Bolsonaro
O Globo: Decreto sobre posse de armas deve afetar 169 milhões de brasileiros
Dados do IBGE e do Ministério da Saúde cruzados pelo GLOBO mostram que pelo menos 169,6 milhões de pessoas — quatro em cada cinco brasileiros — podem ser diretamente afetadas caso seja confirmada no texto a possibilidade de acesso mais fácil a armas por moradores de cidades com taxas de homicídios superiores a dez mortes para cada 100 mil habitantes. Ao todo, 3.179 dos 5.570 municípios estão acima desta linha de corte.
Segundo o texto do decreto, ainda em análise, os interessados podem ter até duas armas em casa. A efetiva necessidade de possuir um armamento passa a incluir automaticamente residentes em áreas rurais, proprietários ou responsáveis legais por estabelecimentos comerciais, além de servidores públicos que tenham funções com poder de polícia.
No caso de residências onde vivem crianças, adolescentes ou pessoas com deficiência mental, o texto preliminar prevê a obrigação de que o proprietário da arma tenha um cofre para guardá-la. O decreto manterá outras exigências para a obtenção da posse, como a idade mínima de 25 anos e a comprovação de capacidade técnica e psicológica para manusear o armamento.
Em 13 estados, mais de 90% da população vive nas cidades afetadas diretamente pela nova legislação. Nesse grupo estão o Rio de Janeiro, que sofreu uma intervenção federal na segurança pública em 2018, além de Bahia, Pernambuco e Ceará — que passa por uma onda de ataques articulados por facções criminosas nos últimos dias.
Nas menores cidades, menos da metade da população das cidades com menos de 10 mil moradores se enquadra neste critério. Porém, o decreto abre a possibilidade para a obtenção da posse de armas também nessas localidades, já que acaba com a comprovação de efetiva necessidade para todos os residentes em zonas rurais.
Após uma reunião com Bolsonaro na manhã de quinta-feira, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse apoiar a flexibilização do porte de armas no país.
— Sou favorável. Parece que sai amanhã (sexta-feira) — afirmou o governador.
Brecha pode facilitar posse em todo o Brasil
Há uma brecha maior no decreto para que ainda mais pessoas tenham o acesso a armas facilitado. Caso o critério utilizado pelo governo federal seja o das taxas de homicídios dos estados ao invés dos municípios, todo o país seria incluído, de acordo com dados compilados no Anuário da Violência 2018.
Em 2017, a taxa de homicídios no Brasil foi de 30,8 mortos a cada 100 mil habitantes. Até mesmo São Paulo — estado com 10,7 mortes a cada 100 mil habitantes, a menor do país — se enquadra no parâmetro do decreto.
— A primeira questão é o que decreto vai contra o que as evidências científicas mostram. Quanto mais armas em circulação, mais crimes.
Melina ainda destaca a falta de informações sobre o número de pedidos de posse de armas aceitos e negados nos últimos anos:
—Nós não sabemos quantos pedidos foram negados e nem os motivos para isso.
Em 2018, a Polícia Federal concedeu, entre pedidos novos e revalidações, 258.427 registros de posse de arma para a população civil no Brasil — 48.330 foram novos registros e 210.097 foram revalidações.
Bene Barbosa, presidente da ONG Movimento Viva Brasil avalia que o decreto não resolve todos os problemas do Estatuto do Desarmamento, mas é positivo:
— Já é um avanço, porque mostra uma intenção de mudar. Pelo menos é um critério objetivo, porque até agora tínhamos critérios subjetivos para a posse.
Fernando Gabeira: Um novo ato em fevereiro
Moro vai comer o pão que o diabo amassou para aprovar a sua agenda no Congresso
A relação de Bolsonaro com o Congresso é um enigma dentro do enigma. Ele promete romper com o velho esquema de governo de coalizão.
Esse já é um dos grandes desafios. Toda vez que se tentou, a percepção era de que formar um governo técnico seria possível, porém discriminar os políticos o levaria à ruína, uma vez que entre os políticos existe gente capacitada e ainda sem grandes problemas. A própria expressão discriminar é impensável num governo amplo.
Bolsonaro decidiu substituir os partidos pelas bancadas temáticas. Nada garante que elas não tenham os mesmos vícios, ou que possam oferecer fidelidade em temas que escapam ao seu campo de ação.
Houve renovação no Congresso. E foi superior às nossas previsões pessimistas, baseadas no fato de que os velhos caciques concentraram a grana para financiar a campanha.
Mas não foi possível, por falta de articulação ou mesmo perspectiva, unificar os novos com os mais experientes, aqueles que sobraram do desastre e poderiam pôr seu conhecimento a serviço de uma transformação.
Sozinhos, os novos não elegem a Mesa. E se elegessem estariam em dificuldades. Costumo dizer que 512 deputados estreantes e bem-intencionados seriam facilmente enrolados por uma só raposa regimental como Eduardo Cunha.
A saída que parece possível no momento é manter a velha direção; no caso da Câmara, Rodrigo Maia. Ele não sobrevive apenas por falta de alternativa. Sabe conciliar-se com as diferentes tendências políticas, enfim, traz um aprendizado que os novos não têm e os sobreviventes que por acaso o tenham não conseguiram capitalizar.
Dizem que Renan Calheiros é o favorito no Senado. Seria mais uma referência do passado, mostrando a limitação das mudanças. Não surgiu ainda no Senado, apesar da grande renovação, uma alternativa viável. O trunfo para evitar a vitória de Renan seria a conquista do voto aberto.
Sou favorável ao voto aberto e, dentro dos limites, lutei para que fosse ampliado o seu alcance na pauta de decisões. Mas o voto aberto numa eleição é sempre problemático.
A minoria pode se sentir constrangida em abrir um flanco para a vingança dos vencedores. Não falo de todos. Alguns são claros adversários de Renan e vão antagonizá-lo independentemente de voto aberto. E Renan saberá que votarão contra ele, mesmo na votação fechada.
O que os antigos dirigentes do Congresso podem oferecer a Bolsonaro, e parece que já indicaram isso, é rapidez e boa vontade nas reformas econômicas. Renan chegou a falar num processo rápido de votação, um fast track à moda do Congresso americano.
Se a aliança nas teses econômicas é fácil, em outro campo eles vão fazer corpo mole: as medidas contra a corrupção. Renan é a esperança que resta a alguns adversários da Lava Jato. Em vários momentos já demonstrou sua oposição a Sergio Moro.
Aí está o problema para Bolsonaro. Se, de um lado, será mais rápido aprovar medidas econômicas que não são assim tão populares, de outro, Moro vai comer o pão que o diabo amassou para aprovar sua agenda, que é muito mais popular.
É sempre tentador aprovar as reformas econômicas, com o apoio da imprensa e dos investidores. Talvez surja no governo a hipótese de investir nisso e deixar a agenda política para depois. Pode não funcionar.
Adiar a pauta de Moro não tem o mesmo efeito de adiar a pauta de costumes, que serve mais para animar a discussão nas redes sociais do que, realmente, mudar o País. Imagino a ministra de Direitos Humanos diante de três secretárias, alguns carros usados no pátio, batendo na mesa: “De agora por diante, menino veste azul e menina, rosa”. Dava o início de uma boa série da Netflix.
O combate ao crime organizado e à corrupção é tema urgente. Estou em Fortaleza, cobrindo a onda de ataques no Ceará. Mas nem precisava. Já estive antes, para mostrar como as facções criminosas dominaram as cadeias do Estado e se matavam pelo controle das ruas. Agora fizeram um pacto, uniram-se para a onda de terror.
No caso do crime organizado, não acredito tanto numa nova estrutura legal. É preciso inteligência e ação. Creio que a primeira faltou no Ceará quando anunciaram uma série de medidas repressivas sem estar preparados para ela. O golpe se dá de uma só vez, o bem é que se faz aos pouquinhos.
Na hipótese de aprovar as reformas econômicas, Bolsonaro pode se sentir forte. Mas as velhas lideranças também. Será muito difícil desatar o nó e abrir o caminho para a agenda de Moro. O ideal seria pensar todos esses temas no conjunto.
Mas no Brasil a campanha presidencial predomina. Em torno de um nome popular, as bancadas eleitas são uma espécie de arrastão. De fato, eles são novos, mas estão preparados para o longo combate? Os próprios presidentes, ocupados em garantir sua popularidade, esgrimindo frases de efeito, pavimentam sua vitória e deixam para depois a articulação dos grandes problemas.
Se é tudo tão nebuloso, por que escrever um artigo? Porque, apesar das confusões, existem algumas passíveis de ser previstas. Uma delas, inequívoca, é a de que a vitória de Renan e a relativa indiferença de Maia na defesa da Lava Jato podem levar, entre dezenas de pequenas barganhas, à grande e decisiva batalha em torno da corrupção.
Até que ponto isso foi apenas um tema de campanha? Até que ponto a corrupção é algo condenável apenas nos partidos de esquerda, ou é algo muito mais amplo e envolvente na História moderna do Brasil?
Essas previsões só serão mais bem desenvolvidas quando se fizer uma análise mais completa do novo Congresso. Por enquanto, temos nomes, biografias, mas só vamos conhecê-los mesmo diante dos grandes embates.
No meio do século passado as coisas eram mais previsíveis com as grandes bancadas da UDN e do PTB. Hoje é preciso esperar o começo e preparar-se para quatro anos de surpresas.
O Globo: Presidente da Apex pede demissão e é primeira baixa do governo Bolsonaro
Estatuto de agência teria que ser mudado, porque Alecxandro Carreiro não é fluente em inglês e não tem experiência em comércio exterior
Por Gabriela Valente e Eliane Oliveira, de O Globo
BRASÍLIA — O governo Jair Bolsonaro teve a sua primeira baixa. O presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), Alecxandro Pinho Carreiro, não resistiu à pressão e pediu demissão do cargo com uma semana de trabalho. Para que ele ficasse à frente da entidade, o estatuto da agência teria de ser alterado porque o publicitário não é fluente em inglês e não tem experiência no setor público na área de comércio exterior. Destacava no currículo estampado na página da Apex apenas uma passagem pelo Sebrae, onde era estagiário há menos de uma década.
Carreiro passou o dia em reuniões para decidir quais respostas daria em relação ao seu currículo. No fim da tarde, se reuniu com o ministro das Relações Exterior, Ernesto Araújo, para quem se reporta na hierarquia do governo. No Twitter, o chanceler comunicou que ele deixaria o cargo e anunciou a indicação do embaixador Mário Vilalva para o cargo.
“O Sr. Alex Carreiro pediu-me o encerramento de suas funções como Presidente da Apex. Agradeço sua importante contribuição na transição e no início do governo. Levei ao presidente Bolsonaro o nome do embaixador Mario Vilalva, com ampla experiência em promoção de exportações, para presidente da Apex”, escreveu o chanceler.
Após ter trabalhado no Sebrae, foi integrante da equipe de marketing da Caixa Econômica Federal. Trabalhou no núcleo de mídia da Caixa. Menos de uma década depois, assume o comando da Apex. Ele era próximo do filho do presidente Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro.
O resumo do currículo de Carreiro, que está no site da agência, diz que ele é pós-graduado em gestão pública e que desempenhou funções de “alto nível em diversos órgãos da administração pública”. Na Secretaria Nacional de Portos, teria sido o responsável pela articulação ministerial. Anteriormente, teria atuado junto ao Sebrae Nacional em programas de empreendedorismo. O site diz ainda que ele trabalhou com consultoria estratégica, tanto no Legislativo, quanto no Executivo. No entanto não fala em trabalhos na área de comércio exterior.
Procurada, a Apex não se manifestou. Carreiro também foi procurado, mas não se pronunciou. A agência passou por uma reformulação no governo Michel Temer. Ela saiu da alçada do comércio exterior e passou a se reportar ao Itamaraty para usar as estruturas das embaixadas para promover as empresas nacionais.
A empresária Letícia Catel, apoiadora do então candidato Jair Bolsonaro durante a campanha, também foi indicada para assumir a diretoria de negócios da Apex. Embora seu nome ainda não tenha sido publicado no Diário Oficial, Letícia - que é do ramo industrial e especialista em comércio exterior - esteve ontem na agência, onde participou de reuniões.
Letícia trabalhou na equipe de transição. Fez assessoria para o então futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Junto com ela, foi indicado para a Apex, para assumir a diretoria de gestão, o estrategista político Marcos Coimbra.
Zeina Latif: Devagar com o andor
Desmontar políticas industriais fracassadas está na ordem do dia
Volto ao tema da fraqueza da indústria, pela sua importância na dinâmica da economia e pelos cuidados que inspira na condução da política econômica.
A produção industrial está estagnada. Ela pouco reagiu ao corte inédito de juros promovido pelo Banco Central. É verdade que o estímulo monetário promovido pode ser menor do que se imagina (discuti esse assunto em março de 2018). Mas isso parece muito pouco para explicar o fraco dinamismo da indústria. Não seria uma taxa Selic 1 ponto porcentual mais baixa que mudaria radicalmente a situação da indústria.
São muitas as consequências desse quadro: o empresário da indústria está inesperadamente menos confiante do que o do comércio (índice de confiança em 94,8 em dezembro de 2018, ante 105,1); investiu menos na aquisição de máquinas e equipamentos (-0,5% até novembro de 2018) e gerou poucos empregos (apenas 11 mil empregos com carteira nos últimos 12 meses, e perdendo fôlego).
O mercado de trabalho sofre impacto em função da importância da indústria na geração de emprego formal. Apesar de o número de ocupados total já ter recuperado o patamar pré-crise, o mesmo não ocorre com o emprego com carteira (10% abaixo do patamar pré-crise). Isso acaba limitando o aumento do consumo, um ponto já analisado por Affonso Celso Pastore e Marcelo Gazzano. Com renda mais incerta por conta da informalidade, o consumidor tende a ser mais conservador.
Ainda que choques temporários tenham prejudicado a indústria em 2018, como a greve dos caminhoneiros, parece haver algo mais grave acontecendo. Fatores estruturais podem estar pesando mais na performance no setor.
A indústria está tecnologicamente muito defasada. Desde 2010 não aumenta seu investimento em bens de capital. Com o avanço da fronteira tecnológica no mundo, a indústria brasileira tornou-se obsoleta rapidamente. Provavelmente, nem sequer consegue compensar a depreciação das máquinas em um parque industrial que envelhece.
Vale lembrar que a indústria é particularmente afetada pelo custo Brasil. Além de ter carga tributária mais elevada do que os demais setores, sofre mais com a reduzida e cara infraestrutura, o elevado custo da energia, a baixa qualidade da mão de obra e a complexidade regulatória. O resultado é sua baixa produtividade.
Assim, mesmo com a queda dos salários em dólar em 2018, por conta da pressão cambial, o que implicaria maior competitividade externa do setor, tem havido um aumento da participação de bens industriais importados no consumo interno. A correlação histórica entre essas variáveis inverteu-se em 2018. As importações em alta não são a causa da fraqueza da indústria, mas sim a consequência.
O fraco desempenho da indústria, mesmo com expressivo corte da taxa Selic e sensível pressão na taxa de câmbio, reforça a visão de que o problema de baixa produtividade do setor não será resolvido pela política macroeconômica do BC. O que o setor precisa é de um ambiente de negócios mais saudável. Para problemas estruturais, reformas estruturais.
A entrega de reformas não é caminho fácil e tampouco gera frutos imediatos. Assim, vale um alerta para este ano: mesmo com o avanço nas reformas, a fraqueza estrutural da indústria poderá atrapalhar a aceleração do crescimento do PIB em 2019.
Os frutos virão ao longo do tempo. Desmontar políticas industriais fracassadas está na ordem do dia. Mas será necessário compensá-las com medidas para a redução do custo Brasil, de forma a não fragilizar ainda mais a saúde do setor. Combater a complexidade e cumulatividade de impostos que tanto penalizam a indústria merece especial atenção.
A agenda de Paulo Guedes promete ser ambiciosa. No entanto, na economia, o presidente não parece tão reformista assim. Os sinais recentes não foram bons, com o apoio à manutenção do tabelamento do frete e autorização dos incentivos tributários regionais, sem contar as falas que foram corrigidas por assessores. Precisamos aguardar os próximos passos do presidente.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Bruno Boghossian: Absurdos na educação mostram que ignorância não tem ideologia
Agenda do governo Bolsonaro tangencia obscurantismo e revisionismo barato
O disparatado edital de livros didáticos que permitia a compra de obras com erros e sem referências bibliográficas mostra como a educação é um setor vulnerável aos cavalos de pau da política. Basta uma canetada para acrescentar anos de atraso ao ensino no país.
Em 2 de janeiro, o Ministério da Educação sumiu com itens que proibiam publicidade e mencionavam a violência contra mulheres no material didático. Também desapareceram exigências de que os livros estivessem livres de erros de revisão e contivessem a origem da informação.
O ministro Ricardo Vélez Rodríguez diz que o edital foi alterado no governo Michel Temer, em 28 de dezembro, mas o ex-ministro Rossieli Soares afirma que as mudanças nunca foram discutidas em sua gestão.
Os dois fizeram reuniões de transição por quase 30 dias. Se essa medida absurda não foi discutida no período, há algo errado com as prioridades da política educacional.
Acabar com referências bibliográficas e flexibilizar a revisão de erros não têm justificativa plausível. A proposta afronta a ciência e abre as portas para inundar livros didáticos com teses do submundo.
Jair Bolsonaro declarou que a mudança é responsabilidade de Temer e que corrigiria o erro. Tomou iniciativa após a Folha noticiar o fato.
As regras insensatas se encaixam na agenda do bolsonarismo, que prioriza a guerra a um inexistente “marxismo cultural” e tangencia o obscurantismo. A equipe do ministério é formada por auxiliares sem experiência, que patrocinam um revisionismo histórico e científico barato.
A qualidade da educação continuará presa ao passado enquanto gestores quiserem empunhar a lança dessa guerra política improdutiva.
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Gleisi Hoffmann anunciou que vai à posse de Nicolás Maduro por solidariedade ao povo do país e em resposta a Bolsonaro. O PT serviria melhor a oposição se abrisse os olhos para abusos antidemocráticos e desmandos do governo venezuelano.
Janio de Freitas: Onde está a inteligência
A melhor medida que Jair Bolsonaro tomou até agora foi o cala a boca dirigido aos seus circunstantes
A melhor medida que Jair Bolsonaro tomou até agora, apesar de infrutífera, foi o cala a boca dirigido aos seus circunstantes. Inaugurado com o vice Mourão, não parou de repetir-se com vários outros, por reconhecida necessidade e total inutilidade.
Um erro de princípio, aliás, contribuiu para o fracasso: Bolsonaro não se incluiu na conveniência do mutismo. E as asneiras e inverdades destrinchadas pelo noticiário não abarcam a safra diária.
O general Augusto Heleno, por exemplo, diz que “fizeram um auê disso aí sem nada”, sendo o “disso aí” a possibilidade de instalação de uma base militar americana no Brasil. O “auê” foi a simples notícia proveniente de Bolsonaro.
O general mostra sua firmeza: “Ele falou comigo que não falou nada disso. Foi um comentário quando falaram de base russa, não sei quê, aí saiu esse assunto, de repente é base americana.”
A tal base russa foi uma hipótese da guerra verbal contra a Venezuela. Mas se “aí saiu esse assunto” que é a base americana, o general diz, de modo indireto, que o assunto foi falado.
E, de fato, Bolsonaro disse no SBT que poderia negociar com os Estados Unidos a instalação aqui de uma base americana.
Se a ideia foi uma leviandade a mais ou se teve algum propósito definido, negar sua ocorrência na TV não é inteligente. E atribuí-la a um “auê” da imprensa é uma tentativa de tapear a opinião pública. O que em poucos dias já mostra mais uma deformidade dos novos governantes.
Onyx Lorenzoni demite em massa na assessoria da Presidência: “É a despetização do governo”. Daí decorrentes, dois títulos da Folha informam sobre o resultado: “’Caça a petistas’ de Onyx desarticula todo o corpo técnico da Casa Civil” e “Exonerações de Onyx paralisam Comissão de Ética da Presidência” (dias 7 e 8).
As demissões tão citadas em postagens de Bolsonaro e tão exploradas por Lorenzoni são uma farsa com face dupla.
Quem tinha vínculo com o PT foi substituído, junto a muitos outros, por vinculados a Geddel Vieira Lima, Moreira Franco, Eliseu Padilha, Carlos Marun e, claro, Temer e seu compra-e-vende com deputados e senadores.
As demissões estão feitas sem critério algum, para abrir o máximo de vagas aos vinculados à nova turma do poder. Várias nomeações do gênero já foram noticiadas, casos com algum atrativo particular. O dispositivo técnico está arruinado.
A extinção da Justiça do Trabalho, disse Bolsonaro também no SBT, “está sendo estudada”. Porque há “excesso de proteção” ao assalariado. Sua convicção: “Tem que ter a justiça comum” para o assalariado reclamante. “Até um ano e meio atrás, eram em torno de 4 milhões de ações trabalhistas por ano. Ninguém aguenta isso.”
Extinguir a Justiça do Trabalho, para eliminar o que Bolsonaro considera insuportável, é só uma obtusidade. Por sua receita, apenas acrescentaria milhões de processos ao entupimento da Justiça Cível e da Criminal, inviabilizando-as em definitivo. E isso é chamado de reforma.
O que Bolsonaro deseja está na eliminação de direitos. Tornados leis e regulamentos porque o patronato brasileiro, envenenado pelos legados escravocratas e pela concentração dos recursos financeiros, burlava com frequência até os mínimos deveres humanitários.
Esse patronato, por sua vez, deixou herança “cultural”. E a ela se deve a quase totalidade dos milhões de pedidos à Justiça do Trabalho para verificação de direitos talvez relegados —isto é o processo trabalhista. Mas Bolsonaro não pode compreender.
Matias Spektor: Plataforma diplomática da ultradireita ganha força
Obtuso, programa lembra muito o da extrema esquerda, com fantasmas imaginários e lógica chã
Ganha forma pela primeira vez no ciclo democrático uma plataforma de política externa de ultradireita.
Ela não deve ser reduzida às maluquices do chanceler nem deve ser descartada como mero plágio inconsequente das ideias de Steve Bannon e Donald Trump. Tampouco é correto atribuir sua paternidade a Jair Bolsonaro. A eleição do presidente impulsiona esse programa e lhe dá força, mas a plataforma o antecede.
As origens intelectuais do projeto vêm de longa data. O furor antiglobalista é emprestado do ciclo iniciado em 1964.
À época, temerosos pela sobrevivência do regime, os generais e sua diplomacia denunciaram as Nações Unidas e os regimes internacionais de direitos humanos, de não-proliferação nuclear e de preservação ambiental.
O argumento era que tais instâncias seriam parte de um conluio esquerdista transnacional para enquistar o Brasil no atraso.
Na prática, o regime fazia de tudo para evitar que suas entranhas fossem expostas ao público. Os governos da época chegaram a abrir mão de ocupar uma cadeira rotativa no Conselho de Segurança da ONU para ficar longe dos holofotes.
Também é daquela época a ideia de que a diplomacia brasileira deve discriminar países em função de sua identidade ideológica com o ocupante do Palácio do Planalto.
Hoje, a velha plataforma de ultradireita ganha cores novas. É nova a noção segundo a qual as denominações cristãs do país devem ser tratadas como dimensão central da atuação externa.
É de agora o uso sistemático de notícias falsas e de teses que, mesmo sendo esdrúxulas, são defendidas ao arrepio das evidências, como é o caso do atual discurso oficial sobre mudança do clima e imigração.
Obtusa, a nova plataforma diplomática de ultradireita lembra muito sua irmã siamesa, a plataforma de política exterior da extrema esquerda. Trata-se de um mesmo mundo de fantasmas imaginários, lógica chã e descompromisso com os fatos.
É possível que o novo projeto da extrema direita sobreviva para além do mandato de Bolsonaro. Afinal, há muitos liberais brasileiros que taparão o nariz, mas embarcarão nessa canoa.
Eles deveriam pensar duas vezes. Essa nova plataforma diplomática inviabiliza a agenda reformista de Paulo Guedes e Sergio Moro. Em ambos os casos, os planos de governo demandam adesão a mais compromissos internacionais, abrindo o Brasil ao mundo sem medo.
Não se trata de submissão. Ao contrário do que diz a mentira em voga, o Brasil nunca aderiu a um acordo que demandasse cessão de soberania. Trata-se de produzir políticas públicas de boa qualidade. E elas são incompatíveis com um projeto iliberal travestido de patriota.
*Matias Spektor professor de relações internacionais na FGV.
Mauricio Huertas: Jair Bolsonaro, o meme que virou presidente
O título é bom, tá ok? Dá livro. Dá documentário. O personagem (ame-o ou odeie) é ótimo. O ator, um "mito" canastrão, típico do período no qual adentrou o Brasil. Vivemos tempos em que transbordam o ódio e a intolerância. A velha esquerda vazou pelo ladrão. A direita mais chucra verte da fossa sanitária. A podridão da política é evidente. Obscurantismo, preconceito, retrocesso, fake news são as marcas dessa "nova era". Deprimente.
Se isso é o novo, que tristeza! Indigência moral, penúria intelectual. A onda da mediocridade varre as redes e as ruas. A generalização dos maus políticos contamina todo o sistema e anula os bons. Tira o espaço essencial da política como mediadora dos interesses públicos e joga todo mundo na vala comum da politicagem, das negociatas e do oportunismo. É a desforra do até então chamado baixo clero do parlamento. Nivelou por aquilo de pior que existia.
Vale o registro desse período. O Blog do PPS faz isso há 13 anos. Informa, relata, analisa, cobra, investiga, compara, opina. Incomoda (Ufa! Que bom!). Seguiremos nessa tarefa, queiram ou não. Desagradando gregos e troianos. Abaixo, um resumo do que temos publicado sobre Jair Bolsonaro e esse recorte singular da nossa História. Tristes tempos.
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Que rumos tomam a eleição após cinco dias de TV?
3, 2, 1... e Jair Bolsonaro: TCHIBUM! #EleNão
Onda #BolsonaroNão tenta sensibilizar eleitor brasileiro
O PT criou e alimenta Bolsonaro. Não reclamem!
Façam as suas apostas para 7 de outubro
Uma semana decisiva para as eleições de 2018
Procura-se o sucessor de Jair Bolsonaro (mas, já???)
Bloco democrático e reformista é lançado para tentar impedir "castástrofe"
#ProgramaDiferente: Bolsonaro, que mito foi esse?
#ProgramaDiferente: Tudo tem início, meio e fim
Discurso "bolsonazi" no #ProgramaDiferente
#ProgramaDiferente sem censura nem preconceito
Os riscos à democracia no Brasil de Bolsonaro
A retrospectiva de 2018 no #ProgramaDiferente
Bruno Boghossian: Governo ignora a própria promessa ao dar cargo a filho de Mourão
Bolsonaro quer denunciar abusos passados, mas precisa se adequar a regras rigorosas
A promoção do filho de Hamilton Mourão para um cargo de confiança no Banco do Brasil uma semana depois da posse é, no mínimo, um erro político. Um governo que faz propaganda de devassas no serviço público, expurgos na máquina estatal e supremacia de critérios técnicos deveria pensar mil vezes antes de assinar qualquer nomeação.
Ao tocar as trombetas da “nova era”, o time de Jair Bolsonaro achou que denunciaria apenas abusos do passado, mas também passou a se submeter a critérios rigorosos.
Até o pai subir a rampa ao lado do presidente, Antônio Hamilton Rossell Mourão era um funcionário concursado da área de agronegócio do banco, com salário de R$ 12 mil. Nos primeiros dias da nova era, ganhou um cargo de assessor especial, com vencimentos de R$ 36,3 mil por mês.
A nomeação foi criticada até por ministros de Bolsonaro. Não é preciso ser opositor do governo para perceber que triplicar o salário do filho do vice-presidente era péssima ideia.
Rossell Mourão tem 18 anos de carreira no banco. O pai diz que a promoção se deu por mérito e que seu filho havia sido “duramente perseguido” na instituição em governos anteriores por causa do parentesco.
Se achava que a troca da guarda no Palácio do Planalto resolveria o problema, o vice deixou de levar em conta os simbolismos que o próprio Bolsonaro criou. O governo prometeu ser implacável com a cultura de privilégios. Agora, não pode simplesmente dizer que não é bem assim.
O presidente e seus auxiliares emitem um cheque sem fundos ao anunciar compromissos que não conseguem ou não querem cumprir.
O chefe da Casa Civil anunciou uma demissão em massa para “despetizar” a máquina, mas seus colegas acharam a ideia uma baboseira. O governo ainda alardeou metas ambiciosas para os primeiros cem dias, mas não tratou do assunto até agora.
O general Augusto Heleno até se espantou. “Que história é essa? Tem um livrinho aqui, acho que fala qualquer coisa de cem dias... Não tem nada disso”, afirmou o ministro.
Bernardo Mello Franco: O novo governo prometeu secar tetas. Falta ajustar a teoria à prática
O ministro Paulo Guedes prometeu secar as tetas que jorram recursos públicos para apaniguados. Falta ajustar a teoria à prática do novo governo
O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou uma nova era no uso do dinheiro público. “Vamos acabar com falcatrua, com esse tipo de coisa”, disse, na segunda-feira. “O povo brasileiro cansou de assistir a esse desvirtuamento das funções públicas”, prosseguiu.
No mesmo dia, o economista afirmou que o Estado brasileiro foi “ocupado”. “Cada grupo de interesse pegou um pedaço, uma teta, sempre perguntando o que podia tirar. Nosso grupo tem outra mentalidade”, garantiu.
A teoria de Guedes está perfeita. O problema é ajustá-la à prática, onde as tetas não pararam de jorrar por obra de discursos ou tuítes.
Ontem a revista Época revelou que Antonio Hamilton Rossell Mourão foi promovido a assessor especial do novo presidente do BB. Seu salário vai triplicar de R$ 12 mil para R$ 36 mil. Ele ainda terá direito a um bônus polpudo quando deixar o emprego no banco.
Como o nome indica, o funcionário é filho do vice-presidente Hamilton Mourão. Ganhou o upgrade dias depois de o pai se mudar para o Jaburu. O vice disse que o herdeiro “foi favorecido por suas qualidades”. Pode ser, mas a imagem passada pela nomeação é de outro tipo de favorecimento.
O ministro Onyx Lorenzoni é outro campeão de discursos a favor da meritocracia. Na semana passada, ele anunciou a exoneração de 320 servidores da Casa Civil. Batizou a medida de “despetização” da máquina, embora o PT tenha deixado o poder há quase três anos.
Na prática, o resultado foi a paralisia de órgãos como a Comissão de Ética da Presidência. Enquanto o ministro promovia sua caça às bruxas, o Diário Oficial registrava outro tipo de aparelhamento: a nomeação de blogueiros de direita para o Planalto e o Ministério da Educação.
Onyx já admitiu ter recebido dinheiro de caixa dois, mas disse que “se resolveu com Deus”. Ontem o jornal “Zero Hora” informou que ele usou 80 notas fiscais da consultoria de um amigo para receber R$ 317 mil em verbas de gabinete. Parte dos recibos foi emitida em sequência, dando a entender que a empresa não tinha outros clientes. O truque é conhecido na Câmara, cujas tetas também são fartas e generosas.
Elio Gaspari: O estilo teatral de Bolsonaro
Muita gente acha que Trump tem um estilo e isso é verdade, mas ele é acima de tudo um mentiroso
Como diria Lula, nunca na história deste país um presidente trombou tantas vezes com seu próprio governo em tão pouco tempo. Não foram trombadas de conceitos, mas de fatos.
Ao contrário do que dissera, Bolsonaro nunca baixou a alíquota do Imposto de Renda nem subiu a do IOF. Como sempre acontece na história deste país tentou-se remendar o efeito das trombadas com juras de fé e coesão.
Em tese, o presidente vale-se de sua capacidade de comunicação, comprovada na construção de uma candidatura vitoriosa. Na vida real, campanha é uma coisa, governo é outra.
Novamente em tese, ele faz o que fez Donald Trump, dirigindo-se diretamente ao povo que gosta de ouvi-lo. Novamente na vida real, o estilo de Trump é irrelevante porque ele é acima de tudo um mentiroso. Calcula-se que minta cinco vezes por dia.
As curtas mensagens de Trump podem inspirar Bolsonaro, mas o meio não é a mensagem. Jânio Quadros comunicava-se por bilhetinhos que hoje enfeitam o folclore de sua Presidência, Ninguém ri dos adesivos de Winston Churchill ordenando “Ação, hoje”. Isso porque as coisas aconteciam.
As trombadas de Bolsonaro parecem-se mais com o “campo de distorção da realidade” do genial Steve Jobs. Misturando carisma e segurança, ele se julgava capaz de convencer as pessoas de qualquer coisa.
Bolsonaro pode ter convencido muita gente de que o Brasil precisa se livrar do socialismo, mas quem acreditou na necessidade de colocar o Ministério do Meio Ambiente dentro da Agricultura enganou-se.
O “campo de distorção da realidade” pode funcionar na iniciativa privada, pois diante de um conflito o gênio prevalece ou vai embora.
Foi isso que aconteceu com Jobs em 1985, quando ele deixou a empresa que fundou. (Ele voltou à Apple em 1997, para um desfecho glorioso.) No exercício de uma Presidência, o negócio é outro. Trump ficou em minoria na Câmara e corroeu boa parte do prestígio internacional de seu país.
O governo de Bolsonaro tem três campos de distorção da realidade. Um está na segurança. A ação do crime organizado no Ceará mostrou que não existe pomada para tratar dessa ferida.
Outro fica no mundo dos costumes e tem funcionado como um grande diversionismo. O terceiro, aquele que parecia demarcado com a delegação de poderes ao posto Ipiranga, foi onde se deram as trombadas.
Isso porque os ministros Sergio Moro e Ricardo Vélez podem dizer o que quiserem. No mundo da economia a sensibilidade é imediata e por isso a primeira trombada teve que ser logo remendada.
A eficácia da teatralidade de Bolsonaro mostrou seu limite em menos de um mês. Isso aconteceu antes mesmo que o Congresso reabrisse seus trabalhos.
Dois presidentes deram carta branca a seus ministros da Fazenda. Num caso, com grande sucesso, Itamar Franco sagrou Fernando Henrique Cardoso.
No outro, com retumbante fracasso, o general João Figueiredo manteve Mário Henrique Simonsen no governo. Com o tempo viu-se que Itamar acreditou no que fez, enquanto Simonsen preferiu ser enganado. Não se sabe o que está escrito na carta branca de Paulo Guedes, mas essas cartas nada têm de brancas.
O simples murmúrio de que o secretário da Receita, Marcos Cintra, está na frigideira é um mau sinal. Ele deveria ter pensado duas vezes antes de botar a cara na vitrine desmentindo o presidente, mas o doutor estava certo, e Bolsonaro, errado.
Era uma questão factual, o decreto do IOF não havia sido assinado. Como ensinou o senador americano Daniel Moynihan, “todo mundo tem direito à sua própria opinião, mas não aos seus próprios fatos”.
Eliane Cantanhêde: Soberania e autoestima
Será que Bolsonaro confundiu o centro de Alcântara (MA) com base militar? Tomara!
Os primeiros quatro dias foram suficientes para apontar a principal fonte de problemas na “nova era”: Jair Messias Bolsonaro, que não só surpreendeu como chocou militares, diplomatas e políticos ao lançar a ideia de uma base militar americana em território brasileiro no futuro. Um prato feito para a oposição.
Bolsonaro podia falar o que quisesse na campanha, mas precisa aprender que não pode mais como presidente. Qualquer palavra e vírgula fora do lugar podem dar confusão. Aliás, já deram, quando ele jogou ao vento não só uma, mas três ideias que ou estão só na sua cachola ou não foram adequadamente discutidas com quem de direito nem estão prontas para virar decisão de governo. Acabou desautorizado em público por auxiliares e criticado intramuros até pelos sempre disciplinados militares.
Dentre as três ideias, a mais explosiva foi a de oferecer de mão beijada para o governo Donald Trump a instalação de uma base militar dos EUA em solo brasileiro. Como assim?
Essa questão, delicadíssima, envolve soberania, defesa, segurança e amor próprio nacional, além de relações internacionais, particularmente regionais. Até por isso, militares ficaram de cabelo em pé, diplomatas demoraram a acreditar no que ouviam e não falta quem lembre que é expor o Brasil e, por extensão, toda a América do Sul, como alvo de confrontos entre os EUA e China ou Rússia, por exemplo.
Na hipótese (remotíssima, claro) de uma guerra entre eles, chineses e russos estariam tentados a jogar uma bomba na base? Ou seja, no Brasil e na América do Sul? Em tese, poderia ser.
De tão esdrúxula, a proposta foi recebida por diplomatas e militares como um “equívoco” do presidente, que teria confundido o Centro de Lançamento de Alcântara (MA) com uma base militar. O que está em estudo é um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (TSA em inglês) para permitir o uso comercial de Alcântara em lançamento de satélites, aliás, não apenas pelos EUA, mas também por outros parceiros. Base militar é outra coisa, totalmente diferente. É abrir mão do controle de uma parte do território para um outro país, no caso os EUA.
Quando a Venezuela ameaçou sediar uma base russa, em 2009, gerou uma gritaria estridente não só do Brasil, mas de toda a região. Se condena uma base russa na Venezuela, ou uma americana no Equador, por que permitir que o Brasil hospede uma dos EUA?
O único registro de base militar estrangeira no Brasil foi na Segunda Guerra, quando Getúlio Vargas autorizou, em 1942, que os americanos usassem o geograficamente estratégico Rio Grande do Norte para reabastecimento de aeronaves e decolagem rumo à África. Outros tempos...
Hoje, ceder território para uma base militar estrangeira é de uma subserviência constrangedora, que os militares e os diplomatas não podem aceitar em nenhuma hipótese. Aliás, nem eles nem o Congresso Nacional a quem, pelo artigo 49, inciso II da Constituição, cabe aprovar qualquer tipo de base temporária em solo nacional. Nessa, Jair Bolsonaro não apenas deu palanque para o ex-chanceler Celso Amorim – inimigo número 1 da “nova diplomacia” –, como pode unir oposição, situação, esquerda e direita. Contra o governo.
O secretário da Receita, Marcos Cintra, e depois o ministro Onyx Lorenzoni vieram a público desmentir, ops!, tentar explicar as declarações de Bolsonaro sobre IR, IOF e idade mínima de aposentadoria.
Já o chanceler Ernesto Araujo não se fez de rogado e, em Lima, não excluiu a possibilidade de uma base americana, “dentro de uma agenda mais ampla com os EUA”, e foi além. Na sua opinião, “não haveria problema numa base”. Isso é que é alinhamento automático! Com os Estados Unidos e com os erros do chefe.