Bolsonaro
'Efeito Bolsonaro' aumenta apoio à militarização das polícias, diz pesquisa
Trabalho foi feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública com profissionais da categoria de todo o País
Marcelo Godoy / O Estado de S.Paulo
Cresceu o apoio à militarização das polícias entre os profissionais de segurança pública, em mais um efeito da influência do bolsonarismo nas polícias. É o que mostra a pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgada nesta quinta-feira, dia 11.
“Isso ocorre como efeito combinado da dispersão de pautas corporativistas, da divisão de interesses das várias carreiras da área e da radicalização política das polícias. O presidente Jair Bolsonaro procura cooptar as polícias sem enfrentar temas que podem dividem as polícias”, afirmou o sociólogo Renato Sérgio de Lima, presidente do fórum.
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Em três temas pesquisados pelo fórum entre os profissionais da segurança ficou claro na pesquisa o aumento do apoio à militarização da área, quando comparados os dados de 2021 aos da mesma pesquisa em 2014. O primeiro tema é a queda no suporte dado à ideia de se acabar com a Justiça Militar para os policiais militares. Ele era de 63% em 2014; agora, é de 45%. O mesmo aconteceu com a ideia de que as polícias militares e os corpos de bombeiros deixaram de ser forças auxiliares do Exército, cujo apoio caiu de 73% para 54%, bem como em relação à defesa da extinção dos inquéritos policiais militares, que recebia a concordância de 58% dos policiais e, agora, conta com o apoio de 42%.
Os dados da pesquisa Escuta dos Profissionais de Segurança Pública no Brasil mostram ainda queda do apoio à ideia de uma polícia unificada e com o chamado ciclo completo, ou seja, que atue tanto no policiamento preventivo quanto na investigação de delitos. Em 2014, essa ideia tinha a concordância de 56% dos profissionais de segurança, ante 46% agora. Isso, no entanto, não significa o apoio irrestrito ao modelo atual. Nesse caso, o suporte ao sistema permanece quase inalterado: era de 14%; hoje, é de 16%.
Apesar do crescimento do apoio à militarização do setor, os dados do fórum indicam que os policiais reconhecem, em sua maioria (76%), a necessidade de “reorientar o foco da PM para a proteção de direitos de cidadania”.
A pesquisa ouviu por meio de questionários 9.067 profissionais da segurança pública de todas as unidades da Federação e corporações policiais. Os dados foram reunidos entre abril e maio deste ano.
“Há muita convergência hoje entre os profissionais das forças de segurança”, afirmou o presidente da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), André Gutierrez.
Entre os entrevistados, 81% dos policiais apoiam a organização das polícias em uma carreira única, com apena uma porta de entrada, como ocorre, por exemplo, na Polícia Rodoviária Federal. Esse apoio é menor entre os policiais federais. “Não acreditamos que a carreira única seja a melhor solução para a PF”, afirmou o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Edvandir Paiva.
Atualmente, 71% dos entrevistados apoiam a ideia de investir no policiamento comunitário em vez de se priorizar as prisões. “Precisamos servir nosso patrão, que é o cidadão, e ele não vem sendo servido”, disse Gutierrez, da Cobrapol. Paiva concorda. Para ele, faltam planos plurianuais de investimento. “A polícia judiciária perde recursos com as outras polícias. Se ela tivesse plano de investimentos, isso faria a segurança pública crescer.”
A pesquisa registrou ainda que 4% dos policiais foram baleados em serviço e que existe uma visão negativa em relação à Justiça e ao Ministério Público. Para 22% dos entrevistados, a Justiça se opõe ao trabalho policial, tornando-o mais difícil. Outros 46% disseram acreditar que a magistratura seria insensível ou indiferente às dificuldades do trabalho policial. O mesmo valeria para o Ministério Público, segundo 48% dos policiais.
“O sistema de Justiça criminal não é só de responsabilidade da segurança pública, cada um dos seus componentes precisa fazer autocrítica”, afirmou Paiva.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,efeito-bolsonaro-aumenta-apoio-a-militarizacao-das-policias-diz-pesquisa,70003896380
Entrada de Moro na política divide siglas da terceira via
Ex-juiz da Lava Jato se filiou ao Podemos e aparece em terceiro lugar nas intenções de voto
Lauriberto Pompeu / O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA — A filiação do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro ao Podemos, com discurso de candidato à Presidência, mudou o xadrez da terceira via. Na lista dos partidos que querem fugir da polarização entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022, não são poucos os que veem com desconfiança a entrada do ex-juiz da Lava Jato na política.
“A candidatura de Moro só vai agravar sua crise de identidade. Ele vivia disfarçado de juiz e agora quer se disfarçar de político para resolver suas enormes contradições. Nenhuma das vestes lhe cabe”, provocou o pré-candidato do PDT, Ciro Gomes. O senador Cid Gomes (PDT-CE), irmão dele, foi na mesma linha. “Se tem mais gente para dividir, é claro que isso atrapalha e faz o jogo do Bolsonaro”, disse Cid.
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Na semana passada, Ciro havia suspendido a candidatura depois que a maioria da bancada do PDT votou a favor da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios. Nesta terça-feira, 9, porém, o partido mudou de posição, conforme queria Ciro, e decidiu se posicionar contra a PEC. A proposta fura o teto de gastos públicos, com o objetivo de abrir espaço fiscal para o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400 até o fim de 2022, de emendas parlamentares e do fundo eleitoral destinado às campanhas.
O presidente do PSD, Gilberto Kassab, descartou de antemão uma aliança com Moro e disse não vê-lo como o nome mais agregador. “Eu acho que o perfil vencedor será aquele que representa a união do País, a pacificação, o compromisso com a solução dos problemas da saúde, em especial com essa questão da pandemia, e a melhoria na educação pública”, afirmou Kassab, que defende a candidatura do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Crescimento. Pesquisa da Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira, 10, mostra que Moro está em terceiro lugar na disputa ao Palácio do Planalto, com 8% das intenções de voto, despontando como potencial nome da terceira via na polarização entre Bolsonaro e Lula. Na prática, Moro aparece empatado, na margem de erro, com Ciro Gomes, que tem 7%. Bolsonaro alcança 21% e Lula continua na dianteira, com 48%.
Congestionado, o campo da terceira apresenta atualmente outros dez nomes, incluindo três tucanos que vão disputar as prévias do PSDB para escolha do candidato, no próximo dia 21 — os governadores João Doria (São Paulo), Eduardo Leite (Rio Grande do Sul) e o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio.
Na semana passada, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, conversou com Moro por telefone. O tucano disse que o Podemos “sempre foi um parceiro” da terceira via, que o ideal é ter o menor número possível de candidatos nesse campo, mas evitou prever uma aliança. "Nosso foco agora são as prévias do PSDB, daqui a poucos dias", insistiu Araújo.
O deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL e futuro comandante do União Brasil – fusão do partido com o DEM –, adotou o mesmo tom de cautela. “O MDB, o PSDB e o União Brasil estão juntos para montar uma candidatura de terceira via. Se o Sérgio Moro quiser entrar nesse bloco também, a gente vai discutir em conjunto", argumentou Bivar. “Não existe veto.”
Na avaliação do presidente do Cidadania, Roberto Freire, o ex-juiz da Lava Jato pode ser uma opção. "É mais um componente de alternativa à polarização Lula e Bolsonaro. Como o Cidadania desde sempre afirma que nós não podemos ter veto algum, vamos dialogar com essa candidatura. Vamos ver o que vai acontecer", disse ele.
Freire observou, porém, que a dianteira do ex-juiz em relação a outros nomes do grupo da terceira via não necessariamente vai se manter no ano que vem. "Qual o cenário de 2022? Pesquisa agora é uma fotografia de um processo que mal se iniciou".
O Cidadania lançou o senador Alessandro Vieira (SE) como pré-candidato ao Planalto, mas ele mesmo admite que pode desistir, caso surja um nome que una o campo. "Eu não tenho nenhuma exigência de ter meu nome em chapa ou nominata. Quero ver as ideias bem representadas e a gente só sabe disso mais adiante", argumentou Vieira. "Ele (Moro) está começando agora essa caminhada e desejo boa sorte. Quanto mais nomes surgirem, mais ideias", ponderou o senador.
Não é o que diz seu colega Cid Gomes. “Para mim, o Lula tem um lugar no segundo turno e um terceiro nome disputa o lugar com Bolsonaro", previu. “Se o Moro não quer ajudar o Bolsonaro, acaba ajudando.”
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William Waack: O consórcio falido de Bolsonaro e o Centrão
STF agravou a briga dentro do Centrão pelo acesso ao cofre aberto por Bolsonaro
Wlliam Waack / O Estado de S. Paulo
O orçamento secreto agora não tão secreto vai continuar por outros meios, mas a decisão do STF garantiu a briga no consórcio montado para gastar à vontade em ano de eleição. Os consorciados são parlamentares do Centrão e Jair Bolsonaro.
O processo que levou ao orçamento secreto agora não tão secreto começou lá atrás, ainda durante Dilma, e tinha como objetivo limitar a capacidade do Executivo de manipular votos no Parlamento via distribuição de emendas. Foi “aperfeiçoado” por Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre dentro do mesmo espírito, ou seja, o Legislativo avançando em suas prerrogativas.
Coube ao “gênio” político Jair Bolsonaro consumar a entrega de fatia importante de seus poderes – a alocação de recursos através do Orçamento – aos chefões do Centrão, hoje os verdadeiros donos das principais decisões de governo. Eles já estavam em rota de colisão entre si por conta do único fator que lhes interessa, que é acesso aos cofres e máquina públicas.
A disputa tinha sido trazida a público no começo da semana pelo chefão do PL, ao qual Bolsonaro pretende se filiar, e que já tem um pedaço do Palácio do Planalto. Concorre ali com o chefão do PP, dono de um outro pedaço. O enfraquecimento de outro chefão do PP, o presidente da Câmara, trazido pela decisão do STF de suspender em parte o orçamento secreto, complica o jogo entre esses senhores.
Que já era intrincado o suficiente considerando-se o papel do Senado, do qual depende agora a tramitação da PEC dos precatórios e seus R$ 90 bilhões de “espaço fiscal” (na verdade, uma gambiarra despudorada). Apenas nas aparências o presidente do Senado manifestou muxoxo com o ataque do STF ao orçamento secreto que ele diz que não existia. Na prática, seu poder político de barganha aumentou consideravelmente.
Há quem enxergue na decisão claramente política do STF de suspender as emendas do relator um esforço de “salvar” a democracia e princípios da Constituição. O que o Direito não consegue, porém, é salvar o Brasil do seu próprio sistema político, que funciona (desde sempre?) para alimentar grupos privados (partidos políticos) que se juntam para apropriar-se de recursos públicos (estruturas do Estado e fundos) em benefício próprio.
O resultado dessa confusão, em parte um espelho da confusão mental de Bolsonaro, e da qual o grande público está alheio, é uma considerável paralisia política agravada por um quadro econômico que permanece em crescimento muito abaixo do necessário com medíocre recuperação de emprego e renda. O consórcio Centrãobolsonaro tem condições apenas de agravar esse quadro.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,consorcio-falido,70003895257
Adriana Fernandes: Moro surfa na onda contra emendas e PEC dos precatórios
Emendas parlamentares são instrumentos legítimos, mas distorção criada com as de relator as carimbou com a marca da negociata
Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo
Com a suspensão pelo Supremo Tribunal Federal das emendas de relator, os caciques do Congresso correm para lançar uma operação de contenção de danos e barrar a sangria aberta pela PEC dos precatórios.
Eles buscam a reversão da decisão com a promessa de garantir transparência às emendas. Mas essa articulação trabalha também para segurar o processo de aceleração da criminalização da velha política. Na véspera das eleições, é prato cheio para uma renovação maior do Congresso.
Essa onda já vem sendo surfada pelos aliados no Congresso do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, que se filiou ao Podemos e fala como pré-candidato à Presidência em 2022.
A luz amarela acendeu depois que o Senado aprovou nesta semana a criação da Frente Parlamentar de Defesa da Responsabilidade Fiscal, que teve como idealizadores os senadores Oriovisto Guimarães (Podemos) e Alessandro Vieira (Cidadania). Os dois condenam a PEC e o espaço aberto para aumentar os recursos das emendas de relator com o furo do teto de gastos.
A chamada “bancada da Lava Jato” vota contra a PEC no Senado com o discurso renovado pela repercussão altamente negativa da votação do texto na Câmara, baseada em ameaças, chantagem e pagamento de R$ 15 milhões por voto.
Foi a criminalização da “velha política”, com o mote eleitoral do fim do “toma lá da cá”, que deu gás para a eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018. Com o controle do seu governo pelos caciques do Centrão, Bolsonaro já não pode mais se apegar a essa narrativa nas eleições de 2022.
Emendas parlamentares são instrumentos legítimos de negociação no Congresso, porém, a distorção criada com as emendas de relator, que (no máximo) deveriam ser algo residual, as carimbou com a marca da negociata, da maracutaia e, em alguns casos, até da corrupção.
A votação da PEC expôs esse mostrengo para a opinião pública. Muitas pessoas não entendem e continuam sem entender direito como funciona o processo orçamentário. Mas sabem que as emendas de relator cheiram mal.
A saída para as lideranças é garantir transparência com a revelação do CPF do parlamentar que indicou. Isso não basta. Terão de diminuir os seus valores. O Senado vai fazer essa depuração na votação da PEC.
Um nome já é alvo: o relator do Orçamento de 2021, o senador do Acre, Márcio Bittar. Aquele que indica e que abriu a porteira do Orçamento para as emendas bolsonaristas. Nos últimos tempos, ninguém viu, ninguém ouviu falar dele. Por onde anda o relator?
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,adriana-fernandes-emendas-de-relator-transparencia-corrupcao,70003895111
Luiz Carlos Azedo: Moro é o candidato da centro-direita frustrada com Bolsonaro
Desde sua saída do governo, Moro vem tendo a sua imagem desconstruída por sucessivas decisões do STF e pelos adversários da Lava-Jato
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A filiação do ex-ministro da Justiça Sergio Moro ao Podemos, partido que se posicionou o tempo todo para recebê-lo como candidato a presidente da República, mira o espectro eleitoral das forças de centro-direita do país, frustradas pelo mau desempenho administrativo de Bolsonaro e as alianças com os partidos do chamado Centrão: PP, PL e Republicanos, principalmente. Seu discurso na cerimônia de filiação, ontem, em Brasília, deixou isso muito claro e tende a galvanizar apoios dos eleitores decepcionados com Bolsonaro e certos setores da sociedade que apoiavam incondicionalmente a Operação Lava-Jato, como os militares. Sua pré-candidatura cria mais problemas para Bolsonaro do que para os partidos de oposição, no primeiro turno; caso chegue ao segundo turno, será outra história.
“Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha. Chega de querer levar vantagem em tudo e enganar a população”, bradou Moro, ao assinar sua ficha de filiação. Mais claro do que isso, impossível. Mirou nos dois principais adversários, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas de opinião olimpicamente, e o presidente Bolsonaro, que parece ser seu adversário principal no primeiro turno. Moro deixou a 13ª Vara Federal de Curitiba, onde era o juiz titular, para ser ministro da Justiça de Bolsonaro. Deu tudo errado.
“Eu olhava que o sistema político iria se corrigir após a Lava-Jato, que a corrupção seria coisa do passado e que o interesse da população seria colocado em primeiro lugar. Isso não aconteceu”, disse Moro, para justificar sua filiação ao Podemos e a pré-candidatura quase explícita: “Embora tenha muita gente boa na política, nós não vemos grandes avanços. Após um ano fora, eu resolvi voltar. Não podia ficar quieto, sem dizer o que penso, sem tentar, mais uma vez, com vocês, ajudar o Brasil. Então, resolvi fazer do jeito que me restava, entrando na política, corrigindo isso de dentro para fora.”
O ex-juiz não esconde as mágoas com Bolsonaro: “Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa. Nunca renunciarei aos meus princípios e ao compromisso com o povo brasileiro. Nenhum cargo vale a sua alma”, disse. Desde sua saída do governo, Moro vem tendo a sua imagem de juiz competente e íntegro desconstruída, a primeira por sucessivas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), a segunda pelos adversários políticos da Operação Lava-Jato, da qual foi artífice e é o principal símbolo, que o acusam de parcialidade.
Concorrência
A entrada de Moro no Podemos, partido que tem 10 deputados federais e nove senadores, presidido pela deputada Renata Abreu (SP), mexe com a tabuleiro eleitoral de 2022, porque potencialmente ocupa um quadrante à direita que seria fundamental para a reeleição de Bolsonaro. Podemos é um partido independente em relação ao governo no Senado, mas nem tanto na Câmara. Moro é ligado ao senador Álvaro Dias (PR), ex-candidato à Presidência pela legenda, que articulou sua filiação.
Sua candidatura é contingenciada por Bolsonaro, que hoje tem o apoio de menos de 25% do eleitorado, à direita. Também o é pelos pré-candidatos da chamada “terceira via”, Henrique Mandetta (DEM), Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Simone Tebet (MDB-MS) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), além dos dois postulantes à Presidência que disputam as prévias do PSDB, os governadores João Doria (SP) e Eduardo leite (RS), todos mirando o chamado centro democrático, e do candidato do PDT, Ciro Gomes (CE), mais à esquerda.
A filiação de Moro ao Podemos encerra um ciclo político antissistema, que surgiu nas manifestações contra o governo de Dilma Rousseff, em 2013; prosperou com a campanha por seu impeachment, após sua reeleição em 2014; mandou recados para todos os partidos nas eleições municipais de 2016; e culminou com a eleição de Bolsonaro, em 2018. A anunciada filiação do presidente da República ao PL, partido de Valdemar Costa Neto (SP), no próximo dia 22, e a articulação de sua federação governista com o PP e o Republicanos consolidam um bloco político de direita no poder, no âmbito do sistema partidário existente, que ganha até mais nitidez programática.
Moro seria o herdeiro natural desse sentimento antissistema, que procurou capitalizar no seu discurso, mas o Podemos, o Novo e o MBL, que apoiam, já estão no leito natural da política eleitoral: o Congresso e o seu sistema partidário. A consolidação de sua candidatura vai depender muito mais do poder de alavancagem do apoio popular à Lava-Jato do que de suas alianças, que serão restritas devido aos ressentimentos dos políticos tradicionais com sua atuação naquela operação.
Thomas Milz: Sergio Moro é falsa ilusão de uma terceira via
Imagem de Moro está essencialmente ligada tanto a Lula quanto a Bolsonaro
Thomas Milz / DW Brasil
Com o ex-juiz prestes a se tornar presidenciável, é possível vislumbrar uma campanha eleitoral voltada para brigas passadas. Em vez de ideias novas, a expectativa é de lavagem de roupa suja entre Moro, Bolsonaro e Lula.
"Uma parte da classe média que nunca votaria na esquerda, mas se decepcionou com a incapacidade administrativa de Bolsonaro, poderia agora migrar para Moro"
Fico imaginando um debate entre os presidenciáveis na campanha do ano que vem. Poderemos ter Sergio Moro, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro no mesmo palco. Seria a dança dos fantasmas do passado. Isso, claro, se Bolsonaro não fizer como fez na última campanha e fugir dos debates. Só pelo espetáculo televisível, já seria fantástico.
Bolsonaro teria dois difíceis adversários. Desta vez, anotar palavras-chaves de campanha numa mão só – como fez em 2018 – não será suficiente. Ele precisaria das duas mãos para anotar as palavras-chaves para atacar Lula e Moro. Numa mão: comunismo, Venezuela, corrupção, Petrobras. Na outra: STF, traidor, mentiroso. Aí, ele só precisaria lembrar qual mão seria para qual adversário.
Nesse palco imaginário, quando Lula chamar Moro de mentiroso no debate dos presidenciáveis, ganhará aplausos de Bolsonaro – o qual, por sua vez, chamará Lula de corrupto, gerando aplausos de Moro. Aí, só resta Lula chamar Bolsonaro de genocida. De que Moro vai chamar seu antigo chefe Bolsonaro ainda não temos certeza. De repente, o livro de Moro, intitulado Contra o sistema da corrupção e a ser publicado no mês que vem, trará uma resposta para isso.
Ajuste de contas
Para resumir: haverá muita lavagem de roupa suja entre pessoas cujos caminhos já se cruzaram de forma desastrosa. Será um ajuste de contas aberto, de todas as partes. O que faltará será uma discussão sobre renovar o país. Um caminho alternativo, longe das brigas pessoais entre o campo lulista e o campo bolsonarista.
Com Moro, isso não será possível. A imagem dele está essencialmente ligada tanto a Lula quanto a Bolsonaro. A essência da sua candidatura é o embate pessoal com Lula e, desde sua saída do Ministério da Justiça, com o clã Bolsonaro. Moro não mostrou "serviço" ou ganhou experiência na administração pública, como o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) ou como o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Estes sim poderiam representar uma terceira via. Moro não.
Parece-me que a entrada de Moro na corrida para 2022 atinge mais Bolsonaro que Lula. Entre o petista e o ex-juiz, as coisas são bem definidas. Seria "apenas" um reencontro com sinais um pouco trocados. Quem não se lembra dos vídeos em que Moro tomou o depoimento de Lula em Curitiba?
Os dois estariam frente a frente novamente, mas agora não na condição de um acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e, no outro lado, de um juiz, herói de um novo Brasil eticamente superior. Agora, teríamos um ex-presidente cujas condenações, feitas por Moro, foram anuladas e que aparece agora com força nas pesquisas eleitorais para 2022.
Odiado tanto pela esquerda quanto pela direita bolsonarista
Moro, por outro lado, tem sofrido quedas bruscas nos últimos anos. Quebrou sua promessa de nunca entrar para a política ao aceitar ser ministro de Bolsonaro. Gerando, aliás, a suspeição de parcialidade durante sua passagem como juiz da Lava Jato. Depois, viu sua reputação desmoronar ainda mais com a Vaza Jato. E, finalmente, comprou uma briga com Bolsonaro por causa das interferências presidenciais na Polícia Federal. Agora, é odiado tanto pela esquerda quanto pela direita bolsonarista.
Mas quantos eleitores Bolsonaro perderia para Moro? O presidente baseou seu discurso vitorioso de 2018 em grande parte no "lavajatismo" de Curitiba. Uma parte da classe média que nunca votaria na esquerda, mas se decepcionou com a incapacidade administrativa de Bolsonaro, poderia agora migrar para Moro. Também haverá uma parte decepcionada com as promessas quebradas por Bolsonaro de uma reforma liberal na economia.
Estamos vendo Bolsonaro, com o apoio do Centrão, explodir o teto de gastos para criar um "Bolsa Família 2" a seu gosto. Ironicamente, não foi a esquerda que acabou com o ajuste fiscal para ampliar programas de transferência para os mais pobres, mas a "nova direita". A política brasileira realmente é uma caixa de surpresas. Resta saber quais surpresas Sergio Moro pode nos trazer com sua candidatura.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/sergio-moro-%C3%A9-falsa-ilus%C3%A3o-de-uma-terceira-via/a-59754632
Rebelião na Economia chega ao MEC, a cientistas, professores, ambientalistas... E vai continuar
Cai um atrás do outro, por desencanto e impotência, e ninguém de fora se anima a assumir, por precaução e juízo
Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo
A debandada não é só no Ministério da Economia, é também no da Educação e o presidente Jair Bolsonaro coleciona manifestos e desafetos, não mais um daqui, outro dali, mas às dúzias e das mais variadas áreas.
Já se perdeu a conta das baixas na Economia, que atingem altos escalões, como as secretarias do Tesouro, Receita Federal, Administração e Privatizações. Cai um atrás do outro, por desencanto e impotência, e ninguém de fora se anima a assumir, por precaução e juízo. Assim, o jeito é embaralhar as peças no mesmo tabuleiro: o próprio governo.
O MEC vai no mesmo caminho. Até a conclusão desta edição, já tinham se demitido 33 servidores do Inep, responsável pelo Enem, a 13 dias das provas, com 3 milhões de inscritos. Alegaram “fragilidade técnica e administrativa” – ou seja, bagunça – da atual gestão. O diretor, Danilo Dupas, é o quarto no governo Bolsonaro.
Se a crise vem de dentro, vem também de fora do governo, onde doutores da academia e das áreas científica e ambiental, para ficar só nas crises mais agudas, fazem fila para dizer um “basta” ao negacionismo, à ignorância, à falta de prioridades, às perseguições.
Grão-mestre do Mérito Científico, o que já é um escândalo, Bolsonaro cancelou a entrega de medalhas para Marcos Vinícius Guimarães Lacerda, autor de um estudo comprovando a ineficácia da cloroquina contra a covid-19, e Adele Benzaken, demitida já em 2019 do Departamento de HIV/AIDS por causa de uma cartilha para homens trans. Ambos da Fiocruz.
Como reação, 21 cientistas renunciaram à medalha, por “indignação, protesto e repúdio” à exclusão dos dois colegas, ao negacionismo e ao drástico corte de verbas para Ciência. E não ficou por aí, pois 38 professores eméritos da UFRJ foram na mesma linha.
Isso remete ao desmanche da Saúde, com um ministro que não conhecia o SUS, do Meio Ambiente, com um que jamais pisara na Amazônia, da Política Externa, pró-trump, e da Cultura, com um simpatizante de Hitler. E o desmatamento cresce e os biomas e indígenas são ameaçados, enquanto o total de multas ambientais é o menor em 20 anos! Madeireiros ilegais, contrabandistas, invasores e destruidores em geral fazem a festa.
E o presidente? Não pode comemorar o avanço da vacinação, após defender “tratamento precoce” e desdenhar das vacinas na ONU, passa ao largo da COP 26 para fugir de “pedradas” e reclama que os argumentos da ministra Rosa Weber (STF) para suspender o orçamento secreto (e o “tratoraço”) “não são justos”. Afinal, o que é e o que não é justo?
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,rebeliao-na-economia-chega-ao-mec-a-cientistas-professores-ambientalistas-e-vai-continuar,70003893302
Míriam Leitão: Orçamento secreto no centro do palco
STF vai julgar a ação contra as emendas de relator, origem do orçamento secreto
Míriam Leitão / O Globo
Nesta semana haverá uma luta da democracia brasileira contra um perigoso ponto de erosão. O STF vai julgar a ação contra as emendas de relator, origem do orçamento secreto, para confirmar ou não o voto da ministra Rosa Weber, que mandou suspender esse mecanismo obscuro de distribuição de dinheiro público recriado no governo Bolsonaro. Por outro lado, o presidente Arthur Lira (PP-AL) está convocando os deputados para estarem segunda-feira em Brasília para na terça votarem o segundo turno da PEC dos precatórios. O combustível que a faz andar é a oferta de distribuição dessas emendas.
Na hora do voto, alguns partidos que ajudaram a aprová-la em primeiro turno vão definir o seu destino. O PSDB terá que enterrar a própria história se quiser manter o voto a favor dessa PEC. Ela dá calote, amplia despesas e fura o teto. O partido é o pai da responsabilidade fiscal, cujas bases criou no governo Fernando Henrique. O PMDB terá que derrubar o teto que aprovou no governo Michel Temer. O PSB e o PDT terão que assumir serem cúmplices do bolsonarismo, porque entregarão a um governo destrutivo R$ 100 bilhões para a compra de votos e manutenção do esquema tenebroso do orçamento secreto. O PSB está em situação mais contraditória porque é um dos autores da ação no STF contra exatamente esse esquema. E sempre foi por ele, e nunca pelos pobres, que se fez a escalada de horrores nessa proposta de emenda constitucional.
Se a preocupação fosse com os pobres, o caminho era simples. Bastaria fortalecer o Bolsa Família no ano da sua maioridade. Foram 18 anos de bons serviços prestados ao Brasil, à distribuição de renda, à mobilidade social, à rede de proteção social brasileira. Esse tempo se encerra agora com o abrupto fim do programa. O novo ainda não está pronto e já nasceu com o aviso de que parte da renda transferida é temporária. Vale só até o fim da eleição.
A PEC, se aprovada, provocará um sucessão de desequilíbrios, dívidas e distorções que pesarão sobre os próximos governos. Ela constitucionaliza o calote, dificulta a formulação do Orçamento, destrói uma baliza fiscal, cria uma dívida paralela que virará uma bola de neve ao longo dos próximos anos. E está tramitando na base de liberação dessas emendas sem transparência. É roubo do dinheiro público, descarado, para que as longas mãos dos parlamentares entrem dentro dos ministérios ordenando despesas.
O Tribunal de Contas da União (TCU) terá que fechar as portas se não condenar de forma definitiva o que está acontecendo nas contas públicas no governo Bolsonaro. O presidente Bolsonaro disse que o TCU agora é um órgão integrado ao Executivo. Cabe lembrar ao tribunal que ele foi implacável com a então presidente Dilma Rousseff pelas pedaladas fiscais. Essa PEC pedala também, posterga dívida para abrir espaço para outros gastos, faz manobra contábil mudando a data para o cálculo do teto, para ter uma vantagem oportunista com a escalada inflacionária. O que coroa os absurdos é a promessa de liberação do dinheiro das emendas do relator. O orçamento secreto foi desvendado pelo “Estado de S.Paulo”. É uma tratorada nas leis do país, entre elas as fiscais, cuja fiscalização está a cargo do TCU.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, quebrou a própria regra de votação presencial, mas apenas para quem estava em Glasgow, na Escócia, uma decisão inexplicável. Além disso, conforme explicou o deputado Rodrigo Maia (sem partido) à Globonews, fez uma manobra totalmente irregular. Aglutinou na emenda propostas que nunca tramitaram. Esses trechos que não passaram pelo processo legislativo foram colados ao texto do relator.
Tudo isso irá para a Constituição se a PEC for aprovada. Parte do calote dado será com entes federados, a mudança de prazo para cálculo do teto tornará muito difícil formular o Orçamento da União. E além disso criará recursos para financiar as tais emendas do relator. A Constituição estará sendo violada se for colocado dentro dela tal amontoado de irregularidades. Na terça-feira o STF começa a julgar as ações contra o tema. No mesmo dia, a Câmara colocará em votação o segundo turno da PEC. No fundo, o que se define nesta superterça é se daremos ou não mais um passo na erosão da democracia.
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Fatos desmentem a versão do presidente e confirmam a do ex-ministro Sérgio Moro
Eliane Catanhede: O Estado de S. Paulo
O “depoimento” do presidente Jair Bolsonaro à Polícia Federal sobre interferência política na própria PF contém histórias mal contadas e os fatos desmentem a versão de Bolsonaro e confirmam a do ex-ministro Sérgio Moro. Ele saiu do governo atirando e gerou o inquérito contra o presidente, mas nem ele nem seus advogados foram sequer avisados do depoimento.
Segundo o ex-delegado Jorge Pontes, que se formou no FBI, foi representante do Brasil na Interpol e fala o que os colegas da ativa não podem, o presidente apresentou uma “denúncia vazia” contra Moro, ao acusar o ministro de tentar chantageá-lo por uma vaga no Supremo.
É a palavra de um contra o outro, mas Moro tem um trunfo: gravou no celular a proposta da deputada bolsonarista Carla Zambelli de que, se voltasse atrás, teria o STF. Sua resposta: “Cara, eu não estou à venda”. Por que diria uma coisa para o presidente e outra para a deputada, de quem foi padrinho do casamento?
Bolsonaro disse que chamou o delegado Carlos Henrique Souza para “conhecê-lo melhor”, antes de mandá-lo para a PF no Rio, justamente onde corre o inquérito das rachadinhas contra a família. E alegou “falta de produtividade” para trocar a PF em Pernambuco, apesar de não ter a ver com isso e a gestão da delegada Carla Patrícia ser muito elogiada.
Moro acusou Bolsonaro de mexer no Rio e no diretor-geral, Maurício Valeixo, por questões políticas. Agora, às vésperas de se lançar ao Planalto, ele lembrou a reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando o presidente exigiu acesso a informações sigilosas e disse que não admitia investigações de pessoas próximas a ele.
Desde então, muita coisa mudou na PF, a começar do perfil do diretor-geral. Se Valeixo era um quadro interno, de operação, inteligência e administração, o escolhido para sucedê-lo, Alexandre Ramagem, era amigo dos Bolsonaro e o atual, Paulo Maiurino, fez carreira entre Judiciário, Legislativo e governos estaduais.
O perfil político se expande na cúpula e nas mudanças polêmicas no DF, no Amazonas e, novamente, no Rio. E com um hábito, que não é de hoje, de compensar os “próximos” com cargos e gordos salários em dólares no exterior. Exemplos: o ex-diretorgeral Fernando Segovia em Roma, Eugênio Ricca em Washington, Sandro Avelar em Londres.
Com todos os defeitos da era Lula, a PF teve autonomia para investigar mensalão e petrolão e indiciar o irmão do presidente, Vavá, por tráfico de influência. Agora, a “boiada” passa, para proteger os amigos do rei e recompensar “delegados políticos”. Mas governos vêm e vão, a PF fica. E é uma corporação sólida e orgulhosa.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,boiada-na-pf,70003891546
Elio Gaspari: Joe Biden está sem rumo
Pelo andar da carruagem, republicanos podem retomar controle do Congresso no ano que vem
Elio Gaspari / O Globo
O presidente americano Joe Biden conseguiu perder a eleição na Virgínia um ano depois de ter vencido naquele estado com uma vantagem de dez pontos. Pelo andar da carruagem, os republicanos poderão retomar o controle das duas casas do Congresso no ano que vem, ressuscitando o trumpismo. A falta de rumo dos democratas pode ser ilustrada pelo caso do blogueiro Allan dos Santos. É um episódio menor, paroquial, e também significativo.
Tendo prometido uma revisão da política de controle das fronteiras e escolhido sua vice, Kamala Harris, para cuidar da encrenca, Biden não sabe para onde ir, e Kamala, com seu imenso sorriso, simplesmente sumiu.
Entre o final do governo Trump e outubro passado, foram deportados 56.881 brasileiros que tentavam entrar nos Estados Unidos sem a documentação adequada. É o jogo jogado, não tem os papéis, volta para casa. E Allan dos Santos?
O blogueiro está nos Estados Unidos desde julho do ano passado, e no início de outubro teve sua prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Seu visto de turista expirou há tempo, e Moraes pediu que ele fosse recambiado para o Brasil.
O blogueiro, estrela do bolsonarismo eletrônico, defende-se e quer ficar por lá. Ele sustenta que é jornalista e está sendo perseguido. Há dias, ele voltou ao ar: “Eu não sei se o Alexandre vai conseguir me calar. Mas uma coisa eu tenho certeza, e essa certeza é absoluta: quando vierem me calar, estarei falando.”
A diplomacia americana pode oferecer abrigo a Allan dos Santos ou pode tratá-lo como trata os estrangeiros sem a documentação adequada. O que não tem sentido é que nada faça. Faz tempo, ela deu asilo a Leonel Brizola em poucos dias, e não faz tempo, a imigração americana embarcou mais um avião de deportados para o Brasil.
Biden está sendo comido pelos dois lados. Pela direita, porque tem uma agenda de centro. Pela esquerda, pelo mesmo motivo. Se isso fosse pouco, dorme durante reuniões chatas.
Eremildo, Bolsonaro e Moro
Eremildo é um idiota, e por isso leu três vezes o depoimento de Bolsonaro à Polícia Federal. Lá está escrito o seguinte:
“Ao indicar o delegado Alexandre Ramagem ao ex-ministro Sergio Moro, este teria concordado com o presidente desde que ocorresse após a indicação do ex-ministro da Justiça à vaga no Supremo Tribunal Federal.”
A frase telegráfica não permite dizer que Moro ofereceu uma troca. De certa forma, não permite dizer coisa alguma. Tudo ficaria mais claro se Bolsonaro pudesse reproduzir o que ouviu, contando quando a conversa ocorreu. Pelo que o depoimento registra, Eremildo acha que a história não faz sentido.
A conversa mencionada por Bolsonaro teria ocorrido em abril de 2020. O presidente queria para logo a nomeação de Ramagem para a chefia da Polícia Federal, mas a vaga do ministro Celso de Mello só viria em setembro, mais de quatro meses depois.
Sem as imprecisões que o tempo impõe à memória, Eremildo acha que merece crédito a curta troca de mensagens ocorrida naqueles dias entre a deputada Carla Zambelli e o então ministro da Justiça:
“Por favor, ministro, aceite o Ramagem e vá em setembro para o STF. Eu me comprometo a ajudar a fazer JB (Jair Bolsonaro) prometer”.
Moro respondeu: “Prezada, não estou à venda”.
Lula com Alckmin
De uma víbora do Centrão, experiente porém suspeita:
O Lula pode estar fingindo que oferece a vice ao Geraldo Alckmin, e ele finge que acredita.
Racharam Alcolumbre
O episódio das rachadinhas no gabinete do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) ajudou a passar a escolha de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.
Até o fim deste mês, Alcolumbre liberará o nome de Mendonça para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça, e logo depois ele irá ao plenário. Se a ajuda será suficiente para formar uma maioria, é outra história.
Jaboticabas
Um magistrado brasileiro recebia a visita de colegas americanos quando surgiu o tema dos precatórios.
Os americanos queriam saber o que era aquilo, e o juiz explicou que se tratava de dívidas reconhecidas pelo Judiciário e que não eram pagas. Por delicadeza, mudaram de assunto.
Em outra ocasião, o juiz Antonin Scalia disse que não entendia por que em Pindorama dizia-se que uma lei (da ditadura) era considerada legal, porém ilegítima. “Para mim, isso é blablablá”, disse Scalia.
Explicaram-lhe que de acordo com os Atos Institucionais, as medidas praticadas com base neles não podiam ser apreciadas pelo Judiciário.
Perplexo, Scalia abandonou o tema.
Moro e Dallagnol
Se o ex-juiz Sergio Moro e o agora ex-procurador Deltan Dallagnol disputarem cadeiras no Congresso, terão a surpresa de suas vidas. Na Câmara e no Senado, a voz de qualquer parlamentar vale o mesmo que a deles. Nenhum dos dois habituou-se a tamanho desconforto.
Se Moro disputar uma cadeira de senador, não aguenta oito anos de exercício rotineiro do mandato.
Gatilho rápido
Durante a campanha eleitoral do ano que vem, o Tribunal Superior Eleitoral pretende entrar no salão com o dedo no gatilho.
Pode-se acreditar que os suspeitos de sempre arriscam ir para a cadeia. Mais que isso: chapas e/ou candidaturas poderão ser embargadas.
Desta vez, nenhum processo rolará durante três anos.
A lira da Câmara
Arthur Lira, o presidente da Câmara, não é um personagem simpático, e suas ideias são claras como a noite, mas ele reuniu tamanho arsenal que de pouco adianta prever suas derrotas.
É melhor virar a chave: em princípio, ele ganha.
Petrobras
Bolsonaro recebeu sinais de seu mundo para que esfrie o debate em torno de uma eventual venda da Petrobras.
Quando ele quis colocar velhos amigos no governo, as cerejas desses bolos vieram da Petrobras.
A menos que ele encarregue D. Hélder Câmara e D. Eugênio Salles para desenhar uma eventual privatização da empresa, o tema fluirá para um só estuário, no qual naufragou o navio do comissariado petista.
Quando Fernando Henrique Cardoso privatizou a Vale do Rio Doce, com um caroço muito menor, o capitão defendeu seu fuzilamento.
Crivella candidato
A notícia segundo a qual o ex-prefeito Marcelo Crivella poderá disputar uma vaga no Congresso livraria o governo do constrangimento de ter que esquecer sua nomeação para a embaixada na África do Sul.
Indicado em junho, o doutor ficou travado no silêncio do governo de Pretória, que não lhe concedeu o agrément. No início de outubro, Bolsonaro ligou para o presidente Cyril Ramaphosa e pediu sua ajuda.
Até agora, nada.
Dificilmente a iniciativa do capitão partiu de uma sugestão de diplomatas profissionais. Eles sabem que o silêncio de uma chancelaria sugere a retirada do pedido de agrément, e telefonemas desse tipo só servem para agravar a questão.
Fonte:
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro pode ficar sem dinheiro para aprovar Auxílio Brasil
Governo ainda não diz para quem e como vai pagar benefícios e corre risco no Congresso
Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo
O Auxílio Brasil ainda não existe. O dinheiro para pagar o Auxílio Brasil também não. Talvez não exista dindim para bancar a aprovação desse e outros gastos no Congresso. É difícil acreditar que deputados e senadores deixem de aprovar uma renda básica para pobres, faltando menos de um ano para a eleição. Mas o caldo político engrossou, há problemas na Justiça e os prazos para entregar o benefício ao povo miúdo estão quase estourados.
O Auxílio Brasil por ora é apenas uma medida provisória oca. Ali não se diz quanto será pago a cada família, nem exatamente para quais, nem como, afora para aquelas que já estão no Bolsa Família e olhe lá. Faltam poucos dias para definir isso tudo e muito mais.
O Congresso ainda está longe de chancelar a contabilidade criativa e o calote que vão financiar (também) o Auxílio Brasil. Sem isso, dá para pagar benefícios neste ano. Para 2022, só tem dinheiro para bancar o velho Bolsa Família (cerca de R$ 190 mensais para 15,6 milhões, não R$ 400 para 17 milhões, como quer o governo).
Cabalar votos com o dinheiro de emendas parlamentares ficou mais difícil. A ministra Rosa Weber, do Supremo, suspendeu o pagamento das "emendas de relator" (mudanças de destinação de verba do Orçamento definidas pelo parlamentar que redige a proposta final da lei orçamentária. Em geral, beneficiam os escolhidos pelos chefes do centrão).
As "emendas de relator", o Bolsolão, pagaram muitos dos votos que aprovaram na Câmara, em primeira rodada de votação, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que formaliza o calote de parte dos precatórios e muda o reajuste do limite de despesas federais. Mas falta o segundo turno na Câmara, faltam dois turnos no Senado.
Na semana que vem, o Supremo deve decidir se barra de vez as "emendas de relator". Na melhor das hipóteses (para o governismo), a mera indefinição vai dificultar os negócios na Câmara e no Senado, já bastante indócil.
Além de reajustar o teto de gastos, a PEC autoriza o governo a deixar de honrar pelo menos R$ 47 bilhões dos R$ 89 bilhões de precatórios que deveria pagar em 2022, calote que não cai bem no Senado e pode terminar na Justiça. O reajuste do teto deve render quase outro tanto de dinheiro para o Orçamento federal.
No entanto, o governo precisa de R$ 47 bilhões extras apenas para pagar o Auxílio Brasil em 2022. Diz que vai precisar de outros R$ 24 bilhões extras para pagar reajustes de benefícios previdenciários (pois a inflação será maior do que a prevista pelo projeto de lei orçamentária).
Vai sobrar pouco para emendas parlamentares extras, de relator ou outra mumunha que inventem. Se o Supremo derrubar as "emendas de relator" e se o Congresso não fizer algum acordão de gastos, Jair Bolsonaro terá mais problemas para sustentar a "velha política".
Se a PEC dos Precatórios não passar ou for amputada de modo essencial, o governo terá de improvisar ainda mais, mais do que fez com o Auxílio Brasil, por incapacidade técnica, negligência e laborfobia. Teria então de pagar algum auxílio para os pobres com créditos extraordinários, o que é em tese ilegal. Sabe-se lá como arrumará dinheiro para bancar o reajuste extra dos benefícios previdenciários etc.
O pessoal do Congresso não nasceu ontem, quase sempre se arruma. A mutreta fiscal, judicial e política está meio liberada. Quase ninguém no sistema de poder quer degolar Bolsonaro na Justiça ou por impeachment, de resto. É verdade que o PIB de 2022 está sendo dissolvido no ácido dos juros da praça financeira, mas Bolsonaro e centrão não estão nem aí. No entanto, aumentou o risco de dar besteira até para a turma da safadagem.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/11/bolsonaro-pode-ficar-sem-dinheiro-para-pagar-centrao-e-aprovar-auxilio-brasil.shtml
Janio de Freitas: No país que nunca chega lá
Não se vê bom senso que preveja resultados não assustadores para o próximo ano
Janio de Freitas / Folha de S. Paulo
Piores notícias sobre o custo de vida e as condições da economia fortalecem, a cada dia, o contraste entre a urgência social de impulsos reais para a retomada e a inabilitação embromatória de Paulo Guedes. Nos últimos dias, sucederam-se as seguintes constatações, carentes da divulgação com a visibilidade necessária:
— A produção industrial caiu, em outubro, pelo quarto mês consecutivo. Já em pleno período de atividade para abastecer o comércio natalino. Queda de produção tem reflexo direto em desemprego, redução de salários em eventuais contratações e queda de arrecadação federal e local;
— 70% dos trabalhadores recebem, hoje, menos do que recebiam antes da pandemia, em 2019. E esses dados nem estão com atualização precisa. O economista Daniel Duque fez o estudo, na Fundação Getulio Vargas, com dados até junho. Mas nos quatro meses desde então, os componentes da pesquisa só a fariam mais ácida. A favor de Bolsonaro e Paulo Guedes, a pesquisa teve a correção de registrar ganhos, também: nos 30% que tiveram ganho ou, ao menos, nada perderam, os 10% mais abonados ganharam 8% limpinhos.
— Os preços dos alimentos consumidos pelas camadas mais pobres aumentaram 20% nos últimos 12 meses e agressivos 40% durante a pandemia;
Sobre esse chão esburacado, e em apenas dois dias da semana passada, Bolsonaro soltou R$ 909 milhões de verbas para aplicação por parlamentares. Foi seu modo de aprovar na Câmara o tal "projeto dos precatórios" (dívidas oficiais com pagamento programado). Essa autorização de elevados gastos efetivaria também o remendo social, e sobretudo eleitoral, chamado Auxílio Brasil, substituto do bem-sucedido Bolsa Família. Nada mais incerto, porém.
Quase um bilhão deram a Bolsonaro apenas quatro votos acima do mínimo. Compra descarada, chantagem e corrupção enlaçadas, com deputados do PDT (de Ciro Gomes), do PSDB (de João Doria e Eduardo Leite) e do PSD (de Rodrigo Pacheco) invertendo sua oposição ao projeto. O quase bilhão cobre a segunda votação na Câmara e as duas no Senado.
Mesmo que obtenha as três aprovações, o rumo e o ritmo da degradação econômica prometem esvaziar o Auxílio em pouco tempo. O governo não terá meios financeiros nem políticos para mais bilhões de novo e apressado remendo. O escândalo da compra-e-venda, por seu lado, eclodiu também nos partidos e mexeu até com o rascunho de pré-candidaturas à eleição presidencial, acentuando a dificuldade já da próxima votação. Esvaziado e não recomposto o Auxílio, a realidade das diferenças socioeconômicas não se contentará com os tons de cinza tão atuais.
E surge, ainda, um problema benfazejo, na palavra incisiva de alta decisão judicial. Ao determinar a suspensão do sigilo e de liberações das chamadas emendas parlamentares —corrupção usual no pós-ditadura—, a ministra Rosa Weber feriu uma das imoralidades, senão a maior, que condenam o país a nunca chegar lá, quando se pretende uma solução necessária e correta, seja em que questão for.
Devida ao PSOL, a ação ainda irá ao plenário do Supremo, mas a grandiosa liminar de Rosa Weber abre um processo corretivo fundamental para hoje e o amanhã. Com ou sem apoio do plenário, o Supremo já pôs no cadafalso o truque ordinário das emendas corruptoras.
Se aprovado, o Auxílio não sustentará nem a situação grave deste momento. Tal como sua derrota não encontrará na perplexidade fantasiosa de Paulo Guedes, com "a venda da Petrobras" e "um trilhão em venda de imóveis da União", alguma inteligência contra a derrocada socioeconômica e seus fins imprevisíveis. Por isso não se vê bom senso que preveja resultados toleráveis para este ano e não assustadores para o próximo.
Até o Banco Central reduz as estimulantes previsões que emite. Não é preciso dizer mais. Exceto sobre a miséria que se alastra, a fome, a nova onda assassina contra os indígenas. E sobre o sugestivo prestígio das milícias do Sudeste que se implantam na exploração clandestina da Amazônia. Como Bolsonaro e a cúpula da Polícia Federal sabem.
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As infiltrações, as traições e as delações fatais são um problema complexo, com nuances a cada caso, para o qual as experiências revolucionárias de século e meio não encontraram solução, apesar de todas suporem tê-la. Lucas Ferraz, um dos grandes repórteres brasileiros, dedicou-se ao tema por seis anos. E agora sai "Injustiçados" (Cia. das Letras): importante como relato histórico, incitante pela exposição de casos problemáticos na luta armada brasileira durante a ditadura, e de objetividade jornalística admirável —não faz nem discute teoria; conta erros que houve, acertos que faltaram, a força do medo. O leitor conhecerá e viverá o problema do perdão e do "justiçamento".
Lucas Ferraz integrou o melhor time de repórteres tido pela Folha. Hoje vive na Itália.
Fonte: Folha de S. Paulo