Bolsonaro
Pablo Ortellado: O que temer no 7 de Setembro?
Há muita expectativa quanto à dimensão e às consequências da manifestação em apoio a Bolsonaro no 7 de Setembro
Pablo Ortellado / O Globo
O principal temor é que o 7 de Setembro possa ser uma espécie de 6 de janeiro brasileiro — manifestantes pró-Trump invadiram o prédio do Congresso nos Estados Unidos naquele dia para tumultuar a sessão que confirmaria a vitória eleitoral de Joe Biden. Cinco pessoas morreram, e 138 policiais ficaram feridos.
Mas há diferenças importantes entre o 6 de janeiro americano e o 7 de Setembro brasileiro. A principal delas é que a invasão do Capitólio foi um movimento ousado, que tomou as autoridades de surpresa.
Aqui, todos os piores cenários foram antecipados pelas autoridades: a participação na manifestação de policiais militares armados, o bloqueio de estradas por caminhoneiros e uma invasão ao prédio do Supremo Tribunal Federal ou do Congresso. Pode ser que as precauções tomadas não sejam suficientes, mas a Justiça e os governadores tomaram medidas para monitorar e impedir essas ações.
Outra diferença importante é que o 6 de janeiro americano foi um gesto desesperado do trumpismo, que havia sido derrotado eleitoralmente. Aqui, embora as pesquisas indiquem que o apoio a Bolsonaro está caindo, ainda falta mais de um ano para as eleições.
Os bolsonaristas têm feito um grande esforço de mobilização — provavelmente o maior desde que o presidente tomou posse. Esse esforço se justifica. Bolsonaro tem perdido apoio mês a mês, e as perspectivas da economia e o avanço da variante Delta não sugerem uma inversão de rumo.
As aspirações golpistas de Bolsonaro precisam de respaldo popular ou pelo menos de uma imagem de respaldo popular. Seu discurso é que ele, na condição de chefe supremo das Forças Armadas, vai fazer “o que o povo pedir”.
No entanto, até agora, o saldo da mobilização de rua tem sido amplamente favorável à esquerda. As manifestações contra Bolsonaro em maio, junho e julho foram muito grandes, e a maior manifestação bolsonarista até agora, no 1º de Maio, deve ter sido pelo menos três vezes menor.
Talvez a opção pelas motociatas tenha sido uma maneira de mascarar essa diferença, seja porque motociata é um gênero de mobilização não diretamente comparável com uma passeata ou comício, seja porque a reunião de motos amplifica a sensação de multidão. A concentração das manifestações do 7 de Setembro em apenas duas cidades, São Paulo e Brasília, compõe essa estratégia de aumentar artificialmente a sensação de apoio.
Além disso, Bolsonaro recebeu um presente da esquerda. A tradicional manifestação do Grito dos Excluídos, que acontece todo 7 de Setembro, neste ano foi convocada sem muito empenho e organização, e a expectativa é que seja pequena.
É absolutamente certo que o bolsonarismo vai comparar registros fotográficos das duas manifestações para desmentir os institutos de pesquisa, “provar” a popularidade do presidente e dizer que “o povo” o está autorizando a agir.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-7-de-setembro-pode-ser-nossa-invasao-do-capitolio.html
El País: Câmara empurra mais mudanças para as eleições de 2022
Proposta também traz mudanças que limitam a Justiça Eleitoral e põem obstáculos à renovação política
A boiada segue passando na Câmara dos Deputados. Os parlamentares começaram a debater no plenário nesta quinta-feira, 2 de setembro, o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/21, que institui um novo Código Eleitoral, com mais de 900 artigos e quase 400 páginas, e que pretende impor diversas mudanças já a partir das eleições de 2022. O plano é de que o texto seja votado e aprovado na próxima semana. A maior parte desses artigos consolida em leis resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de forma a garantir mais segurança jurídica ao processo eleitoral. O diabo, como sempre, mora nos detalhes. O texto carrega mudanças controversas, como uma quarentena de cinco anos após deixarem os cargos para policiais, militares, membros do Ministério Público e juízes se candidatarem, ou a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia da eleição. Mas a principal crítica entre analistas e parlamentares é a pressa do Parlamento para aprovar mudanças tão importantes.
Nenhuma eleição no Brasil é igual a outra desde 1988. A cada quatro anos o Congresso Nacional aprova alterações para os pleitos seguintes. A última ocorreu em 2017, quando os parlamentares acabaram com as coligações proporcionais e instituíram uma cláusula de barreira com o objetivo de enxugar o quadro partidário. Fruto de longos debates na sociedade civil, na imprensa e no próprio Congresso, essas mudanças constantes não são necessariamente ruins, porque podem significar evoluções e um amadurecimento do sistema eleitoral.
O problema é que, agora, num contexto de pandemia de coronavírus e com sessões sendo realizadas por videoconferência, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), vem imprimindo um ritmo de urgência a pautas delicadas, sem passar muitas vezes por comissões ou debates mais amplos. No início de agosto, um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) voltou a implementar as coligações proporcionais para as eleições de 2022 quatro anos depois da mesma Câmara derrubá-las —como o fim delas só começaria a valer a partir do ano que vem, não deu tempo de o país sequer avaliar os resultados da mudança. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já disse que não pretende pautar a alteração.
Nesta semana, a Câmara votou a toque de caixa uma reforma tributária que, segundo analistas, geram problemas graves de arrecadação. Agora, a Casa dá mais um passo apressado para impor novas mudanças para as eleições. “Vejo com muita preocupação o fato de a Câmara estar aprovando com muita pressa. Tanto a PEC [da reforma política] como o Código Eleitoral são pontos sensíveis. Precisam de um debate mais demorado e envolvendo mais atores”, explica Leonardo Martins Barbosa, cientista político do IESP/UERJ e pesquisador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB).
Freio na reforma
As criticas ao projeto geraram a campanha “Freio na Reforma”, que conta com mais de 30 organizações da sociedade civil, entre elas o Movimentos Transparência Partidária, ITS Rio, o Pacto Pela Democracia e o Movimento Livres. Em conjunto com cinco deputados federais e dois senadores, entraram com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira, 31 de setembro, pedindo que fosse formada uma comissão especial para analisar o projeto.
“O regimento interno é muito expresso ao determinar que, para fazer qualquer tipo de mudança no código, é preciso constituir uma comissão especial”, explica o advogado Irapuã Santana, que assinou a petição ao Supremo. “Foi feito apenas um grupo de trabalho que o próprio Lira escolheu os membros, sem nenhuma representatividade, sendo que uma comissão especial deve guardar uma proporcionalidade, deve ser por votação... Uma série de regras do legislativo não foram cumpridas”, acrescenta. Os próprios deputados chamavam atenção nesta quinta para as surpresas que tinham a cada nova leitura do relatório.
O relator desse mandado de segurança, o ministro Antonio Dias Toffoli, deu 48 horas para que Lira desse explicações sobre o andamento do novo Código Eleitoral —algo que não ocorreu. Com receio de interferir em questões internas do legislativo, Toffoli indicou que enviará o caso para o plenário do Supremo. “O tribunal tem uma jurisprudência muito forte no sentido de que o devido processo legislativo precisa ser cumprido, senão ele precisa voltar. Portanto, já estamos estamos invocando um precedente”, explica Santana. Ele afirma que é preciso fazer audiências públicas e buscar estudos que demonstrem que determinadas mudanças ou manutenções de regras serão favoráveis à população. “Quando vemos que isso está sendo feito de uma maneira apressada, parece que esses objetivos não são tão republicanos”, argumenta o advogado, que acredita que o novo Código Eleitoral vai na “contramão do que a sociedade vem querendo”, ao colocar um empecilho no fluxo de renovação política no país.
Entre os pontos considerados mais problemáticos, ele afirma que foram deixados de lado regras que garantam recursos para negros e mulheres e uma representação proporcional no Congresso. Um dos pontos que está em discussão no projeto é que, ao distribuir os recursos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, sejam contados em dobro os votos dados a esses dois grupos para a Câmara. Na sessão desta quinta, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) enumerou outras críticas, como o enfraquecimento da Lei da Ficha Limpa (pela nova norma, um político condenado começaria a cumprir seu período de oito anos de inelegibilidade a partir da condenação, e não ao fim do cumprimento da pena, como ocorre hoje) e uma autoridade que renunciasse antes do fim de seu processo de cassação poderia manter seus direitos políticos.
O projeto também determina que os candidatos apresentem seus documentos por meio do sistema da Receita Federal, que é menos detalhado, e não mais pelo modelo atualmente usado pela Justiça Eleitoral —o que, segundo críticos, atrapalha as tabulações e cruzamentos. Outro tema considerado problemático é que os gastos de campanhas eleitorais poderão ser divulgados apenas depois de encerradas as votações —atualmente, os candidatos devem publicar seu patrimônio ao registrarem suas candidaturas, assim como fazer prestações parciais das despesas de seus comitês de campanha. O projeto também prevê a possibilidade de empresas privadas serem contratadas pelas siglas para auditarem a contabilidade partidária. Defensores afirmam que isso pode agilizar a apreciação do uso de dinheiro público pelos partidos, diminuindo o volume de trabalho da Justiça Eleitoral, mas os críticos temem que isso também diminua a fiscalização sobre os partidos.
A autora do projeto, a deputada Soraya Santos (PL-RJ), defende que ele une em um só texto todas as regras —partidos, eleições, inelegibilidades, propaganda eleitoral, financiamento de partidos e de eleições, crimes eleitorais, entre outros— e busca superar divergências em decisões tomadas pela Justiça Eleitoral. O texto, argumenta ela, “encampa a crescente demanda dos especialistas da área por um corpo coerente e fechado de normas processuais”.
Ao contrário de outros temas, o novo Código Eleitoral não parece dividir Governo e oposição. Deputados bolsonaristas, por exemplo, são contrário à quarentena de cinco anos para policiais, militares, promotores e juízes. “Acaba por cercear ainda mais a ascensão política dessa categoria”, argumentou nesta quinta-feira o parlamentar Coronel Tadeu (PSL-SP). Inicialmente, a quarentena já valeria para 2022 —o que foi interpretado como uma tentativa de evitar a participação do ex-juiz Sergio Moro no próximo pleito—, mas a relatora, a deputada Margarete Coelho (PP-PI), alterou a vigência para 2026. “É preciso debater a exclusão dessa quarentena e trazer o princípio da isonomia a todos os cidadãos que pleiteiam o espaço político”, argumentou a deputada Renata Abreu (Podemos-SP). Outro tema considerado importante por siglas pequenas ameaçadas pela cláusula de barreira, como o PCdoB, é a aprovação das federações partidárias e o uso das “sobras” em eleições proporcionais —isto é, votos remanescentes— por partidos menores.
Manutenção do status quo
De acordo com Barbosa, do Observatório do Legislativo Brasileiro, projetos que atendam aos interesses da classe política “não necessariamente são ruins”. Por exemplo, ele acha importante debater a diminuição do prazo para que a Justiça Eleitoral analise a prestação de contas dos partidos. O projeto diminui esse prazo de cinco para dois anos, “sob pena de extinção do processo”. Porém, o cientista político acredita que o Congresso tem se valido da pandemia para modificar regras eleitorais em um tempo curto. “O que está por trás é a intenção de manter o status quo e dificultar a renovação”, explica. “É importante construir um Código Eleitoral para dar mais transparência a essas leis. Isso é um movimento importante. O que não pode é ser unicamente motivado pelo interesse de manutenção do status quo”, completa.
O problema da pressa e da falta de debate, continua Barbosa, é que “matérias importantes acabam tendo um projeto de lei ruim”. Ele diz que a estratégia de Lira não é formar maiorias a partir de pontos de consenso, mas sim inserir vários pontos que atendam interesses miúdos —como a proibição de pesquisas eleitorais no dia e na véspera das eleições, uma demanda da extrema direita bolsonarista.
Além disso, Barbosa não vê o Senado com a mesma disposição de aprovar a toque de caixa mudanças importantes. Uma demonstração disso ocorreu nesta quarta-feira, quando os senadores rejeitaram por ampla maioria um projeto que flexibilizava e precarizava ainda mais as relações de trabalho. Além disso, senadores vêm dedicando mais tempo para outros temas delicados aprovados pela Câmara, como as mudanças no licenciamento ambiental. Sobre o Código Eleitoral, ainda restam dúvidas de como se posicionará. “Quando o Senado discorda, a tendência é que esses temas sequer sejam pautados para votação. Ele já deu amostras de que não aceitará qualquer coisa que venha da Câmara”, explica Barbosa. É de se questionar, portanto, as prioridades estabelecidas pelos deputados, que têm gastado um bom tempo da legislatura dando atenção a projetos que não parecem ter futuro.
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/brasil/2021-09-03/camara-empurra-mais-mudancas-para-as-eleicoes-de-2022-escondidas-em-um-projeto-de-400-paginas.html
João Gabriel de Lima: 'Nossa democracia não pode ser abalada por radicais'
Democracia brasileira, vibrante, batizada nas ruas, não pode ser abalada por radicais
João Gabriel de Lima, O Estado de S.Paulo
O batismo de nossa democracia se deu nas ruas, com a campanha das Diretas-Já. De lá para cá, as manifestações se incorporaram ao cotidiano de nossa vida política. Manifestações que costumam ser civilizadas na forma – até para o padrão de regimes de liberdade mais maduros, como França e Estados Unidos – e democráticas no conteúdo. Protestamos contra a inflação, por sistemas de saúde e educação “padrão Fifa” e por leis mais duras de combate à corrupção – ou seja, pelo aprofundamento dos aspectos sociais e éticos de nossa democracia.
Se as ruas foram a pia batismal do nosso regime de liberdade, a certidão de nascimento foi a Constituição de 1988. Mesmo com algumas contradições, ela nos desafia a implantar um Estado de bem-estar social. Além disso, ao passar o poder para as mãos dos civis, nossa Constituição estabelece de forma clara o papel dos militares. Em seu livro Dano Colateral, a jornalista Natalia Viana lembra como foi redigido o artigo sobre a “Garantia da Lei e da Ordem”. No texto fica claro que o Exército não é um “poder moderador”, podendo atuar apenas quando convocado por poderes civis.
Nos últimos anos, o Brasil colecionou notas altas nos rankings internacionais de democracia liberal, como Freedom House e V-Dem. “Democracia” significa implementar a “vontade do povo” por meio de eleições. O termo “liberal”, em sua acepção política, se refere à garantia dos direitos e ao primado das leis. Nenhum governante eleito, em nome da “vontade do povo”, pode agir contra as leis e os direitos estabelecidos na Constituição.
Infelizmente, há quem pense de forma bem diversa. Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, destacada em manchete na quinta-feira pelo Estadão, mostra que a adesão a teses como o fechamento do Congresso e a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal aumentou 29% entre policiais militares. Pode-se criticar decisões de parlamentares ou juízes do Supremo, mas nada justifica tais teses, antidemocráticas em essência. O Congresso, um poder eleito, é a expressão mais plural da “vontade do povo”, e a Corte suprema é a guardiã do pilar “liberal” – o dos direitos – em qualquer democracia.
Jair Bolsonaro deu declarações dúbias sobre o 7 de Setembro, dando munição a quem fala em tentativa de golpe – como o presidente do PSD, Gilberto Kassab. Natalia Viana – que hoje vive em Boston, num período de estudos na Universidade Harvard – não acredita que o Exército embarque em qualquer aventura autoritária. Ela conversou com vários generais na confecção de seu livro sobre militares e política, e é a entrevistada do minipodcast da semana.
Em manifestações recentes, lideranças do Exército externaram uma postura legalista, ecoando movimentos da sociedade civil. Centrais sindicais, associações de bancos e do agronegócio elaboraram manifestos defendendo a democracia. O governo tratou tais entidades como antagonistas, pressionando os signatários dos textos. “O clamor por responsabilidade e harmonia institucional é visto pelo Palácio do Planalto como radical oposição aos planos do bolsonarismo”, escreveu o Estadão em editorial.
Os últimos monitoramentos de redes sociais rastrearam um recuo do discurso autoritário. É uma boa notícia. Nossa democracia vibrante, nascida com uma Constituição e batizada nas ruas, não pode ser abalada por radicais sem compromisso com nenhuma das duas – nem com a Constituição, nem com a democracia.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,as-ruas-a-democracia-e-o-7-de-setembro,70003831122
Miguel Reale Júnior: Estabilidade e terceira via
Cumpre exigir dos presidenciáveis um só caminho do centro, em prol do Brasil
Miguel Reale Júnior / O Estado de S. Paulo
No início do mês passado foi publicado manifesto assinado por figuras importantes da nossa sociedade como intelectuais, economistas, empresários, banqueiros, líderes religiosos. Desse documento destaco: “A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias”.
Em meados de agosto, o presidente da República enviou ao Senado Federal pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Em documento enviado ao presidente do Senado por ex-ministros da Justiça e da Defesa, propunha-se o arquivamento imediato do pedido como “caminho que evite constrangimento indevido e conduza ao apaziguamento dos ânimos e à reafirmação do respeito e da confiança no Poder Judiciário e no Estado de Direito”.
A Febraban, com apoio de 300 entidades, organizou manifesto a ser publicado pela Fiesp, que à última hora, constrangedoramente, recuou de dá-lo a público. Mas a Febraban e as demais entidades reafirmam esse texto, em nada agressivo ao governo, pois sua tônica é a defesa da democracia, como se pode ver no parágrafo a seguir.
“As entidades da sociedade civil que assinam este manifesto veem com grande preocupação a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas. O momento exige de todos serenidade, diálogo, pacificação política, estabilidade institucional.”
Setor fundamental da economia brasileira, que tem mantido as exportações e o crescimento do PIB nacional, o agronegócio, por intermédio de seis entidades, a começar pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), em posição firme, ao contrário da pusilanimidade da Fiesp, deu publicidade a documento incisivo acerca do instante movediço vivido no País. E enfatizou “sua preocupação com os atuais desafios à harmonia político-institucional e como consequência à estabilidade econômica e social em nosso país. As amplas cadeias produtivas que representamos precisam de estabilidade, segurança jurídica, harmonia para poder trabalhar”.
A sociedade brasileira, que assistia atônita às representações diárias de irracionalidade do sr. presidente, muitas vezes verbalizadas de forma chula, percebeu os riscos da criação artificial de confrontos promovida pelo mandatário. Esses antagonismos deixaram de ser em face de partidos e de pessoas, e passaram a ser em vista de instituições da democracia, criando um clima de grande insegurança.
Os agentes econômicos dos mais diversos setores expressam agora o sentimento principal que preside o nosso cotidiano: a sociedade brasileira está cansada de guerras inventadas que sinalizam a necessidade falsa da adoção de medidas totalitárias, pois se quer, antes de tudo, estabilidade.
Por isso, a tônica das manifestações está na extrema preocupação com a escalada de tensões e hostilidades entre as autoridades públicas, clamando-se pelo apaziguamento dos ânimos, pelo diálogo, pela pacificação política.
A democracia deve defender a si mesma, para que a liberdade não seja usada para destruir a liberdade de todos. Numa democracia militante defende-se não incrementar conflitos, principalmente de modo artificial, confundindo maliciosamente a liberdade de expressão com a liberdade de agressão, como agora pretende Bolsonaro ao convocar para os atos de 7 de setembro.
Esses manifestos das forças econômicas proclamam: precisamos “de estabilidade, segurança jurídica, harmonia para poder trabalhar”. Ao mesmo tempo reafirmam seu compromisso com o Estado de Direito, declarando: “A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias”. É demonstração veemente de estarmos numa democracia militante, a tal ponto que a própria sociedade se apresenta como asseguradora da ordem constitucional.
Certamente não será a argumentação melíflua do presidente da Câmara dos Deputados aos ouvidos solícitos do presidente da Fiesp que vai desfazer a realidade tão bem desenhada no manifesto da Febraban, ou seja: o risco contínuo de instabilidade com Bolsonaro no poder.
A intensa preocupação atual dos agentes econômicos e o pavor dos desempregados mostram como é temível a reeleição de Bolsonaro. Impõe-se, então, pensar com maior determinação numa terceira via que responda a esses anseios de paz, de estabilidade e de visualização do futuro.
Os subscritores dos recentes manifestos em prol do Estado de Direito devem se pôr em campo para exigir que os presidenciáveis do centro, após a legítima apresentação de sua ambição de ocupar a Presidência, venham a encontrar, dentre eles, alguém que aglutine e constitua governo conjunto, em torno de um só nome, como se fez na eleição de 1985, quando Ulysses e Montoro abdicaram da condição natural de candidatos em favor de Tancredo, o qual teria, mais que eles, condição de compor diversos setores políticos a seu favor.
Há tempo, mas cumpre a todos se debruçarem nessa tarefa de exigir dos presidenciáveis a criação de um só caminho do centro democrático, em prol do Brasil.
*Advogado, professor titular sênior da faculdade de direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,estabilidade-e-terceira-via,70003830873
Ministros do TSE avaliam hipótese de Bolsonaro ficar inelegível
Magistrados discutem nos bastidores estratégia jurídica que pode tirar presidente da disputa em caso de risco de ruptura; atos do 7 de Setembro podem ser usados como prova
Weslley Galzo e Lauriberto Pompeu, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) discutem uma estratégia jurídica que pode deixar o presidente Jair Bolsonaro inelegível para a eleição de 2022. O cerco judicial está se fechando a partir de um inquérito administrativo instaurado no TSE em resposta a uma transmissão ao vivo realizada pelo presidente, em julho, acusando o tribunal, sem provas, de fechar os olhos para evidências de manipulação em urnas eletrônicas.
Na visão desses magistrados, a depender do que acontecer e o tom adotado por Bolsonaro em seus discursos, os atos de 7 de Setembro poderão fornecer ainda mais provas contra o chefe do Executivo. O entendimento prévio é de que, uma vez configurado algum crime, o presidente poderá ter sua candidatura negada pela Justiça Eleitoral no ano que vem.
A estratégia da inelegibilidade é discutida nos bastidores para ser usada apenas em caso extremo, de risco efetivo de ruptura institucional, uma vez que, na avaliação de políticos, iniciar agora um processo de impeachment, a um ano e dois meses das eleições, seria tão traumático quanto inviável. Na ocasião em que foi aprovada a investigação no TSE, também foi determinado o envio de notícia-crime contra o presidente ao Supremo Tribunal Federal (STF), que foi aceita e incorporada ao inquérito das fake news.
Apesar de a discussão sobre o cerco jurídico avançar nos bastidores, a medida que pode dar base a uma eventual inelegibilidade de Bolsonaro é reconhecida pelos próprios ministros como pouco convencional. A Justiça Eleitoral nunca havia aberto ação parecida, por isso o discurso adotado é de que a alternativa só seria acionada em caso concreto de risco à ordem constitucional. Por outro lado, um ministro do TSE argumenta, em caráter reservado, que nunca houve um ataque tão frontal ao sistema eleitoral como agora e que, por isso, é preciso reagir.
Ameaçados de forma reincidente por Bolsonaro, essa foi a infantaria que os integrantes das mais altas Cortes da Justiça brasileira encontraram para preparar o contragolpe. “Se você quer paz, se prepare para a guerra”, disse Bolsonaro na quarta-feira, em cerimônia da Marinha no Rio. Ontem, mantendo o tom de ameaça, o presidente garantiu que os atos de 7 de Setembro serão um “ultimato” a ministros do STF. Os principais alvos de Bolsonaro são Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, atual presidente do TSE, autores de decisões recentes que desagradaram ao Palácio do Planalto, como a prisão de bolsonaristas.
Em resposta às ameaças de Bolsonaro, o presidente do STF, Luiz Fux, fez um duro discurso anteontem, ao afirmar que a Corte não vai tolerar ataques à democracia, em referência aos atos do dia 7. “Num ambiente democrático, manifestações públicas são pacíficas; por sua vez, a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças”, disse. Bolsonaro pretende discursar no feriado pela manhã, em Brasília, e seguir com comitiva para fazer o mesmo em São Paulo, à tarde.
PGR
Diferentemente de investigações criminais contra Bolsonaro em curso no Supremo, o inquérito administrativo no TSE é considerado uma alternativa mais viável por não depender exclusivamente de denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), comandada por Augusto Aras.
Neste caso, além do Ministério Público Federal (MPF), partidos políticos possuem legitimidade para oferecer representação contra a candidatura do presidente; e será o próprio TSE quem julgará esses pedidos. O único requisito é que apresentem provas de que Bolsonaro cometeu crimes eleitorais.
O inquérito administrativo é comandado pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, Luis Felipe Salomão, e atualmente está na fase da coleta de provas. Ele é chamado de “Plano C” por aqueles que conhecem o seu teor, justamente por reunir evidências que podem ser usadas por partidos para contestar o registro da candidatura de Bolsonaro. A apuração compõe o cerco judicial com outras duas ações de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, além de quatro inquéritos no STF que apuram crimes comuns do presidente.
O foco da investigação eleitoral é constatar se Bolsonaro praticou “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”.
A lei que regula os registros de candidatura afirma que serão inelegíveis os candidatos que “tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral”, com condenação em processo que investigue “abuso de poder econômico e político”. Caso o plano seja colocado em prática, Bolsonaro ficaria impedido de disputar eleições por oito anos.
Rubens Beçak, professor de direito constitucional e eleitoral da Universidade de São Paulo (USP), avalia que o teor subjetivo da lei de inelegibilidade ao definir condutas abusivas permite a interpretação formulada por membros do TSE. Ele pondera que sua aplicação é temerária por não haver precedentes e abrir espaço para contestações. “Dá muito mais higidez ao processo a participação do PGR, mas existe essa outra interpretação e ela parece muito plausível. Quem está pensando em fazer o inquérito pelo TSE, provavelmente, está pensando em dar uma rapidez maior e afastar a influência política do PGR recém reconduzido”, afirmou. “Seria um procedimento completamente heterodoxo, porque isso nunca aconteceu dessa forma. Isso vai criar um precedente tremendo para que possa ser usado contra outros presidentes candidatos à reeleição. Dá um poder desproporcional à Justiça Eleitoral.”
Fake news
Parte dos ministros do STF avalia que o inquérito das fake news também poderia ser um caminho para frear Bolsonaro por possuir amplo potencial incriminatório, mas o entendimento é de que é nula a possibilidade de Aras apresentar denúncia contra o presidente.
O atual PGR já expressou nos bastidores o desejo de ocupar uma vaga no STF e, caso seja mantida a fidelidade a Bolsonaro, poderá ser ele o escolhido para substituir o ministro Gilmar Mendes a partir de 2023, na eventual reeleição do presidente. Na vaga aberta neste ano, Aras foi preterido por André Mendonça, que agora enfrenta a resistência de senadores para tomar posse do cargo.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministros-tse-avaliam-hipotese-bolsonaro-inelegivel,70003831145
Querem nos segregar, diz jovem com deficiência sobre decreto de Bolsonaro
Quando Manu Aguiar nasceu com paralisia cerebral, em 1993, o médico disse à mãe da menina que ela não iria falar e não ia andar
Letícia Mori / BBC News Brasil
Hoje aos 28 anos, Manu não só fala e anda como faz faculdade na Universidade Federal do Paraná. A jovem de Ranchinhos, no litoral paranaense, diz que estudar em escola comum, ao lado de todas as outras crianças (com ou sem deficiência), foi essencial para chegar onde chegou.
Antes de ser matriculada no ensino regular, no entanto, ela estudou em uma escola especial para pessoas com deficiência, na infância.
"Eu tinha 5 anos quando a professora disse para mim mãe que eu tinha 'possibilidade de progredir' e a aconselhou a me matricular em uma escola regular", contra Manu. "Ela disse que se eu ficasse na escola especial, não iria avançar."
Manu considera importante mostrar sua perspectiva em um momento em que um decreto presidencial sobre educação especial está prestes a ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF).
O decreto de Jair Bolsonaro, que institui a política nacional de educação para alunos com deficiência, entrou em vigor em outubro do ano passado, mas foi questionado na Justiça por uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ou seja, uma ação que argumenta que o decreto é inconstitucional.
No fim de agosto, o STF fez uma audiência pública para ouvir a sociedade sobre a questão, mas ainda não há data marcada para a votação em plenário. O decreto é considerado um retrocesso por grupos de pessoas com deficiência e por especialistas em educação.
Ele promove a criação de escolas especiais para pessoas com deficiência que "não se beneficiam" da educação regular, ou seja, um local onde elas não teriam convivência com alunos sem deficiência, que frequentam as escolas regulares.
"O decreto vai na contramão de todo um esforço nacional que é feito há 20 anos no Brasil para garantir o direito de crianças com deficiência à inclusão. A gente precisa que as crianças e adolescentes sejam incluídos em todos os ambientes, especialmente as escolas", afirma Pedro Hartung, presidente do Instituto Alana, entidade de defesa dos direitos das crianças que é amicus curiae na ação do STF.
Na semana passada, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou que estudantes com deficiência "atrapalham o aprendizado de outros alunos". Ao se defender de inúmeras críticas que recebeu após a fala, Ribeiro disse à rádio Jovem Pan que foi "infeliz na escolha do termo", mas não recuou na sua posição.
Incentivar as escolas especiais seria voltar às normas instituídas em 1994 e que vigoraram até 2008, quando uma nova política passou a estabelecer como norma a integração de pessoas com deficiência no ambiente escolar comum.
O decreto de Bolsonaro não proíbe a matrícula em escolas regulares, mas na prática, é isso que vai acabar acontecendo, argumenta Manu. "Vai chegar um estudante com deficiência na escola e vão dizer que não dá para incluir, vão mandar para a especial."
Hartung afirma também que a criação de instituições especiais, além de segregar, retira recursos para adaptação de escolas regulares. "O orçamento para isso é limitado. É preciso que no próprio ambiente escolar a criança possa ter acesso a políticas inclusivas, aulas no contraturno, apoio. Se todo o recurso vai para a criação de escolas especiais, as escolas regulares param de receber melhorias."
Matrículas negadas
Manu Aguiar teme que aconteça com os alunos com deficiência o que aconteceu com ela quando criança: teve a matrícula negada em diversas escolas regulares.
"Teve muita negação de matrícula aqui na época, diziam para colocar na escola especial. Minha mãe insistiu muito, foi de escola em escola pedindo, até que teve uma diretora que falou 'faz a matrícula e a gente vê o que faz depois'", conta Manu, que estudou a vida toda em escolas públicas.
A jovem é totalmente contra o decreto de Bolsonaro, e diz que é preciso investir na preparação das escolas regulares para receber alunos com deficiência, não promover a separação.
"Não temos menos valor para sermos segregados assim", diz Manu. "É preciso preparar o ensino regular, dar meios para os professores promoverem a inclusão e combater o preconceito", afirma.
Crescendo em uma época em que havia pouca conscientização sobre preconceito contra pessoas com deficiência (o chamado capacitismo), Manu conta que sofreu muito preconceito na escola comum, especialmente na adolescência, quando a escola a separou da turma onde ela tinha amigos e a menina sofreu bullying agressivo.
"Eu recebia ameaças no MSN (antigo aplicativo de troca de mensagens), virei chacota. As pessoas falavam para os meninos: 'Você é muito feio, vai namorar com a Manu'. O pior momento foi quando uma menina colocou o pé na minha frente para eu cair no corredor", conta ela.
A paralisia cerebral faz com que Manu tenha dificuldade de mobilidade, e na época dos prédios não tinham rampas e instalações acessíveis. Ela também se cansava muito em escrever. "Meus pais compraram um notebook, porque na digitação eu era rápida. E parecia que tinham parcelado uma casa, de tão caro que era na época", conta.
A escola também foi se adaptando aos poucos, e dando os apoios previstos em lei, como um professor de apoio que a acompanhava fora do horário das aulas comuns.
Apesar de todos os obstáculos que enfrentou, Manu diz que não trocaria o ensino na escola regular pela especial. "Se há capacitismo, você tem que combater, educar, não segregar as pessoas que sofrem esse preconceito. Separar não é a solução", afirma.
Chegando à universidade
Manu afirma que foi essencial ter o mesmo conteúdo que as pessoas sem deficiência e também a interação com todo mundo.
"O mundo é diverso e a gente não pode ficar numa caixa, numa bolha. Eu tirei nota baixa, tive que fazer recuperação, tinha os apoios que a lei prevê, aprendi a lidar com as adversidades. Só cheguei na universidade porque frequentei uma escola regular", diz a jovem.
"Hoje estou terminando a licenciatura em geografia e a gente pesquisa a área de educação inclusiva. As pessoas que continuaram na instituição especial onde eu estudei continuam lá até hoje", diz ela.
"As estatísticas estão aí para mostrar que, entre os estudantes com deficiência na universidade, raríssimos são os que vêm de escola especial. É um resultado que mostra que a educação inclusiva é o caminho."
O estudante universitário Jonatan Silva de Jesus, de 25 anos, também cresceu na época da política das escolas especiais (entre 1994 e 2008) e conta que só estudou em escolas regulares porque "muita gente bateu o pé".
"Foi graças à minha avó, que insistiu. E eu também, porque eu queria ir para a mesma escola dos meus primos", diz Jonatan, que tem paralisia cerebral.
"Na época não tinha inclusão, você não via deficientes na rua. Quando me matricularam, a escola falou 'é por sua conta e risco'", diz ele.
O jovem também acredita que não teria chegado à universidade se não fosse a educação que recebeu na escola regular. Hoje ele cursa educação física na faculdade, estuda inclusão e faz academia. "Treino há cinco anos, mas demorou 4 anos para uma academia me aceitar", diz ele.
"Muita gente recusa, tem medo que eu me machuque. Mas essa desculpa é muito ruim. Não tem adaptação? Então faz a adaptação", afirma.
Já na escola, disse, ele teve sorte ao encontrar uma professora que, embora não estivesse totalmente preparada para a inclusão, fez de tudo para que isso acontecesse.
"Ela falou vamos: aprender todos juntos. Onde eu tinha dificuldade, recebia ajuda, outros alunos me perguntavam. Eu fui bolando junto com professores algumas alternativas", afirma o jovem de Santana do Parnaíba, no interior de São Paulo.
"Ela procurava até atividades na educação física para eu fazer parte também. Me senti acolhido. Meus amigos também abraçaram a ideia e eu fui mostrando para eles também a minha realidade. Se eu tivesse ido para uma escola especial, ia viver numa bolha", afirma.
Jonatan diz que "até entende" pais que defendem a criação das escolas especiais. "Eu entendo, os pais querem proteger. E tem que proteger sim, mas não colocar em uma bolha de vidro e não deixar viver."
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58400488
Como líderes evangélicos usam redes para apoiar ato pró-Bolsonaro
Um dos representantes é Silas Malafaia. Pastor afirma que evangélicos de todo o país estão se organizando para participar de manifestações
Vinícius Lemos / BBC News Brasil
Ele declara que as pessoas devem ir às ruas na próxima terça-feira (07/09) para lutar a favor do país, da família e dos princípios de Deus. Discursos semelhantes têm sido adotados por outros líderes evangélicos nas redes sociais para convocar os fiéis para a manifestação pró-Bolsonaro.
Um dos principais representantes do segmento é o pastor Silas Malafaia. Em 23 de agosto, ele compartilhou um vídeo no qual líderes evangélicos convocam os fiéis para o ato na Avenida Paulista.
"Eu estou capitaneando, sim. Estou na frente disso, chamando tudo que é líder. E nunca, na história desse país, os evangélicos se mobilizaram para um ato como esse", diz Malafaia à BBC News Brasil. Segundo ele, evangélicos de todo o país estão se organizando para participar de manifestações em suas cidades.
Os evangélicos, que segundo pesquisas recentes compõem cerca de 30% da população brasileira, representam um grupo significativo para Bolsonaro. Uma pesquisa Datafolha de maio deste ano apontou que 24% da população em geral considera o governo ótimo ou bom. Já apenas entre a população evangélica, esse número corresponde a 33%.
Em 2018, a pesquisa Datafolha na véspera do segundo turno projetou que sete em cada 10 eleitores evangélicos votariam em Bolsonaro contra o petista Fernando Haddad.
Em maio deste ano, a pesquisa Datafolha ilustrou um cenário diferente de 2018 entre o bolsonarismo e as igrejas evangélicas. O levantamento mostrou que 35% dos evangélicos escolheriam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em um primeiro turno. Já Bolsonaro teria 34% dessa população. Conforme a pesquisa, cada candidato tem 45% das intenções de voto desses religiosos em um eventual segundo turno entre os dois.
"Existe um desembarque das forças em torno do bolsonarismo. Cada vez mais, o Bolsonaro está restrito ao que chamamos de bolsonarismo raiz, grupo do qual os evangélicos fazem parte", aponta Vinícius do Valle, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).
"Mas os evangélicos representam um grupo muito heterogêneo no Brasil. Nas eleições de 2018, o Bolsonaro conseguiu certa hegemonia entre os evangélicos e manteve isso por muito tempo, mas hoje está em crise. Hoje a gente não vê a quantidade de pastores defendendo o Bolsonaro como antes da pandemia", acrescenta Valle, que há uma década estuda a relação entre política e as igrejas evangélicas.
No meio evangélico, há pastores que se manifestaram contra a presença de fiéis na manifestação de sete de setembro.
"Todo esse movimento tem por finalidade ameaçar as instituições do nosso país. Essas pessoas defendem o fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal), essas pessoas defendem o fechamento do Congresso Nacional. Logo, essas pessoas agem contra a democracia, contra o estado democrático de direito", declara o pastor Rodrigo Coelho, do Rio de Janeiro, em um vídeo compartilhado nas redes sociais.
'Em todo o Brasil vai ter evangélico na rua'
Os líderes religiosos estão organizando, segundo o pastor Malafaia, meios de transporte para os fiéis, bandeira e faixas para participarem de atos em São Paulo, Brasília ou em outras cidades pelo país.
"Isso vai ser em todo o Brasil. Em todo o Brasil vai ter evangélico na rua. Não é só em São Paulo e no Rio de Janeiro. Vai ter caravana de tudo quanto é jeito no Brasil", afirma Malafaia.
"Aqui no Rio de Janeiro, estamos colocando um trio elétrico gigante. Mas isso não tem nome de igreja, porque igreja é acima disso. Nós, cidadãos, é que somos evangélicos, então não vai ter nome de igreja nenhuma", completa o pastor.
Malafaia argumenta que a convocação dos fiéis para os atos é fundamental porque, segundo ele, atualmente a liberdade de expressão está em jogo no país.
"Estamos vendo o STF rasgar a Constituição, uma das coisas mais vergonhosas, e com a conivência da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e de grande parte da mídia", declara.
O "ataque à Constituição Federal" ao qual Malafaia e outros líderes evangélicos utilizam como argumento para a convocação aos atos é referente a decisões recentes do STF, que incomodaram Bolsonaro e seus aliados.
Entre essas decisões estão medidas como uma determinação do ministro do STF Alexandre Moraes, no início de agosto, para incluir o presidente Jair Bolsonaro entre os investigados no inquérito sobre divulgação de informações falsas.
Outro ponto criticado por religiosos bolsonaristas são as investigações da Polícia Federal sobre ataques de "milícias digitais". Segundo as apurações, são atos feitos para desestabilizar instituições como o STF e atentar contra a democracia. Em meados de agosto, o ex-deputado Roberto Jefferson foi preso após as investigações apontarem que ele é parte do núcleo político desse grupo.
Apesar de muitos pastores não citarem o presidente nas convocações dos fiéis nas redes sociais para os atos, o discurso desses líderes religiosos é totalmente alinhado ao de Bolsonaro. Outra pauta que eles defendem, a favor do presidente, é o voto impresso, derrotado na Câmara dos Deputados.
"Claro que sabemos que também é (ato) de apoio ao presidente. É evidente", afirma Malafaia.
"A igreja não apoia ninguém. Nós, evangélicos, apoiamos. Nós, evangélicos, não vamos participar de ato de partido político. Mas (ato) de apoio ao presidente, vamos participar. Não tenha dúvida nenhuma", acrescenta o pastor.
Malafaia destaca que uma das maiores movimentações entre evangélicos em sete de setembro deve ocorrer em Manaus (AM). O pastor afirma que os evangélicos da região esperam que 500 mil pessoas saiam às ruas da capital amazonense na manifestação pró-Bolsonaro.
O pastor Renê Terra Nova, de Manaus, também tem feito diversas publicações em suas redes sociais para convocar os fiéis para o ato na terça-feira.
Terra Nova afirma que está apoiando o Brasil, mas diz que no atual contexto isso significa que precisa estar ao lado de Bolsonaro.
"No atual cenário, o governo Bolsonaro está lutando pelo país, e esse é o sonho de qualquer cidadão sério. O Governo Bolsonaro está com nosso apoio, mas não estamos indo às ruas por causa de uma pessoa, mas por causa da plataforma que defendemos - Deus, Pátria e Família, e a nossa liberdade", diz Terra Nova à BBC News Brasil.
Para convencer os fiéis, o discurso dos líderes costuma ser extremo, como o de Munguba Júnior que afirma que aqueles que não participarem do ato querem ser escravizados.
"Quando falo sobre uma possível escravidão, estamos defendendo a liberdade do povo. Vamos fazer oração no local (do ato) pedindo para que Deus nos livre do comunismo. Se o comunismo for implantado, seguramente a liberdade vai embora", diz Munguba à BBC News Brasil.
A "ameaça comunista", segundo o pastor, se tornará real se um partido de esquerda como o PT for eleito para governar o país. Esse argumento é utilizado por religiosos bolsonaristas para reforçar a ideia de que a participação nos atos é uma espécie de "luta do bem contra o mal".
Munguba, que é de Fortaleza (CE), afirma que o vídeo que publicou para convocar para os atos vale para todo o país, pois argumenta que sua igreja, Seven Church, é acompanhada por fiéis de diferentes regiões do Brasil.
'Somos cristãos, mas não defendemos o que essas pessoas defendem'
As convocações de Malafaia e seus aliados incomodaram pastores que compõem o Movimento Resistência Reformada, um grupo de lideranças evangélicas que se opõe às medidas de Bolsonaro.
"Somos cristãos, mas não defendemos o que essas pessoas defendem, por isso nos posicionamos. Não queremos, de forma alguma, que o Brasil se torne uma teocracia, que é o que essas lideranças almejam. Isso tudo é lamentável", declara o pastor Rodrigo Coelho, líder do Resistência Reformada.
Quando notaram o crescente apelo de líderes como Malafaia para que os fiéis participassem das manifestações, os membros do movimento, cerca de 100 líderes religiosos no Brasil e alguns do exterior, publicaram um vídeo contrário a isso.
"Você, nesse lugar, é tão somente massa de manobra, tão somente uma pessoa sendo manipulada (por pastores bolsonaristas) para que essas pessoas possam permanecer no poder e permanecer com os seus privilégios. Não se permita isso. Não se permita ser cooptado por essa gente", diz Coelho, em trecho de vídeo compartilhado por ele nas redes sociais.
O pastor argumenta que o principal objetivo do movimento é defender os direitos humanos e se posicionar contra os "desmandos do Bolsonaro" e de seus aliados.
"O movimento nasce no contexto do governo Bolsonaro, mas vai além dele, porque a gente crê que o governo Bolsonaro vai passar. Decidimos nos posicionar (contra o ato de sete de setembro) porque é um absurdo o que acontece no Brasil, sobretudo o apoio de parte da igreja evangélica", declara Coelho.
"O Silas já apoiou toda a classe política, de direita ou esquerda, e me parece fazer qualquer coisa para estar no poder e ter privilégios de quem transita no Palácio (do Planalto). Mas na verdade, a gente entende que lugar de profeta é fora do Palácio, denunciando quem faz coisa errada", completa.
Os vídeos de religiosos convocando para os atos alcançaram mais de um milhão de visualizações nas diferentes redes sociais. Coelho não tem dados exatos sobre o alcance do vídeo feito por ele contra os chamados para esses atos, mas admite que a visualização foi muito menor.
"A gente faz isso de forma orgânica, enquanto esse pessoal (como Malafaia) patrocina os posts. Esse pessoal está desesperado porque o governo, a cada dia mais, enfrenta momentos ruins", declara.
"Porém, estamos satisfeitos em saber que chegamos em vários lugares com o nosso vídeo. Várias pessoas do Brasil têm entrado em contato para manifestar apoio. Isso prova que nas igrejas evangélicas há pessoas que não estão alinhadas a essas lideranças religiosas e a esse governo", completa o pastor.
Evangélicos e Bolsonaro
O racha entre evangélicos sobre o apoio a Bolsonaro não abala aqueles que têm convocado os atos a favor do presidente.
Pastores ligados ao presidente afirmam que o apoio ao governo segue em alta entre esses religiosos. Malafaia diz, apenas com base em experiência própria, que cerca de 80% dos evangélicos apoiam Bolsonaro.
"Conheço o mundo evangélico. Isso é uma piada (as pesquisas que indicam queda no apoio ao presidente entre os evangélicos). Tenho acompanhado o Bolsonaro em vários lugares. No mínimo, uns 50% das pessoas que estão em aeroportos e nos lugares em que o presidente está são evangélicos", declara Malafaia.
Especialistas ressaltam que a retórica de Bolsonaro de ser perseguido injustamente enquanto tenta combater um mal maior, que seria a esquerda ou uma "constante ameaça comunista", vai no sentido do que as igrejas evangélicas pregam entre os fiéis da luta do bem contra o mal.
No atual cenário, segundo o cientista político Vinícius do Valle, o presidente tenta resgatar o discurso de que se trata do bem contra o mal no Brasil para tentar reunir o maior número de apoiadores. "Ele diz que os bolsonaristas podem salvar o presidente do mal se forem contra o STF", diz o especialista.
"Os evangélicos surgem como uma das poucas forças que permanecem fiéis ao presidente, como os militares e muitos ruralistas, ainda que de forma reduzida atualmente", acrescenta Valle.
O especialista ressalta que as inúmeras convocações de líderes religiosos não significam a garantia de presença massiva dos evangélicos nos atos de sete de setembro.
"Os evangélicos não seguem à risca os posicionamentos dos pastores. Além disso, dentro da própria igreja há diferentes lideranças, que nem sempre seguem o mesmo posicionamento. O pastor que fala diretamente com o público nem sempre tem o mesmo discurso do pastor que é presidente da igreja", afirma Valle.
Além disso, fatores como a alta do desemprego, a crise econômica e o aumento dos preços de itens básicos têm feito, conforme os especialistas, com que muitos evangélicos abandonem o bolsonarismo.
O cientista Felipe Nunes, da Quaest, empresa de inteligência de dados, afirma que o eleitor brasileiro é mais pragmático do que ideológico. "O brasileiro avalia o seu bem-estar. No atual momento, com a qualidade de vida caindo, com o aumento da inflação, falta de crescimento econômico e a percepção de que as coisas não vão melhorar, isso tudo recai sobre a imagem do presidente", diz à BBC News Brasil.
Em razão disso, segundo ele, uma parcela dos mais pobres entre os evangélicos começou a se afastar do presidente. "Um resultado econômico ruim leva os evangélicos mais pobres a sofrer na carne com tudo o que está acontecendo e colocam na conta do presidente", explica Nunes.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58442769
PF prende bolsonarista que articulava ato antidemocrático no 7 de setembro
Ação foi autorizada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e solicitada pela Procuradoria-Geral da República
Aguirre Talento, Mariana Muniz e Evandro Éboli / O Globo
BRASÍLIA - A Polícia Federal prendeu na tarde desta sexta-feira um dos suspeitos de articular um ato antidemocrático no próximo dia 7 de setembro, o blogueiro bolsonarista Wellington Macedo, e busca o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, o Zé Trovão, para cumprimento de um segundo mandado de prisão. Eles já haviam sido alvos de busca e apreensão deflagrada no mês passado sob suspeita de ser um dos organizadores do ato antidemocrático.
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Macedo chegou a trabalhar, entre fevereiro e outubro de 2019, no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado pela ministra Damares Alves.
A prisão foi solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e determinada na quarta-feira pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator do inquérito que apura a organização do ato. Desde então, a PF estava buscando o paradeiro dos dois alvos. Macedo foi preso nesta sexta-feira após ser localizado em um hotel em Brasília. Ele divulgou vídeos incentivando um ato no dia 7 de setembro para pedir a deposição de ministros do Supremo e se apresentava como coordenador do evento.
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Apesar de terem sido proibidos de usar redes sociais, Zé Trovão e Macedo participaram de uma transmissão de vídeo feita pelo blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio na qual também estava presente o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão. Como mostrou O GLOBO, Zé Trovão continuou incitando a realização de atos contra o Supremo neste vídeo. Por serem investigados no inquérito, eles estavam proibidos de manter contato.
Mesmo com a voz de prisão emitida contra ele, o caminhoneiro ainda participou de uma transmissão ao vivo na noite desta sexta-feira ao lado da pastora Jane Silva e de Renato Gomes. Na live, Zé Trovão disse que "no dia 7 de setembro o Brasil vai parar".
- Foram longos dias de conversas de organização e chegamos na na na tão sonhada pauta que será realizada agora dia sete de setembro. Supremo é o povo, então eu conto com todos vocês -, disse o caminhoneiro a respeito das manifestações do dia 7 de Setembro.
Um dos vídeos divulgado anteriormente por Macedo tinha a participação do cantor Sérgio Reis e ganhou repercussão nas redes sociais, porque o cantor defendia a deposição violenta dos ministros do Supremo, o que seria inconstitucional. Reis também foi alvo de busca e apreensão no mês passado, mas baixou o tom em depoimento à PF e disse que não apoiava atos violentos contra o Supremo.
Congresso ameaça avanços da representação feminina na política
Propostas em debate no Congresso alteram pilares importantes do atual sistema eleitoral e ameaçam a representatividade feminina
Debates simultâneos que ocorrem no Congresso Nacional, sem a devida transparência e maturação necessárias, modificam pilares importantes do atual sistema eleitoral brasileiro e podem comprometer seriamente o futuro da representação feminina na política do país – num momento em que boa parte do mundo discute medidas para a paridade de gênero.
Alguns detalhes de propostas de emenda constitucional (PECs) que tramitam na Câmara e no Senado – em paralelo a um projeto de lei complementar denso, de 905 artigos, que estabelece um novo Código Eleitoral – apresentam regras divergentes e podem ameaçar a eficácia da política de cotas, com obrigatoriedade para que no mínimo 30% das candidaturas sejam de mulheres.
Especialistas em direito eleitoral consultados pela DW Brasil apontam preocupação com a redação de artigos dessas propostas em tramitação e criticam a falta de transparência dos debates, levantando dúvidas sobre o açodamento com o qual o Congresso quer aprovar novas regras, antes de outubro deste ano, para que possam vigorar já no pleito de 2022.
"Estamos todos muito preocupados com esse fluxo legislativo, com tantas mudanças ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, porque essas proposições não conversam entre si. Elas divergem entre si. E temos um Código Eleitoral vigente de 1965. Por que em 2021 de repente querem mudar tudo? Qual é a urgência disso?", questiona Ana Claudia Santano, coordenadora geral da Transparência Eleitoral Brasil e professora de direito eleitoral e constitucional. "Esse código não é apenas uma consolidação de regras. Ele muda muitas coisas", alerta.
Risco de retrocesso
Um dos problemas apontados por mulheres que defendem a ampliação do espaço feminino nos poderes Legislativo e Executivo é que os textos, pelo menos a PEC 18/2021 aprovada no Senado em 14 de julho, recolocam na mesa antigos problemas. A despeito da boa intenção dos parlamentares e da atuação da própria bancada feminina no Senado, a redação da PEC embute retrocessos.
O texto "fixa novas regras para a destinação de recursos em campanhas eleitorais, determinando que cada partido deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas proporcionais de cada sexo". Eis aí o problema: a expressão "deverá reservar". Essa expressão já causou problemas no passado, pois os partidos brasileiros, todos ancorados numa visão patriarcal, não são obrigados, com essa redação, a apresentar as candidaturas femininas. Reservar não significa preencher.
Em 2009, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que a expressão precisava ser modificada e estabeleceu que os partidos têm que preencher as candidaturas com pelo menos 30% de mulheres.
Foi esse entendimento da "obrigatoriedade" que abriu espaço para, anos depois, assegurar que também o financiamento fosse proporcional ao número de candidatos, ou seja, 30% dos recursos dos fundos eleitoral e partidário devem se destinar a candidaturas de mulheres, observando-se, obviamente, a proporcionalidade: se houver 40% de mulheres candidatas, elas recebem 40% de recursos financeiros, por exemplo.
Essa regra amparou também a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2020, para assegurar financiamento proporcional não apenas às candidaturas de mulheres, mas também aos candidatos negros, dos ambos os gêneros.
"O texto do Senado retoma uma fórmula antiga, que não funcionou, que é dizer aos partidos que simplesmente reservem as vagas. Reservar é muito diferente de preencher. É deixar a cota facultativa", critica a coordenadora da Transparência Eleitoral Brasil.
"No Brasil, a política de cotas demorou muito a ter resultados. Evoluímos pouco de 1995 para cá e chegamos na última eleição com 15% das cadeiras para mulheres na Câmara, o ápice desde a redemocratização. Por isso, qualquer medida que retire a política de cotas é ruim. As cotas existem para tentar mudar uma realidade. Já vimos que o aumento de recursos [para candidaturas femininas] teve impacto no aumento de eleitas, ainda que não seja uma relação causal", pontua a professora Luciana Oliveira Ramos, integrante do Grupo de Estudos em Direito, Gênero e Identidade da Escola de Direito de São Paulo (FGV Direito SP).
Reserva de assentos é tímida e deve coexistir com as cotas
A professora da FGV reconhece que a intenção do Senado de manter a política de cotas e, ao mesmo tempo, definir uma reserva mínima de assentos para mulheres no Legislativo é positiva, mas faz ressalvas. O texto do Senado estabeleceu uma reserva de assentos gradual, começando em 18% das cadeiras nas próximas eleições e chegando a 30% em 2038.
Uma das ressalvas diz respeito aos percentuais de reserva. "Destinar 18% das cadeiras pode parecer imediatamente bom, mas se formos pensar no tempo e no escalonamento, de chegar a 30% em 2038, ou seja, daqui quase duas décadas, isso é muito pouco. A média de representação feminina das Américas é de 32% hoje. Somente daqui a duas décadas estaremos chegando nesta média. A média mundial atualmente é de 25%", afirma Ramos. Ela destaca, ainda, que as Nações Unidas, na Agenda 5050, preveem a paridade de gênero já em 2030.
"Essa meta de 30% em 2038 vai refletir um enorme atraso da sociedade brasileira. A gente deveria estar almejando mais, 50% de representação de mulheres, e de diversos perfis, negras, indígenas. Vai ficar muito aquém do que se espera e do que é o debate hoje no mundo, que é paridade de gênero. Isso está escrito nos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU", diz a professora da FGV.
De acordo com Ramos, é preciso, ainda, que essas propostas em tramitação no Congresso não substituam a política de cotas pela reserva de vagas. As duas iniciativas, salienta, devem coexistir.
"Porque só a reserva de assentos não é suficiente para ampliar a representação feminina na política. Apenas reservando assentos a gente perde todo o processo de amadurecimento das instituições, dos atores e atrizes envolvidos no jogo político eleitoral como, por exemplo, a sensibilização de partidos políticos para que de fato lancem candidaturas de mulheres que sejam viáveis e que tenham efetivas chances de se eleger."
A professora enfatiza, ainda, que outra política importante diz respeito ao financiamento e destinação de recursos públicos para candidatas mulheres e negras. "Não basta só colocar o nome dessas pessoas na lista, o importante é fortalecer essas candidaturas de fato."
"Não há risco algum", diz relatora do Código Eleitoral
Para a deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do Código Eleitoral, "o texto consolida os avanços conquistados pela bancada feminina tanto na Câmara quanto no Senado, como a cota de candidaturas e de financiamento para mulheres, entre outras questões novas. Nossas conquistas estão garantidas e estamos propondo novos avanços, para que tenhamos cada vez mais mulheres na política", disse ela, em mensagem enviada à DW Brasil.
A manutenção das cotas de candidaturas femininas é defendida pela parlamentar. "As cotas de candidaturas são conquistas ainda essenciais, embora não sejam suficientes. É preciso que os partidos estimulem a formação de novas lideranças femininas, sobretudo financeiramente. O fim das cotas viria acompanhado do fim do financiamento mínimo de candidaturas femininas, o que nenhuma parlamentar aceitará. Qualquer proposta nesse sentido é um retrocesso inaceitável", afirmou.
No entanto, outra proposta em tramitação, a PEC da Reforma Política, já aprovada em dois turnos na Câmara e aguardando a votação no Senado, especifica percentuais distintos de reserva de vagas para mulheres, eliminando as cotas.
O texto aprovado prevê a contagem em dobro dos votos dados a candidatas e a negros, a partir das eleições de 2022. Essa regra seria usada para calcular a fatia de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral) para essas candidaturas.
Para as professoras de direito, o texto da PEC da Reforma Política foi aprovado às pressas, com inúmeras mudanças, sem debate e pode, sim, revogar por completo a política de cotas, o que seria um risco. Seria mais razoável, reconhece a deputada Margarete Coelho, manter a política de cotas combinada com a reserva de assentos. Segundo ela, a proposta do Senado, neste sentido, parece mais avançada.
"Enquanto a paridade não vem, temos que construir um degrau após o outro da escada que nos levará a um parlamento mais inclusivo. A reserva de cadeiras é um passo essencial para a garantia de uma representação mínima, o que, ao lado da manutenção da cota de candidaturas, permitirá que mais mulheres sejam alçadas à condição de protagonismo político."
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/congresso-amea%C3%A7a-avan%C3%A7os-da-representa%C3%A7%C3%A3o-feminina-na-pol%C3%ADtica/a-59072160
Fux pede respeito institucional no 7 de setembro
Ministro disse que liberdade dos cidadãos é conquista da sociedade
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, pediu nesta quinta-feira (2) responsabilidade cívica e respeito institucional nas manifestações de rua que estão programadas para o dia 7 de setembro. Em discurso na abertura da sessão da Corte, Fux afirmou que a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças.
Segundo Fux, as liberdades dos cidadãos não são benesses do Estado, mas conquistas da democracia brasileira.
“Por isso mesmo, esta Suprema Corte, guardiã maior da Constituição e árbitra da Federação, confia que os cidadãos agirão em suas manifestações com senso de responsabilidade cívica e respeito institucional, independentemente da posição político-ideológica que ostentam”, afirmou.
O presidente também disse que a Corte é defensora da liberdade de expressão e que a “postura ativa e ordeira da população” a favor de pautas sociais e ideológicas fazem parte da democracia.
“Num ambiente democrático, manifestações públicas são pacíficas, por sua vez, a liberdade de expressão não comporta violências e ameaças. O exercício de nossa cidadania pressupõe respeito à integridade das instituições democráticas e de seus membros”, completou.
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2021-09/fux-pede-responsabilidade-e-respeito-institucional-no-7-de-setembro
Até 20 anos de prisão para PMs em serviço que participem de atos políticos
Entre os que garantiram presença nos protestos convocados por Bolsonaro para o 7 de setembro estão policiais militares da ativa e da reserva
Felipe Souza / BBC News Brasil
Mas essa categoria pode se manifestar publicamente?
Segundo especialistas em direito constitucional ouvidos pela BBC News Brasil, nenhum policial da ativa pode participar de atos políticos com símbolos que remetam às instituições onde eles trabalham. Esses servidores podem participar de atos políticos desde que estejam à paisana, como cidadãos comuns, e desarmados.
Caso contrário, os policiais podem ser enquadrados no Código Penal Militar pelos crimes de motim ou revolta (quando há dois ou mais envolvidos). As penas podem chegar a 20 anos de prisão em regime fechado.
A expectativa é de que um grande número de policiais militares da reserva participem do ato. Militares de folga também devem ir ao protesto pró-Bolsonaro como cidadãos comuns, mas sem farda e armas.
Os atos do dia 7 de Setembro são convocados em meio a atritos com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e têm intenção de atacar a Suprema Corte, se manifestar a favor da reeleição do presidente Bolsonaro, contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e governos de esquerda em geral.
O cientista político e reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro Luiz Alexandre Souza da Costa disse que a Constituição prevê que todos os cidadãos têm direito a se manifestar publicamente. Porém, há regras específicas para os policiais militares.
"Não é legítimo para o que estão convocando. Não é um pedido de mudança de política pública. Está claro nas entrelinhas que eles querem uma quebra na democracia. É um discurso como se fosse a favor da democracia, mas pedem que não tenha um Congresso que atrapalhe Bolsonaro, sem STF e sem um Poder Judiciário independente", afirmou Costa.
O cientista político disse que esse protesto mostra ser "claramente ser a favor de golpe de Estado para implementar ditadura". Ele diz ainda que os discursos que convidam para o ato propõem que os policiais levem bandeiras dos batalhões onde eles trabalham.
Isso, segundo o especialista, é o mesmo que levar uma instituição pública de Estado para uma discussão política, antidemocrática e ilegal.
"Essa é uma reivindicação antidemocrática, contra o poder civil e a Constituição, à qual eles juraram respeitar. Eles não juraram respeitar o Bolsonaro ou qualquer outro que está no poder. Desta forma, esses manifestantes estão querendo participar de uma revolta popular, mas eles têm armas. Bolsonaro queria todo mundo com fuzil, mas como ele não conseguiu, agora quer ter a seu dispor os PMs ativos e inativos. Segundo o Ipea, são 750 mil PMs e bombeiros armados. Isso sem contar os policiais civis, federais e penais — quase o dobro das forças armadas", afirmou.
Especialistas explicam que a lei permite que qualquer cidadão peça mudanças de políticas públicas, desde que seja de maneira democrática.
"É legítimo que policiais queiram fazer um protesto pedindo a desmilitarização das polícias. Isso é legal, pois é uma categoria pedindo uma mudança de política. Eles podem argumentar que a guerra às drogas não está funcionando, então querem a legalização das drogas. Isso é legítimo e constitucional", afirmou.
Na última semana, o governador de São Paulo, João Doria, afastou o coronel Aleksander Lacerda por indisciplina, depois que ele convocou policiais para o protesto pró-Bolsonaro na Paulista. Lacerda estava à frente do Comando de Policiamento do Interior 7, responsável por 78 municípios na região de Sorocaba, no Estado de São Paulo.
"Aqui em São Paulo, não teremos manifestações de policiais militares da ativa de ordem política (...) Não admitiremos nenhuma postura de indisciplina", disse o governador após a decisão.
Mas, em entrevista ao portal UOL, o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) disse que a categoria alugou ao menos 50 ônibus em cidades do interior paulista para que policiais pudessem se deslocar para participar do ato na capital.
Luiz Costa, que também é professor de direito militar da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e conhece de perto o comportamento das tropas, se diz preocupado com as atitudes de oficiais em relação aos protestos de 7 de Setembro.
"Os militares são subordinados e respeitam a hierarquia. A polícia de São Paulo é a mais profissionalizada do Brasil. Quando um militar quebra isso com um ataque frontal ao governador, isso acende um alerta vermelho no país. Porque se isso aconteceu em São Paulo, com um coronel da ativa atacando governador, imagine o que pode acontecer no resto do país", alertou o professor.
Para ele, esses oficiais sabiam das consequências que sofreriam e tiveram essas atitudes para afrontar o governador.
"Um coronel da ativa sabe que tem que respeitar a autoridade pública. A PM tem que punir e falar que eles podem ser demitidos, além de responder criminalmente. Não interessa se é Doria, Cabral ou Bolsonaro. Tem que respeitar o cargo. Ele (coronel) desrespeitou o Doria e quebrou um dos principais pilares da hierarquia militar", afirmou.
Ele se diz preocupado, pois afirma que, na Bolívia, ocorreu um golpe iniciado pelas polícias e que o Exército apenas não fez nada para impedi-lo.
O professor afirma ainda que, em 2019, foi aprovada uma lei que impediu que os gestores prendessem policiais militares administrativamente por quebras na disciplina.
Desta maneira, o governador de São Paulo afastou o coronel, pode dar uma advertência a ele, mas não pode prendê-lo. Caso queira demiti-lo, por exemplo, o governador precisa aguardar que uma possível ação contra ele transite em julgado, o que pode levar anos.
Isso, segundo o professor, pode deixar os policiais mais confortáveis para cometer possíveis transgressões
Um policial do Rio de Janeiro condenado por matar a juíza Patrícia Acioli, segundo ele, continua recebendo salário normalmente. "Ele só está na geladeira, mas continua ganhando todo mês como um servidor comum", afirmou o professor da EURJ.
O que diz a lei?
O Artigo 5º, inciso 16, da Constituição Federal diz que todos podem se reunir pacificamente e sem armas, em local aberto ao público.
Porém, o Código Penal Militar prevê como crimes motim e revolta. O motim é a reunião de militares ou assemelhados para desobedecer ordem superior, agindo em ordem ou praticando violência.
Também prevê a ocupação de "quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar".
A pena é de 4 a 8 anos de prisão, com aumento de um terço para os cabeças — no caso, os oficiais que participarem.
Já a revolta é o mesmo crime, porém com agentes armados. A pena é de 8 a 20 anos de prisão.
Ao menos 340 militares foram denunciados no Ceará por uma greve considerada ilegal em 2020. A maioria pelo crime de revolta.
Na ocasião, o senador Cid Gomes (PDT-CE) chegou a ser baleado por grevistas enquanto dirigia um trator em direção a um batalhão.
Em 2008, 423 bombeiros foram presos por invadir quartéis em movimentos grevistas em diversos Estados, mas foram anistiados no Congresso Nacional.
Voltar para casa
Policiais militares da reserva ouvidos pela BBC News Brasil disseram que os comandos devem determinar que os seus subordinados voltem para casa, caso apareçam armados no protesto.
"Se eles não querem voltar para casa, se enquadram no crime de revolta, por desobedecer um superior. Os oficiais precisam deixar claro as sanções que os policiais podem receber, caso participem de atos antidemocráticos, mas esse recado não está sendo dado", disse o professor da UERJ Luiz Alexandre Souza da Costa.
O professor afirma que apenas o ato de se reunir ao redor de um batalhão pode ser considerado um crime, por ser uma transgressão, numa tentativa de ligar uma instituição a um ato político.
"O Artigo 165 do Código Penal Militar prevê como ilícito promover a reunião de militar ou participar de reunião para discutir atos de superior ou assunto pertinente à disciplina militar. Quem participa pode pegar de 2 a 6 meses de prisão. Quem promoveu, 6 meses a 1 ano", afirmou o professor de direito penal.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58416407
Maria Cristina Fernandes: A boiada, agora, passa sobre o capital
Adiamento de manifesto empresarial foi crucial para Bolsonaro
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
A unidade frustrada de entidades empresariais e financeiras na apresentação de um único manifesto em defesa da ordem constitucional não poderia ter acontecido num momento melhor para o presidente Jair Bolsonaro. Depois de já ter passado por cima de menos aquinhoados pela virtude ou pela sorte, a boiada bolsonarista agora atropela também o capital.
Por duas razões: o recuo das entidades acontece no momento em que se afunila, sob as bênçãos dos Poderes, um cambalacho nas contas públicas, e também quando se confirma mais uma frustração nas expectativas de retomada econômica.
O manifesto dos empresários, apesar de não fazer referência direta à conjuntura econômica, serviria para adensar o peso de sua reação num momento de escalada golpista do bolsonarismo.
Ao colocar o ministro da Economia e os presidentes dos bancos estatais a serviço do desbaratamento da unidade do movimento, o presidente não é capaz de sufocar o azedume. Adia, porém, sua expressão para um momento em que espera estar vitaminado pela aposta que fez no 7 de setembro.
O alvo de Bolsonaro é a capacidade de articulação empresarial para pôr na roda uma terceira via em condições de tirá-lo da reta final de 2022.
A boiada parecia longe quando o governo passou a faca na Previdência Social de 72 milhões de brasileiros, produziu recorde de informalidade no mercado de trabalho, patrocinou o pior orçamento da educação básica em uma década, registrou o menor número de inscritos no Enem nos últimos 16 anos, fez liberação recorde de agrotóxicos, promoveu a maior letalidade policial desde 2013 e paralisou a política habitacional para a faixa de mais baixa renda e a demarcação de terras indígenas.
A centralidade do debate ambiental na economia mundial fez tocar o alarme quando, no primeiro semestre de 2021, o país se deparou com o pior desmatamento em uma década. A boiada se aproximava.
O galope da inflação, do juro de longo prazo e do câmbio, a iminência da crise hídrica e, por fim, a queda do PIB no segundo trimestre do ano acabaram por dar alguma concretude à expressão “estouro da boiada”.
Nada, porém, alarmou mais as perspectivas do que a negociação em torno das dívidas da União, os chamados precatórios. Foi aí que se mostrou inútil a tentativa de fechar a cancela para resguardar os interesses empresariais.
A consultoria legislativa da Câmara dos Deputados e a IFI já mostraram os números. A proposta de parcelamento negociada pelo ministro da Economia com o TCU, o presidente do Supremo Tribunal e os presidentes da Câmara e do Senado, pode acumular esqueletos no armário no valor de até R$ 1,4 trilhão até 2037, quando acaba o teto de gastos.
Reclamar do salto nas despesas com precatórios é jogar por terra velha demanda nacional que é o aumento da produtividade do Judiciário. Enfurnada na pandemia, a magistratura esvaziou gavetas e multiplicou sentenças, devidamente anotadas pela AGU.
A instituição encarregada de defender a União de seus cobradores foi chefiada, em grande parte do governo Bolsonaro, por André Mendonça, candidato ao Supremo, instância máxima do cumprimento de sentenças judiciais.
A saída para honrar as dívidas e pagar um Auxílio Brasil turbinado sem derrubar o teto seria a redução das emendas de relator, mas isso é capaz de fazer tremer o país mais do que 7 de setembro bolsonarista.
O deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) encantam suas plateias engravatadas apesar de não quererem nem ouvir falar em cortar emendas de relator, cuja execução condiciona sua autoridade.
Tem sido assim desde a PEC Emergencial, aprovada em março sem corte de gastos. A gastança prosseguiu com a privatização da Eletrobras, custeada pelo contribuinte, e agora esbarrou numa reforma do Imposto de Renda com risco de mais desembolsos da União.
Empresários e banqueiros despertaram da conivência ao concluir que apesar de toda a gastança, o país ainda não havia adquirido paz institucional, que dirá futuro para sua economia.
Se o manifesto “A Praça é dos Três Poderes” é uma reação a este estado de coisas, permanece uma incógnita por que, em determinado momento, seus signatários originais, entre os quais a Febraban, resolveram entregar o comando de um movimento que chegou a abrigar 250 entidades, para a Fiesp. Mais precisamente para Paulo Skaf.
A rigor, Skaf nem presidente da Fiesp é mais. Depois de 17 anos sob sua presidência, a Federação das Indústrias de São Paulo elegeu, há dois meses, Josué Gomes da Silva, da Coteminas, para seu lugar. Skaf permanece no cargo até dezembro para melhor definir seu futuro político. No presente faz política contra o interesse de seus representados.
Foi isso que aconteceu com o manifesto empresarial. Filiado ao MDB, Skaf move-se entre as pressões do governo sobre o Sistema S e uma brecha na palheta de opções à direita num Estado em que Bolsonaro ainda não tem um palanque para chamar de seu em 2022.
Parecia óbvio que havia vasos comunicantes e poluentes entre os interesses envolvidos. Apesar disso - ou por causa - conseguiu o mandato para comandar o manifesto. Seu maior feito até agora foi o de adiar a divulgação do documento para depois do 7 de setembro abrindo brechas para o governo desbaratar a iniciativa.
De maciça, a adesão da Febraban, por exemplo, que havia sido tomada pelo voto de 14 dos 18 integrantes do conselho da entidade, contra a vontade de dois (BB e Caixa) e a abstinência de outros dois, se transformou em um racha.
A anunciada saída dos dois bancos públicos da Febraban permanece como uma ameaça sem confirmação de um lado ou do outro. Seu maior patrocinador, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, nunca abandonou suas ambições políticas nem oportunidade de mostrar serviço ao chefe.
A Febraban contesta o recuo e mantém apoio ao documento. Na impossibilidade de unir a todos os signatários poderia ter tomado o mesmo rumo das entidades do agronegócio e encabeçado um documento à parte do setor financeiro.
Preferiu se manter sob a liderança de Skaf e aguardar a divulgação do documento no dia D e na hora H. Ponto pra Bolsonaro e sinal verde para a boiada.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/a-boiada-agora-passa-sobre-o-capital.ghtml