Bolsonaro

Foto: Beto Barata\PR

Para onde queremos ir?

Além de zelar pela democracia, é preciso fazer com que ela funcione melhor

Armínio Fraga
Foto: Beto Barata\PR

Neném Prancha foi um olheiro e treinador de futebol no Rio de Janeiro, famoso por suas frases: “pênalti é uma coisa tão importante que quem devia bater é o presidente do clube”; “quem pede, tem preferência; quem se desloca, recebe”; “o importante é o principal; o resto é secundário”.

Yogi Berra foi o seu equivalente norte-americano, do mundo do baseball. Falando sobre um restaurante em Nova York, disse: “ninguém mais vai lá, está sempre muito cheio”. Minha favorita é: “se você não sabe para onde vai, em geral não chega lá”.

Essa última lição tem tudo a ver com o momento de grande incerteza e ansiedade que vivemos no Brasil. O quadro geral não é bom. Cenários os mais variados se descortinam, muitos a evitar. Faz falta uma visão de longo prazo que sirva de bússola para cada passo do caminho.

Que visão? No topo da lista, preservar a democracia, hoje ameaçada. Me refiro sobretudo à preservação do Estado de Direito, o Império da Lei. Alguns ainda preferem tapar o sol com a peneira. Ignoram que estamos vivendo um momento de estresse nessa área. Manifestações públicas do Executivo contra o Congresso.

Acusações não comprovadas de fraude em eleições. Ameaças de cancelamento de eleições ou de não aceitação do resultado. Tensões crescentes entre Executivo e Judiciário. Participação de militares da ativa no governo. Fake news para todo lado. São sinais assustadores, especialmente quando se leva em conta que em nossos tempos é exatamente assim que as democracias morrem.

Além de zelar pela democracia, é preciso fazer com que ela funcione melhor. A despeito dos inegáveis avanços ocorridos desde 1985, há bastante espaço para acelerar o ritmo de desenvolvimento do país.

Temos tido dificuldade em avançar. Deixo de lado hoje os detalhes ligados ao necessário aumento da produtividade da economia para focar na importância de uma estratégia responsável e sustentável. Penso na noção de responsabilidade de forma ampla: social, ambiental e fiscal.

Responsabilidade social significa compartilhamento dos frutos e dos riscos do crescimento. Não há desenvolvimento digno do nome sem sucesso nessa área. Vou além: na ausência de políticas inclusivas, não há desenvolvimento possível, posto que a desigualdade compromete a democracia e oferece campo fértil ao populismo e à demagogia.

O Brasil segue imensamente desigual, não apenas sob a ótica da renda, mas também pela reduzida mobilidade social. Temos um longo caminho a percorrer para chegar perto de qualquer noção decente de igualdade de oportunidades. Sem me alongar muito, menciono apenas que nos faltam educação e saúde públicas de qualidade. Temos que reduzir a informalidade (e precariedade) do trabalho e repensar a rede de proteção social. Aspectos regressivos do regime tributário também requerem correção. Uma boa reforma do Estado me parece imprescindível.

No campo ambiental, nos defrontamos com uma questão existencial. O planeta não aguenta o tratamento que vem recebendo da humanidade. Crescimento sem responsabilidade ambiental é uma ilusão. A conta está chegando. Só não vê quem não presta atenção (ou é negacionista).

O Brasil é relevante nessa área. O governo precisa urgentemente dar um cavalo de pau em sua atuação. Somos infelizmente vistos como predadores do planeta, quando deveríamos ser seus defensores. Além do mais, os benefícios de uma mudança de rumo vão além da contribuição para o combate ao aquecimento global: incluiriam melhorias na qualidade de vida da população, tais como águas e ar limpos e saneamento adequado. Temos tudo para ser um paraíso verde, o que elevaria em muito a nossa autoestima.

No campo fiscal, a questão vai muito além da estabilidade macroeconômica que tanta falta nos faz. Uma estratégia de desenvolvimento requer a definição de prioridades para o gasto público. Trata-se de uma questão política e econômica de primeira ordem de grandeza. Um orçamento confuso, opaco, curto-prazista e cronicamente desequilibrado não funciona.


Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/arminio-fraga/2021/07/para-onde-queremos-ir.shtml


A democracia morre no fim deste enredo

Míriam Leitão / O Globo
Foto: Marcos Corrêa/PR

O agressor da democracia não vai parar. É como o agressor da mulher que, após perdoado, volta a atacar e muitas vezes o fim é a morte da vítima. Quem me fez esse raciocínio foi uma autoridade da República. Todos os dias a democracia apanha do presidente Jair Bolsonaro. Os generais e os civis que o cercam reforçam suas atitudes ou tentam justificá-lo. Essa violência só vai parar no fim deste governo, mas deixará cicatrizes. Quando as instituições estão funcionando, ninguém precisa dizer em notas e declarações.

— O presidente fala uma coisa e na hora que aperta ele recua, igualzinho ao homem que agride mulher. O agressor recua, garante que a ama, algumas pessoas asseguram que ele vai mudar e a violência cresce. Um dia ele chegará com um revólver e vai matar a mulher. É dessa certeza que surgiu a Lei Maria da Penha — explicou a pessoa com quem eu conversei sobre as crescentes ameaças do presidente e dos generais que o seguem, da reserva ou da ativa, nessa mesma lógica de agredir e negar que agrediu, prenunciando outro ato que seja ainda mais forte.

Nesse último episódio, revelado pelo “Estadão”, o ministro da Defesa, Braga Netto, enviou um recado ao presidente da Câmara, Arthur Lira, com o seguinte teor: “a quem interessar, se não tiver eleição auditável não terá eleição.” Foi dentro de uma escalada de agressões. Tudo se passou entre os dias 7 e 8 de julho. A nota do ministro da Defesa e dos comandantes militares tentando coagir a CPI do Senado foi no dia 7. No dia 8, Bolsonaro afirmou que ou vai ter o voto impresso ou não vai ter eleição, o general Braga Netto mandou o mesmo recado golpista, e o comandante da Força Aérea deu uma entrevista ao GLOBO elevando o tom da ameaça contida na nota, sendo em seguida apoiado pelo comandante da Marinha. O atentado foi combinado. Eram instituições funcionando. Com o objetivo de destruir a democracia.

O roteiro que se seguiu era previsível. Vieram os desmentidos com palavras ambíguas, as afirmações de que a democracia vai bem, e novo ataque do presidente. A nota de Braga Netto repetiu a ingerência em assuntos sobre os quais as Forças Armadas não têm que se pronunciar, ao defender o voto impresso que eles apelidaram de “auditável”. A quem disse que o ministro da Defesa estava invadindo a esfera política, Bolsonaro respondeu. “Quando vejo algumas autoridades tuitarem que isso é uma questão política, que certas pessoas não devem se meter nisso, quero dizer a vocês que isso é uma questão de segurança nacional. Eleições são uma questão de segurança nacional”, disse o presidente fechando aquele dia de debate sobre o recado do general. Isso autoriza as intervenções militares no tema que o presidente elegeu como pretexto. Todo golpe autoritário inventa seu pretexto. Esse é o de Bolsonaro. O de Donald Trump foram as acusações mentirosas de fraude. Ao fim, os trumpistas invadiram o Capitólio.

O agressor da democracia brasileira instalou cúmplices em postos estratégicos. Braga Netto é da reserva, mas a carreira militar é usada para ele sempre falar escudado nas Forças Armadas. Os atuais comandantes assumiram com o mandato de mostrar que os militares defendem o projeto político de Bolsonaro. Foram escolhidos para apoiar o agressor. O general Luiz Eduardo Ramos quando foi para o governo era da ativa e estava no comando do II Exército. Ele fez parte do canal dessa bolsonarização dos militares. O Almirante Flavio Rocha, da SAE, está ainda na ativa. O projeto é deixar sempre a impressão de que as Forças Armadas vão agir para proteger Bolsonaro.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, e seus auxiliares diretos agiram várias vezes de forma contrária ao papel constitucional da PGR. O ministro André Mendonça teve atitudes e defendeu teses que feriam a Constituição. A Polícia Federal colocou seus documentos sob sigilo quando a publicidade tem que ser a regra numa República. Aras foi reconduzido, Mendonça foi indicado para a corte constitucional, um delegado da Polícia Federal é o ministro da Justiça. As agressões à democracia deixam cicatrizes. Algumas delas podem ser permanentes.

A democracia está sendo agredida. O agressor é o presidente da República. Ele tem ajudantes militares e civis. O maior risco é não ver o perigo, porque, como nos casos de violência contra a mulher, o fim pode ser a morte.


Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/democracia-morre-no-fim-deste-enredo.html


Instituições funcionando

Bernardo Mello Franco / O Globo
Foto: Alan Santos/PR

Millôr Fernandes tinha uma boa frase para ilustrar os perigos do otimismo em excesso. Para ele, o otimista era o sujeito que se atirava do décimo andar e, ao passar pelo oitavo, comemorava: “Até aqui, tudo bem!”. A imagem parece descrever os brasileiros que não veem ou fingem não ver as ameaças de golpe contra a democracia.

Há duas semanas, Jair Bolsonaro deu um ultimato: ou o Congresso ressuscita o voto impresso ou “corremos o risco de não ter eleição no ano que vem”. A chantagem foi tratada com condescendência. Em vez de ser processado por crime de responsabilidade, o capitão foi convidado para um cafezinho no Supremo.

Nesta quinta, o jornal O Estado de S. Paulo informou que o ministro da Defesa aderiu ao complô para tumultuar a sucessão presidencial. Braga Netto mandou dizer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que só haverá eleição com as regras impostas pelo governo. Usou o coturno de general para intimidar o poder civil.

Seguiram-se negativas pouco convincentes. O deputado Lira desconversou sobre o assunto. “A despeito do que sai ou não sai na imprensa”, disse, vamos todos à urnas em 2022. O general bolsonarista optou pelo cinismo. Tentou desqualificar a reportagem, mas reforçou, em papel timbrado, a pressão indevida pelo voto impresso.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, limitou sua reação a um tuíte. Disse que conversou com os envolvidos, e os dois “desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições”. O ministro acrescentou que o país tem “instituições funcionando”. Lembrou o otimista de Millôr antes de se esborrachar na calçada.

Desde que assumiu a chefia do Executivo, Bolsonaro submete os outros Poderes a uma rotina de intimidações e chantagens. Até aqui, a tática tem funcionado. O Supremo impede o avanço das investigações sobre o primeiro-filho, acusado de desviar verba de gabinete. A Câmara não toca na pilha de pedidos de impeachment do presidente, recordista de crimes de responsabilidade. Agora a impunidade se estende a Braga Netto, que se comporta como chefe de guarda pretoriana.

O general é reincidente em ameaças golpistas. Há pouco mais de duas semanas, atacou o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz. Queria interromper as investigações sobre corrupção na compra de vacinas, que atingem militares aboletados no Ministério da Saúde. Em nota assinada com os comandantes das três armas, o ministro insinuou uma quartelada contra o Senado. Como o arreganho não foi punido, ele se sentiu à vontade para repetir a dose.

Num país com instituições funcionando, militar não intimida o Congresso e não opina sobre o sistema eleitoral. Na hipótese mais branda, quem age dessa forma é afastado do cargo que ocupa. No Brasil de 2021, general que afronta a Constituição só corre o risco de ser promovido. E os otimistas continuam a repetir que tudo está sob controle — pelo menos até a próxima ameaça de ruptura.


Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/instituicoes-funcionando.html


A política da destruição

Merval Pereira / O Globo
Foto: Isac Nóbrega/PR

Ao admitir que sempre fez parte do Centrão nos seus anos de Congresso, o presidente Bolsonaro desnuda mais uma das  muitas manobras políticas que engabelaram boa parte de seus eleitores em 2018, em busca de um salvador contra a corrupção dos hábitos políticos. Muitos outros votaram nele sabendo exatamente de quem se tratava, mas interesses pessoais de toda sorte levaram a que aderissem a uma candidatura que só poderia dar no que deu, um governo disfuncional e absolutamente sem rumo. Que tem o único objetivo de destruir o que foi construído desde a redemocratização do país, transformando-o em uma arena  regressiva guiada pela incitação ao ódio.

Acontece que Bolsonaro não tem outra escolha, a não ser se entregar ao Centrão, e a partir daí, corre o risco de perder boa parte do eleitorado. Ele joga com a possibilidade de que o candidato adversário seja o ex-presidente Lula, que não será o escolhido pelo eleitor arrependido ou decepcionado, e nesse ponto tem razão. Vejo aí um caminho aberto para a terceira via, um candidato que não seja do Centrão, nem um governante que desista de combater a corrupção por causa dos apoios eleitorais e da família.

Bolsonaro pode ganhar apoio no Legislativo, mas não entre os eleitores. É verdade que os políticos do Centrão são profissionais, sabem espalhar prefeitos e vereadores pelo país, fazem uma política eficiente de clientelismo à qual Bolsonaro vai aderir, aumentando a abrangência do Bolsa Família, por exemplo. Temos que ver como o eleitorado irá se comportar diante das outras opções. Acossado pela realidade, pode ser que algum dos candidatos já apresentados, ou um nome que surja no decorrer deste ano, se transforme numa saída de emergência para esse eleitorado que está decepcionado com Bolsonaro, e não quer a volta de Lula.
O fato é que o governo Bolsonaro vem se mostrando tão profundamente regressivo, tem feito com que o país retroceda tanto em termos civilizacionais, que se mostrou mais danoso do que qualquer outra experiência na democracia brasileira. Nascido da democracia, o bolsonarismo representa a destruição da própria democracia, e a aula inaugural do Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR), com um ensaio sobre a destruição na era bolsonarista, pelo cientista político Renato Lessa, se debruçou sobre esse fenômeno.

No campo da língua, ele cunha o conceito “palavra podre” para definir a linguagem como espaço de intervenção política. O indizível da véspera “passa a ser a dicção regular e quase obrigatória”. Exemplo execrável dessa intervenção destruidora na língua é a definição de uma bolsonarista nas redes sociais: “Nós não conhecemos limites”. Não é uma frase ofensiva, mas destrói uma premissa fundamental que nos conecta na sociedade. A palavra podre, define Lessa, infecta o espaço semântico, e a República passa a usar essa linguagem. A palavra, lembra Lessa, é premissa do ato.

Daí a destruição dos espaços culturais, do arcabouço da educação brasileira. Segundo Hobbes, citado por Renato Lessa, o reconhecimento da centralidade da vida é a justificativa para a existência do Estado, a vida passa a ser uma figura de direito público. “Mortes violentas e precoces são evitáveis”. O que o leva a falar da performance do governo Bolsonaro no combate à pandemia da COVID-19.

A ideia de que o indivíduo tem o direito de não usar máscara, de contaminar os outros, de se contaminar, é uma ressignificação da ideia de liberdade, denotando a impossibilidade de ver a liberdade como um direito público. “Análogo ao direito de desmatar, de expulsar as populações originárias, de tratar homossexuais, mulheres e negros da maneira “como sempre foram tratados”, naturalmente. Seria a “expressão da alma brasileira expontânea”. A mesma lógica, segundo Renato Lessa, se aplica sobre o direito de território, a possibilidade de lidar com a terra fora do direito público, o desmonte dos regramentos legais existentes. Por último, Renato Lessa destaca como um aspecto grave a desfiguração da democracia na desconstituição dos direitos básicos ao trabalho, à educação e à cultura.


Fonte:

O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/


Protestos resgatam bandeira e camisa da seleção, símbolos bolsonaristas

Em SP, no sábado (24), integrantes do grupo chamado Bloco Democrático foram orientados a usar o verde-amarelo com o intuito de ofuscar a prevalência vermelha, cor ligada à esquerda

Roberto de Oliveira, da Folha de S. Paulo

Antes predominantemente vermelha, a quarta rodada de manifestações contra o governo de Jair Bolsonaro ganhou novas cores na tarde de sábado (24), na avenida Paulista. Faixas, bandeiras do Brasil e camisas da seleção, espécie de uniforme bolsonarista, foram resgatadas pelos participantes.

Com duas faixas verdes nas laterais e uma amarela no centro, uma bandeira ocupava meio quarteirão da avenida, via que vem concentrando os atos pró-impeachment.


PROTESTOS CONTRA BOLSONARO EM BRASÍLIA


Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
Protestos contra Bolsonaro em Brasília (24/07/2021). Foto: Ricardo Stuckert
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Ela foi estendida logo atrás de um caminhão, estacionado em frente ao Shopping Center 3, que reuniu integrantes de um grupo que se apresenta como Bloco Democrático.

Participam desse grupo representantes de partidos como PSDB, PC do B, Cidadania, PSB, PDT, Rede e Solidariedade, além de organizações estudantis e sindicais assim como movimentos liderados pelo Acredito e pelo Agora!.

Estiveram por lá o deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP) e Bruna Brelaz, primeira presidente negra eleita da UNE (União Nacional dos Estudantes), entre outros.

Vice-presidente municipal do PSB, Helvio Moisés, 66, explica que o uso do verde-amarelo foi uma estratégia para contrapor à predominância vermelha nas manifestações.

“Quem subtraiu a bandeira para si foi a direita durante as manifestações pró-impeachment da ex-presidente Dilma [que ocorreram em 2016]. Nós precisamos retomá-la já.”

Vestindo a camisa da seleção, Rodrigo Marques, 40, do diretório municipal do PSDB, afirmou que a camisa é do povo brasileiro. “Nem a bandeira nem a camisa da seleção pertencem ao bolsonarismo. Essa manifestação é prova disso. Todos aqui somos contra Bolsonaro, em defesa da vacinação e da vida”, disse ele.

Tanto manifestantes ligados a partidos de centro quanto de esquerda ostentavam a bandeira brasileira. Vale registrar, todavia, que a presença da camisa da seleção era mais vista entre integrantes do centro no chamado Bloco Democrático.

“A pauta é a mesma”, disse o analista de sistemas Adriano da Silva, 35. “Não importa a bandeira partidária, mas, sim, a do Brasil”, afirmou.


PROTESTO CONTRA BOLSONARO NA AVENIDA PAULISTA (SÃO PAULO)


Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
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Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Alexandre Linares/Fotos Públicas
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
Protestos contra Bolsonaro na Avenida Paulista, em São Paulo (24/07/2021). Foto: Roberto Parizotti
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Filiado ao PT, Silva disse que era a primeira vez que participava de um ato em defesa do impeachment de Bolsonaro. Ele acompanhou o caminhão do Bloco Democrático. “Mesmo porque com ele tem muitos partidos de esquerda.”

Com a bandeira brasileira nas costas, Ana Maria Rodrigues, 74, diretora da CMB (Confederação das Mulheres do Brasil), apostou no uso da peça com o propósito de agregar “uma ampla frente para derrotar Bolsonaro”.

“O uso da bandeira é um resgate dos símbolos nacionais. Precisamos dialogar com todos os setores da sociedade. A bandeira e a camisa podem somar. A luta é uma só: derrubar Bolsonoro e salvar a democracia.”

De camiseta, máscara e bandeira vermelha do CMP (Central de Movimentos Populares), Genilce Gomes, 50, ainda encontrou espaço para encaixar a bandeira brasileira no topo do mastro que carregava.

“A bandeira, a camisa da seleção e o hino são símbolos nacionais que foram sequestrados pela direita radical”, disse.

Simpatizante do PT, Genilce falou que é hora de recuperar esses símbolos, “sequestrados pelo bolsonarismo”, por meio de um gesto democrático “contra a barbárie”.

Mesmo se dizendo “vermelha de corpo e alma”, ela defende a presença da bandeira brasileira em manifestações contra o governo Bolsonaro para “fortalecer outras colorações”.

“Nossa bandeira representa a população. Sua exibição em atos democráticos tem como principal intuito resgatar o país como uma só nação.”

Para Claudia Rodrigues, 49, presidente da UBM (União Brasileira de Mulheres), movimento, segundo ela, apartidário, emancipacionista e não sexista, a esquerda teve papel muito importante nas primeiras manifestações —e segue tendo.

Mas os protestos precisam conquistar “a mente e o coração dos trabalhadores”. Na visão dela, o uso do verde-amarelo pode fortalecer o que ela chama de “alianças táticas.”


FONTE:

Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/07/ato-contra-o-presidente-resgata-bandeira-brasileira-e-camisa-da-selecao-simbolos-bolsonaristas.shtml


Desmatamento no Xingu põe em risco ‘escudo verde’ contra a desertificação da Amazônia

Monitoramento da Rede Xingu+ mostra que, entre 2018 e 2020, 513,5 mil hectares foram desmatados na bacia do Xingu, o equivalente a seis vezes a cidade de Nova York (EUA). Um dos epicentros foi faixa de floresta que mantém a umidade do bioma

Instituto Socioambiental (ISA)
Foto: Divulgação/Twetter

Os resultados de três anos de monitoramento do Sirad X, o sistema de detecção de desmatamento da Rede Xingu +, revelam uma intensificação dos conflitos e disputas por terras e recursos naturais nas Áreas Protegidas do Xingu. Desmatamento, mineração ilegal, incêndios, grilagem e impactos de grandes obras de infraestrutura ameaçam o Xingu e seus povos. [Acesse o especial "Xingu sob Bolsonaro"]

Nos últimos três anos, o desmatamento dentro de Áreas Protegidas variou de 30%, em 2018, para 34%, em 2020. Esse processo revela o deslocamento do desmatamento para dentro dos territórios indígenas e de populações tradicionais, tendência que ficou evidente em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando houve uma alta de 38% do desmatamento dentro de Terras Indígenas e de 50% dentro de Unidades de Conservação na bacia.

Entre 2018 e 2020, período que coincide com a eleição e primeira metade do mandato do presidente Jair Bolsonaro, 513,5 mil hectares foram desmatados na bacia do Xingu. A área equivale a 6 vezes a de Nova York (EUA). Atualmente, 149 árvores são derrubadas a cada minuto.

Ao invés de executar medidas de proteção do Xingu, o governo promove um cenário de total impunidade por meio de discursos favoráveis à redução inconstitucional de Terras Indígenas e a legalização de atividades destrutivas, como o garimpo, além de enfraquecer ações de fiscalização.

Quebra da conectividade do Corredor Xingu coloca Amazônia em risco
Grupos de grileiros avançam sobre Áreas Protegidas na região do Iriri, entre os municípios de Novo Progresso e São Félix do Xingu, no estado do Pará. O desmatamento ameaça cortar a faixa de floresta ao meio, acabando com a conectividade desse grande maciço florestal.

E longe de ser um fato isolado, isso pode empobrecer a floresta, afetando milhares de espécies que dependem de sua conexão, fragilizando ainda mais sua capacidade de resistir às mudanças ao seu redor.

Estima-se que 17% da cobertura original da Amazônia já tenha sido desmatada, aproximando a floresta do “ponto de não retorno”. Isto é, o momento em que a degradação alcançará um limite após o qual a floresta não conseguirá mais existir como a conhecemos hoje, dando espaço para uma vegetação mais seca e vulnerável, sem capacidade para continuar exercendo sua função de provedora de chuva, essencial para toda a América do Sul. A destruição do Corredor Xingu pode acelerar esse processo, sua proteção, portanto, é fundamental para a garantia da floresta, seus povos e do clima no planeta.

Explosão do desmatamento
Entre 2018 e 2020, ao menos 513,5 mil hectares de desmatamento foram detectados na bacia hidrográfica do Xingu.

As taxas refletem a expectativa, naquele ano, da flexibilização das leis ambientais e a precarização das políticas de combate ao desmatamento, assim como a diminuição efetiva da fiscalização.

Nas Terras Indígenas, 66,5 mil ha de desmatamento foram detectados nos três anos de monitoramento. A partir de outubro de 2018, o desmatamento começou a se intensificar em alguns territórios, como nas TIs Cachoeira Seca, Ituna Itatá, Apyterewa e Kayapó. Em 2019, essa tendência se consolidou em outras áreas e houve uma explosão no desmatamento, resultado de invasões, roubo de madeira, mineração ilegal e grilagem de terras.

Em 2020, o desmatamento dentro das Unidades de Conservação e Terras Indígenas diminuiu 6% e 49%, respectivamente, enquanto em seu entorno aumentou 23%. A redução do desmatamento dentro das Áreas Protegidas ocorreu após ações concentradas de fiscalizações do Ibama em Terras Indígenas críticas da bacia, como a TI Cachoeira Seca e TI Ituna Itatá, cujos índices mostraram drástica redução no início de 2020. O cancelamento não justificado das ações de fiscalização no ano passado, no entanto, ameaça reverter essa tendência e o desmatamento pode voltar a crescer.

Dos 3 hectares desmatados em maio de 2020 na Trincheira Bacajá, por exemplo, o desmatamento pulou para 411 hectares em dezembro, um aumento de 12.980%. Nos meses seguintes, entre setembro e dezembro, mais 1.847 ha foram desmatados nessa TI. Já na Apyterewa, o desmatamento aumentou em 393% no mês seguinte à suspensão das operações, e continuou crescendo: entre julho e dezembro foram desmatados 5,8 mil hectares, 1.287% ou quase 14 vezes mais do que o total desmatado entre janeiro e junho.

Corredor de Áreas Protegidas do Xingu: diversidade, água e escudo contra a destruição
A bacia do Rio Xingu compreende uma área de aproximadamente 53 milhões de hectares nos estados do Pará e do Mato Grosso e abrange uma grande diversidade de povos e ecossistemas, de florestas densas e várzeas do bioma Amazônia até áreas de vegetação típicas do Cerrado. A bacia comporta um dos maiores mosaicos contínuos de Terras Indígenas e Unidades de Conservação no planeta: o Corredor de Áreas Protegidas do Xingu.

Com 23 Terras Indígenas e nove Unidades de Conservação, o Corredor é considerado uma das regiões com maior sociobiodiversidade no mundo, abrigando 26 povos indígenas e centenas de comunidades ribeirinhas. Há séculos esses povos tradicionais manejam e protegem suas florestas, que comportam um imenso conjunto de espécies de plantas e animais, algumas ainda desconhecidas pela ciência. Com uma uma área de mais de 26,5 milhões de hectares, o Corredor tem um papel crucial na proteção da Amazônia e do clima.

A região presta serviços ambientais inestimáveis ao planeta, da proteção de rios e nascentes à regulação do clima a nível local, regional e global. Suas vastas florestas representam uma das maiores e mais estáveis reservas de carbono na Amazônia oriental, estocam aproximadamente 16 bilhões de toneladas de CO2.

Estima-se que suas árvores lancem para a atmosfera, por meio da evapotranspiração e da produção de compostos orgânicos voláteis que atuam como núcleos de condensação de chuva, de 880 milhões a 1 bilhão de toneladas de água por dia, um volume similar ao que o rio Xingu despeja no Amazonas no mesmo período.

A água é transportada pelos chamados “rios voadores” para as regiões centro-oeste, sudeste e sul do Brasil, fornecendo a chuva para cidades e campos, essencial para a manutenção da atividade agropecuária.


Fonte:
Instituto Socioambiental (ISA)

https://www.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/desmatamento-no-xingu-avanca-com-governo-bolsonaro-e-poe-em-risco-escudo-verde-contra-a-desertificacao-da-amazonia


Vitórias parciais e novos desafios ao sistema político

Paulo Fábio Dantas Neto / Democracia Política e novo Reformismo
Foto: Marcelo Casal Jr/Agência Brasil

Prossigo, como fiz na semana passada, batendo na tecla de que, ao reverso do que ocorreu em 2018, dessa vez a caravana da política precisa passar. A defesa do sistema político que temos é das mais elementares condições para que se produza um desfecho democrático da crise de múltiplas faces que a política brasileira vem enfrentando há quase uma década e se exorcize os fantasmas de metástase que passaram a ameaçar nossa república, desde que, naquele ano, um autocrata extremado chegou, pelas urnas, à sua presidência.

Essa reflexão é institucional e, também, política. O sistema de governo, o sistema eleitoral e o sistema partidário são partes solidárias de um todo que, bem além de reproduzir um modelo formal de democracia representativa tendente à tolerância e à produção de consensos, pelos freios e contrapesos de poder que o constituem, tem sido, de fato, um ambiente interativo de negociação política refratário às intenções do autocrata de forjar sua autocracia, por meio de uma polarização radical. Nossa ordem política funda-se em boa doutrina e num saldo positivo quanto aos resultados políticos de suas virtudes e mazelas. As primeiras facilitam que, ao lado desse sistema, atue, com razoável autonomia, uma sociedade civil cada vez mais vigilante. Soma-se, então, aos próprios freios e contrapesos formais do sistema, uma opinião pública nada indulgente com as segundas.

Em artigo atual (“Dribles na tirania” – Revista Veja, edição em circulação), a jornalista Dora Kramer apresentou evidências recentes da dinâmica política que produz o saldo positivo. Elas revelam um padrão de conduta, do Congresso e de partidos em geral, em que, ao lado do sempre lembrado “toma-lá-dá-cá”, vigora um geralmente subestimado “chega pra lá”. Desenham-se, assim - lembra Kramer –, a frustração da manobra golpista da exumação do voto impresso para deslegitimar as eleições, bem como contenções legais , tardias e bem vindas, à militarização desmedida do Poder Executivo e da administração pública e ao uso autoritário da LSN, em si mesma entulho autocrático cujos dias parecem estar contados.

Por outro lado, é por esse mesmo Congresso – mais exatamente pela Câmara dos Deputados – que tem encontrado passagem uma boiada reacionária, subversiva de direitos, que emana da agenda do governo. A operação passa graças a espaços pródigos abertos a partidos e parlamentares fisiológicos na composição ministerial, sendo dessa mesma natureza a mudança em curso, nessa composição, cujo sentido é fazer prevalecer, no Senado Federal, a mesma atitude de prevaricação política. Que é do jogo, não se pode negar. Mas não se pode deixar de apontar que, nesses casos, os efeitos são nefastos.

O reconhecimento concomitante das virtudes e das mazelas é indispensável para se avaliar com realismo e a devida ponderação a presente conduta de diferentes facções da elite política no âmbito dos partidos e dos poderes Executivo e Legislativo. Os limites que a política real tem mostrado, no enfrentamento das ameaças à democracia, por omissão ou por ações na contramão da república, precisam ser investigados e iluminados, assim como é necessário considerar como ameaças poderiam ter sucesso se estivesse ausente o muro de contenção que, com seu barro impuro, a política institucional tem erguido à barbárie.  

Essa complexidade exige condução cuidadosa. Daí precisar ser tratada de modo sério e responsável por quem faz e por quem toca a agenda de partidos e de poderes da República. É mesmo uma orientação, digamos, metodológica inescapável da ordem do dia de atores institucionalmente poderosos. Frequentemente a afinação dos instrumentos da orquestra sistêmica soa mal aos ouvidos de uma sociedade que não tem gosto pela partitura da política. Gera-se um contencioso entre estado e sociedade que, se não se contiver em limites razoáveis, por ambas as partes, compromete pacto e consensos que são necessários, entre elas, para defender a república e a democracia dos inimigos comuns.

Veja-se, por exemplo, a questão do fundo financiador da atividade eleitoral dos partidos.   Essa questão é mais complexa e delicada do que parece. A opinião pública reage a todo dispêndio público com partidos e eleições. Mas não podemos esquecer que desde 2018 proibiu-se o financiamento empresarial e por demais pessoas jurídicas, por conta do clima de escândalo reinante sob a operação Lava-Jato. De fato, o financiamento empresarial gerava custos de campanha absurdos e elitizavam a representação. Era preciso conter a farra, parteira de uma promiscuidade entre setor público e empresas privadas. Mas se o STF foi aplaudido quando resolveu dar freio radical naquilo (poderia ter havido fixação de limites, mas sob pressão do clima de faxina, optou-se pela proibição) de algum lugar haverá de sair o dinheiro. Para haver competição democrática não apenas é necessário, mas também desejável, que advenha de recursos públicos. Senão, será candidato com chance real de competir apenas quem tiver recursos próprios para financiar sua campanha, ou – ao se vedar também, ou limitar fortemente, o uso desse tipo de recurso - quem possa dispor de apoiadores individuais abastados, ou quem já tenha mandato e, através dele, acesso privilegiado a meios de comunicação. Seria uma oligarquização ainda maior do que aquela, propiciada pelo financiamento empresarial.   Portanto, é preciso ter como premissa que o fundo público para financiar eleições via partidos não tem nada de espúrio. É legitimo, necessário, democrático, o que se pode e deve discutir é seu montante.

Chega-se aí a outro ponto: é intuitivo e, também, induzido pela experiência da sociedade brasileira em lidar com a ambição e ousadia de interesses corporativos (inclusive, mas não apenas, de agentes estatais e da elite política), que o montante previsto é exagerado. Isso tem de ser avaliado e comprovado com critérios objetivos e comparativos com a eleição de 2018, que foi a mais recente eleição do porte da próxima, que envolverá Presidência da República, Senado, Câmara dos Deputados, governos estaduais e assembleias legislativas. É razoável tomar aquela eleição como parâmetro e fazer naquele valor correções mínimas, tendo em conta o contexto crítico que se atravessa. Mas não é razoável dizer que o fundo é ilegítimo, nem que deva ser depreciado, pois é do financiamento da democracia que se trata. De uma democracia ameaçada, sob fogo cerrado. Se a sociedade não quiser financiar eleições e o setor privado está proibido de fazê-lo legalmente, o dinheiro virá de alguma fonte do submundo. O preço a pagar será maior.

Em resumo: democracia não sai grátis, nem barato. Ela é vital para tudo o mais e o discurso de opor gastos com eleições a, por exemplo, com o auxílio emergencial é de um populismo politicamente esperto, porém, raso e vizinho da demagogia. As duas coisas são essenciais nesse momento. O que falta para o auxílio emergencial e outras políticas sociais inadiáveis precisa ser buscado em rubricas que alimentam posições plutocráticas e não nas que financiam a democracia, desde que estejam razoavelmente dimensionadas.

Enquanto os olhares da sociedade são desfocados para uma cruzada contra o fundo de financiamento das eleições, nova boiada – essa sim, espúria - está prestes a passar no Congresso sem que até mesmo os canais de comunicação estejam lhe dando o merecido destaque. Políticos individuais (negam-se como elite política pela simples razão de que operam para destruí-la) sem outro mister senão a contemplação grosseira e politicamente malsã do auto-interesse, organizam-se para liquidar, de um só golpe, o sistema eleitoral e o sistema partidário, através de o chamado “distritão”, pelo qual se consagra o candidato de si mesmo, mandando às favas o sentido institucional da política.

Os pormenores desse projeto e seus previsíveis efeitos requerem nova coluna.  Mas o mais evidente deles será imediato (os de longo prazo ainda são incomensuráveis) Anulará, na prática, os efeitos do fim das coligações partidárias em eleições proporcionais (para deputados e vereadores), a melhor medida de reforma política que o Congresso anterior aprovou, em 2017. Em vez de fortalecer os partidos e dar consistência maior ao sistema partidário – possibilidades que não são quimeras, como mostraram os resultados eleitorais de 2020, já sob efeito da reforma anterior - a destruição institucional de agora, autonomeada de reforma, pode converter os partidos em entidades fantasma e revogar qualquer traço de sistema partidário digno desse nome, no Brasil.

A aprovação dessa matéria, tida como provável, dá uma medida das sequelas da eleição de 2018, do retrocesso político que o seu resultado causou, ao alterar de modo radical a composição das Casas legislativas entronizando ali contingentes expressivos de pregadores e praticantes de antipolítica. Convém recordar que o Congresso anterior recebeu as críticas moralistas de sempre, de ter aprovado a reforma de 2017 exclusivamente movido pelo interesse de reeleição dos então parlamentares. Essa obviedade foi guindada à condição de descoberta e assim denunciada, sem se considerar que, naquele momento, auto-interesse e aperfeiçoamento do sistema estavam sendo, simultaneamente, contemplados.

Mas havia uma cobrança de dimensão eleitoralmente relevante por parte de um sentimento público, alimentado por uma direita voluntarista, que clamava por "renovação", eufemismo que traduzia o desejo de exterminar a classe política, suposta responsável pelas mazelas da hora e pelas de sempre. A força desse senso comum de inspiração demagógica cegava a maioria das análises para os fatores institucionais e a isso se somava o ressentimento da esquerda para com o então Congresso, que havia votado o impeachment de Dilma Rousseff.  Então, tome pedras, vindas de todos os lados. Mas, na verdade, aquela reforma preservava e aperfeiçoava o sistema no mérito e no modo incremental que, há anos, vinham sendo cobrados pelas mesmas consciências críticas que seguiam, naquele contexto perigoso, apontando o dedo acusador para o "corporativismo" de uma elite parlamentar que apenas lutava para não ser varrida do mapa, a jatos de demagogia. Aí está agora, para que comparemos com a reforma de 2017, essa mixórdia do distritão, que reforçará, exponencialmente, tudo contra o que se batia a lógica da faxina.  Se passar, será a mais nova cria com digitais e DNA da "nova política" vencedora em 2018.

O sistema político brasileiro - em sua ambiguidade tradutora da ambiguidade da própria política que processa - tem diante de si duas possibilidades de afirmação permitidas pela pauta atual do Congresso. A de revisar, sem capitular, os termos em que está posto o fundo eleitoral e a de se recusar a cometer, com o distritão, um haraquiri político num instante em que a democracia da Carta de 88 precisa que seu hardware político sobreviva íntegro a essa crise, para retomar, com reformulações incrementais típicas de democracia em modo gerúndio, a trajetória ascendente e socialmente inclusiva de suas duas primeiras décadas.

*Cientista político e professor da UFBa.


Fonte:
Democracia Política e novo Reformismo

https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/07/paulo-fabio-dantas-neto-vitorias.html


Golpe? Que golpe?

Demorou, mas finalmente as instituições se mexeram e foi criada a CPI da Covid

Vai ter golpe? Não. Já teve. Não sei se você lembra, mas foi em 2016, contra Dilma Rousseff. Como o espaço é curto, eu vou resumir. Teve o tuíte golpista do general Villas Bôas ao Supremo, Lula foi preso, não pôde participar da eleição e Bolsonaro foi eleito, enquanto as instituições, claro, funcionavam normalmente. Sim, teve o Moro, hoje, sabe-se, um juiz suspeito.

Tudo ia muito bem para essa gente. Mas, no meio do caminho tinha uma pandemia. Demorou, demorou, mas, ufa, finalmente, as instituições se mexeram e foi criada a CPI da Covid. Eis que os senadores descobrem fortes indícios de corrupção na negociação para comprar vacinas! As suspeitas envolvem coronéis e o general da ativa que foi ministro --e também encostam em Bolsonaro.

Ele despenca nas pesquisas. O que faz, então, o presidente enfraquecido? O arauto do caos intensificou a pregação golpista contra a urna eletrônica e as eleições, contando, agora, com o reforço escancarado do ministro da Defesa, Braga Netto, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo. A ameaça do general foi direcionada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o mesmo que com seus poderes hipertrofiados se recusa a analisar os pedidos de impeachment contra o presidente.

Ocorre que Bolsonaro foi buscar apoio justamente no centrão de Lira. Na rapina do dinheiro público, a turma de Lira faz assim: escalpela, dilacera as vísceras e termina o repasto triturando os ossos até o tutano. O híbrido de governo miliciano, centrão, liberais defensores do Estado esquelético e militares saudosos da ditadura ainda vai produzir muitos sobressaltos.

Mas o Brasil que irá às urnas em 2022 é muito diferente daquele que votou com ódio em 2018. E tudo o que os generais herdeiros de Ustra conseguirão com seus arreganhos é se parecer cada vez mais com um bando de "maria fofoca", metidos num disse me disse de golpe. Generais, vistam o pijama e devolvam-nos o país que vocês destruíram. Não estão satisfeitos com 550 mil mortos?


Está só começando o assalto do Centrão ao governo Bolsonaro

Para pelo menos completar o mandato, o presidente entrega os anéis, os dedos e o que mais for necessário

Fosse bem o governo, o presidente Jair Bolsonaro não precisaria abrir a porta para a entrada do Centrão, o que ele sempre negou que faria. Como o governo vai mal e o sonho da reeleição cada vez mais distante, restou-lhe dar o dito pelo não dito.

Não foi o Centrão que meteu o pé na porta, foi o presidente que lhe estendeu o tapete vermelho e pediu que entrasse. Nada tem a ver com um lance de ocasião do tipo ceder os anéis e preservar os dedos. Haverá de ceder os dedos e muito mais.

Consentido por Bolsonaro, o assalto do Centrão ao governo está só começando. Uns tantos quintos colunas ali já estavam instalados, mas perdiam de longe para os militares em matéria de influência. Em breve, o placar deste jogo será invertido.

A chefia da Casa Civil não é um cargo qualquer, é o mais importante do governo depois do cargo de presidente. Foi por isso que do México, onde ainda se encontra de férias, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) apressou-se a dizer sim ao convite para ocupá-lo.

Nogueira não é simplesmente um senador, é presidente do seu partido, um dos maiores, e um dos líderes do Centrão. Em 2006, indicou a senadora Ana Amélia para vice de Geraldo Alckmin, candidato do PSDB a presidente contra Dilma Rousseff (PT).

Antes da eleição, abandonou Alckmin, Ana Amélia e apoiou Dilma. Ele e a mãe posaram para fotos com adesivos da campanha de Dilma. Em vídeo gravado em 2017, chamou Bolsonaro de fascista e Lula de o maior presidente da história do país.

Bolsonaro está sendo obrigado a explicar aos seus devotos por que convidou para ser o seu segundo não só um nome do Centrão como justamente o daquele que o tinha como má companhia. E tem respondido que no passado disse coisas que hoje não repetiria.

Seria o caso de perguntar-lhe que coisas foram essas que hoje não mais diria. E de perguntar a Nogueira por que há três anos e meio ele considerava Bolsonaro um fascista. É de supor que não considere mais. Foi Bolsonaro quem mudou ou foi Nogueira?

Os militares sempre serão o maior contingente de quadros do governo Bolsonaro – algo entre 6 mil e 8 mil, da reserva e da ativa, distribuídos por todos os escalões. Mas a entrada de Nogueira os afetará, bem como a Paulo Guedes, ministro da Economia.

Sob o seu comando, Guedes reuniu meia dúzia de antigos ministérios rebaixados à condição de secretarias. Acaba de perder Trabalho e Previdência Social e corre o risco de perder o Planejamento. Por mais que negue, está em declínio.

Em time que vence não se mexe. Bolsonaro conformou-se em mexer no seu para não perder a última e decisiva batalha, a de completar o mandato.

PP de Nogueira, chefe da Casa Civil, recusa o passe de Bolsonaro

Além de ser um fardo pesado, o presidente atrapalharia alianças do partido nos Estados

O convite para que Ciro Nogueira (PI) ocupe a chefia da Casa Civil do governo está sendo celebrado por deputados federais e senadores do Progressistas (PP), mas a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro se filie ao partido, não.

“Tentei e estou tentando um partido que eu possa chamar de meu e possa, realmente, se for disputar a Presidência, ter o domínio do partido. Está difícil, quase impossível”, disse, ontem, Bolsonaro em uma entrevista à rádio Grande FM, de Mato Grosso do Sul.

Por ora, a resposta do PP ao presidente é: “Aproxime-se para lá, me inclua fora dessa”. Foi a mesma resposta que lhe deram o Patriotas e outras siglas. Há mais desvantagens do que vantagens em abrigar Bolsonaro e toda a sua trupe, onde se incluem os filhos.

Vão querer mandar no partido onde entrarem, e todos os partidos já têm donos. A empreitada de Bolsonaro para criar um partido só dele fracassou. Ele ficou sem nenhum e não sabe qual será o seu destino a 14 meses das eleições do ano que vem.

Além de donos, os partidos ambicionados por Bolsonaro preferem não ter candidato próprio a presidente da República para se dedicarem à eleição de deputados e senadores, e isso passa por alianças diversas nos Estados, à direita e à esquerda.

O PT governa a Bahia junto com o PP. Bolsonaro admitiria que, ali, o PP apoiasse Lula ao invés dele? De Nogueira, tão logo assuma a Casa Civil, seus liderados esperam que os ajude a se reeleger, e não o contrário; e que os deixe sem amarras para isso.


Esquerda auxilia Bolsonaro sempre que apoia ditaduras

Militantes de esquerda ficam muito irritados quando seus políticos são questionados por jornalistas sobre Cuba ou Venezuela. Acreditam que esse tipo de pergunta é capciosa, uma espécie de espantalho que busca amedrontar o eleitorado e desviar a atenção dos temas substantivos de políticas públicas.

O antigo mal-estar foi reavivado agora quando diversos políticos de esquerda, entre eles o ex-presidente Lula, deram declarações apoiando a ditadura cubana, que enfrenta uma onda de protestos.

A esquerda não gosta de ser comparada a Bolsonaro em sua falta de compromisso com a democracia. Em parte tem razão: nos 13 anos de governos petistas não houve nenhum movimento relevante de esmorecimento da ordem democrática. Apesar de declarações criticando a imprensa ou ataques a movimentos de protesto, não houve nenhuma ação dos governos de esquerda que minimamente se aproximasse das rotineiras ameaças de Bolsonaro à integridade das eleições, à independência dos Poderes ou à liberdade de imprensa.

Por isso mesmo, é bastante surpreendente a incapacidade das maiores lideranças de esquerda de marcar distância dos regimes autoritários em Cuba ou na Venezuela. Essa recusa em condenar ditaduras alimenta o medo de setores da direita, e mesmo do centro, que pode empurrá-los outra vez para Bolsonaro na busca do mal menor.

A esquerda precisa escapar da lógica binária segundo a qual o injusto e excessivo embargo americano contra Cuba autoriza ações repressivas como a que vimos na semana passada, com a prisão em massa de dissidentes e a suspensão da internet. A ditadura de um só partido, a limitação da liberdade sindical e a restrição da liberdade de imprensa não podem ser defendidas como o preço a pagar pelas boas políticas de saúde e educação cubanas.

O mesmo vale para a Venezuela. A perseguição à oposição e o cerceamento à liberdade de imprensa, de um lado; e, de outro, a falta de independência entre os Poderes, com o estrito controle do Executivo sobre a Corte constitucional e o redesenho de distritos eleitorais para manter o controle do Legislativo, não pode ser defendida porque a oposição tentou dar golpes de Estado ou porque o governo americano ameaça intervir no país.

No caso da Venezuela, para além das questões democráticas, é preciso uma reflexão profunda sobre os graves equívocos da política econômica, que levaram o país a uma inflação anual de 3.000% e a uma queda no PIB de 30% em 2020 —esse desastre todo não se explica apenas pelas sanções americanas e por um suposto locaute do empresariado.

A esquerda, se quer se apresentar como contraponto ao autoritarismo de Bolsonaro, precisa melhorar muito suas credenciais democráticas. Não pode tomar posições que sugiram que, se a oportunidade surgir, poderá sacrificar a democracia na busca pela justiça social. Sempre que a oportunidade surgir, é mais do que pertinente que o jornalista pergunte ao candidato da esquerda: “E a Venezuela?”.


O cheiro do golpista

Braga Netto tem sotaque de golpista, cacoete de golpista e é amigo e subordinado do golpista-mor da República. Só por um milagre ele próprio não seria um golpista potencial

Pode não ser verdade, mas é bem provável que seja. O episódio golpista que envolveu o general Braga Netto, ministro da Defesa, tem traços genuínos e cheiro de verdade. Só o “Estadão”, que publicou a matéria em que conta a ameaça às eleições feita pelo general, pode garantir a veracidade da informação. E o jornal não só garantiu como reafirmou sua convicção na correção da matéria. Todos os demais podem afirmar que ela é bem provável, ou muito provável, ou mais do que provável. O general tem sotaque de golpista, cacoete de golpista e é amigo e subordinado do golpista-mor da República. Só por um milagre ele próprio não seria um golpista potencial.

Braga Netto é também subserviente ao presidente de maneira absoluta. Parece um cão de guarda, com a diferença que o militar age por vezes por imitação. O cachorro só se manifesta se ordenado pelo dono. A ameaça do general teria ocorrido depois de inúmeras declarações de Bolsonaro no mesmo sentido. No dia 8 deste mês, o presidente reafirmou que poderia não haver eleição se ela não fosse auditável (que na linguagem golpista significa voto impresso). Bolsonaro falou no cercadinho do Alvorada ao grupo de cegos apoiadores que aplaudem e riem de todas as suas tolices. No mesmo dia, Braga teria mandado alguém avisar o presidente da Câmara que se a eleição não for com voto impresso e auditável não haverá eleição em 2022. Alguma dúvida?

Um acinte. Um abuso. Uma violência típica de generaleco de republiqueta. Pode não ter ocorrido, mas Braga já deu outras demonstrações de seu afeto ao golpismo. Na posse do comandante do Exército, no dia seguinte à sua própria posse na Defesa, o general disse que as Forças Armadas estariam prontas para garantir a manutenção do projeto escolhido nas urnas pelos brasileiros. Seria o mesmo se dissesse que os militares não aceitariam um revés que ameaçasse o mandato de Bolsonaro, o presidente que cometeu mais de 30 crimes de responsabilidade pelos quais poderia ser legalmente afastado. Sob qualquer ângulo que se veja, aquela declaração só poderia ser feita por um general golpista, querendo entrar com o seu coturno pesado num jogo para o qual não foi convidado.

Mais adiante, há duas semanas, publicou nota intimidando o presidente da CPI da Covid. Omar Aziz, para quem não se lembra, disse que a banda podre das Forças Armadas envergonham os bons militares. A nota, assinada por Braga e pelos comandantes militares, afirmou que Exército, Marinha e Aeronáutica “não vão aceitar ataques levianos”. Parecia querer dizer que militar ladrão não incomoda militar honesto, poderia ter acrescentado “somos todos companheiros de farda”. Francamente. Braga Netto terá que se entender ele mesmo com a CPI, afinal era chefe da Casa Civil e coordenador do grupo de combate à Covid quando ocorreram todos os equívocos que vêm sendo relatados na comissão. E que resultaram em milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas.

O desmentido do general à reportagem do “Estadão” foi solene, mas não definitivo. Ele deveria ter dito o que disse o vice Hamilton Mourão: “É lógico que vai ter eleição (mesmo sem o voto impresso). Quem é que vai impedir eleição no Brasil? Por favor, gente. Nós não somos uma república de banana”. Não, Braga preferiu manter-se general menor e voltou ao velho lenga-lenga de que as Forças Armadas estão “comprometidas com a estabilidade institucional do país e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro”, embora essas não sejam atribuições conferidas a elas pela Constituição. Até porque, sabe-se lá o que ele entende por liberdade do povo. Em nome dessa liberdade, outros generais já cometeram inúmeras atrocidades registradas pela História.

Azeitar, operar, negociar

O Congresso reagiu com euforia ao anúncio da nomeação do senador Ciro Nogueira para a Casa Civil no lugar de Luiz Eduardo Ramos, outro general que caminha um passo a mais em direção à rua. Deputados e senadores disseram que o habilidoso Ciro vai azeitar a engrenagem que liga Executivo e Legislativo, que ele sabe negociar melhor do que ninguém, e que vai ser um operador do governo no Congresso. Eufemismos, eufemismos, eufemismos. Azeitar, na linguagem parlamentar, é dar cargos para os aliados. Negociar é distribuir verbas públicas em troca de apoio ou, em bom português, fazer negócios. E operar é a arte de oferecer favores e agrados e atender pedidos, tudo com dinheiro do contribuinte, claro.

Loteamento

Bolsonaro dizia na campanha que governaria com 15 ministérios, tomou posse com 21 e na semana que vem serão 23, com a recriação do Ministério do Trabalho para abrigar o irrelevante Onyx Lorenzoni. Se continuar disparando contra o próprio pé com a mesma pontaria de hoje, chegará ao fim do mandato com uns 40, como Dilma. A conta daquele inchaço, segundo cálculo das repórteres Luiza Damé e Catarina Alencastro feito para O GLOBO em maio de 2013, chegou a R$ 58 bilhões.

O engraçado

Paulo Guedes é mesmo muito gozado. Ao anunciar mais um fatiamento em seu latifúndio ministerial, disse: “Vamos criar empregos, inclusive com uma reestruturação nossa… (trata-se de) uma mudança na direção do emprego e da renda”. Fala sério, ministro, os únicos empregos que Onyx vai criar no Ministério do Trabalho serão os dele e os da sua turma.

Rancho Queimado

Nem toda a turma do interior que apoia Bolsonaro sabe distinguir com clareza um político de esquerda de um de direita. Como são conservadores nos costumes, acabam elegendo políticos de direita, conservadores como eles. Muitos não sabem quanto dura um mandato, como funciona o princípio da reeleição, para que servem o Congresso e o Supremo, ou o que significa um golpe militar. Não se trata de burrice, mas de alienação e desinformação. Os eleitores de Rancho Queimado, citado por Luis Carlos Heinze como a meca da cloroquina, querem que seus negócios prosperem, querem manter seus empregos, querem criar seus filhos adequadamente. O que eles mais precisam, mas não sabem, é de educação política. Se entendessem a gravidade desses dias, o presidente não teria mais do que 5% de apoio. Ficaria apenas com os trogloditas como ele.

Clube do bolinha

A Fiesp divulgou esta semana a lista de membros da sua nova diretoria, do seu Conselho Fiscal e dos delegados da entidade junto à CNI. Foram eleitas 133 pessoas: o presidente, 25 vice-presidentes e mais 108 diretores, conselheiros e delegados. Destes, 131 são homens. Apenas duas mulheres participam do comando da entidade, Mariana Falcão Dalla Vecchia e Silvia Ribeiro de Aquino. Sobra gravata e falta saia na Fiesp.

Castigo

Para não deixar dúvida, sou torcedor do Flamengo, dos chatos, que vê todos os jogos e fica irritado nos dois dias seguintes a uma derrota do mais querido. Mesmo assim, não há como não anotar com satisfação o baixo número de ingressos vendidos para o jogo de Brasília, na quarta-feira passada. Menos de um terço da carga oferecida foi comprada. O preço atrapalhou, mas é claro que o brasiliense aproveitou para dar uma banana ao negacionismo renitente da diretoria do clube.

Barraquinhas

Imaginem como seria a cena proposta por médico do Ministério da Saúde para o laboratório a céu aberto de Manaus no auge da crise de oxigênio. Tendas, ou barraquinhas, seriam montadas em frente aos hospitais da cidade e ofereceriam cloroquina, azitromicina, ivermectina e outros medicamentos ineficazes aos pacientes que chegassem procurando socorro. “Cloroquina aqui, cliente”. “Mulher bonita não paga, ivermectina de graça é aqui”. “Na barraquinha da doutora Mayra você pede uma azitromicina e leva o kit completo”. “Aqui, dona Iolanda, pegue seu kit e leve uma banda”.

Olímpica 1

Excelente exemplo da delegação brasileira que desfilou na abertura dos Jogos de Tóquio com apenas quatro integrantes. Fazer bonito de vez em quando não custa nada e ajuda a diminuir a antipatia global causada pelo capitão. O número reduzido de desfilantes era para mostrar preocupação com a pandemia de coronavírus. No Brasil, os atletas devem ter sido vaiados por você sabe quem.

Olímpica 2

Pelo menos 142 atletas publicamente LGBTQ estão nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Esse número é duas vezes maior do que o registrado no Rio, em 2016, segundo a Outsports.com.

Correção

Nota publicada na semana passada dizia que as TVs tinham dado enxurrada de matérias e plantões ao vivo da porta do hospital depois da facada no então candidato Jair Bolsonaro, permanecendo assim depois da recuperação do paciente. A direção de jornalismo da Globo, responsável pelos telejornais da TV Globo e da GloboNews, enviou arquivos de vídeo mostrando que a informação estava errada. O noticiário da TV Globo só alterou o padrão na quinta (6/9), dia do atentado, e nos três dias seguintes. Da segunda (10/9) em diante, a saúde do candidato voltou a ser noticiada dentro do minuto a que tinha direito (como os demais candidatos), com exceção do dia em que sofreu nova cirurgia e do dia em que recebeu alta do hospital. A GloboNews adotou a mesma linha, com tempos maiores nos dias subsequentes ao atentado, e cobertura total de não mais que quatro minutos até o fim da campanha, e nas duas mesmas datas (nova cirurgia e alta médica) como exceção, com tempo de pouco mais de meia hora no total do dia. Com a correção, acrescento meu pedido de desculpas aos leitores.


Aman, a ‘fábrica de oficiais’ por onde passa a política brasileira dos militares

A AMAN é responsável pela formação militar e pelos valores do presidente Bolsonaro e dos principais ministros que estão hoje no poder. A “tutela” da República é um dos princípios que guiam os generais

Felipe Betim, El País

Às margens da rodovia presidente Dutra, em seu quilômetro 306, um imponente portão dá acesso a uma rua que se estende por 700 metros, como se fosse um corredor, cortando um imenso gramado em direção a um edifício branco e largo de poucos andares que se assemelha a uma fábrica. Neste caso, uma fábrica de oficiais do Exército brasileiro, como é conhecida a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). A grandiosidade das instalações contrasta com a pacata cidade de Resende (RJ), onde a academia está situada. O município de 132.000 habitantes serve de dormitório tanto para a grande maioria dos 12.000 militares que circulam pela AMAN diariamente como para os trabalhadores da indústria automobilística instalada nos arredores. Mas por esse lugar, afastado dos grandes centros urbanos, a cerca de três horas de São Paulo e duas horas do Rio de Janeiro, passa a política brasileira de hoje. E talvez a do futuro.

Mais de 400 cadetes se formam todos os anos na AMAN, depois de quatro anos intensos cursando Ciências Militares —curso reconhecido como graduação universitária—, e iniciam uma carreira militar que pode levá-los ao Alto Comando do Exército. De lá saíram o presidente Jair Bolsonaro, em 1977, o vice Hamilton Mourão, em 1975, e seus principais ministros. O titular da Defesa, general Braga Netto, que ficou em evidência esta semana, formou-se em 1978. “É na AMAN que, além do treinamento militar, se incutem os valores da disciplina, hierarquia, patriotismo e honradez, além das convicções políticas”, explica o historiador José Murilo de Carvalho. “Entre essas últimas estão as que são repetidas com frequência pelos comandantes: defesa externa e interna do país, garantia dos poderes constitucionais e da lei e da ordem”, completa. “É o que está na Constituição, cujo artigo 142 dá margem à interpretação de que as Forças Armadas têm um poder moderador sobre os outros poderes. Chamo a isso de tutela sobre a República”.


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Bolsonaro não perde a chance de confraternizar com os formandos desde seus tempos de deputado. No final de 2014, lá estava o então deputado para saudar os cadetes que concluíam sua estadia na academia. “Nós temos que mudar este Brasil, tá ok? Alguns vão morrer pelo caminho, mas estou disposto em 2018, seja o que Deus quiser, a tentar jogar para a direita este país”, disse aos formandos que celebravam o então deputado federal pelo Rio de Janeiro, logo após ser reeleito naquele ano com 464.000 votos. A promessa virou realidade nas eleições seguintes, em 2018.

Já como presidente, Bolsonaro também participou das formaturas em 2019 e 2020 ao lado de ministros e parlamentares. No ano passado, houve inclusive transmissão ao vivo da TV Brasil e comentários em tempo real de um coronel, como se fosse a cerimônia do Oscar ou de abertura das Olimpíadas. “Todos nós sabemos que o papel do militar, além daquela garantida e definida na nossa Constituição, é a nossa soberania e garantir a nossa liberdade, tão ameaçadas nos últimos tempos”, discursou na última cerimônia.

O EL PAÍS solicitou uma visita à AMAN, mas teve o pedido negado por conta das restrições da pandemia. O ambiente político dentro do complexo militar é uma incógnita, mas alguns fatos relevantes dos últimos anos dão algumas pistas do que pensam os futuros coronéis e generais do Exército.PUBLICIDADE

As últimas visitas de Bolsonaro e de seus ministros são recordadas em Resende, que o elegeu com 64,74% dos votos no primeiro turno e 74,28% no segundo. “Alguns ministros vieram almoçar aqui no restaurante”, conta o garçom Junior, que trabalha num local especializado em comida italiana. Em 2020, o prefeito —bolsonarista— Diogo Balieiro (DEM-RJ) foi reeleito com 82,57% dos votos, um recorde histórico. Se em 2017 Balieiro tomou posse no tradicional Colégio Salesiano, neste ano a cerimônia aconteceu em um teatro da AMAN —um sinal não só da importância da academia para a cidade, mas também de seu papel político. “Eu vim pra cá há 20 anos e demorou até que eu fizesse amigos. Não é como no Rio ou em São Paulo. Por conta do militarismo, as pessoas são muito fechadas”, explica o mesmo garçom, sobre a influência dos militares na vida da cidade.

Vista da cidade de Resende (RJ), cidade onde fica a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), no dia 24 de junho de 2021.
Vista da cidade de Resende (RJ), cidade onde fica a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), no dia 24 de junho de 2021. Foto: Felipe Betim/El País

Nas ruas do centro de Resende, construído às margens do rio Paraíba do Sul, a cinco minutos da rodovia Presidente Dutra, é possível ver os fardados circulando a partir de 18h, quando terminam o expediente. Eles são discretos, geralmente andam em grupo e muitas vezes são desconfiados ao conversar com alguém, segundo relatos ouvidos por este jornal. Como muitos são de cidades distantes, acabam alugando um apartamento ou dividindo residência com outros colegas do Exército. Para os cadetes, as restrições são maiores. Eles vivem em alojamentos na AMAN e, no primeiro ano, só podem deixar a academia nos finais de semana. Conforme avançam de ano, ganham mais liberdade para deixar o complexo militar. “Durante a semana eles vão ao shopping para comer algo. Nos dias de folga, muitos aproveitam para dormir, porque a rotina é muito puxada, ou para sair com familiares que chegam até a cidade para visitá-los”, afirma uma recepcionista. “Quando eles saem para um bar ou se divertir, ficam todos juntos numa mesa grande”, afirma a comerciante de um shopping.

O principal ponto de encontro dos cadetes nos finais de semana é o Resen Bar, um boteco de mesas vermelhas na calçada também conhecido como o “bar da tia”. A tia é uma senhora que se chama Rose e que vive há 14 anos em Resende. “É um momento deles de relaxar. Mas são muito disciplinados até na hora de se divertir. Nunca vi falarem de política, mesmo em eleições”, conta ela, que garante nunca ter tido nenhum tipo de problema com os frequentadores do local. A farda não é permitida em local como bares, mas, mesmo assim, eles não interagem muito com outras pessoas. “Estão sempre juntos, em grupo”, afirma Rose, repetindo a frase dita por outros moradores escutados pelo EL PAÍS. Querida entre muitos jovens na cidade, não apenas os militares, ela conta que oferece todo fim de ano um almoço para os cadetes que estão se formando. Nas paredes de seu bar estão mensagens de agradecimento deixadas pelos que se tornam aspirante a oficial. “Me escolheram, não sei por quê. São como meus filhos, me identifico muito com eles”.

A “bolha” da AMAN
A “fábrica de oficiais” foi instalada em Resende em 1944, há 77 anos, com o intuito de afastar os futuros oficiais da agitação política da capital Rio de Janeiro. Pelos 67 quilômetros quadrados da AMAN circulam cerca de 12.000 pessoas por dia. A estrutura inclui vilas militares com mais de 500 casas para oficiais e seus familiares, além de alojamentos para 1.800 cadetes. Características de uma pequena cidade, como tratamento de esgoto, igrejas e hospitais, convivem com os elementos básicos de uma academia militar, como um complexo de tiro para o treinamento de atiradores de elite e áreas para o treinamento militar.

“É uma bolha. Como os cadetes estão longe de suas famílias, eles ficam muito imersos naquele mundo da academia, no convívio com outros cadetes e com os oficiais, que são seus instrutores”, explica Mauricio Santoro, professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em 2008, ele ajudou a implantar a disciplina na AMAN e deu aula para os cadetes nos anos seguintes. “Isso é preocupante, eu acho. Acabam tendo ali um nível de isolamento nesses anos decisivos”, completa. Uma possível solução para isso seria promover uma maior interação entre militares e civis desde os primeiros anos de formação, abrindo a possibilidade de que futuros oficiais possam fazer sua graduação em universidades brasileiras ao invés de somente a AMAN.

Para o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza, que nos últimos tempos vem criticando o envolvimento das Forças Armadas na política, os militares da ativa e da reserva que ocupam cargos no Governo Bolsonaro —e que um dia também foram instrutores na AMAN— passam “um mau exemplo” para os jovens cadetes. “Infelizmente, essa juventude que está na academia já começa a sofrer os efeitos dessas influências negativas”, diz Pimentel. “Não porque aprendem isso lá dentro, mas porque observam o comportamento político das lideranças militares, que até ontem dirigiram as Forças Armadas, e passam a torcer por elas”, explica. Ele cita uma conversa com um jovem tenente em que mostrava onde estavam posicionados no Governo os oficiais de sua geração. Eram companheiros de turma, pessoas que ele comandou ou que o comandaram. Hoje estão em ministérios, autarquias, agências reguladoras... “Ele concordou que havia ali um aparalhamento, mas que o ‘outro lado’, quando governava, fazia o mesmo”. A conclusão é a de que o jovem já se considerava como parte de um grupo político que havia subido ao poder. Mas Pimentel reitera que o problema não está nas baixas patentes, onde “todos são muito bem formados e disciplinados”, mas sim entre os superiores. “São os generais que estão causando crises disciplinares”, afirma.

O general e ministro da Defesa Walter Braga Netto e o presidente Jair Bolsonaro, em fotografia tirada após uma reunião em Brasília em 22 de julho.
O general e ministro da Defesa Walter Braga Netto e o presidente Jair Bolsonaro, em fotografia tirada após uma reunião em Brasília em 22 de julho. Foto: Adriano Machado/Reuters/El País

Apesar de não ter notado um ambiente político carregado em seus anos dando aula na AMAN, Santoro respalda essa ideia do “mau exemplo” que vem de cima: “Os cadetes olham para os ministérios e veem muitos militares, alguns inclusive da ativa. Isso por si só já cria uma série de expectativas, de valores, de possibilidades de carreira”, explica. Mas há outras evidências do que pensam os cadetes que se formam na academia. Em sua tese de mestrado sobre a “construção da identidade oficial do Exército”, publicada em 2012, o coronel Denis de Miranda mostrou que, entre as baixas patentes, 63,5% dos entrevistados para sua pesquisa concordam com a ideia de que “cabe ao Exército agir, mesmo que politicamente, quando a Pátria estiver em perigo”. O índice vai caindo nos setores com mais anos de serviço na corporação, chegando a 48,7% entre os mais velhos —uma cifra ainda alta.

Posteriormente, em sua tese de doutorado sobre o processo de socialização militar, publicada em 2019, o mesmo coronel descreve a academia como “uma escola que segue princípios conservadores, necessariamente, porque o Exército assim espera”. A mudança, explica ele, existe, mas deve ser bem lenta. Por exemplo, somente a partir de 2016 a instituição passou a aceitar mulheres. “É desde o berço da formação do oficial que os profissionais combatentes adquirem o espírito militar e suas marcas conservadoras”, explica.

Para entrar na academia é preciso prestar um concurso nacional dificílimo com o objetivo de, primeiro, ingressar na A Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), em Campinas (SP). Somente depois de um ano, em que devem apresentar boas notas e um bom rendimento acadêmico e físico, é que iniciam a graduação em Ciências Militares na AMAN. A pesquisa do coronel também demonstrou que a maioria dos cadetes que ingressaram na academia em 2016 era branca (56,53%) e vinha de famílias com rendimento mensal de quatro a 15 salários mínimos (69,39%). Entre 2016 e 2019, 76% deles eram provenientes, em média, das regiões Sul e Sudeste. Cerca de 40% possuem militares na família e buscam, ao entrar no Exército, estabilidade na carreira para o resto da vida.

Santoro, o professor da UERJ que deu aulas na AMAN, destaca que o Exército “nunca se considerou uma força politicamente neutra”, e que os oficiais sempre se viram com um papel de destaque muito grande na formação da sociedade brasileira. “Existe essa ideia de que são guardiões de um conjunto de valores, de que a sociedade civil perdeu valores que os militares conservam”, explica. “O que vimos ao longo dos últimos cinco anos, com uma série de crises políticas no Brasil, foi que uma taxa muito grande da população comprou essa ideia de messianismo”, acrescenta. Havia um processo de profissionalização das Forças Armadas desde o fim da ditadura militar que foi cortado. Elas voltaram a ter um papel político. E, para o professor, isso impacta na formação dos cadetes mesmo que Bolsonaro não comparecesse em suas formaturas.

Como esses elementos se refletem em suas opiniões sobre o Governo Bolsonaro? Entre parte dos oficiais de baixa patente que dão expediente nos quartéis de Brasília, onde ficam os principais postos de comando do Exército, o mandatário é visto como um dos poucos capazes de evitar que o petismo volte ao poder. Por essa razão, ainda tem tanto suporte. “Nós o apoiamos não é por ser militar. Ele é mais político do que militar, mas ao menos ele não é corrupto como os petistas”, disse um tenente ouvido pela reportagem.

Como não podem conceder entrevistas sem autorização de seus superiores, tampouco emitir opinião política, todos os oficiais ouvidos na capital federal pediram para manter seus nomes sob sigilo. Um capitão e um major que tomavam uma cerveja em um bar nas proximidades do quartel onde trabalham, depois de uma pelada de futebol, concordaram com o argumento do colega de farda. “Só uma terceira via seria capaz de fazer com que não votemos no Bolsonaro em 2022”, disse um deles. “Como ela não aparece, vamos nele, mesmo”, completou o outro.

E como avaliam sua gestão? “Ele é um ogro, não tem o mínimo de educação. Mas queremos um presidente honesto, não um marido. Nesse quesito, acho que errou na pandemia, mas tem acertado em outros setores, como na economia”, afirmou o major. “Neste ponto, discordo dele. Acho que nenhum presidente saberia lidar com essa pandemia”, declarou o capitão.

Outro major entrevistado pela reportagem disse que pouco se importa com a política. Para ele, basta saber que o soldo —o salário dos militares— está caindo em dia e que não haja tanta interferência na economia ao ponto de atrapalhar os seus investimentos financeiros. “Sou de uma geração que pensa no futuro. Se o governante não atrapalhar a evolução das ações que invisto, já está bom para mim”. Mas e a consciência social? “Já faço muito pelo meu país servindo ao Exército. Com certeza, é mais do que muita gente”, respondeu o oficial.

Ainda assim, o historiador José Murilo de Carvalho acredita que a possível politização das baixas patentes ainda é uma especulação. Bolsonaro, explica ele, “tenta politizar, fala do ‘meu Exército’, mas o tiro pode sair pela culatra. Nada pior para as Forças Armadas do que a politização de seus quadros, o que leva à quebra da disciplina e da hierarquia. E não há evidência de que isto esteja acontecendo no Exército”.

Com informações de Afonso Benites, em Brasília