmica ao fazer um pedido para que a prisão de Lula fosse mantida, contrariando ordem de um desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, hierarquicamente superior a Moro.
Como Ministro da Justiça, o juiz Sergio Moro poderá impactar ainda órgãos muito importantes para o controle da corrupção, como a Polícia Federal, a CGU e o COAF, ampliando sua influência positiva dos casos em Curitiba para todo o país.
Se o juiz Moro tivesse aspiração política, ele poderia ter se tornado presidente ou senador nas últimas eleições com alta probabilidade de êxito. Mentiras como essa serão repetidas, mas não vão abalar a LJ, em que atuam não só um juiz, mas 14 da primeira à última instância.
Os petistas dispararam contra o magistrado minutos após ele ter aceito o convite. A presidenta da legenda, Gleisi Hoffmann, chamou a nomeação do magistrado de “a fraude do século”. “Bolsonaro só foi eleito porque Lula foi injustamente condenado e impedido de participar da eleição... Pelo juiz Sérgio Moro. Ajudou a eleger [Bolsonaro], ajudará a governar”, afirmou. O candidato derrotado Fernando Haddad também criticou a escolha: “O significado da indicação de Sérgio Moro para Ministro da Justiça só será compreendido pela mídia e fóruns internacionais”. A ex-presidenta Dilma Rousseff foi mais direta, e após citar os abusos cometidos pelo juiz na magistratura afirmou que “o juiz está nu”. Outros deputados da oposição também criticaram a indicação. “O que Bolsonaro está oferecendo a Moro não se chama Ministério da Justiça (...) se chama recompensa!”, afirmou Glauber Braga (PSOL-RJ), referindo-se à acusação de o juiz ter atuado para tirar da disputa eleitoral o ex-presidente Lula.
Para Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, a ida de Moro para o Ministério da Justiça reforça um pouco a tese petista de perseguição, mas, segundo ele, “para se dizer que um juiz é parcial, que age com interesses, é preciso demonstrar por meio de atos, de comportamentos que ele tenha adotado”. Para Bottino, isso se aplicaria muito mais a episódios como a condução coercitiva de Lula e o vazamento dos áudios entre o ex-presidente e a então presidenta Dilma Rousseff. Diante das controvérsias passadas, a adesão de Moro ao
Governo Bolsonaro não lhe parece problemática. Pelo contrário.
“Sua postura como juiz sempre foi muito mais ativa do que se espera. Tem de ser neutro, ponderado, equilibrado, imparcial, e ele sempre se mostrou diferente disso. No ministério, esse tipo de postura não é problemática”, diz o professor. “O ambiente dele é mais esse mesmo. A rigor, o Bolsonaro recebeu votos para implantar determinadas políticas, com um discurso moralista, de não aceitar a corrupção. Acho que ele [Moro] representa bem esse discurso. Está alinhado com o que o povo brasileiro escolheu para ser política pública nos próximos quatro anos”.
Dentro do círculo bolsonarista e em parte de setores do meio jurídico a indicação de Moro foi muito bem vista. Em nota, a assessoria de imprensa da força-tarefa da Lava Jato informou que “não iria se manifestar oficialmente” sobre a indicação de Moro. O procurador Deltan Dallagnol, no entanto, usou sua conta no Twitter para parabenizar o juiz, e criticar as acusações de atuação política do magistrado: “Se o juiz Moro tivesse aspiração política, ele poderia ter se tornado presidente ou senador nas últimas eleições com alta probabilidade de êxito”. Ele disse ainda que “em Curitiba, a Lava Jato seguirá com outros magistrados (...) Há ainda bastante por fazer e será feito. Perde-se o grande talento de um juiz, mas a maior parte da equipe seguirá firme lutando contra a corrupção”.
O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, afirmou nesta quinta-feira que havia conversado com Moro na última semana e que o futuro titular da Justiça receberá do novo Governo toda a estrutura para fazer "um combate implacável contra a corrupção". Moro também recebeu os parabéns de Fernando Mendes, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil: “Cumprimento o Sergio Moro pelo convite para assumir o cargo de Ministro da Justiça. Desejo-lhe sorte nas novas funções. Moro sempre foi um juiz federal exemplar e que muito contribuiu para o fortalecimento da Justiça Federal”. O colega Marcelo Bretas, juiz de primeira instância da Lava Jato no Rio, também o congratulou. “Ao colega e amigo Sérgio Moro, desejo sucesso. Competência profissional e dignidade pessoal não lhe faltam para exercer as maiores funções em nossa República”, escreveu no Twitter.
Quem atua diretamente no combate à corrupção viu na indicação de Moro uma oportunidade para o aprimoramento da legislação e dos métodos em vigor. O promotor Marcelo Mendroni, do Grupo de Repressão de Delitos Econômicos do Estado de São Paulo, defendeu a indicação de Moro por seu perfil linha-dura no combate ao crime organizado. “Acho um nome excelente, porque no país não dá mais para ter nenhuma condescendência com grandes corrupções”, afirmou. Segundo o promotor, ao assumir o controle da Justiça o magistrado poderá “criar mecanismos que vão auxiliar os Ministérios Públicos e as polícias estaduais e federal” nesta tarefa. Mendroni explica que o combate à corrupção gira em torno de um tripé: “Estrutura, legislação adequada e treinamento para policiais e promotores atuarem em anticorrupção”. Assim, caberia à pasta que Moro chefiará criar “mais e melhores grupos especializados de policiais e do MP focados em fiscalizar as grandes licitações para evitar fraudes, e cartéis. Só assim a cultura anticorrupção se sedimentará no Estado”.
Zeina Latif: O semblante do político
A bronca é generalizada e vai além da crise econômica, reclama-se da ação estatal
Com as urnas apuradas, vieram os discursos do vencedor e do derrotado.
O derrotado sorria e exibia um semblante leve, quase aliviado. Um desavisado acharia que ele teria ganho a eleição. Fernando Haddad provavelmente sabe que o PT teria muitas dificuldades para governar e fazer o País crescer. Além do isolamento político do partido, a agenda petista não dá conta dos desafios da economia. E com 2022 logo ali, o partido estará na confortável posição de oposição. Que ela seja responsável, pensando no bem do País.
O vencedor, por sua vez, exibia semblante tenso e abatido. O desafio de governar passou a pesar sobre seus ombros. O Brasil não é um país fácil e o momento atual é particularmente difícil.
Não se sabe ainda qual o escopo da aguardada agenda liberal. As falas do futuro ministro da Economia são contundentes, mas ainda superficiais e conflitantes com as dos conselheiros políticos de Jair Bolsonaro. Caberá ao futuro presidente arbitrar os conflitos, superando seu desconhecimento de políticas públicas e a inexperiência na gestão pública dele e dos que o rodeiam.
A pouca experiência do novo governo seria menos preocupante não fossem o quadro econômico frágil, as reformas fiscais urgentes e a sociedade ansiosa por mudanças. Uma combinação assim não era vista, possivelmente, desde o governo do presidente Fernando Collor.
Segmentos da classe média e do setor produtivo são os que mais depositam esperanças no futuro presidente, a julgar pelas clivagens sociais nas pesquisas de intenção de voto e pelo resultado das urnas por regiões do País. São os que sentiram mais intensamente a crise econômica e sofrem muito com o mau funcionamento do Estado brasileiro.
A classe média, que não conta com redes de proteção social, perdeu status. Precisou rebaixar seu padrão de consumo diante do desemprego de membros da família e exibe ainda elevado volume de dívidas em atraso como proporção de sua renda (4% considerando apenas a dívida bancária). A inflação baixa, certamente, ajudou na melhora da confiança do consumidor. O medo do desemprego, no entanto, continua em níveis máximos, afligindo mais de 65% da população, de acordo com pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Empresários que viram suas empresas e patrimônio ameaçados engrossam o coro dos descontentes. Apesar da melhora das condições financeiras das empresas desde o fim de 2016, os sinais de alerta ainda estão acesos. Há ainda volume desconfortável de dívidas em atraso como proporção do faturamento e os pedidos de recuperação judicial não estão recuando em relação a 2017. A capacidade ociosa na indústria e nos serviços está em patamares recordes, em torno de 20%. Não se voltou à normalidade, o que limita a geração de empregos, ainda muito concentrada na informalidade.
A bronca é generalizada e vai além da crise econômica. Reclama-se da ineficiente e injusta ação estatal, sendo que, sem crescimento, tudo fica mais difícil. O Estado brasileiro maltrata o capital privado e protege alguns poucos setores. Bolsonaro soube captar esse sentimento.
O médio produtor é o mais castigado, pois sofre com o elevado custo Brasil, sem conseguir diluí-lo pela menor escala de produção, e não conta com benefícios tributários como as pequenas empresas. Sofrem com o Estado intervencionista, que muda regras com frequência e sem critérios, mas que é incapaz de prover serviços de qualidade e segurança jurídica. Não faltam reclamações de abuso de poder e complacência dos últimos governantes com os excessos de alguns grupos.
Um Estado que funcione melhor é o desejo de todos. No entanto, não se trata de ter mais recursos públicos ou simplesmente autoridade, ainda que ela seja necessária. Um exemplo recente da sua falta foi a ausência de responsabilização de agentes públicos pelo incêndio do Museu Nacional.
Será necessário apoio no Congresso, diálogo com o sistema judiciário e reforço no arcabouço institucional, definindo as responsabilidades dos órgãos e agências públicas.
Um presidente pode menos do que se pensa.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Roberto Macedo: Bolsonaro precisa de uma reforma pessoal
Esse enorme abacaxi caiu no colo de Bolsonaro, cuja propaganda andou dizendo "pode Jair se acostumando". Mas se não resolver esse e outros graves problemas, virá o "Jair já era".
Jair Messias Bolsonaro, capitão reformado do Exército, enfrentará em Brasília muitos e grandes problemas. Alguns, de enorme magnitude e de difícil solução, são carentes de reformas específicas, como a previdenciária e a tributária.
Mas ele precisa fazer também uma reforma de si mesmo, começando por cair na real e perceber que sua vitória não resultou de sua genialidade. Como disse o filósofo espanhol Ortega y Gasset, o ser humano é ele e as circunstâncias. Ou seja, suas ações pessoais são importantes, mas circunstâncias favoráveis ou não também podem contribuir, e muito, para seu sucesso ou fracasso. Bolsonaro foi claramente beneficiado por uma onda de descrença e desilusão com políticos tradicionais e com o lulopetismo. Essa onda veio também da insatisfação com a crise econômica, que entre outras mazelas trouxe enorme desemprego. Some-se a isso a corrupção endêmica, também envolvendo políticos, que, felizmente, passou a ser desnudada pelo Judiciário. E a falta de segurança que grassa pelo País, entre outros aspectos. Até a facada que sofreu em Juiz de Fora, um episódio lamentável, revelou-se circunstância favorável, pois estimulou a compaixão e a solidariedade de muitos eleitores e o poupou de debates de alto risco com outros candidatos.
O talento de Bolsonaro esteve em perceber essa onda favorável e surfar nela para que o povo o sufragasse nas urnas. Não é pouca coisa, mas sem essas circunstâncias o cenário eleitoral poderia ter sido outro. No fim, ele ganhou a eleição, mas também a imensa responsabilidade do cargo de presidente e dele se esperam soluções para os muitos e graves problemas de que o Brasil padece.
Ao reformar-se também precisaria aumentar, e muito, o tamanho do seu curtíssimo pavio. E não se iludir com essa conversa de mito, merecedora de um pito. Outro ponto importante seria dispor-se a discutir assuntos sem opiniões preconcebidas, ou mesmo erradas, o que, aliás, se estende a membros do seu núcleo duro. Por exemplo, o deputado Onyx Lorenzoni, cotado para a chefia da Casa Civil, disse há dias que o projeto de reforma previdenciária de Temer, em exame no Congresso, é uma "porcaria". Mas depois, na terça, dia 30, os jornais noticiaram que Bolsonaro quer negociar com Temer a aprovação imediata de pelo menos uma parte desse projeto. O que seria correto, pois ele tem muitos méritos.
Muita gente não gosta de Bolsonaro, que teve 39,2% do número total de eleitores, que inclui votos em branco, nulos e abstenções, revelando que não é a unanimidade que muitos imaginam. Mas teve maioria (55,1%) dos votos válidos e democracia é isso. Espero que tenha êxito em tirar o Brasil da encrenca em que se meteu por obra e desgraça do lulopetismo, além de começar a afastá-lo de uma estagnação econômica que já está próxima de completar quatro décadas e o deixou para trás no contexto dos países emergentes. Mas no curto prazo de seu mandato o objetivo imediato deve ser o de superar a crise que prostrou a economia desde 2015 e aumentou o desemprego e a pobreza.
E vai ser muito difícil. Por isso, na reforma de si mesmo também seria importante preparar-se para a gestão pública, em que não tem experiência. E essa gestão é de alta complexidade. O governo federal é o maior ente econômico do País, está em seriíssimas dificuldades orçamentárias e só não chegou à lastimável situação de alguns Estados, como Rio, Minas e Rio Grande do Sul, onde se registram até atrasos de salários, porque não tem limite de endividamento. Seus altos déficits viram mais dívida acumulada. Se continuar nessa rota, vai quebrar mais à frente, quando os credores derem um basta no endividamento forte e ininterrupto.
O que viria com essa quebra? Entre outras consequências, o dólar subiria muito, agravando o problema inflacionário e exigindo medidas recessivas no sentido contrário. O governo também poderia, num incesto financeiro, emitir mais dinheiro para se financiar, igualmente levando a movimentos do dólar e da inflação na mesma direção. E assim viria outra crise sobre a crise ainda em andamento, complicando demasiadamente a situação.
Na questão administrativa, inexperiente, ele não tem o que reformar. Deve delegar muito, mas preservar para si a missão que cabe ao presidente, a de liderança do processo de transformações, buscando soluções, motivando seus auxiliares, cobrando providências e desempenho. Numa foto recente, ele estava diante de uma mesa onde mostrou quatro livros que presumivelmente anda lendo: a Constituição, uma Bíblia em linguagem contemporânea, um livro sobre as memórias de Churchill - um grande modelo de liderança - e um do filósofo Olavo de Carvalho, importante mentor da direita brasileira. Caberia um sobre gestão pessoal e de negócios, a meu ver também aplicável a governos, e pensei no Stephen Covey, Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes (Rio de Janeiro, Best Seller, 2014). Lançado em 1989, já teve mais de 25 milhões de exemplares vendidos internacionalmente, tendo sido considerado pela revista Forbes o livro mais influente na sua área no século 20.
Uma de suas lições ensina que a boa gestão deve dar prioridade a questões urgentes e importantes, mas também é preciso cuidar das importantes e não urgentes, pois com o passar do tempo podem passar à primeira categoria, numa situação agravada por soluções procrastinadas. É o caso do problema previdenciário no Brasil. Empurrado com a barriga por sucessivos presidentes e pelo Congresso, acabou por se tornar um problema crônico e de solução cada vez mais difícil, agora tão importante como urgente.
Esse enorme abacaxi caiu no colo de Bolsonaro, cuja propaganda andou dizendo "pode Jair se acostumando". Mas se não resolver esse e outros graves problemas, virá o "Jair já era".
* Economista (Ufmg, Usp e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior
Luiz Carlos Azedo: O governo enxuto
“Bolsonaro falava em 10 ministérios. Agora, já são 15, incluídas duas polêmicas incorporações: Indústria e Comércio Exterior na Economia e Meio Ambiente na Agricultura”
A montagem de um governo mais enxuto, que caiba na Esplanada dos Ministérios, pode provocar uma crise no mercado imobiliário de Brasília, com o esvaziamento de dezenas de prédios e outros imóveis alugados pelo governo federal; afora isso, a ideia está sendo bem recebida pela opinião pública. É uma promessa que quase todos os candidatos fizeram, porém, muito difícil de cumprir.
Bolsonaro falava em 10 ministérios. Agora, já são 15, incluídas duas polêmicas fusões: a absorção da Indústria e Comércio Exterior pelo superministério da Economia, cujo titular será Paulo Guedes, um dos homens fortes do novo governo; e a incorporação do Ministério do Meio Ambiente pelo Ministério da Agricultura
No primeiro caso, a forte reação do lobby das indústrias provocou um recuo de Bolsonaro no segundo turno, mas acabou prevalecendo a intenção inicial. Ao anunciar a decisão, Paulo Guedes rebateu as críticas com o argumento de que a decisão fará bem à indústria, apesar dos industriais. A frase foi vista como uma demonstração de truculência e inabilidade política do novo ministro, mas precisa ser apreciada com mais objetividade e menos partidarismo.
A existência de um superministério da Economia é estigmatizada em razão do fracasso do Plano Collor, lançado pelo então presidente Fernando Collor de Mello, que havia confiado a pasta à economista Zélia Cardoso de Mello. O confisco das cadernetas de poupança, peça fundamental no plano para acabar com a hiperinflação, iniciativa voluntarista, virou um tiro n’água, porque frustrou fortemente a classe média que havia apoiado Collor, e o plano de combate à hiperinflação deu errado.
Entretanto, o trabalho feito pelo então Departamento de Indústria e Comércio, que havia substituído o antigo ministério, deixou o grande legado do governo Collor: abertura da economia brasileira à globalização. Na época, o então diretor de Planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luiz Paulo Velozzo Lucas, mais tarde eleito prefeito de Vitória pelo PSDB, foi convidado para o cargo. Entre os anos 1990 e 1992, sua equipe coordenou diversas ações para abrir e reestruturar a economia brasileira, entre as quais as negociações do Mercosul e da Rodada Uruguai do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), da Organização Mundial de Comércio.
Meio Ambiente e Justiça
Outra polêmica tem sinal trocado. A incorporação do Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura, que está gerando protestos de todos os ex-ministros da pasta e até mesmo de líderes do agronegócio, como o atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Há um viés ideológico e regressista na decisão de Bolsonaro, que desconsidera questões de ordem técnica.
Pesa a visão dos militares sobre as reservas indígenas na Amazônia e a presença de ONGs internacionais que atuam na região, financiadas por governos estrangeiros e grandes empresas multinacionais. Essa questão, porém, já foi tratada no âmbito legislativo e tem vasta jurisprudência no Supremo Tribunal Federal, inclusive quanto à liberdade de ação das Forças Armadas para defender o território. Há também o lobby dos parlamentares ligados a setores que estão mais preocupados em lutar contra os órgãos de fiscalização que combatem o desmatamento, a grilagem de terras, a violência no campo e o trabalho escravo.
O problema, porém, é muito mais amplo. Não se trata apenas da Amazônia. Há a ocupação desenfreada do Cerrado pela pecuária e a soja, que vem provocando a desertificação de algumas regiões, inclusive no Planalto Central. Mais do que a preservação da Mata Atlântica, cuja ocupação e manejo está sob relativo controle, a poluição do ar e dos rios nas cidades brasileiras, além da destinação dos resíduos sólidos, são assuntos completamente fora do âmbito do Ministério da Agricultura.
Outra proposta é o fortalecimento do Ministério da Justiça, que incorporaria as atribuições do recém-criado Ministério da Segurança Pública, pasta para a qual deve ser convidado o juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba. A pasta será responsável por duas agendas fundamentais para a eleição de Bolsonaro: o combate ao crime organizado e à corrupção no governo federal.
O Ministério da Segurança Pública, sob comando de Raul Jungmann, iniciativa do governo Temer, possibilitou a criação de um sistema nacional de segurança pública e mudou a postura do governo federal em relação ao problema, que sempre ficou a cargo dos governos estaduais. Se o Ministério da Justiça mantiver o sistema unificado de segurança pública, pode ser que esse avanço seja preservado.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-governo-enxuto/
William Waack: Brasil, Trump e o PCC
EUA seguem mesma política de Obama no tocante ao País: bem pouco interesse
Os americanos não perdem tempo e sinalizaram em menos de 24 horas ao presidente Jair Bolsonaro qual é a agenda da preferência deles. O tuíte de Trump para Bolsonaro falava em “military” e “trade” – em português, defesa e comércio. No dia seguinte o chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo, pôs mais dois itens de caráter, digamos, “regional”, mas os itens que mais importam na visão americana deste pedaço do mundo: Venezuela e crime organizado.
Por mais que a campanha de Bolsonaro tivesse se empolgado com aspectos que a tornavam similar à famosa vitória de Trump, a recíproca não é verdadeira. Em relação a Obama, que tanto adora detestar, Trump prossegue a mesma política no tocante ao Brasil: relativamente bem pouco interesse.
Quando falou do Brasil recentemente, Trump utilizou uma linguagem ameaçadora. Acabara de encurralar México e Canadá numa revisão do acordo comercial que engloba os países da América do Norte. E aproveitou, então, no seu tom triunfalista habitual, que iria agora “atrás de Índia e Brasil”. Países que, na visão de Trump, tratam de maneira desleal empresas americanas.
A ameaça deve ser levada a sério: Trump alimenta profundo desdém por instituições multilaterais, a começar pela Organização Mundial do Comércio (OMC), tão cara ao Brasil nos últimos anos. E acredita que ao negociar pactos bilaterais tem melhores condições de barganha. No curto prazo, assinalam os críticos, a conta faz sentido. A longo prazo terá como provável consequência a articulação de aliados ou ex-aliados contra o que consideram bullying por parte do governo americano.
Ainda sob Obama, os americanos propuseram aos brasileiros uma espécie de “pacto estratégico”, mas o então assessor de segurança nacional do presidente dos Estados Unidos saiu de Brasília conjecturando se os brasileiros haviam entendido a proposta. Qualquer possibilidade foi enterrada pouco depois com a espionagem da NSA sobre Dilma e outros, e o consequente irrecuperável mau humor da mandatária brasileira (que enterraria a compra de caças produzidos pela Boeing em favor dos caças suecos, por exemplo).
As queixas brasileiras sobre cooperação em defesa e tecnologia de ponta com os americanos são antigas: de que adianta cooperar e comprar, se na hora de revender produtos desenvolvidos a partir dessas tecnologias Washington exerce poder de veto. Recentemente, num seminário organizado pelo Ministério da Defesa brasileiro, a presidente da Boeing para esta região (e antiga embaixadora americana em Brasília) fez um reparo interessante: “Esse veto não vale para tecnologias militares desenvolvidas por parceiros nossos FORA do território americano” (o destaque é meu). Uma abertura? A conferir se Bolsonaro estará disposto a explorar, e a qual preço.
As outras questões são ainda mais espinhosas. Washington há tempos vem dizendo que a crise venezuelana é uma questão para ser resolvida pelos países próximos, ou seja, pelo Brasil em primeiro lugar (dado o que seria a “natural”, hoje perdida, liderança brasileira nesta parte do mundo). Há um plano em Brasília de como lidar com a ditadura de Maduro? Em articulação com quais outras potências regionais? Ou organismos multilaterais?
Finalmente, é recorrente a preocupação americana com “segurança” hemisférica entendida sobretudo como “segurança pública”: narcotráfico, crime organizado. No começo da semana, participei de conferência internacional organizada por Paulo Sotero, diretor do Brazilian Center no Wilson Center (e antigo correspondente deste jornal em Washington), e de um diplomata do Departamento de Estado veio apenas uma pergunta.
“Como Bolsonaro vai lidar com o PCC?” Pelo jeito, Washington já vê esse tipo de organização criminosa como um flagelo nacional. Aguardamos todos a resposta.
O Estado de S. Paulo: Moro aceita superministério da Justiça de Bolsonaro
Magistrado divulgou uma nota detalhando os termos da proposta que aceitou
Por Fausto Macedo, Marcio Dolzan e Vinicius Neder
O juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, aceitou nesta quinta-feira, 1, o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para comandar o superministério da Justiça. O magistrado vai divulgar uma nota detalhando os termos da proposta que aceitou.
Moro deixou o condomínio onde mora o presidente eleito, no Rio, às 10h45, após cerca de 1h30 de reunião. Na saída, o magistrado chegou a deixar o carro onde estava para falar com a imprensa, mas, diante do tumulto no local, não fez nenhuma declaração.
O juiz chegou às 9h à residência de Bolsonaro. O presidente eleito convidou Moro para assumir um superministério da Justiça, ampliado e com órgãos de combate à corrupção, que estão atualmente em outras pastas, como a Polícia Federal e o Coaf, que estão envolvidas nessa operação.
Ao desembarcar no aeroporto Santos Dumont, pela manhã, o magistrado não falou com a imprensa e, antes de chegar à casa do presidente eleito, fez uma pequena parada em um hotel que vem sendo usado como uma espécie de QG para quem visita Bolsonaro. No Santos Dumont, Moro desembarcou diretamente na pista de pouso do aeroporto, de onde partiu em um carro da Polícia Federal.
Durante o voo, Moro falou com a Rede Globo, que o acompanhou na viagem. Segundo o G1, o magistrado disse que a motivação de seu encontro com Bolsonaro se dá em razão de o País precisar de uma agenda anticorrupção e anticrime organizado.
“Se houver a possibilidade de uma implementação dessa agenda, convergência de ideias, como isso ser feito, então há uma possibilidade. Mas como disse, é tudo muito prematuro”, disse Moro à reportagem da Globo. Durante o voo, ele chegou a dizer que ainda não há nada definido. “Ainda vai haver a conversa”, emendou.
Leia abaixo a nota divulgada por Moro após o encontro:
"Fui convidado pelo Sr. Presidente eleito para ser nomeado Ministro da Justiça e da Segurança Pública na próxima gestão. Apos reunião pessoal na qual foram discutidas políticas para a pasta, aceitei o honrado convite. Fiz com certo pesar pois terei que abandonar 22 anos de magistratura. No entanto, a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito a Constituição, a lei e aos direitos, levaram-me a tomar esta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocessos por um bem maior. A Operação Lava Jato seguira em Curitiba com os valorosos juízes locais. De todo modo, para evitar controvérsias desnecessárias, devo desde logo afastar-me de novas audiências. Na próxima semana, concederei entrevista coletiva com maiores detalhes".
O Estado de S.Paulo: Entidades condenam ameaça de Bolsonaro de retaliar jornais
Presidente eleito falou em cortar verba pública de veículos de imprensa que se ‘comportarem de maneira indigna’
Luiz Raatz, de O Estado de S.Paulo
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) criticaram nesta terça-feira, 30, as declarações dadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, do PSL, sobre o jornal Folha de S. Paulo. Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, na segunda-feira, Bolsonaro ameaçou retirar verbas públicas dos veículos de imprensa que se comportarem de maneira "indigna", e citou a Folha como um desses casos. Ele acusa o jornal de propagar notícias falsas a seu respeito.
“É preocupante que o presidente eleito tenha manifestado a intenção de usar verbas publicitárias oficiais como forma de punição a um jornal por discordar de seu noticiário", disse o presidente da ANJ, Marcelo Rech. "Os investimentos do governo em publicidade, como qualquer outra verba pública, devem seguir sempre critérios técnicos, e não políticos ou partidários”.
Já a Abraji disse receber com apreensão as declarações dadas por Bolsonaro a respeito da imprensa nos últimos dois dias. "O respeito à Constituição - à qual o presidente fará um juramento solene de obediência no dia 1º de janeiro de 2019 - não é pleno quando a imprensa se converte em objeto de ataques e de ameaças", afirmou a entidade em nota.
O texto afirmou ainda que “fiscalizar o poder público – e, em particular, as ações do presidente da República – sempre foi e seguirá sendo uma função inerente ao jornalismo, exercida em nome do interesse público”. “Zelar por essa função é missão primordial da Abraji, assim como deve ser objeto de zelo de todo governo democrático.”
Na entrevista dada ao Jornal Nacional, Bolsonaro prometeu respeitar a liberdade de imprensa, mas disse que o repasse de verbas da União seria uma coisa diferente. “Sou totalmente favorável à liberdade de imprensa, mas temos a questão da propaganda oficial de governo, que é outra coisa”, disse Bolsonaro. “Não quero que (a Folha) acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal. Por si só, esse jornal se acabou”, afirmou o presidente eleito.
Em sua conta no Twitter, o jornal respondeu ao presidente eleito. “Jair Bolsonaro, mesmo após eleito presidente, não deixa de ameaçar a Folha. Ainda não entendeu o papel da imprensa nem a Constituição que promete obedecer.”
Em outra iniciativa, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) chamou a atenção para mensagem distribuída por assessor da própria campanha de Bolsonaro com ataques a jornalistas.
A Procuradoria da República no Distrito Federal abriu investigação por improbidade administrativa para apurar a contratação pelo gabinete de Bolsonaro na Câmara da ex-funcionária Walderice Santos da Conceição.
Conduzida sob sigilo desde setembro pelo procurador João Gabriel Queiroz, a investigação busca saber se a mulher, ex-secretária parlamentar de Bolsonaro, recebia salário da Câmara e trabalhava em uma loja de açaí na Vila Histórica de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ), onde Bolsonaro tem uma casa de veraneio. A informação foi publicada pela Folha, e é base das críticas que o presidente eleito tem feito contra o jornal.
Walderice era funcionária no gabinete de Bolsonaro desde 2003 e recebia R$ 1.416,33 antes de pedir demissão, após a publicação. Bolsonaro exonerou a secretária parlamentar, mas contestou a reportagem durante a campanha e após eleito. Ele nega que Walderice tenha sido funcionária fantasma e diz que ela trabalhava atendendo demandas da região.
Leia a nota da ANJ na íntegra
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) rejeita com veemência os termos e o teor das declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro ao reiterar ataques ao jornal Folha de S. Paulo, um dos diários fundadores desta entidade, criada há quase 40 anos na defesa da liberdade de expressão.
Eventuais inconformismos com noticiário de veículos de comunicação não podem ser confundidos com inaceitáveis retaliações a jornais por meio de uso de verbas publicitárias oficiais. Investimentos em publicidade por governos, como as demais verbas públicas, devem seguir expressamente critérios técnicos, e nunca políticos ou partidários.
A ANJ espera que o princípio da liberdade de imprensa, saudavelmente afirmado pelo presidente eleito em seu discurso após a vitória nas urnas, se manifeste na prática, o que inclui o respeito a opiniões divergentes e à independência editorial, fundamentos da pluralidade de visões e da democracia.
Marcelo Rech
Presidente da AN
Ricardo Noblat: Bolsonaro preside e Guedes governa
De um único posto a uma rede de postos
Nem Delfim Netto em certo período da ditadura militar de 64, ou talvez somente foi ou aparentou ser mais poderoso do que será a partir de janeiro próximo o economista Paulo Guedes, que de uma só tacada acumulará os ministérios da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio do governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.
A confirmar-se o que ontem foi anunciado, Bolsonaro presidirá o país – para isso se elegeu no último domingo com expressiva votação. Mas quem governará será Guedes, o Posto Ipiranga ungido por Bolsonaro, que de simples posto não terá nada. Guedes estará mais para uma rede de postos, a única do mercado, da qual dependerá tudo mais.
Será um tremendo desafio para um economista que nunca serviu a governos em cargos executivos, não tem experiência em lidar com políticos e nem mesmo é reconhecido como uma sumidade por seus pares. Eles reverenciam sua inteligência e seu reconhecido dom para a polêmica, e é só. Caberá a Guedes provar as demais qualidades que imagina ter.
Os ministérios da Fazenda e do Planejamento já foram um só no passado. Deixaram de ser quando o conhecimento avançou e a administração pública se tornou muito mais complexa. A fusão dos dois é considerada um retrocesso por economistas de grosso calibre. Juntá-los com Indústria e Comércio, uma temeridade. Mas vamos que vamos. Bolsonaro tem muitas fichas para gastar.
Se a experiência, afinal, for malsucedida como se teme, ou se o temperamental Guedes acabar se desentendo no futuro com parte dos demais ministros, Bolsonaro sempre poderá dizer que tentou o que lhe parecia o melhor para o Brasil, que não tem e jamais terá a obrigação de entender de tudo, engatando em seguida uma meia volta, volver.
Moro, o Pelé de Bolsonaro
Jogada brilhante
O juiz Sérgio Moro já deu todas as indicações possíveis de que aceitará o convite do presidente Jair Bolsonaro para ser ministro da Justiça e daqui a dois anos ou menos ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) na vaga a ser aberta com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello.
Se o convite para ministro da Justiça não trouxesse embutido o acerto para que dali ele saltasse para o STF, até que Moro o recusaria. Mas esse não é o caso. Um lugar na mais alta corte de justiça do país é o sonho de qualquer juiz. Moro acha que sua obra como juiz federal está completa. E sua mulher também concorda.
Quem o suceder no comando do braço original da Lava Jato no Paraná estará obrigado a ser tão rigoroso quanto ele tem sido. E Moro considera que seu trabalho ali está praticamente concluído. Pouco se lhe dá que o PT possa aproveitar sua entrada no governo Bolsonaro para tentar desacreditá-lo. Ele se acha blindado.
Um amigo de Moro, que ainda duvida que ele aceite o convite, lembrou ontem à noite que Fernando Henrique Cardoso, no seu primeiro governo, teve Pelé como ministro dos Esportes. Moro seria o Pelé do governo Bolsonaro. Só que Pelé não desfalcou a Seleção para ser ministro, ele já aposentara as chuteiras.
Moro desfalcará o combate à corrupção como seu líder inconteste. Enfraquecerá a operação da qual se tornou um símbolo. Porá em dúvida sua imagem de juiz isento de paixões políticas. E dará forte munição para que desafetos tentem desqualificar suas decisões. Um prato cheio a ser devorado por um PT faminto.
Quanto a Bolsonaro, será aplaudido pelos seus devotos e também por aqueles que sempre quiseram ver Moro removido de onde está. Uma jogada brilhante de um político que muitos ainda subestimam.
Bruno Boghossian: Fusão de Bolsonaro deixa país sujeito a propaganda ruralista
O ainda pré-candidato Jair Bolsonaro já considerava o Ministério do Meio Ambiente um problema. Num vídeo divulgado em março, o deputado disse que as “multagens” a produtores rurais acusados de desmatamento eram absurdas e propôs o fim da pasta.
“Nós inclusive pensamos em fundir o Ministério da Agricultura com o Meio Ambiente. Aí vai acabar a brincadeira dessa briga entre ministérios. E quem vai indicar vão ser os homens do campo. São as entidades que vão indicar”, declarou.
O agora presidente eleito vai levar o projeto adiante. Depois de negociações com representantes do agronegócio, marcadas por recuos sucessivos, Bolsonaro decidiu unir as duas pastas. Os órgãos de fiscalização ambiental, segundo o plano, ficarão submetidos à Agricultura.
As palavras do deputado ao longo da campanha mostram que seu futuro governo escolheu o lado mais pueril do lobby ruralista. Seus conselheiros para o setor conseguiram convencê-lo de que a maneira mais simples de acabar com as divergências era sufocar um dos lados.
Especialistas e até empresários do setor lançaram alertas ao longo dos últimos meses sobre o risco dessa cartada. A fusão das duas pastas, sob a tutela dos produtores, pode ser interpretada como um retrocesso num mercado internacional que cobra dos produtores cada vez mais garantias de proteção ambiental.
Bolsonaro pode até discordar das regras seguidas pelos órgãos de fiscalização, mas deixa de considerar que o desentendimento também é saudável no poder. Se um presidente da República só ouve a voz de um lado, está sujeito à propaganda de grupos de interesse, e não às ideias de quem formula políticas públicas.
No segundo governo Lula, o então presidente abraçou as posições de Dilma Rousseff em uma sequência de embates entre ela e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Sob bombardeio, Marina pediu demissão em 2008. Nesta terça (30), ela disse que a fusão de pastas de Bolsonaro é um “triplo desastre”.
Hélio Schwartsman: Bolsonaro e a imprensa
Presidente eleito precisa resignar-se à ideia de que vivemos num Estado liberal
Jair Bolsonaro não gosta da Folha. É um direito dele. Mas, se opresidente eleito pretende cumprir sua promessa de obedecer à Constituição, precisa resignar-se à ideia de que vivemos num Estado liberal no qual vige a liberdade de imprensa.
Mais do que uma cereja decorativa no bolo da democracia, a liberdade de imprensa, ao lado das liberdades de expressão e de pensamento, são importantes porque ajudam a manter sob controle tanto o poder do Estado como o de maiorias circunstanciais.
O filósofo John Stuart Mill (1806-1873) já disse quase tudo o que é preciso dizer sobre o assunto. Não é só o soberano que pode cometer injustiças contra o indivíduo. As “opiniões e sentimentos prevalecentes”, que Mill chama de “tirania da maioria”, podem ser igualmente opressivas, se não mais.
Assegurar que ideias diferentes daquelas defendidas pelos poderosos e pelos numerosos possam circular é um passo necessário para que as teses oficiais e majoritárias sejam contestadas e, se estiverem erradas, como frequentemente estão, sejam abandonadas. Mill, como bom iluminista, aposta que, no longo prazo, as melhores ideias triunfam sobre as piores.
A liberdade de imprensa especificamente (separada da liberdade de expressão e de pensamento) adquire especial importância no atual momento, em que fake news ganham ampla circulação nas redes sociais. Não é que o jornalismo profissional vá resolver esse problema, mas a imprensa facilita um pouco a vida do cidadão ao oferecer-lhe uma primeira filtragem, levando-lhe notícias que passaram por um processo de verificação, ainda que imperfeito.
O jornalismo não tem respostas definitivas para os grandes problemas do país, mas pode dar sua contribuição para o debate público, quando amplia o leque das ideias em circulação, zela pelos fatos e, de vez em quando, consegue revelar aquilo que poderosos gostariam de manter escondido.
Míriam Leitão: Cada cabeça, uma reforma
Previdência já provoca bateção de cabeça entre a cúpula do futuro governo Bolsonaro. A boa notícia é que dizem que farão a reforma
A reforma da Previdência já provoca falas dissonantes no governo que nem começou de Jair Bolsonaro. A boa notícia é que dizem que farão reforma. A partir daí começa a Torre de Babel. A batida de cabeça entre Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni era previsível. Aqui mesmo alertei que o cotado para chefe da Casa Civil, unido ao PT, fora um aguerrido adversário da proposta do governo Temer. Guedes lembrou ontem que sempre disse “aprovem a reforma”, e agora não pode dizer o contrário, e alfinetou: “é político falando de economia.”
São os políticos que aprovam as propostas dos economistas, portanto os dois precisam se entender. Há três ideias na mesa: aprovar a reforma de Temer, fazer um projeto mais amplo para o ano que vem, apresentar uma fórmula para mudar do regime de repartição para o de capitalização. Cada uma tem sua vantagem, mas também tem seu problema.
Se a decisão for aprovar a reforma do Temer, só será possível votar na Câmara, mas ganha-se tempo. No ano que vem, ela poderia ser modificada no Senado e teria que voltar à Câmara. Ela tem a vantagem de estabelecer a idade mínima, coisa que está se tentando no Brasil desde o primeiro governo Fernando Henrique. O problema é que a proposta perdeu substância em parte pela ação de políticos como Onyx Lorenzoni e o Major Olímpio, da base de Bolsonaro. Ontem mesmo, Olímpio avisou que, se o texto for a plenário, votará contra.
Aí viria a segunda proposta. A do político Lorenzoni. Ele diz que a atual é remendo e sugere que seja ampliada e que dure para os próximos 30 anos. Ótima ideia. O futuro chefe da Casa Civil pode começar por incluir de volta os policiais militares e bombeiros que foram retirados pela pressão dos defensores dessas corporações, entre os quais está o presidente eleito. Inclua-se também as Forças Armadas. Se é para valer por 30 anos precisa ser ampla, geral e irrestrita. O déficit das três Forças vai ser de R$ 42 bilhões no ano que vem. O valor foi retirado da conta da Previdência, e levado para a Defesa, sob a alegação de que militar não se aposenta, vai para a reserva e pode ser chamado a qualquer momento. Balela. Déficit é a despesa maior do que a receita. Mudar de nome ou de escaninho não resolve o problema.
A terceira ideia também é boa. É mudar do sistema de repartição, em que cada ativo contribui para o pagamento dos inativos, para o de capitalização, em que cada um contribui para si mesmo em contas individuais. Esse sistema foi muito falado pela campanha de Ciro Gomes, que se debruçou sobre a proposta, mas nunca ficou claro o custo dessa transição. E esse é o problema.
Se quiser preparar a migração de um modelo ao outro, Paulo Guedes precisará de meses de estudo e recomenda-se ouvir mais especialistas. Há várias questões sem resposta, mas a maior delas é que, se cada um vai poupar para si, isso reduz o financiamento para os que já estão aposentados. Aí o déficit aumenta no curto prazo. Guedes tem usado como parâmetro o modelo chileno de 1981. Só que ele foi implementado na ditadura de Pinochet e foi fácil cortar direitos adquiridos. Naquela época, a pirâmide etária era mais favorável e a previdência chilena estava bem mais equilibrada que a nossa. Tem que se escolher como, quando e com que velocidade se faria a migração. A propósito: a do Chile tem dado problemas.
O deputado Onyx Lorenzoni quer separar sistema de aposentadorias e pensões de seguridade social. Teria que mudar a Constituição, que criou dois orçamentos, o fiscal e o da seguridade. No primeiro, a fonte de renda são impostos, e quase todos eles são compartilhados com estados e municípios. O da seguridade social, financiado por contribuições, está dividido em previdência, saúde e assistência social. Nesse último estão Bolsa Família e benefícios para os muito pobres e mais velhos que nunca contribuíram (Loas e BPC). Mas o déficit da Previdência mesmo é o resultado do que os trabalhadores e patrões recolhem e o custo das pensões e aposentadorias. Portanto, separar previdência de assistência pode tornar os dados mais compreensíveis, mas não reduz em nada o déficit. Mesmo quando se tira da conta a saúde e a assistência social, há um enorme rombo. Quem não quer fazer reforma costuma falar que a mistura é que causa o déficit. Essas contas estão no vermelho quando estão juntas ou separadas.
Enfim, que reforma o governo Bolsonaro quer fazer e sob o comando de quem? Isso ainda não se sabe, mas, também, o governo não começou.
Bernardo Mello Franco: O juiz e o capitão
Na campanha, o juiz da Lava-Jato tomou três decisões que facilitaram a eleição de Bolsonaro. Agora ele se diz ‘honrado’ com o convite para servir ao governo do capitão
Sergio Moro não disfarça. O juiz da Lava-Jato está animado com o convite para virar ministro de Jair Bolsonaro. Em nota, ele se declarou “honrado com a lembrança” do presidente eleito. Em conversas informais, foi além. Disse que sua presença no governo dissiparia temores em relação ao capitão.
O magistrado foi um personagem chave na corrida presidencial. A seis meses do primeiro turno, ele prendeu o candidato que liderava as pesquisas. Três meses depois, suspendeu as férias para contestar a decisão de um desembargador que mandou soltá-lo.
A liminar era exótica, mas um juiz de primeira instância não tinha poderes para derrubá-la. Moro não se limitou a afrontar a hierarquia judicial. Ainda orientou a polícia a descumprir a ordem que o contrariava.
Na semana da eleição, o juiz voltou a interferir na político. Ele divulgou trechos de uma delação antiga, mas com potencial para atingir um dos lados da disputa. Mais uma vez, o lado que oferecia risco a Bolsonaro.
As três decisões facilitaram a chegada do capitão ao poder. Em todos os casos, os petistas acusaram Moro de parcialidade. Se ele aceitar o convite para servir ao novo regime, ficará muito difícil discordar.
O jurista Wálter Maierovitch, que apoiou o juiz na batalha de liminares, diz que ele cometerá um erro grave se virar ministro de Bolsonaro. “Seria muito estranho e eticamente reprovável. Estamos vivendo uma época de patifarias, mas isso não dá”, critica.
O professor lembra que um ministro da Justiça “não tem autoridade própria”. “Ele é subordinado ao presidente e pode ser demitido com um balançar de cabeça. Como diz a sabedoria portuguesa, não se deve passar de cavalo a burro”, conclui.
Ao anunciar que o novo governo terá 15 ministérios, Onyx Lorenzoni disse que Bolsonaro promoverá um “enxugamento como nunca aconteceu no Brasil”. O deputado se esqueceu de outro presidente que prometeu renovar a política e reduziu a Esplanada a 12 pastas. Chamava-se Fernando Collor.