Bolsonaro

El País: Fernando Azevedo e Silva, o mais político dos generais, fica com a Defesa no Governo Bolsonaro

General que entrou no radar por inusual assessoria no STF já serviu a três Governos. Militares da Marinha são os únicos fora do primeiro escalão até o momento

Por Afonso Benites, do El País

Um militar político com trânsito em todos os Poderes e que costuma dialogar com vários partidos. Assim é definido dentro das Forças Armadas e entre especialistas o futuro ministro da Defesa de Jair Bolsonaro (PSL), o general Fernando Azevedo e Silva. Aos 66 anos, o general Fernando, como é chamado, ocupou funções políticas em ao menos três governos federais. Na gestão Fernando Collor de Mello (1990-1992) foi ajudante de ordens do presidente. Em parte do Governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) esteve na assessoria parlamentar da força, um órgão em contato direto com o Congresso Nacional. E nos anos de Dilma Rousseff (2011-2016) chefiou a Autoridade Pública Olímpica. Ainda foi o número dois do Exército, já quando o comando era do atual chefe, o general Eduardo Villas Bôas. Atualmente era assessor especial do presidente do Supremo Tribunal Federal, Antonio Dias Toffoli.

Para além do currículo político, o que pesou para Bolsonaro decidir por ele foi a proximidade com o general Augusto Heleno, ambos trabalharam nas operações de paz no Haiti, e a indicação do atual comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas. O futuro ministro também é amigo do vice-presidente eleito, o general Hamilton Mourão. Durante a campanha, ele ofereceu um almoço ao então candidato. Fernando é o terceiro militar a ser indicado para o primeiro escalão de Bolsonaro. Os outros foram o estratégico Heleno, para o Gabinete de Segurança Institucional, e Marcos Pontes, que é tenente-coronel da Aeronáutica e chefiará o Ministério de Ciência e Tecnologia.

Ainda que não se fale publicamente, outro fator que interferiu na escolha por Fernando foi a proximidade dele com o presidente do STF, num momento que não faltam indicações de que a principal corte do país pode ser uma barreira para alguns dos planos de Bolsonaro. Desde a redemocratização do país, na década de 1980, o Supremo jamais teve um militar como assessor de um presidente do Supremo. Foi Toffoli quem trouxe o general para os holofotes em setembro, quando o nomeou assessor especial. “Bolsonaro procurou alguém com um perfil político. E, certamente, houve essa conversa de cúpula com o comando do Exército e do Supremo”, afirmou o cientista político, Eurico de Lima Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Quando questionado quem indicou Fernando para o cargo, Bolsonaro disse: “Não foi sugestão do ministro Toffoli. Foi uma questão entre nós. E eu ouço muito o general Heleno para bater o martelo nessas questões.” Heleno chegou a ser anunciado pelo presidente eleito para a Defesa. Mas depois foi “promovido” para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pasta que fica mais próxima do presidente e que passou a ter papel centralizador da segurança desde a criação da força-tarefa de Inteligência, criada o mês passado pela gestão Michel Temer.

Com a vacância da Defesa, uma disputa se abriu entre os militares. O Exército queria manter o ministério, hoje ocupado pelo general Joaquim Silva e Luna. A Aeronáutica corria por fora. E a Marinha era a favorita com o almirante Eduardo Leal Ferreira, atual comandante da Força. Com a escolha pelo general Fernando, a única sem representação no primeiro escalão do futuro governo de extrema direita é a Marinha, por enquanto. “Até onde eu sei, o atual ministro tem desempenhado muito bem, inclusive na composição dos interesses das três forças. O general Fernando vai tentar seguir esses passos, de apaziguar, conciliar e estabelecer um consenso entre todos os militares”, avaliou o professor Figueiredo, da UFF.

Não será um ministro qualquer. O Governo Temer já deu protagonismo sem precedentes aos militares desde 1988. Foi o atual presidente que convocou os militares para atuar na intervenção federal do Rio - tema sobre o qual a nova gestão terá de deliberar até o fim de dezembro, quando expira o mandato legal da medida. Foi também Temer que rompeu a tradição estabelecida pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de nomear um civil para a pasta da Defesa. Agora, com a escolha de um general para o posto, Bolsonaro ignora o conselho de general Villas Bôas, que à Folha de S. Paulo havia dito que preferia alguém de fora da caserna. Na mesma entrevista, ele foi explícito sobre o temor de partidarização nos quartéis com o novo Governo.

Nesta terça, ao saber da nomeação, o atual comandante do Exército elogiou a escolha, mas voltou a reforçar a mensagem de que a chegada de Bolsonaro ao poder –algo que não acontecia a um militar pela via eleitoral desde 1945– não deve implicar um maior envolvimento dos militares no Governo. “Embora muitos militares estejam sendo chamados a participar do Governo, isso não significa que o Exército, como instituição, esteja fazendo isso. O Exército continua no seu papel de instituição de Estado, apolítica e apartidária", frisou.

Corrida nas Forças

A substituição nos comandos das forças deve ser uma das primeiras pautas a serem tratadas pelo general Fernando. A depender do grupo que hoje orbita o presidente, os atuais comandantes da Aeronáutica, Nivaldo Rossato, e da Marinha, Leal Ferreira, devem ser mantidos. No Exército a troca é dada como certa, pois o general Villas Bôas sofre de uma doença degenerativa.

Entre a força terrestre a tradição prevê que o general mais antigo assuma o comando. A maioria dos presidentes costuma seguir essa regra informal, nos últimos anos –apenas Dilma Rousseff (PT) a quebrou.

Os três generais da ativa mais antigos no topo da hierarquia militar foram colegas de Bolsonaro nos anos em que frequentou a escola de formação de oficiais, a Academia Militar dos Agulhas Negras (Aman). Pela ordem de antiguidade: Edson Leal Pujol, chefe de do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, Paulo Humberto César de Oliveira, chefe do Estado Maior (o número dois da corporação), e Mauro César Lourena Cid, chefe do departamento de Educação e Cultura do Exército. Três fontes relataram ao EL PAÍS que o favorito para a função é o general Paulo Humberto porque teria maior proximidade com o presidente eleito. Pujol e Cid correriam por fora.


Eliane Cantanhêde: Engolir sapos

Governar não é moleza nem para quem tem experiência, partido, programa e equipe. E para quem não tem?

Eunício Oliveira é do MDB, não tem nada de esquerda e apoiou Lula e Fernando Haddad pela força do PT no Nordeste, mas já no primeiro turno Haddad e o próprio Eunício perderam a eleição no Ceará. Coisa rara, o presidente do Senado não se reelegeu.

Assim, ele é um pote até aqui de mágoa e, além de dizer, ele já mostrou que não está nem aí para o presidente eleito: após Jair Bolsonaro dizer que “não é o momento” de reajustar os salários do Supremo e pedir “grandeza” aos senadores, Eunício desdenhou o apelo, pôs o aumento na pauta e ajudou a inflar em bilhões por ano o rombo fiscal.

Para piorar, Paulo Guedes foi infeliz ao falar em “dar uma prensa” no Congresso e as relações entre Executivo e Legislativo começaram a azedar antes mesmo da posse de Bolsonaro e Guedes, em janeiro, e da nova Legislatura, em fevereiro.

É um choque de realidade, porque presidentes da República não fazem o que querem e precisam aprender algo que envolve política, experiência, maturidade e personalidade: engolir sapos. “Crus, fritos, assados, cozidos, grandes, pequenos, sem sal”, acrescenta um velho conhecedor de Brasília.

Bolsonaro cancelou uma audiência com Eunício e, de quebra, outra com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, do DEM. Nós, que não presidimos nada, podemos até elogiar: “Fez muito bem, foi macho”. Mas o sábio de Brasília é cáustico: “Isso é o que o Collor faria”. Nem precisou lembrar o destino do machão das Alagoas.

Governar não é moleza, nem quando o eleito tem estrondoso apoio popular, partido consolidado, alianças sólidas, programa claro, grande experiência de administração e equipe azeitada. Estrondoso apoio popular Bolsonaro tem, mas o resto ele vai ter de aprender e construir com o carro andando, sem bater de frente com o Congresso.

O melhor será ele agir como já age com Michel Temer ou como Sérgio Moro com ele próprio. Bolsonaro é respeitoso com Temer, pela simbologia da Presidência. E Moro mantém suas posições, mas faz inflexões e releva as diferenças com Bolsonaro.

Se acerta nas escolhas para o Executivo – como Joaquim Levy no BNDES –, Bolsonaro tem de articular maiorias no Congresso, compreendendo a complexidade e a multiplicidade dos atores fundamentais para aprovar suas reformas e propostas. Ou seja, para que seu governo dê certo.

A opinião pública empurra Câmara e Senado para o colo do Planalto, mas, se os sapos azedam e a relação vira uma guerra, o governo paralisa e o Congresso começa a empurrar a opinião pública para longe do Planalto. É um jogo que vai além das vontades e exige sobretudo competência.

Três tempos, mesmo diagnóstico, mesmo temor. Coluna de 12/8: “Não se pode transformar embalagem de comportamento social numa candidatura militar e menos ainda numa promessa de governo militar. Além da ameaça para o Brasil, é um enorme risco para as próprias Forças Armadas”.

Coluna de 16/10: “Bolsonaro deveria (...) dar sinais de que não fará um “governo militar”, assim como os comandantes deveriam deixar claro que a candidatura, por mais apoios que tenha de militares, não é das Forças Armadas. Isso pode reduzir dois temores: o dos civis diante da volta do regime militar, e o dos militares diante da contaminação política dos comandos e das tropas”.

Comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, à Folha de S. Paulo de 11/11: “Estamos tratando com muito cuidado essa interpretação de que a eleição dele representa a volta dos militares ao poder. Absolutamente não é. Alguns militares foram eleitos, outros fazem parte da equipe dele, mas institucionalmente há uma separação. E nós estamos trabalhando com muita ênfase para caracterizar isso, porque queremos evitar que a política entre novamente nos quartéis”.


Bernardo Mello Franco: Novo chanceler terá trabalho dobrado

O futuro ministro das Relações Exteriores terá que segurar a língua de Bolsonaro e dos colegas. O governo ainda não começou, mas já criou atritos com Argentina, Egito, China e Noruega

O próximo chanceler ainda não foi escolhido, mas terá trabalho dobrado. Quem assumir o Itamaraty enfrentará uma forte desconfiança externa sobre os rumos do país. Além disso, precisará conter a língua do presidente e de seus principais assessores.

Na campanha, Jair Bolsonaro já demonstrou potencial para produzir incidentes diplomáticos. O então candidato fez uma série de provocações à China, maior parceira comercial do Brasil. Depois do segundo turno, foi avisado de que as bravatas podem custar caro à economia do país.

O presidente eleito também criou mal-estar com os países árabes ao imitar Donald Trump e anunciar a mudança da embaixada em Israel para Jerusalém. O Egito foi o primeiro a reagir: cancelou uma visita oficial do ministro Aloysio Nunes. Os empresários brasileiros tiveram que antecipar a volta para casa sem fechar negócios.

O futuro ministro Paulo Guedes virou outra fonte de preocupação para os diplomatas brasileiros. Na noite da eleição de Bolsonaro, ele respondeu de forma grosseira quando uma jornalista argentina quis saber seus planos para o Mercosul. “O Mercosul não é prioridade. Não, não é prioridade. Tá certo? É isso que você queria ouvir?”, disse, assustando a Casa Rosada.

Ontem o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, abriu mais uma frente de desgaste internacional. Na linha do chefe, atacou ONGs da área ambiental e disparou contra a Noruega. “Os noruegueses têm que aprender com os brasileiros, e não a gente com eles”, esnobou. O país escandinavo é —ou era — o maior doador do Fundo Amazônia. Já repassou mais de US$ 1 bilhão para a preservação das nossas florestas.

Os deputados federais eleitos em outubro gastaram R$ 4,6 milhões com o impulsionamento de propaganda na internet. A quantia foi proporcionalmente baixa: 1,3% do total de despesas das campanhas. As cifras estão em relatório que será divulgado hoje pelo centro de pesquisas InternetLab. Só incluem, é claro, os gastos declarados ao TSE.


Luiz Carlos Azedo: O terceiro turno

“Bolsonaro tem um projeto ambicioso: sepultar o modelo de “presidencialismo de coalizão”, que tem caraterizado o governo federal desde o presidente Itamar Franco”

Ao contrário do que se imaginava, por enquanto, não é com a oposição petista que se arma uma espécie de “terceiro turno” das eleições. É com as forças centristas do Congresso, que controlam as duas casas legislativas e não querem abrir mão desse poder no novo governo. Por enquanto, não é uma guerra aberta, mas uma queda de braços em torno das presidências da Câmara e do Senado. Formalmente, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, declara que não tomará partido nas disputas, mas isso é apenas uma cortina de fumaça. Há muitas coisas em jogo, entre as quais a própria natureza do governo, que lida com duas forças que sempre optaram por arbitrar a governabilidade do país a partir do Congresso: o MDB e o DEM.

Na Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) opera com desenvoltura a própria reeleição. Mas há surpresas: ontem, um deputado do PSB, João Henrique Caldas (PSB-AL), conhecido como JHC, visitou Bolsonaro na Barra da Tijuca, no Rio, para comunicar sua candidatura. O vice-presidente da Câmara, Fábio Ramalho (MDB-MG), também articula sua candidatura. Bolsonaro cancelou a reunião que teria nesta semana com Maia e com o presidente do Senado, Eunício de Oliveira (MDB-CE), para tratar das agendas legislativas que podem virar uma pauta-bomba.

Maia tem reclamado da falta de interlocução de Bolsonaro com o Congresso: “Ainda não houve nenhuma articulação. Não vou pautar uma matéria porque eu li no jornal”, disse, na semana passada, numa reunião de representantes do mercado financeiro, sobre a reforma da Previdência. “O governo acha que viabiliza a base por meio das frentes parlamentares, mas eu acho que não viabiliza”, arrematou Maia.

Outro problema é o Senado. Derrotado nas urnas, Eunício Oliveira arruma as gavetas, nas quais não faltam projetos que aumentam os gastos públicos. Mesmo pressionado pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente do Senado pôs em votação e aprovou o aumento do Judiciário, o que vem sendo criticado por Bolsonaro. Eunício não tem nada a perder, mas seu partido, que tem a maior bancada, pode ficar sem a Presidência da Casa. Quem se movimenta para evitar que isso aconteça é o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que pretende voltar ao comando do Senado, no qual é um sobrevivente.

Bolsonaro tem um projeto ambicioso em relação ao Congresso: sepultar o modelo de “presidencialismo de coalizão”, que tem caraterizado o governo federal desde o presidente Itamar Franco. Esse modelo sempre provocou déficits no Orçamento da União e o loteamento dos cargos federais com os partidos e os governadores. Era a metodologia para montar a maioria parlamentar governista. Bolsonaro, porém, tem reiterado que não haverá toma lá dá cá. O problema é como evitar que isso aconteça. A rigor, a negociação com as frentes partidárias, testada no caso da indicação da ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), embora enfraqueça os partidos, não deixa de ser uma forma de barganha.

A aposta de Bolsonaro é a mudança na composição do Congresso, no qual a bancada do PSL pode garantir uma tropa de choque para o novo presidente. Com 52 deputados e quatro senadores alinhados ideologicamente, o presidente eleito contará com um bloco assumidamente de direita em plenário para defender a agenda do seu governo. Deputados e senadores eleitos na aba do chapéu de Bolsonaro também pretendem ter protagonismo nas duas Casas, porém, de certa forma, temem ser preteridos pelos caciques do MDB e do DEM que sobreviveram ao tsunami eleitoral de 7 de outubro.

Pacto fiscal
O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, prepara uma reunião com 20 governadores para discutir um pacto fiscal entre a União e os estados, que estão quebrados. Um dos protagonistas do encontro é o governador eleito de São Paulo, João Doria (PSDB). Na pauta, a reforma da Previdência, com aprovação de normas que se apliquem aos aposentados e pensionistas dos estados. Há expectativa de que esse acordo ajude a enfrentar o problema sem o toma lá dá cá que sempre caracterizou as votações de temas polêmicos no Congresso.

Guedes está sendo cauteloso na transição, optou por alguns nomes que garantam certa estabilidade para os assessores que estão chegando à nova equipe econômica. Uma peça-chave é o economista Mansueto de Almeida, secretário de Tesouro, que cuidará da Fazenda, sem status de ministro, é claro. Outro é o atual presidente da Petrobras, Ivan Monteiro, responsável pela condução da empresa desde a crise dos caminhoneiros, que resultou na saída de Pedro Parente do cargo.

O nome mais polêmico foi o de Joaquim Levy, indicado para presidir o BNDES, que foi muito atacado por ter sido ministro da Fazenda de Dilma Rousseff no começo do segundo mandato e secretário de Fazenda no governo de Sérgio Cabral. Bolsonaro aceitou essa indicação de Paulo Guedes, mas avisou que vai abrir a “caixa-preta” do BNDES, uma alusão aos empréstimos internacionais concedidos a países, como Cuba, Angola, Nicarágua e Venezuela.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-terceiro-turno/


El País: Planos de Bolsonaro elevam risco de expansão de milícias e grupos de extermínio

Presidente eleito e filhos têm discursos ambíguos sobre tema. Estudiosos avaliam que estímulo à violência de PMs e ao armamento da população tem potencial para provocar descontrole nas corporações policiais

Por Felipe Betim, do El País

Violência no Rio de Janeiro é quase sempre sinônimo de traficantes de drogas armados com fuzis, mas são as milícias que, mais do que medo, impõem silêncio. Para quem convive com elas, falar sobre esse fenômeno requer uma série de cuidados e, principalmente, sigilo. Sentada em um bar do centro da capital, P. F. está afastada de qualquer perigo iminente, mas ainda assim fala baixo. “Não confio nem no tráfico nem na milícia, mas enquanto no primeiro estão meninos da comunidade, as milícias são algo institucionalizado... São o próprio Estado”, afirma ela, que tem casa e parentes em Campo Grande, bairro da zona oeste do Rio sob influência de milicianos —grupos armados formados principalmente por agentes públicos, como policiais e bombeiros, da ativa ou reformados, que extorquem, aterrorizam e assassinam sob a justificativa de que estão fazendo a segurança do local.

“Tem gente que é favorável à milícia, que é a maneira que eles têm de se ver livres da violência. Naquela região onde a milícia é paga, não tem violência”, disse Bolsonaro em fevereiro deste ano, quando já era pré-candidato, durante entrevista ao programa Pânico, da Jovem Pan, quando questionado como combateria as milícias. A frase forma parte de um conjunto de posicionamentos considerados ambíguos sobre o tema. Seu filho, o senador eleito Flavio Bolsonaro, votou contra a instalação de uma CPI das milícias da Assembleia do Rio, em 2007, e o próprio presidente eleito taxou milicianos como "defensores da ordem" no plenário da Câmara, em 2008. Questionado pelo jornal O Globo em julho deste ano, disse: "Hoje em dia ninguém apoia milícia mais não. Mas não me interessa mais discutir isso."

Mudanças profundas são incertas porque dependem do Congresso, do Supremo Tribunal Federal e dos Governos Estaduais. Contudo, o discurso linha-dura e permissivo —em entrevista no Jornal Nacional, Bolsonaro chegou a defender a condecoração dos agentes que mais matem— pode por si só estimular a ação desses grupos de extermínio, avaliam os especialistas. Até agora, serviu para mobilizar o eleitorado. "Agora chegou a hora de vocês! Tem que matar esses bandidos! Quem rouba merece morrer!", bradou uma mulher que passava por um grupo de policiais militares fortemente armados na noite de 28 de outubro. Eles acompanhavam o ato de algumas centenas de pessoas que celebravam a vitória do ultradireitista em frente ao seu condomínio, na praia da Barra da Tijuca. O que mais fizeram naquele dia foi tirar fotos com manifestantes, que chegavam a fazer filas. "Eu acho que a violência vai aumentar, sim, mas para os bandidos. Para o cidadão de bem vai melhorar", explicou um homem.

“Se existe uma área em que sinalização é fundamental é a de segurança. Um aperto de mão ou uma palavra podem significar várias mortes e tragédias", explica Daniel Cerqueira, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e conselheiro do Fórum de Segurança Pública. Um menor controle social do uso da violência deixaria os policiais livres para subornar ou se unir a grupos de extermínio ou milicianos, argumenta. "Quando falam que a polícia vai matar sem controle, estão pregando uma ação criminosa, que não sigam o Estado Democrático de Direito. Vamos sentir saudades de quando só traficantes eram o problema", acrescenta.

Nessa mesma linha opina Ignacio Cano, sociólogo da Universidade do Estado de Rio de Janeiro (UERJ). “Se incentivamos a polícia a matar ainda mais e as pessoas a ter armas, apelando para a violência e o ódio, estamos criando um terreno fértil para que esses grupos se expandam”, argumenta. “Os policiais brasileiros reconhecem que matam mais de 5.000 pessoas por ano, sem contar as execuções sumárias. Quando Bolsonaro diz que não serão processados, isso tende a aumentar. Policiais já quase nunca são processados", destaca. Ele lembra que o ultradireitista visitou o BOPE ((Batalhão de Operações Especiais) antes do segundo turno e disse era hora de os capitães mandarem no país. E que o governador eleito do Rio, Wilson Witzel, pretende dissolver a Secretaria de Segurança e "devolver o poder aos policiais". Para Cano, tudo isso "manda mensagem de descontrole e autonomia totalmente contrária a lógica militar tradicional". Ele afirma: "Talvez nem precise de grupo de extermínio. No Rio, a polícia já faz esse trabalho".

Para Jaqueline Muniz, antropóloga e cientista política da Universidade Federal Fluminense (UFF), o fenômeno das milícias "tem a ver com um processo de autonomização predatória da polícia", tornando-a ingovernável. "Não podemos falar em estado policial, mas sim em governo policial, algo que já temos. É a espada chantageando o político e multiplicando ameaças e medos na população. Aconteceu também em Nova York, em Chicago...", explica a especialista, para quem esse processo significa desprofissionalizar as corporações policiais, empurrando-as para a clandestinidade e informalidade. Os efeitos disso, argumenta, são perversos. "Toda espada autonomizada corta a língua do verbo da política e rasga a letra da lei. Porque não é a espada que define o seu alcance e a profundidade de seu corte, quem decide é a sociedade. Quem segura a espada é a mão civil".

Expansão do modelo milícia

No Rio, as milícias dominam bairros inteiros da zona oeste da capital e, nos últimos anos, se expandiram para São Gonçalo e municípios da Baixada Fluminense. Um levantamento do portal G1 indica que 2 milhões pessoas da região metropolitana vivem em áreas sob influência dessas facções. Quando surgiram, há pouco mais de 20 anos, prometiam levar segurança para áreas dominadas pelo tráfico. "Nem sempre ostentam armas como o tráfico", conta P. F., "mas o morador tem que fazer o que mandam". O poder econômico não vem com a venda de drogas, mas sim com o controle de serviços como o de gás, água e Internet, além de comércios. "Se uma pessoa compra determinando produto, precisa mostrar que comprou no lugar certo, controlado por eles, se não é punido". Tortura e homicídios fazem parte do cardápio de terror. No campo político, as milícias também financiam candidaturas e até elegem seus membros para o parlamento local.

Violência policial "sempre vem acompanhada com a corrupção", o que significa que se o agente "tem autorização para matar, também tem para extorquir, porque ele troca segurança por dinheiro", explica a socióloga Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes. Assim surgiu esse modelo tão aperfeiçoado de controle de território e extorsão. Contudo, a atuação de grupos extermínio é antiga e conhecida em todo o Brasil. Nos anos 60 e 70, ganharam poder nas ruas do Rio e de São Paulo os chamados esquadrões da morte, grupos de policiais formados dentro das delegacias e secretarias de segurança com um viés moralista —intensificado durante o regime militar— e carta branca para matar. Um dos mais conhecidos foi chefiado por Sergio Fleury, delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo e conhecido torturador da ditadura.

Execuções extrajudiciais e ações de vingança estão disseminadas em todo o país ainda hoje, independentemente da existência formal de grupos paramilitares. Os alvos podem ser quaisquer pessoas: em 2015, nove policiais militares foram acusados em Salvador de assassinar 12 jovens, um episódio que ficou conhecido como Chacina de Cabula; naquele mesmo ano ocorreu também a chacina de Osasco, na qual ao menos 19 pessoas foram assassinadas por policiais militares e guardas civis metropolitanos, que agiram por vingança em razão da morte de dois agentes, segundo o Ministério Público; em março deste ano, a favela da Rocinha, no Rio, viu pelo menos seis de seus moradores morrem, um deles o dançarino Matheus da Silva Duarte Oliveira, como reação a morte de um policial três dias antes.

"No Norte e no Nordeste o que predomina são os acertos de conta. Os grupos matam mais à noite, no carro preto e sem farda. No Rio eles têm também interesses comerciais. Esse é o modelo milícia, que pode se generalizar no Brasil", opina Ramos. Cerqueira, do IPEA, também acredita na disseminação desse modelo consolidado no Rio, um Estado que é "vitrine" para o resto do Brasil. "Historicamente, o que acontece aqui vai varrendo o resto do país. Na década de 70 começou o Comando Vermelho e hoje temos 81 facções que nascem dentro dos presídios. Se você não tem controle sobre as polícias, a tendência é uma capilarização das milícias", argumenta.

"Zumbis de policiamento" e tensão com Sérgio Moro

Se por um lado a licença para matar desqualifica o trabalho policial e fortalece as milícias, por outro também resultará em mais agentes mortos, avalia Muniz. "Se todo encontro com a polícia vai ser violento, sem a possibilidade de rendição, então vou levar o outro comigo. Pode ser a polícia ou a vítima", argumenta. "Isso já acontece, mas veremos isso de uma maneira ainda mais perversa. Policiais vão virar zumbis de policiamento, mortos-vivos". Os planos de Bolsonaro também não tem o endosso completo de seu futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro. "Não pode construir uma política criminal, mesmo de enfrentamento ao crime organizado, baseado em confronto e tiroteio. O risco de danos colaterais é muito grande. Não só de danos colaterais, mas risco para o policial", disse Moro em entrevista ao programa Fantástico, no domingo. O juiz da Operação Lava Jato já havia feito ressalvas em entrevista na semana passada e uma das questões é como essas divergências vão se acomodar no exercício do poder.

Soma-se isso a intenção do presidente eleito de flexibilizar o porte de armas, com potencial de transformar pequenos conflitos entre vizinhos, parentes e conhecidos em tragédias. "É o Estado dando uma banana para o cidadão. Vamos viver num regime da esculachocracia, onde todo mundo esculacha todo mundo. Os indivíduos já se veem empoderados em suas próprias razões, porque as autoridades em cima estão deseducando. Já estamos vendo patrulhas morais, pessoas sendo agredidas, perseguidas...", lamenta Muniz, que ainda adverte: "O fraco armado vai seguir sendo fraco diante do forte armado. Por isso que existe polícia e Estado. Além disso, o dedo nervoso, a cabeça quente e o coração aflito impedem que o cidadão tenha vantagem em qualquer situação em que esteja exposto".

COMPLACÊNCIA DAS AUTORIDADES

Apesar de atuarem ilegalmente, grupos de extermínio e milícias já contaram, em diferentes períodos, com a complacência e até apoio explícito de políticos e autoridades — até uma CPI mostrar, em 2008, as barbaridades da milícias do Rio, elas chegaram a ser vistas como solução para o tráfico de drogas. Em agosto de 2003, em discurso na Câmara, o próprio Bolsonaro expressou sue apoio a um grupo da Bahia que cobrava 50 reais para matar jovens da periferia: "Quero dizer aos companheiros da Bahia que enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro", discursou.

Na época da CPI das milícias no Rio, voltou a falar a na tribuna da Casa sobre o tema: “Nenhum deputado estadual faz campanha para buscar, realmente, diminuir o poder de fogo dos traficantes, diminuir a venda de drogas no nosso Estado. Não. Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes", discursou. "Existe miliciano que não tem nada a ver com gatonet [serviço irregular de TV por assinatura] e com venda de gás. Como ele ganha 850 reais por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de gatonet, venda de gás ou transporte alternativo. Então, senhor presidente, não podemos generalizar”.


Folha de S. Paulo: 'Pessoas razoáveis já não têm espaço no Brasil', diz FHC

Ex-presidente atribui polarização do país a Bolsonaro e ao comportamento do PT

Por Sylvia Colombo, da Folha de S. Paulo

BUENOS AIRES - Em entrevista ao jornal argentino Clarín, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse que não se apresentaria novamente como candidato a presidente do Brasil porque é “um homem razoável e as pessoas razoáveis já não têm espaço num país polarizado.”

O ex-presidente disse que a polarização brasileira não se deve apenas ao presidente eleito Jair Bolsonaro, mas também ao comportamento do PT. “Eles sentenciavam que eram os bons e os demais, os maus. A mim, me acusavam de neoliberal, algo que nunca fui, mas era um modo de dizer que eu não servia.”

Indagado sobre se Bolsonaro é um fascista, FHC disse que não. “O fascismo é algo organizado. Ele representa um autoritarismo que pode ter qualquer tipo de base ideológica.”

Afirmou, ainda, que não gosta de ver Lula preso. “É ruim para ele e para o país, mas eu respeito a lei.”

Sobre Bolsonaro, disse que é preciso esperar e que faria resistência se houvesse “qualquer tentativa autoritária, a isso é preciso colocar freio.”

Acrescentou que a sugestão de mudança da embaixada do Brasil em Israel de Tel Aviv para Jerusalém foi uma ação “precipitada” do presidente eleito.

“A posição tradicional do Brasil e a minha é a favor do Estado de Israel e da Palestina. Por que adotar outra que pode ser entendida por uma parte como uma provocação?”

FHC concedeu a entrevista em Madri, onde tinha prevista uma visita mais longa, mas que teve de ser interrompida porque sua mulher, Patricia Kundrat, mais de 40 anos mais jovem que ele, passou mal. Então, brincou, “isso me acontece por ter me casado com uma anciã. Da próxima vez, caso com uma mais jovem.”


Fernando Limongi: Ouviram do Ipiranga

Moro incorporou-se de corpo e alma ao projeto de Bolsonaro

Bolsonaro continua em campanha. Levantamento feito pela Folha de São Paulo mostrou que o ataque ao PT foi o tema dominante de suas entrevistas pós-vitória. Vale a comparação com Dilma que ignorou Aécio e anunciou que sua prioridade seria o combate à corrupção, que não deixaria 'pedra sobre pedra, doesse a quem doesse'. Como se vê, acusá-la de estelionato eleitoral é injusto.

Bolsonaro e seu fiel escudeiro Paulo Guedes parecem não se terem dado conta de que a eleição acabou e que agora lhes cabe a dura tarefa de ser governo. O Czar da economia sugeriu uma 'prensa' no Congresso, demonstrou descaso absoluto pelo orçamento em elaboração e afirmou que contrariar suas ideias seria contribuir com o retorno do PT ao Poder.

Eduardo Bolsonaro, requintado como de costume, afirmou que o próximo presidente da Câmara "tem que ter um perfil trator, porque a gente sabe como vai ser a oposição da esquerda". Contudo, se olhasse os números, o deputado concluiria que a esquerda foi batida nas urnas, que não terá força para barrar projetos do governo, incluindo os que exigirem quórum qualificado.

Até o momento, a despeito da profusão de propostas disponíveis, Guedes não se deu ao trabalho de apresentar detalhes de seu projeto para reformar a previdência. Propôs uma 'prensa' no Congresso por propor, um ato reflexo de quem tem o costume de tratar apenas com subordinados obedientes.

Mas o Czar precisará mudar seus hábitos e costumes para entender que seu posto, com ou sem a chancela Ipiranga, pede que ouça parlamentares eleitos pela sociedade para representá-la, parlamentares tão legitimamente eleitos pelas urnas quanto seu comandante.

De concreto, tudo que se ouviu de Guedes foi que ele teria sido o emissário do convite a Sergio Moro. Ou seja, o folclórico Posto Ipiranga virou uma franquia. Com a adesão de Moro, a equipe de Bolsonaro passou a contar com dois nomes de peso, celebridades com brilho próprio, capazes de ofuscar as notabilidades de aldeia -- Onyx, Bebianno, Malta e outros menos votados-- que cercam o presidente. O choque entre estes corpos de grandeza e órbita distintas é uma questão de tempo, crônica de uma morte anunciada.

O convite e o aceite de Moro dominaram o noticiário da semana. Provavelmente, este foi o mais alto e último ato da campanha de Bolsonaro. O magistrado incorporou-se, se é que já não o havia feito antes, de corpo e alma ao projeto político do presidente eleito. Na chegada, mostrando sua disposição para jogar para o time, perdoou Onyx Lorenzoni pelas propinas recebidas. Com certeza, o veterinário não será o único a receber o tratamento complacente reservado aos amigos que, imediatamente, deixam de ser brasileiros como os demais. Como declarou Bolsonaro no hospital, a questão central é a ideologia, não a corrupção.

O antipetismo radical e o conservadorismo moralista colocaram o capitão e o magistrado no mesmo barco. Moro não mostrou qualquer dificuldade para apoiar as propostas de Bolsonaro para a área da segurança pública, área em que se dará o verdadeiro combate ao crime organizado. Moro declarou ser favorável à redução da idade penal, ao porte de armas por civis e ao relaxamento do excludente de ilicitude.

Este último item é a mola mestra da proposta de Bolsonaro para a segurança pública. Seu ponto de partida se encontra na declaração do General Heleno, para quem "direitos humanos são para humanos direitos. Essa percepção muitas vezes não tem acontecido. Estamos deixando a desejar no combate à criminalidade". Ou seja, há dois tipos de cidadãos, os direitos e os 'vagabundos' e a aplicação da lei deve levar em conta esta distinção fundamental. Aceita tal premissa, segue a conclusão de Wilson Witzel: "Também tem de morrer. Está de fuzil? Tem de ser abatido". A visão de Bolsonaro - basta ver suas manifestações sobre a chacina da Candelária - segue a mesma toada.

Guardadas as devidas proporções, estes são os princípios que Moro usou ao privilegiar prisões preventivas como estratégia de combate à corrupção. Se o juiz está convencido do crime, não há porque adiar a execução da pena, pois tudo que resta à defesa é recorrer a chicanas legais para protelar a decretação da prisão. A possibilidade de o juiz formar juízo equivocado e agir de forma arbitrária é desconsiderada. E, no caso da Lava Jato, esta convicção passou a ser compartilhada com a Polícia Federal, como mostram os casos movidos contra as universidades federais de Santa Catarina e Minas Gerais.

Bolsonaro e os governadores eleitos no Rio e São Paulo querem que princípios análogos orientem a ação da polícia no combate à criminalidade. A premissa básica é a mesma: tudo que restaria aos 'vagabundos' seria a protelação da execução de suas penas. A diferença, contudo, é que caberá à autoridade policial fazer o julgamento e definir a pena que, no limite, pode ser a execução sumária. Em uma palavra, 'vagabundos' mereceriam ser tratados como cidadãos de segunda classe e como tais, na visão de Witzel, passíveis de serem abatidos com "tiros na cabecinha".

Moro classificou esta e outras ideias do presidente eleito e seus aliados como moderadas e razoáveis. Ao fazê-lo, deixou claro que sua adesão ao governo tem raízes profundas, que é um conservador convicto e engajado e que, enquanto tal, defende dotar de poderes excepcionais as autoridades encarregadas de reprimir o crime organizado.

Ou seja, Moro e os conservadores a quem aceitou servir desconsideram a conhecida máxima liberal, aquela que diz que o poder corrompe e que o poder absoluto corrompe de maneira absoluta. A proposta Bolsonaro para a segurança pública, em última análise, dota a autoridade policial de um poder ilimitado. Não há um pingo de razão e moderação neste tipo de proposta. Antes o contrário.

Não é a primeira vez que se ouvem brados vindos do Ipiranga. No de 1822, o conservadorismo autoritário prevaleceu sobre os princípios liberais.

*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.


Leandro Colon: Eleição acabou e Bolsonaro ainda age como candidato

De um governo de transição exige-se transparência e informação e menos superficialidade

Jair Bolsonaro ainda age e fala como candidato duas semanas após ser eleito presidente. Não há um assessor próximo com influência sobre ele e bom senso para convencê-lo de que a campanha acabou e o jogo a partir de agora é outro.

No domingo (11), a assessoria do capitão reformado divulgou imagens dele, com uma camisa de time de futebol, tentando acender a churrasqueira em sua casa, no Rio. Bolsonaro deu uma escapada para sacar dinheiro em um caixa eletrônico e foi cumprimentado por banhistas na orla da praia. Imagens perfeitas para uma propaganda eleitoral.

Dois dias antes, ele deu uma declaração preocupante sobre o Enem. Disse que, como presidente, pretende tomar “conhecimento da prova antes”. Basicamente, quer interferir no sigilo que garante a segurança do exame nacional contra vazamentos.

Bolsonaro e nenhum outro cidadão, com exceção dos técnicos envolvidos diretamente com a prova, podem ter acesso ao conteúdo antes da aplicação aos estudantes do país.

Com declarações polêmicas, que provavelmente agradam boa parte de seu eleitorado, e cenas de positivo viés popular, Bolsonaro busca empurrar para segundo plano a inoperância mostrada até aqui pela equipe de transição que montou.

Pouco importa se ele sabe ou não preparar um bom churrasco. Se vai a um caixa de banco como um cidadão comum. O que o presidente eleito precisa é contar logo que modelo de reforma da Previdência pretende apresentar e quais as primeiras medidas que serão tomadas na economia daqui a menos de dois meses.

Fala-se muito do fim do Ministério do Trabalho. O problema nem é tanto esse. A palavra “ministério” não impediu que a pasta virasse um mercado de vendas de registros sindicais nos governos petistas e de Temer. A pergunta é o que Bolsonaro pretende fazer com temas ligados à área.

Tudo é obscuro. A superficialidade no trato de assuntos sérios pode ter sido estratégia eleitoral bem-sucedida. De um governo de transição exige-se transparência e informação.


Cacá Diegues: Um poder suave

Se não for abandonada como supérfluo, não importa se a cultura vai ganhar um ministério próprio

O presidente eleito Jair Bolsonaro tem anunciado suas decisões sobre a organização de seu governo. Às vezes, até volta atrás do que já andara considerando fato consumado. Mas nem mesmo por desmentidos sabemos quais são seus planos para a área da cultura. Discutimos apenas hipóteses, quase sempre inspiradas em declarações enviesadas de campanha. Não temos conhecimento de ninguém do novo governo que esteja pensando no assunto, ninguém que esteja tomando a iniciativa de propor ideias sobre cultura para os próximos quatro anos. Nem mesmo os superministros, como Paulo Guedes, Sergio Moro, Onyx Lorenzoni ou Augusto Heleno.

Não estou me referindo ao debate recorrente sobre a manutenção do Ministério da Cultura, causa pela qual lutamos tanto ao longo dos primeiros anos de redemocratização. O MinC foi uma invenção da democracia emergente, e isso o marcou indelevelmente. Quando o presidente Michel Temer, recém-empossado, tentou acabar com o ministério, a reação dos produtores de cultura foi de fúria, como se se estivesse tramando o fim da atividade ou, pelo menos, a subestimação de seu valor. Uns lutaram mais, outros menos, mas nenhum produtor de cultura permaneceu insensível. Agora, parecemos todos recolhidos a uma reflexão que ainda não deu fruto.

O Ministério da Cultura nasceu com o governo de José Sarney, herança de Tancredo Neves, que o deixou criado e ocupado antes de morrer. José Aparecido de Oliveira, intelectual mineiro responsável por poderoso apoio à sua existência, foi o primeiro a ocupá-lo, tornando-se uma espécie de fundador da novidade. Tancredo entregou-lhe a concepção do que seria o MinC, e Aparecido correspondeu a essa confiança, criando um núcleo moderno e eficiente de administração pública da cultura.

No governo seguinte, o primeiro eleito pelo voto direto da população, a cultura sofreu um golpe histérico de um presidente que se vingava infantilmente da ausência de apoio de artistas e intelectuais à sua candidatura. Era tão evidente que esse desprezo oficial estava desconectado da realidade, que o governo Fernando Collor foi obrigado a criar a Lei Rouanet. Uma lei que, por um desses milagres políticos em que as circunstâncias se impõem, e os homens no lugar estratégico das decisões não podiam ser mais apropriados, foi criada pelo então secretário Sergio Paulo Rouanet. Até hoje, essa lei é um documento contemporâneo, uma vitória da ousadia e da lógica, num ambiente em que nem sempre elas prevalecem. Algumas atividades culturais, como o cinema, não se beneficiam da Lei Rouanet, não têm acesso a ela. Ao longo do tempo, o cinema ganhou suas próprias regras nas relações com o Estado, através da Lei do Audiovisual, implementada no início dos anos 1990.

Se, neste próximo governo, a cultura for tratada com respeito e entusiasmo, com empenho burocrático e interesse real do Estado, se não for abandonada como supérfluo, não importa se vai ganhar um ministério próprio ou não. A cultura tem que ser uma atividade de interesse do Estado brasileiro, disposto às medidas possíveis e necessárias para que ela se torne representativa e poderosa, instrumento de nosso desenvolvimento nacional, em qualquer que seja o escaninho para o qual for encaminhada pelos homens públicos do país.

A cultura é uma inquestionável responsabilidade do Estado, é ela que nos diz quem somos e acaba por dizer para onde devemos ir. Por isso mesmo, vive uma certa esquizofrenia natural em que precisa de absoluta liberdade para se manifestar, mesmo que dependa materialmente do Estado que tem interesses em suas tendências. Todo país do mundo, do capitalismo neoliberal americano ao capitalismo de Estado chinês, protege e investe em seus valores culturais para existir como nação.

Podemos simplificar sua importância na política dos três Fs, proclamada durante o governo de Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos: flag follows films (a bandeira segue os filmes). Foi através da cultura (sobretudo da música e do audiovisual), de seu soft power, que os Estados Unidos impuseram, na segunda metade o século XX, sua liderança mundial, vendendo os produtos expostos nos filmes e um modo de vida especial (o chamado american way of life) que se espalhou pelo planeta e manteve o país à frente do mundo, independentemente das armas que poderia produzir e usar contra seus inimigos. A cultura brasileira, com sua força, originalidade e diversidade, pode exercer papel semelhante, capaz de levantar as energias desse melancólico século XXI. Depende do que o Estado brasileiro pretende e espera dela.


Dorrit Harazim: Adeus às armas?

Controle mais severo da legislação que rege a posse de armas tende a corresponder uma diminuição no número de mortes

E de repente ouviu-se um imenso silêncio. Ele foi acachapante, estranho, sinistro. Cobriu campos e vales, trincheiras e povoados, e teve hora cronometrada. Foi num 11 de novembro de exatos cem anos atrás — na 11ª hora do 11º dia daquele 11º mês de 1918. Com o armistício assinado horas antes por Aliados e a Alemanha derrotada num vagão em Compiègne (França), todas as armas se calaram. E a Primeira Guerra Mundial — que durara quatro anos, também chamada de a “guerra de todas as guerras” — pôde começar a olhar para a devastação à sua volta. O britânico Guy Cuthbertson, professor de Literatura em Liverpool, acaba de publicar “Peace at Last: A Portrait of Armistice Day”, um retrato dos minutos finais dessa guerra e do silêncio que se seguiu.

A reconstituição é minuciosa. A ordem de cessar-fogo fora respeitada com pontualidade militar, ora com ceticismo, ora com fé. Mesmo faltando menos de cinco minutos para a hora H, um batalhão britânico exaurido ainda arriscou avançar sobre Lessines, uma localidade belga. Vai que a guerra não acaba... Outras trovoadas de artilharia de última hora tiveram motivação mais prático-otimista: aliviar o volume de material bélico a ser transportado de volta para casa. Vai que a guerra acaba... Um sortudo operador de rádio americano começara a ler o comunicado “São 11 horas e a guerra ... ”, quando uma bomba alemã disparada segundos antes arrombou seu bunker. Não terminou a frase, mas sobreviveu.

Cuthbertson conta que até o ar pareceu ficar imóvel quando o ponteiro dos segundos emparelhou no alto do mostrador. “Foi como se todos tivessem ensurdecido de repente”, escreveu. Em nenhuma trincheira houve comemoração, apenas alívio. “A sensação foi de cair num vazio... De escutar o que não existia”, relembra outro veterano. A chegada da paz foi definida pela ausência — a ausência dos sons que matam.

Todos os anos, no dia 11 de novembro — ou no domingo mais próximo a esta data —, Europa, Estados Unidos e parte do planeta comemoram o armistício desta guerra que causou a morte de mais de 20 milhões de pessoas (entre combatentes e civis), e gerou 30 milhões ou mais de mortes indiretas (vítimas de epidemias, doenças e genocídios paralelos). Em alguns países como a Inglaterra, a França e a África do Sul, tudo para, todos param, a vida vira estátua durante dois minutos de silêncio a partir das 11h (hora local); no primeiro homenageiam-se os mortos; no segundo, os que ficaram para chorá-los.

É uma comunhão surpreendente, considerando tratar-se de um conflito ocorrido quatro gerações atrás.

Houve um tempo em que o mundo acreditou que a lição foi aprendida, que o horror não se repetiria. Mas a geração nascida dos escombros de 1918 mal tinha completado 21 anos quando o mesmo mundo voltou às armas. Nunca mais as largou — Segunda Guerra, Vietnã , o Afeganistão que já dura 17 anos, para citar só algumas. A diferença em relação a cem anos atrás é que ninguém mais parece acreditar num mundo menos armado.

Tome-se o episódio desta semana na cidade californiana de Thousand Oaks. Um ex-fuzileiro naval, empunhando uma pistola calibre 45 turbinada e comprada legalmente, adentra o bar onde uma maioria de jovens se embalava ao som de música country. Em poucos minutos, mata 12 pessoas e se suicida. Em novembro de 2017, também durante um festival de música country de Las Vegas, outro atirador entrincheirado num quarto de hotel com 12 fuzis semiautomáticos mata 58 pessoas, fere outras 515 e tira a própria vida. Sem falar na recente matança de 11 fiéis numa sinagoga de Pittsburgh, em crime antissemita cometido por um atirador armado com um fuzil AR-15 e três pistolas Glock. A listagem completa das chacinas ocorridas nos Estados Unidos nos últimos anos ocuparia um jornal inteiro.

O ponto de inflexão na complexa relação da sociedade americana com o porte de armas talvez tenha ocorrido em 2012, quando 20 crianças foram metralhadas em suas salas de aula em Sandy Hook, estado de Connecticut. Como nada mudou no país desde então, o debate sobre controle do uso de armas também foi ficou ali enterrado.

Em levantamento mundial publicado no ano passado, o “New York Times” teve o mérito de dissociar chacinas cometidas por atiradores individuais da violência e criminalidade genéricas de um país. No primeiro quesito apenas o Iêmen supera os Estados Unidos. No segundo, os EUA também claudicam: seis vezes mais homicídios por arma de fogo do que no Canadá, 30 vezes acima do índice na Grã-Bretanha, segundo dados de 2009. Ainda assim, menos propensos à criminalidade do que vários outros países desenvolvidos.

Embora constituam apenas 4,4% da população mundial, guardam em casa, legal ou ilegalmente, 42% das armas privadas do planeta. São 270 milhões de unidades. Mas nem a história constitucional do país, nem divisões raciais ou índice de distúrbios mentais dos perpetradores explicam, sozinhos, o alto índice de chacinas. A única variável capaz de explicar a matança é o número astronômico de armas em mãos do cidadão.

Espremendo as análises de 130 estudos sobre violência em dez países, o “Times” concluiu o que para muitos parece intuitivamente óbvio: que à posse de armas corresponde um aumento de homicídios. E que a um controle mais severo da legislação que rege o tema tende a corresponder uma diminuição no número de mortes. Isso vale tanto para os Estados Unidos, onde o cidadão já nasce imbuído do direito de ter uma arma, como para o resto do mundo, que vê o acesso a armas como um direito que precisa ser conquistado.

No Brasil, Jair Bolsonaro acaba de eleger-se presidente com a promessa de ampliar o acesso a armas para autodefesa. O apoio da opinião pública à lei federal de 2003 que as proíbe vem diminuindo ano a ano — em 2013 eram 68%, hoje são 55%. Está nas mãos do Congresso e da pressão da sociedade decidir o tamanho que se quer dar à nossa guerra cotidiana.


Jânio de Freitas: O governo é civil

Será crucial desvendar quanto os militares estarão dispostos a proteger Bolsonaro

O futuro das incertezas e dos temores com o governo Bolsonaro depende, a rigor, de um fator dominante sobre todos os demais. E ausente das cogitações atuais por ainda faltarem motivos que o tornem perceptível.

Em todas as possíveis circunstâncias que não sejam de aceitação majoritária com o andar de tal governo, os outros Poderes e a legislação dispõem de variadas medidas corretivas. Aplicá-las, porém, não decorre só de existirem.

As injunções políticas e os interesses representados no Legislativo e no Judiciário combinam-se como força decisória. Não, porém, no caso de Bolsonaro.

Se as coisas desandarem, o importante para antever o seu rumo será desvendar quanto os militares estarão dispostos a empenhar em barragem de proteção a Bolsonaro. O que dependerá da identificação, ou confusão, entre o Exército e o governo conduzido por ex-ocupantes das suas casernas.

O trabalho para criar essa identificação vem desde a campanha, à qual deu contribuição por certo significativa. Mas sua intensificação pós-resultado eleitoral ganha proporções mais do que inadequadas.

Fazer tocar o hino do Exército, por exemplo, no saguão do hotel onde ocorrem as reuniões do círculo de Bolsonaro é abusivo.

Até que se constate o contrário, se isso acontecer, o governo será poder civil. Mesmo os generais reformados que vão para ministérios administrativos estarão em cargos civis, sem diferença do advogado e do político em outro ministério.

E, com a forçada identificação, o que o Exército ganha não lhe convém, nem ao país: é o risco de ser identificado com possíveis insucessos de Bolsonaro e seu governo.

Além do mais, há uma contradição que inclui todos os modos de explorar a imagem do Exército utilizados agora e desde os primeiros passos de Bolsonaro na vida política. Se preza tanto o Exército, por que não agiu de modo a ser bem aceito nele? Citada várias vezes em dias recentes, a frase de Geisel é terminante: "Bolsonaro é um mau militar". Indesejado por desordem e insubordinação, foi induzido e conduzido à reforma.

A identificação é buscada, em parte está atingida, mas não é autêntica nem legítima.

O SITIADO
Os depoimentos de Emílio e Marcelo Odebrecht, pai e filho, no meio da semana, tiveram cara e coroa. Ambos disseram que antes das melhorias no sítio de Atibaia não houve doação alguma a Lula como pessoa. Desse modo, confirmavam aquela. Mas disseram também que foi "uma coisa pessoal", nada tendo, portanto, com retribuição a contratos na Petrobras.
Desse modo, derrubam a tese de Sérgio Moro.

O CRITÉRIO
O senador Blairo Maggi deu o sinal da péssima reação no agronegócio, extensiva a desdobramentos, à hostilidade de Bolsonaro a países árabes, com a mudança da embaixada brasileira em Israel para imitar Trump. Como meio de aplacar a reação, foi decidida a escolha às pressas, para o Ministério da Agricultura, de alguém ligado aos ruralistas.

Veio a ser a deputada Tereza Cristina. Com péssima repercussão dos críticos ao desmatamento, defensores dos povos e reservas indígenas, e dos preocupados com o uso disseminado de agrotóxinos na agricultura.


Ascânio Seleme: Saber perder

Ao longo da campanha que acabou por elegê-lo presidente da República, Jair Bolsonaro deu sinais de que não sabe ganhar. Mesmo liderando todas as pesquisas por larga margem, denunciou diversas vezes que havia tentativas de fraudes eleitorais e atacou sem cessar a mais eficiente urna eletrônica em uso em todo o mundo. E esses ataques seguiram até a véspera do segundo turno. Difícil dizer como vai reagir quando perder alguém que não sabe ganhar.

A primeira derrota do presidente eleito aconteceu antes mesmo de ele assumir seu novo cargo. E se deu porque ele resolveu se intrometer no assunto ao pedir ao Senado que não aprovasse o reajuste do Judiciário que vai causar impacto anual de R$ 4 bilhões nas contas públicas. Bolsonaro foi provocado por um repórter, poderia ter ficado calado, mas não só respondeu como fez a recomendação. Agiu corretamente, apesar de ao final ter perdido a votação, pois terá de lidar com o resultado do aumento salarial dos juízes no ano que vem. Não se omitiu, ponto para ele.

Mas o fato é que ele perdeu a primeira votação antes mesmo de inaugurar seu governo. E, pior, perdeu com dez votos de senadores que oficialmente o apoiam e vão fazer parte de sua base parlamentar a partir de 2019. Antes da votação do reajuste, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, defendia fazer uma “prensa” no Congresso para aprovar sua agenda, e um dos filhos do presidente chegou a falar em “tratorar” o Legislativo. Bobagem, deputados e senadores não temem a fúria de presidentes, querem seus favores, e podem até fazer trocas. Mas grito não resolve.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira, que não se reelegeu, disse ao jornal “O Estado de S. Paulo” que não lhe incomodou ter ignorado o pedido do presidente eleito. “Não me importo se Bolsonaro vai gostar ou não”, afirmou Eunício, responsável pela colocação do aumento do Judiciário na pauta. O senador denunciou ainda uma tentativa de constrangimento que sofreu em outro episódio. Segundo Eunício, Paulo Guedes teria dito a ele “ou você vota a Previdência ou o PT volta”. A informação não foi checada, mas, se existiu, confirma mais uma vez que é preciso cuidado para que a falta de jeito não vire marca registrada do novo governo.

O bom-senso recomenda cautela e muita saliva no tratamento das questões com o Congresso. Para cumprir uma de suas principais promessas de campanha, erradicar da prática governamental a troca de cargos por votos, Bolsonaro terá que negociar muito mais do que qualquer outro presidente antes dele. Com o famoso “é dando que se recebe”, um governo iniciava os entendimentos para aprovação de suas propostas com a maior parte dos votos necessários já consolidada. Sem ele, cada nova pauta começará a ser negociada do zero.

Nos próximos quatro anos, Bolsonaro vai ganhar um bom número de causas e perder outro tanto. Será fundamental ao novo presidente saber perder. A derrota pode ser dura e difícil, mas terá de ser engolida e digerida pelo novo presidente. Só assim poderá mostrar grandeza e exercer bem o cargo que o brasileiro lhe confiou. Um presidente não pode tudo, perder faz parte da sua rotina. Até sexta-feira, a primeira derrota tinha sido bem deglutida.