Bolsonaro

Bruno Boghossian: Para caciques, Bolsonaro precisará fazer reforma ministerial no 1º ano

Pedido de cargos mostra que chip da política continua funcionando como antes em Brasília

Na terça-feira (11), um deputado parou o futuro ministro OnyxLorenzoni (Casa Civil) para fazer um pedido. Apresentou o nome do filho para uma secretaria do novo governo. Horas depois, Tereza Cristina (Agricultura) foi abordada por um colega do DEM que perguntava se havia espaço em sua pasta para um nome técnico de sua confiança.

Embora Jair Bolsonaro tenha ficado relativamente livre da pressão dos partidos na escolha dos principais cargos de sua gestão, o chip da política continua funcionando como antes. A cobrança por vagas no segundo escalão é feita às claras.

Os políticos mais calejados dão um voto de confiança ao próximo governo, mas alguns consideram praticamente inevitável uma reforma na Esplanada dos Ministérios já no primeiro ano de mandato. Para eles, a dificuldade para aprovar pautas amargas no Congresso deve obrigar o presidente eleito a dividir poder com os partidos.

Bolsonaro completou esta semana um ciclo de encontros com as bancadas que devem apoiar parte de sua agenda. O gesto de aproximação foi bem recebido e abriu os canais de articulação política para 2019, mas se traduziu em pouco apoio formal.

Ainda há sinais escassos de como o fluxo de poder funcionará. Deputados e senadores conhecem o valor de seus votos para o governo. O Planalto, por outro lado, sabe que tem tinta na caneta para fazer nomeações e liberar verbas para as bases eleitorais desses congressistas.

Se os dois lados não se encaixarem naturalmente, haverá uma queda de braço. Ou Bolsonaro forçará a troca do chip, ou precisará instalar em seu governo um software compatível com os políticos de sempre.

Em 1990, Fernando Collor montou um ministério a seu gosto. Cortou 10 pastas e escolheu titulares de sua confiança, quase sem consultar os partidos. Em abril de 1992, fragilizado, foi obrigado a fazer uma grande reforma, cedendo espaço aos velhos caciques. O acordo deu ao presidente uma sobrevida de oito meses, mas não o salvou do impeachment.


César Felício: A esperança de nada ser como antes

Bolsonaro depende mais de Moro do que de Guedes

Desde Deodoro da Fonseca, não houve presidente assim. Jair Bolsonaro ganhou sem alianças e montou um ministério excludente. Exceção ao titular da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, de origem cearense, não há nordestinos em um primeiro escalão com quatro paranaenses, quatro gaúchos, quatro fluminenses, dois políticos do Mato Grosso do Sul e um colombiano. Mesmo que se desconte a falta de equilíbrio regional, é uma pasta que não lança pontes para quem não votou em sua chapa no segundo turno.

Bolsonaro é visto por alguns como um presidente tutelado, mas a rigor cedeu pouco. Arquitetou o governo como se propôs, atendendo fartamente aos setores que sustentaram sua campanha: militares da reserva, com vínculos importantes na caserna, e radicais da internet. Foi obrigado a manter o Ministério de Direitos Humanos, e o entregou a uma pastora pentecostal. Teve que deixar o Ministério do Meio Ambiente e o destinou para um aliado da bancada ruralista.

Paulo Guedes é fiador de um contrato estabelecido quase um ano antes da eleição, mas há aí uma relação de interdependência. Uma agenda como a que o futuro ministro da Economia pretende engatar necessita de um presidente popular que consiga administrar expectativas. Não há outro modo de implantar um ajuste fiscal amargo sem explosão social.

O principal gesto de Bolsonaro para o mundo exterior, não irrelevante, frise-se, foi convidar Sergio Moro. Bolsonaro não poderá ter o anticomunismo, ou mesmo o antipetismo, como seu principal lastro, à medida que Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni forem gerando agendas negativas com reformas econômicas amargas e pactuações no Congresso.

É Moro que sinaliza para a esperança de nada ser como antes. Da sua capacidade de gerar fatos positivos dependerá parte do sucesso de Bolsonaro e do próprio Paulo Guedes.

Fim de ciclo
"A sociedade foi Rubens Paiva, não os facínoras que o mataram", disse Ulysses Guimarães no discurso de promulgação da Constituição de 1988, já no final de sua fala, na hora dos agradecimentos. Era um discurso que procurava situar a importância daquele momento histórico como um dos últimos atos de encerramento de um ciclo, o do regime militar. Ulysses proclamou que a elite política de então, reunida na Assembleia Nacional Constituinte, tinha "ódio da ditadura, ódio e nojo".

A releitura deste discurso em um dia como o de ontem, quando se completou 50 anos do AI-5 e se divulgou a notícia da morte da viúva de Paiva, tem um sabor arqueológico indisfarçável. Estamos em outra era. Ulysses desmoralizava a era passada do ponto de vista objetivo e moral. O país hoje está cheio de ódio e nojo, e o grupo político que soube empalmar o poder aproveitou-se disso, mas claramente não é à ditadura.

O manifesto de Ulysses em 1988 era abrangente como o é a Constituição em vigor, luz de estrela já extinta. No mesmo discurso em que bateu o prego no caixão de 1964, o deputado falecido em 1992 afirmou que "a corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, por na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública".

Primeiro mandamento. Ulysses parecia perceber onde claudicava a nova ordem que se abria, produto de uma transição rara na América Latina, em que os militares se retiraram sob o manto de uma anistia que liberou a todos de qualquer autocrítica sobre o que havia se passado nas décadas anteriores.

A corrupção e o asco que ela desperta nunca foram um fator irrelevante no jogo político brasileiro. É preciso lembrar que a imagem do regime militar em seu encerramento neste aspecto também estava comprometida. A do regime democrático que se encerrou em 1964 também.

Toda ruptura foi marcada pela esperança do saneamento, invariavelmente frustrada. Ao tomar o poder com a revolução de 1930, lá estava esta semente plantada no discurso de Getúlio Vargas: "Comecemos por desmontar a máquina do filhotismo parasitário, com toda a sua descendência espúria. Para o exercício das funções públicas, não deve mais prevalecer o critério puramente político. Confiemo-las aos homens capazes e de reconhecida idoneidade moral", afirma, em uma fala onde prometeu extirpar ou inutilizar os agentes da corrupção "por todos os meios adequados".

Getúlio é um exemplo longínquo, os mais recentes dispensam maiores apresentações, como o de Janio Quadros e Collor.

Ódio e nojo em relação ao que passou sempre marcam os fins de ciclo, seja a uma elite que não entregou o que prometeu, seja a uma ditadura brutal, que provocou e mascarou assassínios em seus porões, como foi a de algumas décadas atrás. Jair Bolsonaro está às vésperas de tomar posse esforçando-se para explicar as nebulosas movimentações que aconteciam no gabinete do filho na Assembleia Legislativa, mas portador de uma grande esperança, como mostrou a pesquisa de ontem do Ibope.

Um contingente poderoso de eleitores acha que Bolsonaro não vai roubar e não vai deixar roubar e pensa que este deveria ser de fato o primeiro mandamento. No levantamento encomendado pela CNI, 64% dos entrevistados acham que Bolsonaro será um bom ou ótimo presidente e 37% pensam que a corrupção é um problema que será atenuado sob seu governo.

Saúde e o desemprego vêm na frente da corrupção como o problema mais citado, mas o conjunto dos dados induz a pensar que o eleitor intui que Bolsonaro terá desempenho melhor em outras áreas. Os eleitores que acham que os males da saúde serão suavizados é de 31%.


Correio Braziliense: 'Ninguém consegue milagre sem o Congresso', diz Temer

A 17 dias de terminar o mandato e passar a faixa para Jair Bolsonaro, emedebista afirma, em entrevista exclusiva ao Correio, que apenas a conversa com lideranças não garante a aprovação de projetos

Por Ana Dubeux, Denise Rothenburg, Luiz Carlos Azedo e Leonardo Cavalcanti, do Correio Braziliense

Há um ditado nos gabinetes de Brasília de que o café servido pelos garçons aos presidentes nos últimos dias de mandato vem frio. É como se a desimportância dos políticos ficasse evidente para todos os funcionários do Palácio do Planalto. “O meu café continua quente”, afirma, em tom de brincadeira, Michel Temer. Em seguida, sério, ele emenda: “Há um reconhecimento em áreas”. E passa a citar algumas homenagens que recebeu nos últimos tempos, citando inclusive o “Fica Temer”, uma brincadeira que viralizou depois das eleições. “Mesmo sabendo do tom, foi algo positivo, simpático.”

Ao fazer a avaliação dos dois anos e meio de governo, Temer acredita que a relação aberta com o Parlamento está entre os principais legados. “Ninguém consegue milagre sem o Congresso”, diz ele, que acredita que o próprio presidente eleito, Jair Bolsonaro, apesar do discurso contra negociações com partidos e parlamentares, está mudando a posição. “Ele já chamou bancadas partidárias para conversar. E o depoimento de todos que vêm aqui é de que ele fala que precisa do Congresso.”

Ainda sobre o substituto, Temer parece esperançoso. “Ele tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que é a história do recuo. O recuo é algo democrático”, diz Temer, que conversou com Bolsonaro, sendo capaz de elogiar a equipe ministerial e os projetos propostos. Confira os principais trechos da entrevista de quase 90 minutos feita na manhã de ontem no gabinete presidencial. A bebida servida, cappuccino com chocolate, estava quente.

Como a história vai tratar o senhor?
Sem ser otimista, mas realista, acho que vai ser de maneira muito positiva. Até positivo por indicativo do presente momento. Percebo que o número de homenagens que tenho recebido de 15 dias para cá — até tenho procurado evitar muitas delas porque não há espaço —, vejo que as pessoas estão com um reconhecimento muito acentuado. E eu até brinco. “Olha, quando você chega no último mês, o café esfria. E o meu café está quente ainda.” Na verdade, as pessoas me homenageiam muito, pessoal da indústria... Há um reconhecimento em áreas. Agora, se me perguntar a popularidade, até podia dizer que aumentou 100%: de 4% para 8%. Mas, evidentemente no grande público, ainda não há popularidade. O reconhecimento está começando agora e vai prosseguir. Tive uma homenagem da Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) em que eles falaram maravilhas. Eu disse: “Até agradeço muito, fiz as coisas que fiz em nome da liberdade de imprensa, que faz parte de outro direito, a liberdade de informação”. E não é em nome do empresário, mas em favor do povo. Na Constituição, você tem o poder da resposta, para completar a informação. Hoje, até os jornais colocam “o outro lado” para dar a informação completa. Então, eu disse: “Isso realmente aconteceu em homenagem à Constituição. Eu trabalho por essas instituições, porque nós passamos e as instituições ficam. Agora, com muita franqueza, alguns setores tentaram me derrubar durante um ano e pouco e não conseguiram.

Quais os setores?
Vocês sabem quais são.

Qual foi o maior legado nestes dois anos?
Na economia, eu serei até repetitivo se disser o que aconteceu. Peguei um PIB negativo, em maio, de menos 5,9%. Pegamos em meados de maio de 2016 e, quando chegou em dezembro, o PIB era negativo em 3,6%. Quando chegou em dezembro de 2017, era positivo em 1%. Portanto, caminhamos 6,9 pontos percentuais no PIB brasileiro. Segundo ponto: basta pegar a inflação, o que fizemos com os juros, com as empresas estatais. Há quatro anos, a Petrobras perdeu muito a credibilidade nacional e internacional, hoje recuperada. O Banco do Brasil, quando entramos aqui, a ação valia R$ 15. Hoje, vale R$ 45. Isso foi há quatro meses. Ou seja, o patrimônio público aumentou três vezes. Se valia R$ 35 bilhões, passou a valer cento e tantos bilhões. Correios, só dava prejuízo. Quando houve balanço positivo? No primeiro semestre deste ano. Eletrobras, todas as empresas. Então, sob o enfoque econômico, tudo isso melhorou muito. À parte, a história das concessões e das privatizações, que estão dando um resultado extraordinário. Não exatamente para o meu governo, mas vai se projetar para o futuro. Nas relações internacionais, progredimos muito, porque universalizamos as nossas relações, ou seja, não nos pautamos por critérios ideológicos. Pode até se tomar o caso da Venezuela. Temos relações com o governo? Temos. Mas com o Estado venezuelano. Não temos a melhor impressão do regime venezuelano, que é outra coisa. Tempos atrás, tive uma reunião em Lima, na Cúpula das Américas. E eu disse lá para o Peña Neto, presidente do México, para o Macri (da Argentina), para o presidente Piñera (Chile), que no Brasil temos uma regra constitucional que determina que toda política pública deve visar a uma comunidade latino-americana de nações. Temos o Mercosul. Precisa criar a Aliança do Pacífico. Acho que nós devemos fazer um entrosamento desses dois setores. O presidente Peña Neto marcou uma reunião no México e chamou o Mercosul. Foi fruto dessa conversa. Fizemos uma declaração conjunta e recentemente fizemos um grande acordo com o Chile. Estamos ampliando essas relações. Na área do meio ambiente, nós duplicamos a área de preservação ambiental do Brasil.

Como o senhor avalia, então, os movimentos do futuro governo na política internacional?
O presidente Bolsonaro tem uma grande vantagem, interessante e muitas vezes criticada, que é a história do recuo. Eu, muitas vezes, fui criticado: “Ah, o Temer recuou disso ou daquilo”. O recuo é algo democrático. Quando você vai tomar um caminho e percebe que não é o melhor, você muda de direção. Primeiro, que ele está formando uma equipe econômica da melhor qualidade. Segundo, ele está acertando na escolha dos ministros. E, aqui, eu puxo um pouco para o meu lado. Vejam quantos ministros nossos estão sendo aproveitados.
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Especialmente São Paulo.
Lá foram seis ministros, aqui (no Distrito Federal), foram três ou quatro. Mais secretários executivos. O presidente Bolsonaro, tendo essas questões, vai modificando sua forma de ver o mundo em termos internacionais. Eu tive oportunidade, quando conversei com ele aqui. Como ele é muito litúrgico, ele disse: “Presidente, que conselho o senhor me dá?” Eu disse a ele que não dou conselho para presidente eleito, mas, se quiser, palpite eu dou. Aí, tive a ocasião, como fiz uma ótima relação com a China, com o presidente Xi Jinping, disse que aquele país é nosso principal parceiro comercial e que se a China fechar as portas para nós, imagina o que acontecerá com minério, carne, soja... Eu sempre universalizei as nossas relações, mesmo com os países árabes. São 54 países que importam 40% da nossa carne e carne de frango também. Não podemos fechar nossos mercados. Nossa relação é político-comercial.

E ele (Bolsonaro) falou o quê?
Disse que realmente estava revendo todas essas coisas. O fato de dizer que poderia rever essas questões, como de resto tem falado nos últimos dias, eu acho que ele vai primeiro fazer uma coisa interessante: dar sequência ao que nós fizemos. Porque a campanha do outro candidato do segundo turno (Fernando Haddad) dizia que ia destruir tudo: a reforma trabalhista, o teto dos gastos. Ao contrário: o Paulo Guedes, que esteve comigo também, é adepto do teto dos gastos. Acho, então, que o governo Bolsonaro vai dar sequência ao nosso governo, especialmente no tocante às reformas. Eu falava sempre que a reforma da Previdência, num determinado momento, saiu da pauta legislativa, mas não saiu da pauta política do país. Eu acho que se fará logo no primeiro semestre do ano que vem. A reforma é fundamental, no país, para reduzir o deficit público. E veja que não é improvável que eles acabem utilizando, senão a nossa reforma, a maior parte.

Os princípios do texto?
Sim. No geral, as pessoas não têm projeto. Porque o nosso projeto é de uma suavidade extraordinária. Para o sujeito chegar a 65 anos, leva 20 anos. A cada dois anos, aumenta um ano. E de igual maneira no caso da mulher. Para chegar a 62 ou 63, leva 20 anos. A cada 2 anos, um ano. O outro ponto da reforma é a abolição dos privilégios, até pautados pelo princípio da igualdade, que é uma determinante constitucional. Então, não tem cabimento o trabalhador do setor privado ganhar aposentadoria máxima de R$ 5.645 e quem está no setor público poder se aposentar com R$ 33 mil. A pessoa pode se aposentar com R$ 33 mil? Pode. Mas vai ter que dar uma colaboração maior. Se ele paga R$ 1 mil de Previdência, talvez vai ter que pagar R$ 2 mil, R$ 2,5 mil. Uma espécie de capitalização. Você acaba igualando os sistemas. Você pega idade de um lado e queda dos privilégios de outro lado. Segundo ponto: não se atinge a pobreza. Não pegamos os trabalhadores rurais, não pegamos o benefício de prestação continuada. Isso está tudo liberado. No geral, aqueles que não querem a reforma dizem: “Ah, vai acabar com os pobres, idosos, coitados, vão perecer.” Não é nada disso.

É o discurso das corporações.
Claro. Mas foi um discurso equivocado. Para não dizer falso.

Mas a reforma de Bolsonaro também vai poupar os militares, como a do senhor poupou. Isso torna a mudança incremental, não?
Não. Nós articulamos muito bem isso e, na oportunidade que nós providenciamos a reforma da Previdência, os setores militares, juntamente à Casa Civil, estavam providenciando uma lei especial para os militares, que também os colocava no sistema previdenciário. Tem na Constituição o princípio da igualdade, que não é apenas tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Toda vez que se vai fazer uma discriminação, você precisa ter uma espécie de correlação lógica entre a razão que leva a discriminar e a própria discriminação. Um exemplo muito concreto: não tem cabimento colocar carcereira mulher na penitenciária masculina. Isso não é violar o princípio da igualdade. Como de resto, os militares têm todo um tratamento especial e uma conduta especial de natureza funcional. Então, é razoável que haja uma discriminação nessa base da correlação lógica. Eu acho que, promovida a reforma da Previdência, já com o estudos que foram feitos, pode conduzir o novo governo também a fazer uma reforma (para os militares) fora do projeto principal.

Quem participou desses estudos entre os militares?
O general Etchegoyen, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), (Eliseu) Padilha e os comandantes.

Qual é a grande frustração que o senhor tem em relação a esse período em que exerceu o cargo mais importante do país?
Foram os ataques de natureza moral, porque os ataques políticos não me preocupam minimamente. Ao longo do tempo, convenhamos, não foram poucas as tentativas até de inviabilizar o governo. E veja que nós não nos inviabilizamos. Vocês se lembram do tal “Abril vermelho”, que tinha todo ano? Sabe por que não houve abril vermelho? Porque distribuímos mais de 250 mil títulos de regularização fundiária que não eram entregues, porque havia um interesse ideológico em manter o estoque. Nós tivemos greves, movimentos de rua que paralisaram o país, fora a dos caminhoneiros? Não. Porque agimos corretamente aqui no governo. Então, volto a dizer que uma das minhas frustrações foi ataque de natureza moral, porque vou precisar sair daqui e vou precisar trabalhar para sobreviver. Hoje, mais do que nunca, verifica-se que os meus detratores foram presos. Em face de uma gravação equivocada, acabaram sendo presos. Um procurador que trabalhava, enquanto procurador, para uma empresa, não quero nominar ninguém, acabou sendo denunciado pelo próprio Ministério Público Federal. Havia uma trama para derrubar o presidente da República. O tempo ajuda a resolver essas questões. Os dados são extremamente positivos. A única frustração é essa.

Como isso afetou a família?
É um horror. A gente tem uma longa trajetória. E eu tive, graças a Deus, uma trajetória advocatícia, na Procuradoria do Estado, na advocacia privada, na universidade, livros publicados — um que vendeu mais de 400 mil exemplares. Quando cheguei à Presidência, eu falei: “Poxa vida, se não tivesse chegado aqui, não teria esses problemas”. Alguns desses, até de natureza processual. A família ficou muito abalada, o tempo todo. As minhas filhas diziam que eu tinha que resistir, porque não foram poucos que naquela ocasião falavam para renunciar. Renúncia seria me autodeclarar culpado. A Marcela ficou abalada, mas muito corajosa, graças a Deus. Então, ela sempre me deu muita força, muito apoio, mas é claro que é desagradável. As notícias (que) aparecem na televisão: parece que eu sou um bandido, um corrupto.

Quais os erros o senhor cometeu nesse período?
Talvez, eu não tivesse que trazer para cá um hábito que me acompanhou a vida toda, um hábito próprio que também deriva um pouco da educação, que é atender as pessoas com muita atenção e o hábito parlamentar de atender as pessoas fora de agenda. Até hoje é assim. Eu recebo as pessoas, e isso me criou problemas. Mas, se de um lado me criou problemas, de outro, solucionou problemas. Por exemplo, como eu cheguei até aqui? Por causa do apoio do Congresso. E não foi só por lideranças. Eu tinha um apoio pessoal. Eu crio contatos pessoais com deputados, senadores. Convenhamos, fui vítima de dois pedidos de impeachment. E, com maior tranquilidade, foram recusados.

O presidente Bolsonaro está querendo mudar esse tipo de relação com o Congresso. Ele quer fazer o contato via bancadas temáticas. Isso funciona?
Eu acho que ele está mudando um pouco. Ele já chamou bancadas partidárias para conversar. E o depoimento de todos que vêm aqui é de que ele fala que precisa do Congresso. Isso de bancada temática, talvez, tenha nascido muito em função da escolha da deputada Tereza Cristina para a Agricultura. Mas a Tereza, eu sou testemunha disso, tem uma atuação na área da agricultura muito intensa. Então, é muito natural que isso aconteça. Agora, eu reconheço os hábitos parlamentares. Não basta você falar com líder hoje. Antes, você falava com o líder, ele transmitia para a bancada, e as coisas caminhavam. Hoje, é preciso muito contato individual. Recebia sempre 20 deputados, 10 senadores. Eles querem um contato pessoal. Para a surpresa minha, eles diziam que nunca entraram nesta sala. E eu acho que recebi, pelo menos da base parlamentar, todos.

O senhor buscou a relação com o Congresso...
Eu exerci um governo, até vocalizei isso, próximo do semipresidencialismo, porque fui três vezes presidente na Câmara dos Deputados, e eu me recordo que o Congresso sempre foi um apêndice do Poder Executivo. Porque nós temos uma cultura política muito centralizadora. Eu trouxe um Congresso para participar do governo. Eu sempre digo, o Congresso governou comigo e eu acho que esta relação com o Congresso é uma relação importante para a democracia, não só para o governo. É pra você mostrar que ninguém consegue chegar aqui, sentar aqui nesta cadeira e fazer milagre no país, se não tiver apoio do Congresso e também apoio da sociedade, não basta ter um dos apoios. Por exemplo, na modernização trabalhista, eu tinha apoio do Congresso, mas nós fomos buscar apoio da sociedade, porque o ministro do Trabalho, na ocasião, visitou centrais sindicais e federações de indústria e comércios, passou oito ou nove meses para formatar a reforma trabalhista. Quando lançamos, nós tivemos aqui discursos de seis, sete centrais sindicais e seis ou sete federações trabalhistas. Então, acho que este diálogo é fundamental.

O apoio popular não basta, então?
Eu acho que ele não supre a necessidade legislativa. O que pode ocorrer com as redes sociais é que elas influenciam o Legislativo, é isso que vai acontecer. Dizer que você vai substituir o Congresso pela vontade popular, eu acho até um pouco problemático.

O que seria uma democracia direta…
Eu acho que ainda não é possível. Pelo seguinte: a vontade popular é fundamental, mas há momentos em que ela se manifesta. O momento correto para a manifestação popular é quando há as eleições. Na eleição, ele vai lá e escolhe quem acha que deva governar. Agora, que ela possa superar a vontade do Congresso não é bom, porque o Congresso, queiramos ou não, é a representação de vários setores da sociedade. O Congresso é uma coisa importante para a democracia. O povo absolveu Barrabás e condenou Cristo, estou dizendo o óbvio. Então, essa história é muito perigosa para você contar as coisas na mão do povo, você tem que ter o povo para influenciar aqueles que legislam.

O que o senhor pretende fazer a partir de 1º de janeiro?
Devo viver comigo mesmo. Nunca tive tempo até hoje, e vou voltar para o meu escritório em São Paulo.

Não pretende viajar, passar um período no exterior?
Não vai dar, vai ser difícil fazer.

A história de embaixada é conversa?
É conversa, eu nunca falei nisso e nem ninguém me falou nisso.

Por que essa eleição quebrou tantos paradigmas, foi tão diferente?
Isso não me surpreende e não deve nos surpreender. Pelo seguinte: há um momento em que o povo quer mudar tudo, e o que houve nesta eleição foi isso. Este é um fenômeno inédito. Mas foi a primeira vez? Não é verdade: no tempo do Lula, a coisa funcionou do mesmo jeito e, por isso, elegeram o PT e o Lula… Então, são momentos da democracia e nós temos que compreender isso, porque se nós formos fixar apenas em parâmetros nossos, nós vamos sempre usar o “não, isso aqui deu tudo errado”. Vem uma nova concepção. Ela será testada e será aprovada ou não aprovada.

A eleição do Bolsonaro é um teste para a democracia?
É uma comprovação da existência do sistema democrático. Já houve um governo mais de centro, mais de esquerda, agora pode vir um mais conservador. Eu sou um pouco contra essa história de rótulos. Para o povo, não interessa. Interessa para nós que achamos gracioso esse negócio de direita e esquerda. O povo quer saber de resultado. Por exemplo, se o governo Bolsonaro mantiver a economia num ritmo adequado, ninguém vai perguntar se é de direita ou de esquerda. Se algum dia vier um chamado de esquerda, também você com dinheiro no bolso e sobrevivendo… Mais do que um teste para a democracia é a revelação da democracia…

Não tem muito general nesse governo?
Você sabe que eu não tenho nenhuma objeção. Precisa acabar com essa separação entre militares e civis. Porque os militares são brasileiros e brasileiros muito bem preparados. Eu reconheço que, aqui, eu tive muito apoio de setores militares. Claro, isso é fruto da nossa história. Tivemos, recentemente, aquela questão de 1964 que traumatizou muito o país. Nos Estados Unidos, as pessoas têm militares à vontade nos governos e ninguém faz essa separação .

Essa questão na avaliação do senhor está superada?
Está superadíssima. Até porque, se chegaram ao poder, chegaram pela via da eleição.

O senhor foi mudando a posição sobre o impeachment ao longo do tempo. Alguns o acusam de falta de lealdade.
Em primeiro lugar, ela (Dilma Rousseff) não me incluía em nada. E quando eu digo que não me incluía em nada, eu não estou me conduzindo pela minha própria visão, pela visão que até a própria imprensa tinha. Não era sem razão que, muitas vezes, se publicava: presidente fez reunião com o seu núcleo duro. No meu governo, não teve núcleo duro, não é? Porque eu universalizei tudo. Porque ela fazia isso e não me dava a mínima, nunca deu. Aliás, uma única vez ela me chamou para fazer articulação política. E eu disse: “Olha, presidente, eu não posso fazer isso, porque eu sou vice-presidente. Só se a senhora transferir as competências de relações institucionais para a vice-presidência”. Ela disse: “Faço isso hoje”. E daí fez. Realmente, eu comecei a exercitar e foi quando, convenhamos, nós conseguimos aprovar algumas medidas importantes, que havia grande dificuldade no relacionamento com o Congresso, mas eu fiquei três meses.

Quais as medidas?
As medidas provisórias em relação ao abono salarial. Eram questões relativas à Previdência e uma relativa à desoneração tributária, eram duas ou três, três medidas, eu acho. Mas, evidentemente, eu assumi compromissos de participação com esse pessoal no governo, e paguei com meu cartão de crédito político. Quando vieram me cobrar, eu disse a ela: “Olha, presidente, eu tenho encaminhado uns pleitos lá dos ministérios e os ministérios não fazem. Eu posso ligar e falar com os ministros? Eu tenho que fazer isso, porque isso é compromisso”. Daí, ela disse: “Não faça isso, não. Isso é muito ruim”. E eu falei: “Opa, está meio complicado. Eu não posso ficar nessa situação.” E, aí, eu percebi a dispensa que ela fez quando disse: “Não, está bom, então, você fica na macropolítica”. Como a macropolítica não é nada, eu percebi e, de fato, daí o distanciamento dela foi muito grande em relação a mim. Agora, meu trato com ela sempre foi muito cerimonioso, não era um trato de presidente e vice-presidente. Eu me lembro até de uma fotografia muito expressiva do (Barack) Obama, quando houve aquela operação contra o Bin Laden. Quem é que estava naquela saleta lá era o Obama, o John Biden (vice-presidente) e a secretária de Estado, que era a Hillary Clinton. Aqui, eu não tinha função nenhuma.

Esse distanciamento foi criando uma situação ainda mais desagradável?
O distanciamento foi natural. Agora, quando surgiu o problema do impeachment, sabe o que eu fiz? Eu fui para São Paulo, porque o vice é sempre o primeiro suspeito, não é? Só voltei nos últimos quatro dias que antecediam a votação.

E aquela carta?
A carta foi bem antes. Eu até usei a expressão: “A senhora me trata como vice decorativo”.

E por que o senhor não saiu entre o primeiro e o segundo mandato?
São circunstâncias políticas. Quando eu fui para a vice-presidência na primeira eleição e levei o PMDB comigo, eu fui porque eu não poderia mais ser candidato a deputado federal. Eu tinha sido seis vezes deputado federal e três vezes presidente da Câmara. E aconteceu o seguinte: quando eu ia na região do estado de São Paulo, alguém dizia: “Aqui é a região do deputado fulano”. E eu começava a ficar constrangido. Tanto que, na última eleição, eu quase não visitei o estado. Então, quando surgiu a oportunidade de ser vice, eu falei: “Bom, vou lá!”. Depois veio a segunda campanha. Na primeira aliança PMDB/PT, a votação que nós tivemos no PMDB foi de 80%. Na segunda, foi pouco mais de 50%. E só houve aliança porque, convenhamos, eu era candidato a vice. Então, fui para o segundo mandato nessas condições.

A classe política está muito desacreditada ainda. Como se recupera essa credibilidade?
Eu acho que o descrédito pode gerar crédito, porque chega um determinado momento em que o descrédito é tão grande que as pessoas se apercebem disso. Eu acho que o Congresso vai se aprimorar cada vez mais. Eu até não faço críticas ao Congresso, eu acho que houve uma campanha de desvalorização da classe política. E como todo corpo institucional, você tem gente boa e gente que não se comporta adequadamente.

A irreverência das redes falava em #FicaTemer. Como é que o senhor analisa essa situação de um momento crítico, doloroso, para outro um pouco mais agradável?
É um certo reconhecimento, não é? Embora em tom de brincadeira, nós tivemos milhares de pessoas falando isso. Então, é uma certa brincadeira que gera um certo reconhecimento.

O senhor vai continuar na luta política?
Eu acho que não.

Conversando com as pessoas, recebendo…
É natural. Eu já estou me preparando psicologicamente para o dia 2 de janeiro, pois será um corte. Trabalho aqui das 8h à meia-noite, diariamente. Então, não é brincadeira isso. É uma coisa que, aqui, no Jaburu, no Alvorada, onde quer que seja e, de repente, não vai ter. O que fazer, não é?

O senhor pretende escrever um livro?
Ah, isso eu vou fazer.

E sobre esses processos que continuam contra o senhor no Supremo?
Vão para o primeiro grau.

Então, o senhor vai ter de separar um período do dia para cuidar disso.
Eu vou contratar um advogado. Eu vou voltar a ler tudo. Claro, agora, eu não tenho muito tempo. Agora, é o advogado que cuida.

O senhor mesmo vai cuidar dos seus processos?
Não, eu vou acompanhar.

Passa pela cabeça do senhor uma situação mais extremada?
Eu não creio, porque a coisa sairá do foco político para o foco jurídico. E, no foco jurídico, estou tranquilo. No foco político, é muito bom falar mal do presidente, percebe? Eu não acho que ninguém vai querer, tipo assim, exibir um troféu. Colocar a cabeça do presidente na parede.

E a rua?
Você sabe que eu vou a restaurante em São Paulo? Você vai e as pessoas vêm te cumprimentar. Eu posso andar, não tenho nenhuma dificuldade.

"Dilma não me incluía em nada. E quando eu digo que não me incluía em nada, eu não estou me conduzindo pela minha própria visão, pela visão que até a própria imprensa tinha"
O Sérgio Moro acertou ao aceitar o cargo de ministro?
Acho que cada um tem as suas concepções. Acho que ele achou que era bom para ele. Aí, entra muito a questão individual. Vou dar o meu exemplo. Eu quando fui nomeado secretário de Segurança, eu até resisti, mas o (Franco) Montoro insistiu, então, eu fui. Na primeira semana, pensei: “Meu Deus do céu, o que eu vim fazer aqui, eu não entendo nada disso e eu vou me dar mal aqui.” Eu estava assistindo a um programa de televisão, e Gianfrancesco Guarnieri tinha sido nomeado secretário da Cultura. E o entrevistador perguntou para ele: “Como é que vai ser agora de terno e gravata?” Ele respondeu: “A vida também é uma interpretação. Você tem de interpretar bem aquilo que a vida te entrega”. Você sabe que eu ouvi aquilo e falei comigo mesmo: “Poxa vida, a vida me entregou essa função de secretário. Fui na segunda-feira lá no gabinete, chamei o delegado-geral, o comandante da PM e exerci o papel que a vida me entregou. Então, no caso do Moro, a vida entregou para ele esse papel, e ele acolheu.

Integrantes do seu governo estão compondo a equipe do Ibaneis. Ele também já fala em candidatura do MDB. Já está na hora para isso?
Eu acho que cada um age como acha que deve agir. Acho que Ibaneis vai fazer, pelo entusiasmo que ele mostrou. Eu acho que ele será um bom governante e todo bom governante pode aspirar à Presidência da República, não tenho dúvida disso. Basta ser um bom governante para naturalmente (se candidatar)... Fizemos junta comercial, região metropolitana (do Entorno).

 


Zeina Latif: Erros do tipo Macri e Macron

Bolsonaro necessita de uma estratégia precisa para a reforma da Previdência

O futuro ministro da Economia está quieto. Depois das falas polêmicas e de manifestações que sugeriram conhecimento pouco profundo dos desafios fiscais, Paulo Guedes sabiamente se recolheu e reagiu bem aos alertas. Está quieto, mas não inerte. Seus movimentos recentes foram precisos, como na nomeação de Marcelo Guaranys, Rogério Marinho e Leonardo Rolim, que são profissionais com perfis complementares e fazem jus a um título de “time dos sonhos”. Combinou-se conhecimento da máquina pública, experiência política e domínio técnico do tema que é prioritário, a reforma da Previdência.

Seria importante Guedes conter as falas ambíguas e equivocadas de Bolsonaro e do núcleo duro que o cerca. A retórica alimenta a percepção de que o presidente eleito não tem suficiente clareza sobre a insustentabilidade da Previdência e suas regras injustas. Adquirir esse conhecimento será parte de sua missão de defender politicamente essa agenda. Caso contrário, será improvável o apoio do Congresso. Na política, as palavras têm peso.

Escolhas precisam ser feitas. Mais complicado ainda é fazê-lo em um ambiente de incertezas. O que é melhor: (1) propor uma reforma ambiciosa que viabilize o cumprimento da regra do teto e o ajuste fiscal dos Estados, mas correndo o risco de ter uma tramitação lenta e desgastante politicamente, ou (2) uma reforma diluída, como sinalizado pelo presidente eleito, com trâmite mais rápido, mas com risco fiscal elevado?

É possível que se opte pelo meio do caminho, fatiando a reforma, separando as matérias constitucionais das infraconstitucionais, o que é positivo, e também avançando por etapas nos diferentes regimes de militares, policiais, servidores e setor privado, como proposto por Paulo Tafner e outros especialistas. Porém, o risco de o Congresso só aprovar uma ou outra fatia, e não o todo, resultando em uma reforma insuficiente, precisa ser considerado pelos estrategistas políticos.

A escolha de Bolsonaro será o primeiro teste de sua convicção sobre a necessidade da reforma. A capacidade de diálogo no Congresso, o teste principal. Não temos essas respostas. O ambiente de incertezas, portanto, ainda vai prevalecer por um tempo.

O que Bolsonaro precisa evitar são os erros de Macri e Macron, ambos presidentes com perfil reformista, eleitos em uma onda de renovação da política e contando com apoio popular. Agora ambos sofrem grande desgaste.

O argentino Mauricio Macri iniciou o mandato corrigindo importantes distorções na política econômica. No entanto, por contar com uma base estreita de apoio no Congresso – menos de 30% dos parlamentares quando iniciou seu mandato em 2016 –, foi forçado a negociar com governadores e a ceder. O gradualismo no ajuste fiscal parecia o único caminho possível naquele momento. Nas eleições parlamentares de 2017, Macri conseguiu aumentar seu apoio no Congresso e aprovar uma reforma da Previdência aguada. O resultado é o desarranjo do ambiente macroeconômico, com inflação acima de 40% e mais um acordo com o FMI.

O francês Emmanuel Macron, impulsionado pelas mídias sociais e com apoio no Congresso, conseguiu avançar com seu ímpeto reformista. Agora sofre o desgaste decorrente da percepção da sociedade de que ele protege os mais ricos. A elevação do preço de combustíveis, decorrente do imposto sobre carbono, penalizou uma classe média que se sente desprestigiada pelos políticos. Faltou diálogo e o devido cuidado com políticas que mexem diretamente no bolso dos eleitores. Protestos eclodiram. Macron recuou, mas a insatisfação persiste, enquanto outras reformas, como da Previdência, ficaram comprometidas.

Bolsonaro necessita de uma estratégia precisa para a reforma da Previdência. Não pode ser nem muito tímida nem muito desigual. E diálogo é essencial. Grupos que se sentem injustiçados podem reagir. O gradualismo e o tratamento desigual podem ser convenientes no curto prazo, mas cobram seu preço adiante.

*Economista-chefe da XP Investimento


Ricardo Noblat: Cresce o laranjal

Wellington, o onisciente

Como a investigação corre em segredo de justiça, ignoram-se os nomes dos funcionários do gabinete do deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio que abasteciam a conta bancária de Queiroz, solidários com as dificuldades financeiras enfrentadas por ele.

Mas um nome pelo menos foi descoberto – o de Wellington Sérvulo Romano da Silva, 48 anos, autor da proeza de morar em Portugal com a família no período em que se imaginava que por aqui trabalhasse. Não se descarte a hipótese de que estivesse lá e cá ao mesmo tempo.

De toda forma, louve-se o estilo transparente do presidente eleito Jair Bolsonaro que desde a semana passada não se nega a abordar o assunto. Ele voltou a repetir ontem: “Se algo estiver errado, seja comigo, com meu filho, com Queiroz, que paguemos a conta deste erro”.

Não incluiu o nome de Wellington porque certamente desconhecia sua existência até então.


Ascânio Seleme: Yo no creo en brujas

O problema é a desilusão que Bolsonaro pode causar

Há quem acredite em médiuns. Houve quem acreditasse em João de Deus. Há quem acredite em salvadores da pátria. E houve quem acreditasse em mitos. Enganar crédulos é tarefa aparentemente fácil, sobretudo quando para estes resta pouca ou nenhuma esperança. Seja qual for a dor, do corpo ou do espírito, haverá sempre quem se apresente com a fórmula mágica para curá-la. Foi assim que o canastrão de Abadiânia enganou milhares de pessoas por 40 anos, oferecendo soluções “milagrosas” para doenças que a medicina e a ciência não conseguem curar. Em troca de apalpadelas aqui e ali.

João de Deus construiu uma reputação de tal maneira sólida que mesmo os que ouviam insistentes rumores de que ele abusava de pacientes preferiram não acreditar. Por isso, também centenas de vítimas do médium sentiam-se pouco à vontade para denunciá-lo. O caso dele se assemelha ao do czar da fertilização, o médico Roger Abdelmassih, condenado a 181 anos de cadeia pelo estupro de algumas dezenas de pacientes. Famoso, respeitado como o João de Abadiânia, o Roger de São Paulo só foi desmascarado quando a primeira paciente veio a público denunciá-lo. Depois, encorajadas, surgiram dezenas.

No plano político ocorreu o mesmo com o ex-presidente Fernando Collor, que encantou o Brasil anunciando que limparia o país de funcionários públicos com supersalários. Depois, aproveitando-se da péssima fama do então presidente José Sarney, jurou que higienizaria o país da corrupção e que mandaria prender todos os políticos corruptos. Foi assim que consolidou a imagem de que era mesmo o homem fadado a levar o Brasil para o lugar de glória a ele reservado no panteão das nações. Foi o primeiro presidente a ser afastado por corrupção.

Arrisco a dizer que nem mesmo o primeiro grande mito da Nova República, o presidente Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse, teria condições políticas de cumprir as promessas feitas na condição de primeiro presidente civil depois da ditadura. “Vim para promover mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais”, prometeu ele no discurso da vitória no Colégio Eleitoral, de 1985. Sarney, que herdou o seu mandato, conseguiu, com o apoio de uma Constituinte soberana, cumprir apenas a mudança política.

O que temos hoje, a duas semanas da posse do presidente Jair Bolsonaro, é um país que novamente acredita ter encontrado o homem que vai limpá-lo de um passado repleto de políticos de velhas práticas, de corruptos, do jeito petista e emedebista de governar, roubar e prestar favores. O Brasil pariu um novo mito. Mais da metade dos eleitores votou em Bolsonaro com a esperança de que ele cumpra o papel que pregou na campanha, que governe com pessoas honestas e que exerça o seu mandato de maneira ilibada e transparente.

O problema é a desilusão que ele pode causar. Pessoas que geram grandes expectativas, como foi o caso de João de Deus, Abdelmassih e Collor, causam grande decepção em seus seguidores fiéis quando caem trançados em suas próprias pernas, atrapalhados em seus malfeitos. Bolsonaro corre enorme risco de desiludir os brasileiros. Antes de tomar posse, já se viu enredado na questão dos repasses do assessor de seu filho Flávio Bolsonaro com dinheiro coletado de outros funcionários do gabinete. Se fosse só o filho, já seria grave, mas parte desse dinheiro foi parar na conta da sua mulher, o que é gravíssimo.

Há pouca coisa mais velha na velha política que Bolsonaro jurou combater do que desviar recursos de funcionários de gabinete parlamentar. Parece que foi isso o que Flávio Bolsonaro fez usando como repassador o policial militar Fabrício de Queiroz, que contratou como motorista mas que remunerava como assessor. A prática funciona assim: um servidor designado pelo parlamentar cobra parte do salário dos demais servidores e repassa os recursos arrecadados para o chefe. Uma prática ilegal e imoral empregada em larga escala no Congresso e nas Assembleias, principalmente pelos parlamentares do baixo clero.

Fim das trevas
A data a ser comemorada é o 13 de outubro. Foi nesse dia, em 1978, que o presidente Ernesto Geisel promulgou a emenda constitucional nº 11, que revogou o AI-5 e todos os demais atos contrários à Constituição.


Míriam Leitão: Falta clareza no caso Queiroz

O país aprendeu nos últimos anos, em ações memoráveis como as do então juiz Moro, a exigir explicações claras dos agentes públicos

Quando juiz, o futuro ministro Sérgio Moro costumava usar expressões definidoras e claras. Uma delas, a “cegueira deliberada”, que consiste em não ver o que está evidente pelos indícios. A família do presidente eleito e a equipe que estará no poder a partir de janeiro parecem estar se abrigando nela quando dão respostas vagas para o caso do ex-assessor do deputado estadual, e senador eleito, Flávio Bolsonaro. Os depósitos e saques sequenciais em sua conta lembram um padrão que ficou conhecido durante a Lava-Jato.

Fabrício de Queiroz é chamado de ex-assessor porque se exonerou em outubro, mas circula próximo à família Bolsonaro há muito tempo. Tem antigas e sólidas relações. O valor que movimentou em um ano, R$ 1,2 milhão, está acima de suas posses. A maneira como os depósitos e saques foram feitos parece seguir um padrão que sempre foi entendido pelos investigadores da LavaJato como indício de lavagem de dinheiro. Por isso é tão importante que se mostre a origem dos recursos. A coincidência de depósitos de servidores na conta de Queiroz nos dias do pagamento na Assembleia Legislativa, onde o deputado, agora senador eleito, tinha seu gabinete, lembra muito os pagamentos de pedágios feitos por funcionários dos políticos. Os saques em quantias picadas, em agências diferentes do mesmo banco, no mesmo dia, também remetem a esquemas em que o dinheiro passava por contas para ser lavado e usado para o pagamento de despesas. Pode ser pura coincidência, mas, tantas investigações depois, é mais difícil acreditar no acaso.

O dinheiro que entrou na conta de Michele Bolsonaro foi justificado pelo presidente eleito como pagamento de um empréstimo. Isso indica que Queiroz era mesmo próximo da família Bolsonaro, dado que recebeu empréstimos — que chegaram ao todo a R$ 40 mil, como já adiantou-se o presidente —sem quaisquer documentos que resguardassem o credor e que informassem às autoridades.

Se os investigadores do Ministério Público estadual seguirem o mesmo padrão dos seus colegas do MP Federal passarão a trabalhar com a hipótese de que isso é a ponta de outros ilícitos. Até porque tudo se repete com uma precisão milimétrica, como o sumiço do assessor e de toda a sua família. Uma das filhas, Evelyn, ainda trabalha no gabinete do deputado Flávio. Aliás, quatro pessoas da família já estiveram empregadas no mesmo gabinete, exibindo a intensidade dos laços de família com o sargento da PM.

As idas e vindas das reações ao caso no novo governo também não favorecem o esclarecimento. O futuro ministro da Justiça Sérgio Moro primeiro escolheu o silêncio, depois admitiu que era preciso explicar, apesar de ter se convencido de que houve um empréstimo. “O senhor presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe do episódio”. Para Moro, outros devem explicações, principalmente “o senhor Queiroz”. O futuro ministro da Casa Civil, Oxyx Lorenzoni, irritou-se com a imprensa —“não tem a menor relevância sua pergunta”— depois quis saber o salário do jornalista, acusou o Coaf de não ter tido o mesmo comportamento em outros casos, o que não é verdade. Dias depois, mais calmo, admitiu que tudo precisa de investigação.

O senador eleito Flávio Bolsonaro afirmou que procurou o ex-assessor para cobrar explicações e se convenceu:

— Ele me relatou uma história bastante plausível e me garantiu que não há nenhuma ilegalidade.

A dúvida que resta é porque uma história plausível e sem ilegalidade ainda não foi explicada para o conforto do público em geral. O Brasil é um país politraumatizado neste assunto e que aprendeu a desconfiar de transações que fogem ao costumeiro.

—Todos nós já sabíamos que entrar nessa, numa situação em que incomodamos tanta gente, nós viraríamos alvo. E assim é que tem que ser, as pessoas que estão mais expostas na vida pública têm que ser cobradas —disse Flávio Bolsonaro.

A parte final da frase salva o meio. As dúvidas sobre a movimentação bancária de seu ex-assessor não acontecem porque ele incomoda “tanta gente”, mas porque “as pessoas que estão mais expostas na vida pública têm que ser cobradas”. O país aprendeu nos últimos anos, em sentenças memoráveis como as do juiz Sérgio Moro, a preferir explicações claras. E elas ainda estão fazendo falta neste caso.


Bruno Boghossian: Caso Coaf é o primeiro teste da estratégia de poder de Bolsonaro

Governo escorado na popularidade do presidente é mais sensível a manchas na imagem

Passaram-se sete dias desde a revelação de que um assessor de Flávio Bolsonaro movimentou R$ 1,2 milhão em um único ano e deu um cheque de R$ 24 mil à mulher de Jair. De saída, a família julgou que devia poucas explicações, mas o episódio tem potencial para depreciar um dos principais ativos do próximo presidente.

Bolsonaro já demonstrou que pretende governar com o poder das redes sociais, escorado em sua popularidade. Embora pareça uma boa ideia, a estratégia carrega seus riscos. Se o presidente depende de constante aprovação, manchas na imagem também podem drenar sua força.

O silêncio e as explicações dadas pela metade não abafaram o caso. Informações que vieram a público ao longo da semana acentuam as suspeitas de que o gabinete de Flávio na Assembleia do Rio obrigava funcionários a devolverem parte de seus salários —mecanismo conhecido como “pedágio” ou “rachadinha”.

Fabrício Queiroz, ex-motorista de Flávio, não conseguiu justificar os depósitos que recebia em sua conta no dia do pagamento dos outros servidores. Também não disse por que sacava o dinheiro logo depois. Não há provas de que os Bolsonaros tenham se beneficiado de alguma ilegalidade, mas as interrogações não ajudam a família.

As suspeitas levantadas são especialmente danosas porque Bolsonaro se elegeu sob a bandeira da rejeição ao sistema e da tolerância zero com a corrupção. A cobrança de pedágio é um dos hábitos mais ordinários da velha política —assim como a contratação de funcionários fantasmas e o recebimento de auxílio-moradia sem necessidade.

O presidente eleito dobrou a aposta nesta quarta (12). Ao fim de uma transmissão no Facebook, disse: “Se algo estiver errado, que paguemos a conta”. Assim, Bolsonaro reforça o exercício do poder em linha direta com seus eleitores, como afirmou em sua diplomação. Se não conseguir apresentar um esclarecimento completo sobre o caso, ele pode conhecer o lado amargo desse plano.


William Waack: Perfeitos Latino-americanos

Os novos presidentes do Brasil e do México vão se arriscar com a “democracia direta”

Os novos presidentes do Brasil e do México são tão diferentes, e as vezes tão parecidos. Prá começar, Jair Bolsonaro e Manuel López Obrador (conhecido pelo apelido AMLO) vem de espectros políticos claramente opostos. Geografia e História os colocaram um muito longe e o outro muito perto de Donald Trump, o que ajuda a entender também as diferenças entre ambos de percepção – e aceitação – daquilo que faz o presidente americano.

Bolsonaro e AMLO começam a governar com cacifes políticos diferentes. O brasileiro terá de atuar dentro de um sistema de governo conhecido como “presidencialismo de coalizão”, que obriga o chefe do executivo a se entender de alguma maneira com o legislativo. O mexicano já assumiu na invejável posição de comandar um partido forte (que o brasileiro não tem) dono de consistente maioria no Congresso e de importante número de governos estaduais.

Ambos – Bolsonaro e AMLO – são fenômenos políticos notáveis. Na memória política recente do México nunca houve tanta concentração de poder político como a que acaba de ser conquistada pelo atual presidente. Na memória política recente do Brasil não houve uma virada política tão pronunciada como a que se registrou nas eleições de outubro.

Mas é a plena consciência que tanto AMLO como Bolsonaro exibem de sua condição de fenômenos políticos que os faz começar a agir do mesmo jeito. Bolsonaro e AMLO foram percebidos como forças políticas capazes de “mudar o sistema”. Nesse sentido, pouco importam as notórias diferenças ideológicas: a mensagem central que Bolsonaro e AMLO empregaram com êxito foi dizer que a política não será mais como antes.

Ambos estão fascinados pelo que identificam como a possibilidade de “falar diretamente” com o eleitor (ou o povo, a sociedade, o País, como se quiser). AMLO assumiu no começo do mês e já deu uma demonstração do que entende por diálogo direto. Organizou como presidente eleito uma espécie de plebiscito no qual o “voto popular” optou por encerrar um gigantesco projeto de infraestrutura, um novo aeroporto junto da Cidade do México, no qual já haviam sido enterrados 13 bilhões de dólares.

Ao ser diplomado no começo da semana, Bolsonaro soltou a frase que parece mesmo orientar boa parte de seu pensamento político (pois não foi improvisada): o poder popular não precisa mais de intermediação, à medida em que novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes. É irresistível a tentação de julgar que o capital político acumulado na expressiva vitória eleitoral não só pode, mas “deve” ser transformado num instrumento de governo, por sua vez entendido como a concretização da “vontade popular” sem atravessadores.

Apenas como exercício teórico, vamos ignorar aqui os obstáculos institucionais, legais ou de coordenação política – no México como no Brasil – que inevitavelmente retardam, modificam ou mesmo impedem que se realize essa “vontade” direta, sem intermediação. Os fenômenos políticos de AMLO e Bolsonaro são em boa medida apostas contra o tempo, ou seja, eles não desfrutarão do prazo que esses mandatários gostariam de dispor para responder aos anseios de transformação, mudança e destruição do “sistema” que os levaram ao poder – fora o resto.

Não sei com que olhos AMLO e Bolsonaro enxergam um colega que os antecede por uns dois anos no posto, Mauricio Macri, da Argentina. Lembram-se? Ele também foi festejado como um fenômeno político relevante dado “el cambio” que representou ao se eleger. As reformas pretendidas por ele pararam a meio caminho. O sucesso político também. Será que Macri não foi “direto” o suficiente?


Vinicius Torres Freire: Neblina na aposentadoria e nos juros

Indefinição sobre reforma de Bolsonaro é política e começa a inquietar donos do dinheiro

A mudança nas aposentadorias e nas pensões ainda não tem projeto definido porque Jair Bolsonaro ainda não se ocupou do assunto. Mesmo antes de chegar ao Congresso, a reforma da Previdência do próximo governo enfrenta problemas políticos.

A ala parlamentar bolsonarista diz o que quer sobre a Previdência porque simplesmente não recebeu diretrizes ou ordens do presidente eleito, que, por sua vez, diz nebulosidades preocupantes sobre a reforma porque dá ouvidos a seus articuladores políticos e "bases".

É o que se pode ouvir entre economistas do governo de transição de Bolsonaro. Políticos bolsonaristas e "bases", inclusive nas redes insociáveis, são refratários à mudança e não têm entendimento da crise que pode sobrevir caso a reforma vá para o vinagre ou seja muito aguada.

A inquietação entre negociantes de dinheiro e porta-vozes do mercado se espalha.

Por um lado, ouvem o presidente eleito e seus articuladores políticos dizerem em público que a reforma não pode ser dura, "matar idoso", que pode ser feita em até quatro anos, que não se pode bulir com servidores, que o Congresso vai desidratar qualquer plano de mudança etc.

Por outro lado, gente da futura equipe econômica trata do assunto em conversas informais com conhecidos na praça. Dentro do governo de transição, sentem a mesma indisposição reformista do entorno político imediato do presidente eleito.

Acreditam, porém, que tais conversas não indicariam uma inclinação firme de Bolsonaro. Dizem apenas que Paulo Guedes, futuro überministro da Economia, ainda não levou projeto claro para uma conversa decisiva com o futuro governo.

Os economistas dizem que têm uma reforma em mente, talvez com umas três variantes possíveis de estratégia de implementação, mas nenhum pacote de alternativas teria sido ainda apresentado ao presidente eleito.

De menos incerto é que se pretende apresentar um projeto básico bem assemelhado ao que Michel Temer enviou ao Congresso, com algumas emendas para torná-lo algo "diferente" e para que a economia prevista volte ao nível previsto na versão original da reforma.

Talvez alguma parte do projeto seja apresentada à parte, em particular alguma mudança que não dependa de mexida na Constituição.

O plano de capitalização (de Previdência baseada em contas individuais de poupança) viria de qualquer modo depois de aprovado o "bloco 1" da reforma, a mudança do sistema atual de aposentadorias e pensões, uma urgência fiscal.

Ainda não há sinais inequívocos de descrença no mercado, sinais nos preços, em taxas de juros, por exemplo.

Há taxas de prazo mais longo dando uma esticadinha, mas pode bem ser por qualquer motivo, como a escaladinha do dólar e outras tensões na finança internacional, que voltou a ficar estressada.

O clima doméstico é menos otimista, dada a desconversa sobre reformas, e o mundo lá fora não está ajudando nada, ao contrário.

Nas conversas com economistas da finança, nota-se um certo desânimo sobre as liberdades que Guedes terá para tocar um programa de reforma rápido e duro na Previdência.

No entanto, o povo que de fato mexe os bilhões para lá e para cá acha que, afora surpresas ou vazamentos essenciais, o próximo movimento decisivo ocorre em janeiro.

O fato é que se conhece quase nada dos planos de Guedes para a economia, muito pouco além do que se sabia durante a campanha. Dos planos de Bolsonaro, menos ainda.


Hélio Schwartsman: Por um governo feliz

Jair Bolsonaro e seu círculo íntimo acumulam dissabores

Parafraseando Tolstói, podemos dizer que todas as Presidências felizes parecem-se entre si; já as infelizes o são cada uma à sua maneira. Ainda é cedo para estabelecer se a administração Bolsonaro vai ser feliz ou infeliz, mas o futuro dirigente e seu círculo íntimo vão acumulando dissabores numa escala incomum para quem ainda nem assumiu o governo.

Transições tendem a ser mesmo confusas. Membros do grupo que chega não estão entrosados e ainda não têm noção do novo peso que suas declarações adquiriram.

O que confere certa especificidade à administração Bolsonaro, além de um improvisado redesenho da estrutura ministerial, são seus filhos. Dois deles foram eleitos para cadeiras no Legislativo. Embora não sejam mais do que parlamentares, por vezes falam como se fossem primeiros-ministros, ampliando desnecessariamente os desencontros, que já causaram fissuras no PSL.

Normalmente, presidentes eleitos já enfrentaram as acusações levantadas durante a campanha e ainda não tiveram tempo de se envolver nas novas, pelas quais responderão no futuro. Bolsonaro e familiares, porém, conseguiram enrolar-se numa suspeita que veio à tona durante a transição. O fato de ter-se apresentado como candidato anticorrupção exige que Bolsonaro dê tratamento rápido e duro para o caso, sob pena de desgaste precoce.

De modo geral, presidentes iniciam já na transição as negociações com partidos para obter maioria no Legislativo. Isso é especialmente importante quando há necessidade de aprovar emendas constitucionais impopulares, como a reforma da Previdência. Mas Bolsonaro, prometendo romper com a tradição de fisiologismo, se recusa a fazê-lo. Pode ser um ponto positivo, se ele tiver uma estratégia funcional para assegurar a aprovação das medidas. Caso contrário, pode ser o início de uma relação complicada com o Parlamento, o que prenuncia um governo infeliz.


Bruno Boghossian: Na prática, Bolsonaro subordina meio ambiente aos ruralistas

Na prática, Bolsonaro subordina meio ambiente aos ruralistas

Se ainda havia dúvida, Jair Bolsonaro deixou claro a quem seu ministro do Meio Ambiente deve servir —e, surpresa, não é ao meio ambiente. Num encontro com artistas, o presidente eleito gravou um vídeo e mandou recado ao agronegócio: “Gostaram do ministro do Meio Ambiente, né? Com toda a certeza”.

O novo governo aceitou manter uma pasta independente para cuidar do setor, mas a escolha do advogado Ricardo Salles sugere que, na prática, questões ambientais devem ficar subordinadas à pauta ruralista.

O futuro ministro fez questão de aparecer em uma gravação ao lado de Nabhan Garcia, presidente da entidade que simboliza os grandes proprietários de terras, a UDR (União Democrática Ruralista).

“Nós teremos um momento de total sinergia da agricultura com o meio ambiente. Respeito absoluto ao produtor rural, com todo o nosso apoio”, disse Salles, que vai supervisionar órgãos que têm o papel de fiscalizar também o agronegócio.

A reverência prestada pelo próximo chefe da gestão ambiental é grande. Na mensagem, ele chama Nabhan de ministro, embora o ruralista tenha sido indicado apenas secretário especial de Assuntos Fundiários.

O ruralista retribuiu com um elogio e emendou: “Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente significa o fim do Estado policialesco e o fim do Estado confiscatório em cima de quem produz no Brasil”.

O discurso é uma desculpa esfarrapada para afrouxar as punições previstas em lei contra quem pratica desmatamento. Entidades de proteção ambiental dizem que produtores rurais contribuem para devastações. Nabhan alega que o agronegócio colabora com a preservação.

Ao ser indicado, Salles disse tratar a defesa do meio ambiente como um valor “inafastável” e já afirmou ser favorável à permanência do Brasil no Acordo de Paris, que estabelece metas de redução de gases causadores do efeito estufa. Os sinais de Bolsonaro, porém, são de que os poderes do futuro ministro ficarão abaixo dos interesses do agronegócio.