Bolsonaro
Paulo José Cunha: A direita não é mais aquela!
Comeram a inteligência dela! Larárárá…
A ditadura militar teve um guru. Chamava-se Golbery do Couto e Silva. General e estudioso de geopolítica (tem um livro excelente, embora chatíssimo, sobre o tema), foi um dos principais teóricos da doutrina de segurança nacional, idealizada nos anos 50 na Escola Superior de Guerra e depois exportada para várias ditaduras latino-americanas da época.
Tinha como eixo o apoio ao capitalismo clássico e o combate a qualquer “ideologia exótica”. Por inspiração de Golbery, o primeiro ditador, General Castelo Branco, criou o temido Serviço Nacional de Informações, o SNI, o “Ministério do Silêncio”, a partir de cujas indicações eram cassados mandatos e suprimidos direitos. Mas seus agentes praticaram tantos crimes e arbitrariedades que o próprio Golbery reconheceria, anos depois: “Eu criei um monstro”. Apesar disso, era reconhecido pela sua inteligência e sagacidade. O cineasta Glauber Rocha causou furor ao declarar que Golbery era “o gênio da raça”.
Daquele tempo pra cá a direita brasileira emburreceu muito. Na ampla maioria de seus quadros impera ruidosa imbecilidade e truculência. Ganha uma mariola e um cigarro Yolanda quem se lembrar de um expoente da direta brasileira neste momento a quem se possa atribuir o título de pessoa minimamente inteligente.
O governo de Jair Bolsonaro, que está pra começar, também já elegeu seu guru. É o astrólogo e “filósofo” de botequim (com todo o respeito aos botequins) Olavo de Carvalho. Já indicou alguns ministros do futuro governo e deve ser o oráculo a quem Bolsonaro e sua trupe recorrerão em busca de conselhos nos momentos críticos (e bota crítico nisso) que o futuro governo enfrentará.
Os Estados Unidos apoiam o Estado Islâmico!
Difícil prever o tamanho do desastre que poderá advir se o futuro governo aceitar as indicações de Olavo de Carvalho. Compilando uma coleção das imbecilidades que já proferiu, vale destacar algumas para alegrar o leitor.
Continue a leitura mas por favor não ria muito alto. Pois esse farsante que se diz filósofo foi capaz de afirmar, sem prova alguma, como de resto tem feito em todas as suas declarações, que os Estados Unidos estão trabalhando juntamente com o Reino Unido pela ascensão islâmica mundial! “Eu digo para vocês: o Príncipe Charles é membro de uma tarica. Ele protege um sheik islâmico”. Eu avisei pra não rir. Não me desobedeça!
De outra feita, Olavo de Carvalho disse que existem sinais claros (não disse nem vai dizer quais) de que há um movimento mundial de extinção das religiões, principalmente a católica. Aqui no Brasil, segundo ele, Dilma Roussef e Gilberto Carvalho estão por trás desse trabalho.
Só pra constar, eu, PJC, o locutor que vos fala, não vou com a cara de nenhum dos dois. Mas daí a achar que estão trabalhando pelo fim das religiões no mundo vai uma distância maior do que a burrice posuda de Olavo de Carvalho.
Combustíveis fósseis não existem!
Da coleção de idiotices do sujeito, há uma que chega abaixo do nível do pré-sal. Pois o cabra teve o desplante de dizer, sem se ruborizar nem deixar cair o cigarro, que os combustíveis fósseis... não existem! E com a cafajestice que lhe é peculiar, garantiu que já foram encontrados hidrocarbonetos numa galáxia que fica “na puta que o pariu, onde nunca teve dinossauro nem fóssil, porra”.
Portanto, “combustível fóssil é o cu da sua mãe!”. Eu já mandei você não rir, leitor. Estou começando a me zangar. E afaste as crianças, que aqui tem palavrão!
Uma das principais características de qualquer idiota é acreditar sem checar a fonte ou verificar as provas. Olavo de Carvalho afirma com absoluta convicção que a Pepsi-Cola “está usando células de fetos humanos. E essa denúncia foi para uma agência do governo, que não sei o nome, e ela disse que isso é um procedimento comercial normal! Portanto, ao beber Pepsi-Cola você é um abortista terceirizado”.
Olha, se você continuar a rir eu juro que paro esta coluna bem aqui!
Das pérolas olavianas, uma das mais criativas e basbaques é a afirmação dele de que não existe qualquer prova de que o sistema descoberto por Copérnico (sol ao redor do qual giram planetas, ao redor dos quais giram satélites) seja real. Mais adiante, na mesma entrevista, Olavo, o Gênio, afirma com todas as letras que Albert Einstein, diante da falta de provas para confirmar o sistema copernicano preferiu modificar a física inteira. E introduziu conceitos como a curvatura do espaço, que o gênio Olavo diz não ter entendido. Eu, o locutor que vos fala, também não entendo. Mas Einstein é Einstein. E eu sou apenas um pobre diabo, que Olavo, o Sábio, não admite ser.
Teria a consciência vindo do dedão do pé?
Ele afirmou também, com toda a convicção, que não há nenhuma prova de que a consciência seja causada pelo cérebro. Mas não disse de onde ela poderia vir. No caso dele, suspeito que a consciência tenha vindo, sei lá, do dedão do pé.
Esse lunático afirma sem perder a pose de sabichão, entre outras sandices, que “a história da origem das ciências é tudo empulhação, não foi nada disso que aconteceu”. Caramba, quando vai parar de rir, cacete!
Agora eu vou deixar você rir um pouquinho, porque essa é ótima: “A União Soviética foi quem armou a Alemanha nazista, em segredo. Não haveria nazismo nem Alemanha nazista se não fosse o plano de Stálin de usar a Alemanha nazista como ponta-de-lança da revolução. O Stálin planejou toda a Segunda Guerra usando os nazistas como instrumentos, isto está mais do que provado!”
Pronto, já riu o suficiente. Agora, é pra ficar sério, senão eu vou continuar a lhe fazer cócegas. A última dele foi dizer que “o fundador do Haiti dedicou o país a Exu, daí os terremotos que destruíram o país. Da mesma forma como Louisiana, devastada pelo furacão Katrina, é a central da macumba nos Estados Unidos”. E conclui dizendo que os negros americanos são os mais felizes do mundo porque, em sua maioria, são protestantes... Baianos, fujam já daí que a qualquer momento pode ocorrer um terremoto ou um furacão mais forte do que Ivete Sangalo que vão devastar a Bahia!
Fernando Limongi: A política familiar
Um enredo conhecido que já se repetiu vezes sem conta
O dia da família, 8 de dezembro, não foi comemorado pelos Bolsonaro. A efeméride não gerou as esperadas mensagens na rede social, talvez porque os negócios da família, suas amizades e dívidas, tenham ocupado o noticiário. Cheques depositados na conta da futura primeira dama precisaram ser explicados e, como de costume, contabilizados como dívidas pessoais de um velho amigo que se perdeu pelo caminho.
Não é de hoje que os negócios dos amigos e dos familiares são fontes de embaraço para políticos. O enredo é conhecido e se repetiu vezes sem conta.As iniciativas do filho de Lula que ocuparam o noticiário durante a semana estão aí para comprovar. Há sempre um empresário a postos para bancar a aventura em troca das oportunidades que a proximidade com o poder gera.
Magno Malta, o puxador oficial das preces presidenciais, não chegou a ministro porque, para usar a expressão cunhada por Jacques Wagner, começou a se lambuzar com as sinecuras do poder antes mesmo de ocupar o cargo. A generosidade do empresário Eraí Maggi para com Malta, cedendo aeronaves para facilitar deslocamentos do candidato, não foi interpretada como um ato de comprometimento com a defesa da família, da pátria e dos bons costumes. A dupla Malta e Eraí já dava como certo até que emplacariam Adilton Sachetti no Ministério da Agricultura. Malta não resistiu ao escrutínio dos lotados na equipe de transição. Aparentemente, outros tantos aliados de primeira hora não obtiveram o aval da equipe por razões similares. Eraí Maggi, com certeza, não foi o único a investir recursos para usufruir da intimidade do novo núcleo do poder.
Obviamente, políticos e membros da 'entourage' presidencial não se distinguem dos lotados nos demais poderes. Não por acaso, o Conselho Nacional de Praticagem (CONAPRA) se lembrou de incluir os Ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio entre os convidados a participar do seminário que promoveu em Búzios, no Ferradura Resort. Entre os palestrantes, destacou-se Rodrigo Fux, filho do ministro Luiz Fux, que representa a CONAPRA em causa a ser julgada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Ao explicar o papel do prático, o Ministro Marco Aurélio evidenciou porque sua presença era imprescindível: "É um verdadeiro comandante. Ele assume o navio para a entrada no porto. Ele que conhece os aspectos alusivos ao porto, inclusive os canais existentes."
Flávio Bolsonaro, entrevistado pela GloboNews na última terça-feira, comportou-se como um experimentado comandante-prático e expôs com desenvoltura e serenidade os projetos do novo governo. Um desavisado poderia pensar que o senador eleito decidira se filiar à Rede, tantas foram as referências à morte da velha política e à aurora de uma nova era, sob a liderança de Jair. "A forma de fazer política mudou", decretou.
Didático, associou todos os problemas do governo passados à distribuição de pastas ministeriais a partidos: "Se você tem um governo que não tem o loteamento em base de partidos... e isso significa o quê? Que todos os ministérios podem se comunicar, sem se preocupar se está [sic] invadindo o terreno eleitoral de um ou de outro. Um parlamentar que seja de um partido, PX, pode procurar qualquer ministro para levar demandas legítimas para seu estado, para aquele segmento que ele representa, sem se preocupar 'Bom, eu sou do PX, então partido que está no Ministério tal é do PY, então eu não vou ter acesso, não!' Vai ter acesso!"
Eraí Maggi e a CONAPRA sabem que as coisas não são assim tão simples, a começar pelo fato de que recursos são escassos e, portanto, insuficientes para atender todas as demandas. Eraí e a CONAPRA sabem também que a distinção entre os pleitos legítimos e ilegítimos não é uma operação simples e objetiva. Os pleitos dos amigos acabam sendo vistos com mais simpatia que os dos mais distantes, isto sem falar nos apresentados pelos inimigos. Por exemplo, na sua exposição, Flávio Bolsonaro deixou claro que acredita que as demandas apresentadas pelo PT serão rotuladas como ilegítimas.
Paulo Marinho, suplente de Flávio de Bolsonaro no senado, sabe como ninguém a importância das conexões políticas para os negócios. Segundo a Revista Crusoé, o empresário sempre esteve "perto de onde há poder e dinheiro" e, em tom de denúncia, alerta que "já foi próximo até dos petistas."
O faro político do empresário o levou a apostar suas fichas na candidatura dos Bolsonaro, franqueando sua casa para gravações e reuniões políticas, durante e depois da eleição. Nesta aproximação, valeu-se da amizade de Gustavo Bebianno, velho conhecido dos tempos em que trabalhou no escritório Sérgio Bermudes. O advogado é outro bom amigo de Paulo Marinho, na casa de quem se casou, em cerimônia celebrada por ninguém menos que Luiz Fux.
Em razão da sua extensa biografia, Marinho é cotado como o candidato mais forte e natural ao posto de lobista geral do novo governo. Pelas mesmas razões, é visto como fonte segura de problemas futuros para a família Bolsonaro. A amizade pede reciprocidade.
Os problemas, contudo, chegaram bem antes do esperado e vieram do núcleo familiar do próprio presidente. Os amigos íntimos e de velha data não são tão fáceis de descartar, sobretudo quando trazem consigo marcas indeléveis, como fotos, cheques e a alocação de parentes em gabinetes. As movimentações financeiras de Fabrício de Queiroz, assim como o trânsito das filhas dos motoristas pelos gabinetes de Jair, Flávio e Cláudio mostram que o clã Bolsonaro reza pelo velho e tradicional evangelho da política brasileira.
Onyx Lorenzoni, outro que se viu enredado por práticas políticas que Bolsonaro diz ter vindo para enterrar, socorreu-se de um esquema infantil para traçar a rota de fuga: "Não dá para querer achar que [o governo] é igual ao do PT. Não é, nunca vai ser e os homens e mulheres que estão aqui são do bem. A turma do mal está do lado de lá."
*Fernando Limongi é professor do DCP/USP, da EESP-FGV e pesquisador do Cebrap.
El País: Um investigado por fraude ambiental comandará Meio Ambiente sob Bolsonaro
Advogado Ricardo Salles é alvo de ação por improbidade administrativa no período em que foi secretário da área no Governo Alckmin. Do Partido Novo, ele preside o movimento Endireita Brasil e defendeu "bala" como resposta ao MST
Apoiado por entidades ruralistas e presidente do Movimento Endireita Brasil, o advogado Ricardo de Aquino Salles comandará o Ministério do Meio Ambiente a partir de janeiro. O anúncio do ministro que completa a Esplanada dos Ministérios de Jair Bolsonaro foi feito pelo presidente eleito na tarde deste domingo. Salles, que já foi secretário particular do ex-presidenciável Geraldo Alckmin e ocupou também a pasta de Meio Ambiente de São Paulo durante o Governo do tucano, vinha sendo citado há dias como nome para o cargo. O futuro ministro é alvo de ação de improbidade administrativa, acusado de manipular mapas de manejo ambiental do rio Tietê, e, durante a campanha eleitoral deste ano, chegou a sugerir o uso de munição de fuzil contra a esquerda e o MST.
A escolha de Salles joga mais combustível nas controvérsias que envolvem um setor crucial para o Governo Bolsonaro, crítico do que chama de "exageros" na legislação ambiental. As decisões já sob influência da futura gestão, como retirada da candidatura do Brasil para sediar a próxima Conferência sobre as Mudanças Climáticas da ONU no ano que vem, a COP25, atrem holofotes tanto nacionais como internacionais para o setor. Após vencer as eleições, Bolsonaro chegou a anunciar que fundiria os ministérios da Agricultura (que será comandado a partir do ano que vem pela deputada ruralista Tereza Cristina) e do Meio Ambiente, uma ação para reduzir a máquina pública, mas que também, segundo os críticos, poderia esvaziar a pasta que hoje controla o Ibama e o ICMbio, órgãos fiscalizadores. Durante a campanha, o então candidato e seus emissários fizeram várias críticas ao que chamam de “indústria da multa” desses órgãos. Bolsonaro chegou a defender a necessidade de "tirar o Estado do cangote de quem produz”. No entanto, a reação negativa de setores exportadores e ambientalistas fizeram o presidente recuar da proposta. Bolsonaro decidiu apenas reformular o Ministério do Meio Ambiente e reduzir alguns cargos.
A manutenção da pasta não apaziguou os ânimos. Para a organização ambientalista Observatório do Clima, a indicação do novo ministro mostra que segue viva a ideia de subordinar o Ministério do Meio Ambiente ao Ministério da Agricultura. "Se por um lado contorna o desgaste que poderia ter com a extinção formal da pasta, por outro garante que o Ministério do Meio Ambiente deixará de ser, pela primeira vez desde sua criação, em 1992, uma estrutura independente na Esplanada. Seu ministro será um ajudante de ordens da ministra da Agricultura. O ruralismo ideológico, assim, compromete o agronegócio moderno – que vai pagar o preço quando mercados se fecharem para nossas commodities", argumenta a dura nota da entidade.
Ricardo Salles é acusado de descumprir leis ambientais. Desde 2017, é alvo de ação movida pelo Ministério Público de São Paulo sob a acusação de alterar ilegalmente o plano de manejo de uma área de proteção ambiental, na Várzea do Rio Tietê, "com a clara intenção de beneficiar setores econômicos". “Sou réu, mas não há decisão contra mim. São todas favoráveis a mim. Todas as testemunhas foram ouvidas, todas as provas produzidas e o processo está concluso para sentença, pode ser sentenciado a qualquer momento. Todas as testemunhas ouvidas, de funcionários do governo e fora, corroboraram a minha posição”, afirmou Salles ao site do programa Globo Rural há alguns dias.
Além disso, Salles foi alvo de um inquérito civil instaurado também pelo Ministério Público de São Paulo no último mês de janeiro para apurar se cometeu improbidade administrativa ambiental ao determinar a retirada do busto do guerrilheiro e ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, que estava instalado no Parque Estadual do Rio Turvo, em São Paulo, quando comandava a secretaria estadual do Meio Ambiente. O pedestal em que estava a estatueta teria sido demolido por ordem de Salles em agosto do ano passado. “Recurso de compensação ambiental não foi feito para colocar busto em parque, como fizeram lá. Ainda mais de uma pessoa que era um criminoso, independentemente do lado ideológico”, argumentou na época.
Salles, cuja nomeação por Alckmin provocou críticas até dentro do PSDB, estreou na política ao se candidatar a deputado federal pelo Partido Novo nas últimas eleições, mas não conseguiu se eleger. Durante a campanha, sugeriu nas redes sociais o uso da munição de fuzil 3006 (mesmo numero que escolheu para usar nas urnas) “contra a praga do javali” e “contra a esquerda e o MST”. A publicação causou revolta e rendeu uma advertência do partido no Twitter, que disse não compactuar “com qualquer insinuação ou apologia à violência, de qualquer tipo, contra quem quer que seja". As críticas do novo ministro à esquerda são antigas. Há 12 anos, quando o ex-presidente Lula venceu a reeleição apesar das denúncias do Mensalão, ele participou da criação do Movimento Endireita Brasil, destinado a reabilitar esse setor ideológico no país.
El País: Bolsonaro encara o fim da euforia da vitória com suspeitas sobre ex-assessor
Presidente eleito será diplomado nesta segunda em meio a desconforto no seu núcleo com movimentações suspeitas de amigo da família e dúvidas sobre capacidade de colocar seus planos em pé
O presidente eleito Jair Bolsonaro será diplomado nesta segunda pelo Tribunal Superior Eleitoral, num ato que formalizará sua aptidão para assumir o cargo, marcando oficialmente a contagem regressiva para a sua posse dentro de 22 dias. O primeiro presidente militar da redemocratização segue venerado por metade do Brasil, enquanto a outra metade do país e do mundo se pergunta se ele está realmente apto para dar conta do recado. Antes mesmo de assumir no dia 1º de janeiro, Bolsonaro já alimentou o noticiário com pautas que deixam enormes dúvidas no caminho, seja pela guerra interna em seu partido, seja pelo perfil de seus ministros, e mais recentemente, pelas suspeitas de corrupção que começaram a rondar a sua família.
Tudo começou com o vazamento das discussões ácidas entre os integrantes do partido pelo Whastsapp, na quinta feira, 6, seguida pela descoberta de que um assessor do seu filho, o senador eleito Flavio Bolsonaro, movimentou 1,2 milhão de reais entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, uma renda incompatível com seus ganhos. As informações constavam de um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), O dinheiro chegou a respingar nas contas da futura primeira dama, Michelle Bolsonaro. O assunto tomou os jornais no final da semana. Bolsonaro e o filho Flavio não se furtaram a falar do assunto. O presidente eleito disse a jornalistas que ele havia sido credor de empréstimos ao ex-assessor, Fabrício Queiroz. Flavio se pronunciou pelo Twitter, dizendo que estava com a consciência tranquila.
Erros ingênuos, insinuações maldosas da mídia ou um político que acreditou no próprio personagem que ganhou a eleição numa cruzada anticorrupção contra o PT? Para um Brasil que viu Aécio Neves e o ex-ministro Geddel Vieira Limafazerem campanha anticorrupção, e hoje estão enrolados em denúncias, qualquer sinal de fumaça preocupa. Bolsonaro, em todo caso, tem capital político de sobra ainda, e um suporte poderoso dos militares para seguir seu caminho e que muitas vezes têm garantido um certo verniz para seu futuro Governo. O próprio vice-presidente, o general da reserva Hamilton Mourão, mostrou-se favorável a explicações mais claras sobre o episódio do empréstimo. “O ex-motorista, que conheço como Queiroz, precisa dizer de onde saiu este dinheiro. O Coaf rastreia tudo. Algo tem, aí precisa explicar a transação, tem que dizer”, disse ele à jornalista Andrea Sadi, do portal G1. Mourão também será diplomado nesta segunda, junto com Bolsonaro.
Os militares, aliás, que estão até a raiz na era Bolsonaro —sete dos 22 ministros são fardados—, estão fazendo as vezes de freio institucional para o futuro Governo e, para alguns, são os que vão governar de fato. A volta à política em plena democracia vem dentro do propósito de permitir que o Brasil supere este momento de turbulência, que começou em 2014. “Eles garantiram a eleição e agora, a transição”, diz uma alta fonte de Brasília, com a honestidade de quem enxerga o papel dos militares em toda a formação do Brasil, desde os tempos imperiais. Segundo esta fonte, a presença deles é endossada pela população, como as próprias urnas confirmaram. Afinal de contas, Bolsonaro deixou claro desde o princípio que eles estariam junto caso vencesse. Uma amostra dessa influência já pode ser testemunhada no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), de Brasília, que serve de base para o Governo de transição. Por ali, militares circulam com a mesma desenvoltura que os políticos e jornalistas que cobrem a capital.
A questão é se eles serão os fiadores dos planos ambiciosos do novo Governo, tanto a guinada à direita nos costumes, como a retomada do crescimento econômico com um plano ultraliberal. Se o otimismo do mercado financeiro deu o tom durante a campanha e este período de transição (a bolsa subiu e o dólar caiu desde a vitória do militar reservado), é o Bolsonaro do Palácio do Planalto que desperta um enorme ponto de interrogação entre os que pensam mais a longo prazo do que investidores de bolsa. Como o Governo novo vai colocar em prática seus planos de virar o Brasil para a direita, sem prejuízos para a economia, o emprego e para os direitos sociais previstos pela Constituição, é uma pergunta que se repete nas principais embaixadas de Brasília. Algumas ideias da equipe econômica lembram fórmulas dos anos 80 e 90, que depois afetaram o poder de compra das pessoas, analisava preocupado um representante de um dos países com mais negócios no Brasil em conversa com o EL PAÍS.
Maurício Huertas: Das fake news ao fake gov. Será o início do fim?
Eu suspeitei desde o princípio: os discursos e as ações não combinavam. Aquele moralismo propagandeado era falso. Agora as desculpas esfarrapadas tornam evidente o estelionato eleitoral.
Toda a campanha foi marcada pelo roto falando do rasgado. Era a direita chucra e truculenta atacando a esquerda burra e calhorda. Tudo farinha do mesmo saco da velha política. Duas gangues armadas (e desalmadas) na disputa de sempre, no vale tudo pelo poder. Ganhasse quem ganhasse, perderia o Brasil.
Das fake news ao fake gov, quanto tempo ainda vai durar a espuma dessa onda de popularidade do "mito"? A casa começou a ruir. O novo presidente nem tomou posse e já há claros sinais de imperícia e ingovernabilidade. Não bastavam ministros réus e apoiadores suspeitos, denúncias consistentes atingem em cheio o núcleo da família Bolsonaro. As respostas parecem tiradas do manual de qualquer advogado de porta de cadeia, falas reeditadas de Lula, Dilma e companhia petista. Aliás, quando todos se farão companhia?
Não chega a ser uma metamorfose ambulante para quem já não esperava nada desse futuro governo impostor. Mas para a maioria de seus eleitores, será. Nem tanto para os bolsominions, com aquela velha opinião formada sobre tudo, porém eles são minoria dentro dos 57,7 milhões de brasileiros incrédulos ou de boa fé que elegeram Jair Bolsonaro, que parece cada vez mais dizer agora o oposto do que disse antes (perdão, Raul).
Quando vai cair a ficha do povão? E o que restará diante de mais desesperança? Que reação veremos desencadeada perante um novo sentimento de frustração? Qual a saída para o Brasil? Surgirão novos movimentos cívicos nas redes e nas ruas? Parece lógico que aqui está reservado o papel de uma oposição democrática e republicana, que ajude a preservar as liberdades individuais e os direitos coletivos diante da ameaça do caos. Tô dentro!
Se a mera expectativa de poder já provoca uma disputa aberta nas hostes bolsonaristas, com brigas internas e acusações num nível tão indecoroso e rasteiro, imagine quando o governo enfrentar problemas concretos, resistência externa e começar a desmoronar de vez. Vai ser um salve-se quem puder! Aí sim teremos um risco real e objetivo às instituições. Precisamos, com a Constituição nas mãos, seguir atentos e vigilantes contra oportunistas e revanchistas, à direita e à esquerda. Xô, golpistas!
Lembro que em determinado período dos governos petistas, entre os primeiros indícios do mensalão e as condenações do petrolão, dizia-se que o presidente Lula tinha cobertura teflon, aquela substância antiaderente que recobre as panelas, porque parecia que nenhuma denúncia grudava nele. Bolsonaro vive um momento similar. Seu pré-governo parece aquele "joão-bobo", tradicional brinquedo inflável de criança que apanha, inclina, balança mas insiste em permanecer de pé. O problema é que basta um furo para o ar vazar e a brincadeira acabar. Viveremos um 2019 de fortes emoções. Não sabe brincar, não desce pro play.
*Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente
Bernardo Mello Franco: O cheque da primeira-dama
Bolsonaro alega que o assessor do filho lhe devia dinheiro. Falta explicar por que a transação não foi declarada e por que o PM precisaria do empréstimo
O presidente eleito ainda não tomou posse, mas já surgiu o primeiro rolo do novo governo. O jornal “O Estado de S. Paulo” revelou que um ex-assessor de Flávio Bolso na rocai una malha finado Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ). O órgão registrou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta do policial militar Fabrício Queiroz, que exercia as funções de motorista e segurança. A investigação rastreou um cheque dele para Michelle Bolsonaro, a futura primeira-dama, no valor de R$ 24 mil.
A informação está nos autos da Operação Furna da Onça, que prendeu dez deputados estaduais. A Procuradoria da República não quis responder se o filho do capitão também está na mira da investigação. Supondo-se que não esteja, persiste a dúvida: por que seu assessor, que recebia R$ 8.517 por mês na Alerj, repassaria quase o triplo para a mulher do presidente?
A notícia do cheque foi recebida com um silêncio incomum no bunker da transição. Na quinta-feira, ninguém falou. Flávio se limitou a escrever, no Twitter, que o PM daria “todos os esclarecimentos”. Na sexta, o futuro ministro Sergio Moro deu as costas à imprensa para não comentar o assunto.
Seu colega Onyx Lorenzoni não exibiu a mesma frieza e se destemperou diante das câmeras. Questionado, ele tentou desviar o foco atacando a imprensa, o PT e o Coaf. Chegou a insinuar que o órgão teria se omitido no escândalo do mensalão — o deputado integrou a CPI dos Correios e sabe que isso não ocorreu. Irritado, ele ainda perguntou quanto um repórter ganhava antes de abandonara entrevista.
O presidente eleito cancelou a presença em mais uma cerimônia militar e foi para casa. Em nota, alegou ordens médicas para ficar em repouso. Cinco dias antes, ele ostentava disposição no estádio do Palmeiras. Deu a volta olímpica com os jogadores e ergueu a taça do Campeonato Brasileiro, que pesa 15 quilos.
À noite, Bolsonaro deu sua primeira versão sobre o caso. Ao site O Antagonista, atribuiu o repasse do PM a um empréstimo não declarado. “Ele estava com problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil”, disse, indicando a existência de outros cheques. Sobre o fato de o repasse ter ido para Michelle, ele afirmou: “Foi para a conta da minha esposa porque eu não tenho tempo de sair”.
Faltou explicar por que a operação não foi declarada à Receita e por que alguém que movimentou ao menos R$ 1,2 milhão em um ano precisaria pedir dinheiro emprestado a um deputado que recebe R$ 33 mil por mês.
O PM tinha prestígio como clã Bolsonaro. Além dele, amulhere as duas filhas estiveram penduradas no gabinete de Flávio. Uma das herdeiras também ocupou cargo de confiança no gabinete do presidente eleito.
Ao acompanhar o noticiário, o cientista político Sérgio Praça se lembrou de outro rolo que envolveu um cheque suspeito para uma primeira-dama. Aconteceu em 1991, quando Rosane Collor ganhou um Fiat Elba do esquema PC. A descoberta ajudou a desvendar o laranjal que pagava as despesas pessoais do presidente Fernando Collor, eleito coma promessa de combatera corrupção.
Bruno Boghossian: País encontrará ponto crítico da política de drogas em 2019
Governo Bolsonaro testará novo modelo, enquanto STF caminha para descriminalização
O Brasil deve encontrar um novo ponto crítico da política de drogas em 2019. Os métodos tradicionais da guerra ao tráfico fracassaram, as ações policiais se limitam a uma disputa de armamentos e o país não parece disposto a atualizar sua legislação sobre o tema.
O novo governo quer ser uma máquina mortífera, enquanto o STF abre caminho para finalmente descriminalizar o porte de maconha.
Na bifurcação, há planos de inteligência para reduzir a letalidade das operações e sobram dúvidas sobre o futuro das políticas de saúde pública.
No gabinete de transição para o governo Jair Bolsonaro, o plano promissor partiu do time de Sergio Moro (Justiça). A equipe do novo ministro pretende montar uma estrutura para seguir o dinheiro das grandes quadrilhas, confiscar bens e sufocar grupos como o PCC.
O próximo secretário nacional de Segurança Pública, Guilherme Theophilo, fala em “matar facções criminosas por inanição”. Para isso, o combate aos traficantes precisaria se expandir de vielas e barracos, onde morrem também inocentes, para encontrar os “barões da droga”.
Bolsonaro já emitiu diversos sinais de estímulo a ações policiais violentas. Embora o fortalecimento da segurança pública seja essencial, o modelo conhecido até aqui se mostrou saturado. Sob intervenção das Forças Armadas, o Rio continua sendo o cartão-postal do tráfico.
A questão do consumo e do tratamento de usuários de drogas pode entrar em uma área ainda mais nebulosa no ano que vem. O próximo ministro da Saúde, por exemplo, coloca em dúvida a eficácia dos centros de atendimento a dependentes, mas ainda não sugere alternativas.
Já os titulares da Cidadania e dos Direitos Humanos fazem há anos um ativismo proibicionista, enquanto o Judiciário caminha em sentido contrário. O plenário do Supremo deve retomar em 2019 o julgamento da ação que decidirá se é crime o porte de maconha em pequenas quantidades. Três dos 11 ministros já votaram contra a criminalização.
Hélio Schwartsman: Golpe à moda antiga
Se a ideia de Bolsonaro é comer a democracia pelas bordas, ele está uma guerra atrasado
Dizia-se do Estado-Maior francês que ele era despreparado e estava sempre uma guerra atrasado. A expressão “uma guerra atrasado” surgiu após o desastre de 1940, no qual o Exército francês, tendo apostado todas as suas fichas na construção da linha Maginot, que se revelou totalmente inútil (ela talvez tivesse funcionado na Primeira Guerra Mundial), sucumbiu em apenas 38 dias e com enormes perdas às Panzerdivisionen de Adolf Hitler.
Se a intenção de Jair Bolsonaro e seus colaboradores próximos é ir comendo a democracia pelas bordas para aumentar os poderes do Executivo, a exemplo do que fizeram outros populistas autoritários contemporâneos, como Vladimir Putin, Viktor Orbán ou Recep Erdogan, então eles estão, como o Estado-Maior francês, uma guerra atrasados.
David Runciman, autor de “Como a Democracia Chega ao Fim”, ensina que há uma diferença fundamental entre os golpes do passado e os do presente. Nos primeiros, os conspiradores tinham de ser tão explícitos quanto possível, para não deixar margem de dúvidas sobre quem estava no poder e deveria ser obedecido. Não é uma coincidência que as primeiras movimentações de um Putsch incluíssem sempre capturar as estações de rádio e TV e fechar os jornais não cooptados.
Nas escaladas autoritárias modernas, a regra é o oposto. Os conspiradores precisam esconder a todo custo suas reais intenções. Não podem, como faz o clã Bolsonaro, falar em fechar cortes ou limitar o funcionamento do Legislativo. Ao adotar as medidas que lhes asseguram maiores quinhões de poder, golpistas modernos devem dizer que estão aprofundando a democracia e devolvendo ao povo a capacidade de decidir seu destino. Até Nicolás Maduro, que não é exatamente um estrategista nato, faz isso.
De uma forma meio perversa, não deixa de ser alentador constatar que Bolsonaro e o grupo que o cerca parecem despreparados para um golpe à moda moderna.
Clóvis Rossi: Guia de Davos para Bolsonaro
Salvar o Ocidente não é prioridade no Fórum
Imbuído do mais profundo sentimento patriótico, ouso formular um guia de Davos para iniciantes. No caso, um guia do encontro anual-2019 do Fórum Econômico Mundial, ao qual se anuncia que o presidente Jair Bolsonaro irá. É sempre bom que presidentes brasileiros compareçam a esse grande convescote, mas aviso ao presidente que Davos é a maior concentração de “globalistas” por metro quadrado que o mundo reúne em um só lugar. Logo, Bolsonaro estará cercado de inimigos.
Por isso, o ideal é que instale seu Posto Ipiranga, Paulo Guedes, no lugar de honra. A clientela de Davos ama de paixão o discurso liberal.
Anunciar privatizações, então, será como pingar sangue na água (no caso, no gelo). As piranhas virão assanhadíssimas para tentar beliscar a sua parte no futuro negócio.
Falar em reformas é igualmente uma iguaria. Nos 25 anos em que frequentei Davos, reformas era a palavra mágica, o mantra que os mais diferentes governantes recitavam para encantar a plateia.
Quando eram ministros (ou presidentes) de países em desenvolvimento, a plateia balançava a cabeça em sinal de aprovação, ao mesmo tempo em que fazia cara de ponto de interrogação. Aposto que pensavam: será que esses bugres vão fazer a lição de casa?
Mesmo líderes de países ricos eram convocados a repetir o mantra. Reforma passou a ser a muleta retórica para caminhar no mundo supostamente civilizado de que Davos é um microcosmo.
Fica claro, assim, que o nosso Posto Ipiranga será um sucesso, o que, a bem da verdade, não quer dizer nada. Guido Mantega, que, na comparação com Guedes, seria o Posto Petrobras de Lula e Dilma, foi também bem recebido em Davos, mas fracassou no Brasil.
A rigor, o único que fracassou em Davos foi Marcílio Marques Moreira, ministro de Fernando Collor. Coitado, compareceu em 1992, o ano em que seu chefe já caminhava para o cadafalso e o Plano Collor rolava para o ralo.
Deixar a ribalta para Paulo Guedes tem a vantagem de evitar que Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, tentem vender ao público de Davos sua cruzada para salvar a civilização ocidental e cristã.
Davos não tem o menor interesse em salvar o Ocidente. Seu foco é fazer bons negócios, com ocidentais, com orientais, com cristãos, com muçulmanos, com capitalistas e com comunistas igualmente.
A China, à qual Bolsonaro tem restrições, é presença frequente e volumosa. Ouso dizer que, nos últimos anos, têm ido a Davos mais funcionários chineses que americanos. Empresários, sim, são mais americanos, porque os empresários chineses acabam sendo, em boa medida, funcionários públicos.O capitalismo chinês de partido único tem dessas coisas.
Ou seja, Davos está recheada, nessa época do ano, dos “vermelhos” que o novo governo brasileiro pretende erradicar.
Ah, Luiz Inácio Lula da Silva, esse hiperdemônio vermelho, passou duas vezes por lá e foi aplaudido em ambas. Donald Trump, o ídolo dos Bolsonaros, também, assim como Bill Clinton, esse perigoso esquerdista.
O negócio de Davos são os negócios, exatamente como se diz dos Estados Unidos. Salvar o Ocidente não tem sido bom negócio ultimamente.
Eliane Cantanhêde: Vidraças de Bolsonaro
Foi a pior semana após a vitória, mas o mais grave está por vir: a pressão por aumento de soldos
A lua de mel do presidente Jair Bolsonaro com o poder está acabando cedo demais e ele sai hoje de sua pior semana depois da euforia da vitória e de abrir imensas expectativas na população brasileira, tão machucada pela decepção com a política, erros crassos de governo, corrupção galopante, a divisão do “nós e eles”. A promessa era fazer “tudo diferente”. E agora?
Bolsonaro começa a sentir o peso do poder antes mesmo de assumir, acuado pela abertura de investigação contra seu chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e pela movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de um ex-assessor de Flávio Bolsonaro, seu filho e senador eleito. Sem falar, como revelado também pelo Estado, no cheque de R$ 24 mil desse assessor para Michelle, a futura primeira-dama.
O pivô é o PM Fabrício Queiroz, o que remete à ligação muito próxima e agora explosiva do presidente Michel Temer com o coronel aposentado também da PM João Baptista Lima Filho, apontado como “operador” de Temer para mil e uma utilidades, inclusive a reforma da casa da filha. Um PM pode não ter nada a ver com o outro, mas é importante a história ser muito bem esclarecida.
Se isso não bastasse, a nova Legislatura só começa em fevereiro, mas o PSL já está dando dor de cabeça e comprovando a velha máxima de que tamanho não é documento, ou que quantidade não significa qualidade. E aí está a troca de desaforos por WhatsApp entre os campeões de votos Joyce Hasselmann e Major Olímpio, aliás, mais um policial militar.
Hasselmann, que não tem papas na língua, nem sutileza na escrita, quer ser líder do partido do presidente na Câmara e partiu para cima do Major Olímpio. E mais: quando o racha vazou, ela subiu ainda mais o tom, postando na internet que ele “comanda o partido com truculência, aos gritos, com ameaças”.
Para tentar manter a tropa unida, Bolsonaro reúne a bancada do PSL na quarta-feira, depois de MDB, PSDB, PRB e PR. Mas, se repetir o script com os demais, vai dizer à sua própria bancada que o fim do “toma lá, dá cá” é para valer e não vai se meter em disputa no Congresso. Ou seja, não esperem muito dele.
Para piorar, o outro filho do presidente eleito, o deputado e chanceler extraoficial Eduardo Bolsonaro, está no centro da confusão. É Joice quem adverte, em conversa também pelo WhatsApp e revelada pelo O Globo: “Filho de presidente carrega o peso de ser filho de presidente e isso pode prejudicar o partido e até mesmo virar vidraça para o presidente”. Quem haveria de discordar?
Na conversa, Eduardo alegou que não pode “botar a cara publicamente” (só nos EUA?) para não atiçar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que só pensa em manter o cargo. Qual o temor? Que Maia, desagradado, use esse restinho de ano para por em plenário pautas bombas que podem explodir as contas públicas em mais R$ 50 bilhões.
Por falar nisso, Bolsonaro está às voltas com os filhos, a conta do assessor, o PSL, os demais partidos, o Meio Ambiente e a reforma da Previdência, mas o medo de Rodrigo Maia é fichinha diante da reverência aos militares. Eles estão calados em público, mas nos bastidores há enorme ebulição por aumento dos soldos, há anos defasados. O capitão da reserva Jair Bolsonaro vai dizer “não”?
Ele, aliás, cancelou a ida a Pirassununga para uma cerimônia justamente da FAB, a prima pobre no novo governo, porque precisa se cuidar, descansar, manter as energias. Nunca se pode esquecer - ele próprio, principalmente -, que foi esfaqueado, passou por cirurgias complexas, carrega uma bolsa de colostomia e ainda sofre resquícios de infecção. Quem tem proximidade com o futuro presidente diz que ele está “muito pálido”. Vamos combinar que motivo não falta.
Alberto Aggio: A irrupção da antipolítica
A ‘não realização’ da democracia aos olhos, ouvidos e coração dos cidadãos é sua origem
Desde 2013 a sociedade brasileira vem sendo impactada pela antipolítica. Por diversas formas, um sentimento negativo em relação à política foi se avolumando até atingir o coração da disputa eleitoral de 2018. O que era latente acabou sendo promovido a uma espécie de paradigma, moldando uma verdadeira revolta da sociedade contra a política.
Da erosão do sistema de representação avançou-se celeremente para o rechaço integral à atividade política, considerada nosso grande mal. Capturada pelo sistema de Justiça, a corrupção sistêmica que se realizou durante os governos petistas, promovida pelo partido majoritário e por seus aliados, é considerada sua causa maior. Mas é necessário incluir aí o até então principal partido de oposição ao PT, o PSDB, que não ficou distante desse descalabro, como vem sendo comprovado dia após dia.
No processo eleitoral recente, a antipolítica assumiu o papel de irmã gêmea do antipetismo, ampliando sua negatividade para a esquerda, a social-democracia e mesmo para a democracia. O rechaço acabou se espraiando, fazendo emergir até um anti-intelectualismo que levou de roldão intelectuais, artistas e jornalistas, especialmente aqueles que tiveram algum protagonismo na sociedade desde os anos da redemocratização. Todos passaram a ser vistos como atores contaminados pela corrupção ou por interesses mesquinhos ou mesmo partidários.
A antipolítica estabeleceu, independentemente da cor ideológica de quem a vocalizava, uma solução impostergável: a ideia de que sem mudar, já e radicalmente, não haveria alternativa para o País. E mudar significava deslocar a “velha classe política” e pôr em seu lugar “o novo”, o que quer que isso pudesse significar.
Essa narrativa de condenação dos últimos 30 anos sustentou a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro (PSL) e de alguns governadores de Estado que, aparentemente, sugiram do nada, selando a reviravolta. Em cinco anos se passou da consigna “sem partido” à sedução generalizada de seleção das novas elites governamentais em setores externos à política organizada, chegando ao extremo de um governador eleito pretender encaminhar a escolha dos quadros de primeiro escalão por meio de empresas headhunter.
O casamento da antipolítica com o pensamento que sustentou regimes totalitários não é raro na História. Não há como negar que o pensamento marxista, desde suas origens e na vigência do chamado “comunismo histórico”, expressou uma fragilidade intrínseca em relação à política, em especial à política democrática. Por outro lado, é largamente conhecida a ojeriza do nazismo à política tout court. A assertiva de J. Goebbels, para quem os partidos seriam o grande mal, já que eles “vivem dos problemas da política e não buscam resolvê-los”, não deixa dúvidas. Ambos exemplificam a temeridade incrustada em opções estratégicas sustentadas na antipolítica.
Cenários de crise e de degradação favorecem a antipolítica na conquista de espaços de poder. Na Europa, por exemplo, a crise da democracia tem origem no colapso fiscal do Estado de Bem-Estar Social, concomitante ao avanço da globalização. Isso propagou uma onda negativa de questionamento dos Estados nacionais e depois da União Europeia. A crise da democracia transformou-se, então, numa crise da política. É aí que surgem os atores da antipolítica do nosso tempo, chamados de forma ligeira de “populistas”.
O problema é, contudo, mais profundo e complicado. Envolve aspectos essenciais a respeito da crença na democracia e em suas possibilidades de reinvenção. O pano de fundo de onde emerge a antipolítica é, na verdade, a “não realização” da democracia aos olhos, ouvidos e ao coração dos cidadãos. Isso porque, como demonstrou Tocqueville, a democracia quer garantir a todo ser humano tudo o que se deseja, teoricamente sem nenhum limite – essa a sua “promessa”. Contudo ela funciona unicamente se os desejos estiverem dentro de certos limites. Em outras palavras, a democracia constrói e reforma instituições para mediar desejos, apetites e sentimentos para garantir seu funcionamento. Mas, no essencial, empurra os indivíduos a desejarem para além dos seus limites e assim põe em perigo constante a própria sobrevivência daquele tipo de cidadão que ela não pode dispensar. Em síntese, o espectro da antipolítica espreita permanentemente o percurso de construção da democracia moderna.
Mesmo numa conjuntura problemática, a democracia tem possibilitado aberturas tanto ao que se poderia chamar de hiperdemocracia (a democracia como critério para tudo) quanto ao hiperpluralismo (uma ampliação ilimitada de sensibilidades que invadem o espaço público). Mas, conforme Giovanni Orsina (La Democrazia del Narcisismo, 2018), a emergência de uma cultura narcísica, ao subjetivar todas as atividades, vem alterando o sentido do individualismo moderno. Essa cultura é uma obsessão baseada na incapacidade de perceber a própria pessoa e a realidade como duas entidades separadas e autônomas, de distinguir o que está dentro do que está fora, em suma, o objetivo do subjetivo.
A repercussão disso na política é devastadora. O cidadão, o individuo democrático, fechado em si mesmo, passa a não escutar mais, refuta interpretações e avaliações da realidade que venham de fora dele. Sua relação com o mundo é inteiramente determinada pelo filtro de uma perspectiva subjetiva não educada nem amadurecida pelo confronto. Onipotente, é incapaz de imaginar o futuro a não ser como espelho do desejo, sem mediações, avesso à política.
A irrupção da antipolítica nas sociedades contemporâneas, e no Brasil em particular, não pode ser reduzida ao “fantasma do populismo” nem ao maniqueísmo do embate entre democracia e fascismo. Recuperar a política como um desígnio moderno, sem polarizações estéreis, é o desafio do tempo presente.
Hélio Schwartsman: Um xerife no ministério
Sergio Moro pode agir como uma força moderadora sobre Jair Bolsonaro
A decisão de Sergio Moro de trocar a toga de juiz pela caneta de ministro não fez muito bem à sua imagem pessoal nem à do Judiciário, mas estamos falando mais de um arranhão do que de uma ferida mortal. Sem prejuízo de outros questionamentos, não penso que se possa argumentar seriamente que Moro condenou Lula, em julho de 2017, quando quase ninguém considerava a candidatura Bolsonaro viável, com o objetivo de obter um cargo no que viria a ser seu governo.
E, agora que o ex-magistrado está na equipe de Bolsonaro, creio que ele pode agir como uma força moderadora sobre o presidente eleito. Ainda que Moro possa ser descrito como linha dura em matéria penal, é bom que o núcleo do governo conte com alguém familiarizado com conceitos como direitos e garantias fundamentais, devido processo legal, impessoalidade da administração.
Se dava para defender que o candidato Bolsonaro, detentor de um discurso intolerante e antidemocrático, não deveria ser normalizado, agora que ele é presidente eleito precisa não só ser normalizado como institucionalizado (perdoe-se o duplo sentido). Moro pode ajudar nisso.
Em relação à pauta do Ministério da Justiça propriamente dita, o ex-juiz também pode contribuir. Ele tem a expertise e a vontade para desenvolver novos mecanismos de combate à corrupção. O fato de o passivo do governo Bolsonaro nessa seara ser pequeno torna verossímil que observemos avanços concretos.
Onde eu penso que Moro terá problemas é em relação aos crimes comuns praticados por bandidos ordinários, que são justamente aqueles que causam a sensação de insegurança. O governo federal nem sequer dispõe de um corpo policial adequado para enfrentar esse tipo de delinquência. Não dá para colocar a Polícia Federal para perseguir qualquer assaltante ou punguista. Não obstante, como Moro acabou cultivando a imagem de xerife que tudo resolve, é pela sensação de insegurança que ele será cobrado.