Bolsonaro
Congresso promulga reforma eleitoral nesta terça-feira (28/9)
Câmara e Senado realizaram sessão solene, às 15h30, para promulgar a EC 111/21. Alterações já vão valer para 2022
O Congresso Nacional promulga nesta terça-feira (28) a Emenda Constitucional (EC) 111/21, que acrescenta dispositivo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e altera a Constituição Federal, para fins de reforma político-eleitoral. A sessão conjunta está marcada para as 15h30.
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Entre as alterações que já vão valer para as próximas eleições estão a contagem em dobro de votos dados a mulheres e pessoas negras para a Câmara dos Deputados nas eleições de 2022 a 2030, para fins de distribuição, entre os partidos políticos, dos recursos do Fundo Eleitoral.
Ficou mantida a perda do mandato dos deputados (federais, estaduais ou distritais) e vereadores que se desfiliarem do partido pelo qual foram eleitos, mas foi criada uma exceção para a manutenção do mandato: quando o partido concordar com a filiação.
Além disso, a partir das eleições de 2026, a posse do presidente da República será em 5 de janeiro, e a posse dos governadores será no dia 6. Atualmente, ambas são no dia 1º de janeiro.
Veja as alterações aprovadas, que deverão vigorar nas eleições do ano que vem:
Mulheres e negros
Votos dados a mulheres e pessoas negras, para a Câmara dos Deputados, nas eleições de 2022 a 2030, serão contados em dobro para fins de distribuição, entre os partidos políticos, dos recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral).
Essa contagem em dobro será aplicada apenas uma vez, ou seja, os votos para uma candidata negra, por exemplo, não poderão ser contados em dobro duas vezes (por ser mulher e por ser negra).
Um dos critérios para a distribuição dos recursos desses fundos é exatamente o número de votos obtidos, assim a ideia é estimular candidaturas desses grupos.
Fidelidade partidária
O texto aprovado mantém a regra atual, que prevê a perda do mandato dos deputados (federais, estaduais ou distritais) e vereadores que se desfiliarem do partido pelo qual foram eleitos, mas cria uma exceção para a manutenção do mandato: quando o partido concordar com a filiação.
Ficam mantidas as hipóteses de desfiliação por justa causa já estipuladas em lei. Atualmente, a Lei 9.096/95 considera como justa causa o desligamento feito por mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; grave discriminação política pessoal; e durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição (seis meses antes do pleito).
Em nenhum dos casos a mudança de partido será contada para fins de distribuição de recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e de acesso gratuito ao rádio e à televisão.
Posses do presidente e governadores
A partir das eleições de 2026, a posse do presidente da República será em 5 de janeiro, e a posse dos governadores será no dia 6. Atualmente, ambas são no dia 1º de janeiro.
- Veja o que foi rejeitado pelo Senado
1) volta das coligações partidárias nas eleições proporcionais (deputados federais, estaduais e distritais e vereadores). Segundo a relatora, senadora Simone Tebet (MDB-MS), as coligações distorcem a vontade do eleitor, ao eleger candidatos com orientações políticas diferentes daqueles escolhidos, além de aumentar a fragmentação partidária e dificultar a governabilidade. As coligações em eleições proporcionais estão proibidas desde a promulgação da Emenda Constitucional 97, de 2017, e já não valeram nas eleições municipais de 2020.
2) fundações partidárias: o Senado rejeitou dispositivo que permitia às fundações partidárias de estudo e pesquisa e educação política desenvolverem atividades amplas de ensino e formação. Segundo a relatora, a ampliação do escopo de atividades das fundações partidárias é matéria a ser regulada em lei e não deve, portanto, ser incluída na Constituição.
3) Iniciativa popular: o Senado rejeitou alterações nas regras de apresentação de projetos de lei por cidadãos. Para a relatora, a questão precisa ser debatida com mais profundidade. O texto aprovado na Câmara estabelecia que 100 mil eleitores poderiam apresentar um projeto de lei à Câmara dos Deputados com assinatura eletrônica. Pelas regras atuais, um projeto de lei de iniciativa popular deve ter a assinatura em papel de no mínimo 1% do eleitorado nacional, distribuído em pelo menos cinco estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles.
O texto também definia que os projetos de lei de iniciativa popular tramitariam em regime de prioridade e deveriam ser apreciados conforme regras específicas a serem incluídas nos regimentos do Senado e da Câmara dos Deputados.
4) Anterioridade: o Senado rejeitou a exigência de anterioridade de um ano para que as regras eleitorais definidas pelo STF ou TSE fossem aplicadas. Para a relatora, colocar essa regra na Constituição poderia inviabilizar a interpretação e adequação das normas vigentes pelos tribunais, já que é frequente que as leis eleitorais sejam modificadas no limite do prazo, o que deixaria os tribunais sem tempo para adequar as regras à nova lei.
Fonte: Agência Câmara de Notícias
https://www.camara.leg.br/noticias/810280-congresso-promulga-reforma-eleitoral-nesta-terca-feira/
Andrea Jubé: Previsão do tempo aponta dias de sol na política
Planalto pressiona por sabatina logo após 12 de outubro
Andrea Jubé / Valor Econômico
Por ironia, a cena política desanuviou justamente quando o tempo fechou em Brasília, com o início das chuvas. O clima de deserto adicionava um ingrediente a mais à longeva crise de nervos dos atores políticos na capital.
Na primeira de semana do mês não bastasse a tensão com o imprevisível 7 de setembro, o calor era de secar o espelho d’água do Congresso.
Com as entranhas expostas, auxiliares presidenciais e líderes da cúpula do Centrão não disfarçavam a irritação com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que na avaliação do grupo, não agia para distensionar o ambiente político.
“Ele é candidato a presidente [da República] e está misturando propostas de interesse do Brasil com política”, reclamou à coluna, em caráter reservado, um importante líder do Centrão.
Na véspera, 1º de setembro, o Senado havia rejeitado a Medida Provisória (MP) 1.045, que promovia uma minirreforma trabalhista. Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acusaram os senadores de descumprir acordo para aprovar a matéria.
Visivelmente contrariado, Lira avisou, após o resultado no Senado, que o projeto que reabre o programa de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis), de autoria de Rodrigo Pacheco, iria para o fim da fila na Câmara. “Vem primeiro CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços, que reformula o PIS/Cofins]. Sobre Refis, vamos esperar o Senado votar a reforma do Imposto de Renda”, desafiou.
Para agravar a tensão entre os Poderes, no dia 14 de setembro, Pacheco devolveu ao Palácio do Planalto a medida provisória que dificultava a remoção de conteúdo pelas plataformas de redes sociais. A matéria havia sido publicada na véspera do Dia da Independência como um aceno às bases bolsonaristas.
A devolução da MP foi o estopim para obrigar a ala política do Planalto, capitaneada pelos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Fábio Faria (Comunicações), a entrar em campo para afinar o diálogo com Pacheco e colocar um fim ao cabo de guerra.
Os fatos políticos recentes atestam que a movimentação surtiu efeito. Há tempos, Pacheco e o Planalto não se mostravam tão alinhados.
A sintonia é tão fina que o presidente do Senado foi eloquente na cobrança pública ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (DEM-AP), seu fiel aliado, para que agende a sabatina do ex-advogado-geral da União André Mendonça, indicado por Bolsonaro para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Ele [Alcolumbre] tem ciência da sua responsabilidade e da necessidade de cumprir essa missão”, cobrou Pacheco na sexta-feira, após reunião com o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), liderança evangélica que apoia Mendonça.
No Planalto, com a intervenção de Pacheco, a expectativa é que Alcolumbre marque a sabatina para os dias seguintes ao feriado de 12 de outubro.
Foram explícitos os gestos do Planalto na semana passada para acalmar e reconquistar Pacheco. No dia 22 de setembro, os senadores aprovaram a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), que terá sede em Minas Gerais. A proposta contempla duplamente o presidente do Senado, porque atende pleito da bancada mineira e do segmento jurídico - base eleitoral de Pacheco.
Essa votação somente se viabilizou após o compromisso do Planalto de que Bolsonaro não vetará a matéria. De iniciativa do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o projeto arrastava-se desde 2019 nos escaninhos do Congresso. Na Câmara, foi aprovado em agosto do ano passado, com o compromisso de que a instalação do novo TRF ocorrerá somente ao fim da pandemia.
No dia 23 - um dia depois da aprovação do TRF-6 -, Lira finalmente anunciou o relator do Refis na Câmara: o deputado André Fufuca (MA), aliado de primeira hora do alagoano e de Ciro Nogueira. Fufuca assumiu a presidência interina do Progressistas (PP) quando Nogueira se licenciou para se tornar ministro. O projeto terá tramitação célere e vai direto para o plenário.
O Planalto também espera que Pacheco ajude a convencer o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) a não atrasar a votação da reforma do Imposto de Renda na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Nos bastidores, a bancada da Bahia cobra o aval do Tesouro Nacional a um empréstimo de centenas de milhões para o governo estadual.
Faz sol na política, mas as cigarras estão cantando furiosas em Brasília. O canto delas atrai mais chuva, e, via de regra, relâmpagos e trovões.
Cunha faz escola
Se não compor, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, vai encostar no recorde do ex-deputado Eduardo Cunha em protelar assuntos de interesse máximo do Planalto no Congresso. Há 41 dias Alcolumbre cozinha o governo em banho-maria ao não agendar a sabatina de André Mendonça.
Em 2007, ascendendo na carreira, Cunha foi designado relator da proposta de emenda constitucional (PEC) que prorrogava a CPMF e a desvinculação de recursos da União, a DRU - prioridade zero do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Cunha levou 45 dias para apresentar, em 13 de julho, um parecer desfavorável ao governo, que previa que a arrecadação de cerca de R$ 40 bilhões com o imposto fosse dividida pela União com Estados e municípios.
Nos bastidores, Cunha cobrava o cumprimento de acordo celebrado com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). No livro de memórias “Tchau, querida!”, o ex-líder do MDB conta que em troca do apoio da bancada à sua eleição, o petista assegurou que a bancada do MDB do Rio de Janeiro indicaria o presidente de Furnas.
Diante do impasse, em 1º de agosto, Lula convidou o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, filiado ao MDB, para assumir a presidência de Furnas. Finalmente, em 15 de agosto - 78 dias após a nomeação de Cunha para a relatoria - ele alterou o parecer e a PEC foi aprovada sem prejudicar o governo. Depois, contudo, o governo acabou derrotado no Senado.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/previsao-do-tempo-dias-de-sol-na-politica.ghtml
Paulo Baía: Percepção do Brasil em 24 de setembro
candidatura do senador Rodrigo Pacheco pelo PSD para presidente da república deve ser levada a sério e entrar no radar de observação
Paulo Baía / Política e Cidadania
Depois de ouvir com atenção bons e velhos analistas políticos.
Gente testada, com trajetórias intensas de vida política no Brasil dos últimos 50/60 anos.
Gente com letramento especializado e vivência.
Ou, como nossa magistral Conceição Evaristo define, com escrevivências.
Gente que não coloca seus desejos e querências ao avaliar as conjunturas e os cenários psicossociais para a eleição de presidente da república em outubro de 2022, mesmo não gostando do que percebem.
A candidatura do senador mineiro Rodrigo Pacheco pelo PSD para presidente da república deve ser levada a sério e entrar no radar de observação.
Bem a sério, não é um factóide ao estilo do prefeito César Maia.
Forma-se uma maioria política significativa no complexo e muitiplural estado de Minas Gerais, tendo Alexandre Kalil candidato ao governo do estado, uma sólida e diversificada base de apoio no Estado de São Paulo, com Geraldo Alkmin liderando como candidato ao governo paulista.
A senadora Simone Tebet, de Mato Grosso do Sul, com ativa vida institucional no estado de São Paulo, compondo a chapa presidencial como vice-presidente.
A chapa Rodrigo Pacheco/Simone Tebet não é, nem quer ser, essa fabulação quase histérica de "Terceira Via", de "Ném Néns" da polarização Lula/Jair Bolsonaro. É uma chapa para participar da disputa, com desassombro, com identidade própria em relação a todas as demais candidaturas hoje postas nas mesas de articulações.
Uma chapa para vocalizar uma proposta de Brasil em uma democracia liberal burguesa moderna, com viés participativo, social liberal, social democrata, ambientalista, com portas abertas para demandas políticas e de reconhecimento das "minorias majoritárias" como mulheres, populações negras, milhões de favelados, pessoas e famílias religiosas, pobres históricos/estruturais, herdeiros da brutal e secular desigualdade escravista, novos e irreversíveis desalentados e desocupados, no campo e nas cidades, pela rapidez das tecnologias da informação formatando os sistemas produtivos em todos os segmentos da vida humana, da inteligência artificial como base de diagnósticos, planejamentos e decisões, do 5G da telefonia universalizado, da internet das coisas automatizando o cotidiano e a intimidade, da produção em escala e ritmo industrial cibernético de proteínas animais, pescados e vegetais, via células tronco.
Sem cair ou submeter-se aos cercadinhos identitários e suas armadilhas segmentárias, mas respeitando-os em suas querências por reconhecimento cidadão e protagonismo como minorias legítimas por direitos civis e fundamentais, como os movimentos LGBTQIA+ , populações Indígenas, refugiados políticos, climáticos e religiosos.
Uma chapa para "botar a cara a tapa", a "bunda na janela", sem "chorumelas" , no mundo da vida urbano/rural brasileiro, face a face e nas convivências digitais.
Uma chapa para enfrentar o populismo contemporâneo, que na verdade não sabemos definir bem o que é, mas que está presente na mente e emoções de milhões de nossa imensa população residente no Brasil.
Uma chapa para disputar o voto da maioria da população vocalizando teses democráticas, de proteção social, de participação cidadã e alteridades individuais e societais.
Paulo Baía é sociólogo, cientista político, professor da UFRJ.
Fonte: Facebook
https://www.facebook.com/109159557445316/posts/398935068467762/
Lei antiterrorismo patrocinada por Bolsonaro será denunciada à ONU
Proposta amplia a definição do crime e os poderes do presidente da República
Monica Bergamo / Folha de S. Paulo
Entidades brasileiras de direitos humanos denunciarão à alta comissária para direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet, a celeridade dada à tramitação de uma nova lei antiterrorismo que ampliaria a definição desse crime e os poderes do chefe do Executivo ao mesmo tempo.
RELÓGIO
A proposta, do deputado bolsonarista Vitor Hugo (PSL-GO), foi aprovada em comissão especial da Câmara e já pode ser votada em plenário.
AMEAÇA
“O projeto cria um sistema paralelo de vigilância e repressão comandado pelo presidente da República, o que poderá provocar uma sistemática violação da privacidade da população e colocar em risco os opositores do governo”, afirmam as organizações Conectas Direitos Humanos, Artigo 19, Terra de Direitos e Rede Justiça Criminal.
ATENTA
No último dia 13, as mudanças na lei antiterrorismo foram criticadas por Bachelet durante sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/09/entidades-denunciarao-a-onu-tramitacao-de-projeto-que-muda-a-lei-antiterrorismo.shtml
Bruno Carazza: Muita água a passar por debaixo da ponte
Pesquisas a um ano das eleições dizem muito pouco
Bruno Carazza / Valor Econômico
Em 4/12/1988, Fernando Collor sequer aparecia nas pesquisas para as eleições presidenciais que iriam se realizar no ano seguinte. Nesse dia o Datafolha apontava Brizola na liderança, seguido de perto por Lula ou Silvio Santos, a depender do cenário.
A um ano da disputa de 1994, Lula ocupava confortavelmente a primeira colocação (31%), com quase o dobro das intenções de voto de José Sarney (16%). Fernando Henrique àquela altura amargava o quinto lugar, com 7%, atrás ainda de Maluf (12%) e Brizola (8%).
Com a emenda da reeleição aprovada, FHC surfava na onda do Plano Real e apareceu, em setembro de 1997, com ampla folga em relação a Lula: 37% a 22%. Maluf tinha 13%, Sarney 11% e o estreante Ciro Gomes apenas 5%.
Quatro anos depois Lula já surgia com chances de finalmente vencer uma eleição presidencial: com 30%, o petista estava bem à frente de Ciro (14%), Roseana (12%), Itamar (11%) e Garotinho (9%). Serra, que seria derrotado por Lula no segundo turno um ano depois, tinha apenas 7% da preferência dos entrevistados.
Como todos sabem, Lula chegou ao Planalto em 2003, mas em 23/10/2005 ele vivia seu inferno astral. No auge do escândalo do mensalão, sua popularidade despencou a ponto de ficar tecnicamente empatado com Serra (30% a 27%), causando a impressão de que sua reeleição estaria ameaçada. No fim das contas, Serra não disputou o pleito de 2006, e Lula acabou derrotando Geraldo Alckmin (que àquela altura tinha 16% nos levantamentos do Datafolha).
Sem Lula no páreo, em dezembro de 2009 as pesquisas indicavam a liderança de Serra (37%), bem à frente de Dilma (23%), Ciro (13%) e Marina (8%). Deu Dilma.
E quando a petista foi buscar um novo mandato, sua liderança a um ano da campanha de 2014 era bastante sólida. Com 40% em média nas pesquisas, tudo indicava que ela bateria com facilidade Marina (que tinha em torno de 30%), Serra (20 a 25%) ou Aécio (20%), e Eduardo Campos (15%). Ninguém imaginava que a disputa do ano seguinte seria tão equilibrada nos dois turnos - sem falar no trágico acidente que vitimou o então governador pernambucano.
Para completar o quadro, faltando um ano para as eleições de 2018, o Brasil vivia a indefinição jurídica se Lula poderia ou não se candidatar, pois estava preso em Curitiba. Traçando oito cenários diferentes (!), o Datafolha indicava que a vitória ficaria entre o petista (se ele pudesse concorrer) ou, em caso alternativo, com Marina Silva. Naquele momento, 1/10/2017, em todos os prognósticos Bolsonaro já despontava como presença provável no segundo turno, com quase 20% de apoio.
Bolsonaro surpreendeu ao chegar ao poder com um partido nanico e poucos segundos de propaganda eleitoral, sem alianças nos Estados e com uma arrecadação baixíssima para os padrões brasileiros.
A principal conclusão dos números acima é que as pesquisas de intenção de votos, realizadas com um ano de antecedência, não servem como guia confiável para o resultado definitivo das urnas.
Parafraseando os panfletos de aplicações financeiras, desempenho passado não é certeza de ganho futuro. Pesquisa eleitoral é fotografia de momento. Além da estratégia, carisma, propostas e alianças de cada candidato, uma série de outros fatores podem afetar a dinâmica das campanhas, do desempenho da economia à eclosão de escândalos de corrupção, sem falar na contribuição do imponderável.
Nos últimos tempos, vários balões de ensaio foram testados buscando replicar aquilo que seria “o novo normal” da política brasileira pós-Bolsonaro 2018. Sergio Moro, Luciano Huck, Luiza Trajano e agora Datena - todos foram cogitados como alternativa de fora da política, se valendo de popularidade nas redes sociais para alavancar intenção de voto; e aparentemente nenhum deles se viabilizou.
Há um ano das eleições, o quadro vai se consolidando no sentido de que não teremos nenhuma surpresa na urna eletrônica em 2022. Todos já sabemos quem é Bolsonaro, suas ideias e seu modo de governar. Como alternativa, o eleitor deverá contar com Lula, Ciro e um tucano (Doria ou Eduardo Leite). Os demais nomes colocados, todos também advindos da política tradicional, aparecem mais como opções para compor as chapas dos anteriores; parece ser o caso de Simone Tebet, Mandetta, Pacheco, Alessandro Vieira, entre outros.
Mas se engana quem acredita que as pesquisas citadas acima não enviam mensagens para o futuro.
Bolsonaro inicia o ano final de seu mandato com a mais baixa intenção de voto entre todos os presidentes que se reelegeram - FHC tinha 37% em 2001, Lula em torno de 30% em 2009 e Dilma possuía uma média de 40% em 2013, frente aos 25% do atual presidente. A depender de como seu governo vai lidar com a grave crise econômica e a ameaça de apagão, suas chances de chegar competitivo em 2022 podem estar ameaçadas.
Lula, por sua vez, posiciona-se como candidato pela sétima vez (se contarmos com 2018, quando ele foi impedido de disputar) e nunca teve um percentual tão alto de preferência do eleitor nesta altura do campeonato. Seus mais de 40% de agora, portanto, estão mais para teto do que para piso, ainda mais porque Lula ainda não foi confrontado pela imprensa a explicar os escândalos de corrupção e a crise econômica deixados pelas administrações petistas.
Da parte de Ciro, seu desafio é o mesmo desde quando ele se colocou como aspirante a um lugar no Palácio do Planalto pela primeira vez, em 1998: superar a barreira dos 10% das intenções de voto e se mostrar realmente competitivo.
Por fim, resta a opção tucana. A ideia de marcar prévias inéditas constitui a última chance de fazer algum de seus postulantes à Presidência ganhar projeção e se mostrar viável no ano que vem. Ao se mostrarem nacionalmente nos próximos dois meses, digladiando em debates transmitidos pela TV e pela internet, Doria ou Eduardo Leite tentarão repetir a façanha de FHC em 1993 ou Serra em 2001 - sair de um dígito a um ano do pleito e alcançar pelo menos o segundo turno na hora do vamos ver. Mas sem Plano Real.
A se fiar pelas pesquisas das últimas oito eleições, tudo ainda pode acontecer - inclusive nada.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/muita-agua-a-passar-por-debaixo-da-ponte.ghtml
Mathias Alencastro: Três lições da Alemanha
Sucessão de Merkel mostra caminhos para democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita
Mathias Alencastro / Folha de S. Paulo
Terminou a campanha eleitoral na Alemanha e, pela primeira vez, o partido que sair na frente terá de encontrar pelo menos dois outros aliados para formar o governo. O processo de formação de um novo governo deve se prolongar por alguns meses, mas um cenário de impasse a longo prazo, como nas vizinhas Holanda e Bélgica, parece descartado.
A popularidade de Olaf Scholz, apontado em todas as sondagens como o mais preparado para assumir o cargo, assim como o desejo de alternância depois de 16 anos de governo CDU, confere um ascendente à SPD nas negociações com potenciais aliados. O resultado do pleito também traz ensinamentos para todas as democracias liberais acometidas pela ascensão da extrema direita.
A primeira é a resiliência da centro-esquerda. A SPD defendeu o programa mais progressista das últimas décadas, mas apresentou um candidato sóbrio e pragmático, que foi vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças nos últimos anos.
A pandemia, que muitos esperavam ser um prato cheio para os populistas, acabou reforçando as credenciais dos candidatos versados na administração do Estado. Dada como morta depois da debacle do Partido Socialista francês em 2017, a centro-esquerda está voltando a contar na Europa, com governos da Península Ibérica à Escandinávia, passando agora, provavelmente, pela Alemanha.
A segunda é a dificuldade da direita tradicional diante da emergência da extrema direita. A toda-poderosa CDU não conseguiu recuperar o eleitorado perdido para a AfD, que se manteve acima dos 10% e consolidou sua presença em nível regional. Exceção feita ao Reino Unido, onde Boris Johnson conseguiu federar as direitas em torno do brexit, o campo conservador parece irremediavelmente dividido nas democracias liberais.
Muito se fala do drama da renovação da esquerda, mas a origem da crise de governabilidade europeia tem sua origem no outro lado do espectro ideológico.
A terceira dinâmica é a emergência da crise climática como tema de campanha. De acordo com todos os cenários, os Verdes devem se afirmar como a terceira maior força política e regressar ao governo, depois da experiência bem-sucedida dos anos 1998-2005 liderada pelo lendário Joschka Fischer, àquela altura ministro das Relações Exteriores.
Vencedor destacado na população abaixo de 50 anos, o partido está bem posicionado para encabeçar o governo nos próximos dez anos.
Para o Brasil especificamente, o surgimento da SPD e dos Verdes deve reforçar o ativismo internacional nas questões democráticas e ambientais da Alemanha, sempre muito contida nos tempos de Merkel.
Martin Schultz, um dos principais quadros da SPD e forte candidato a assumir uma pasta ministerial em uma eventual coalizão liderada pelo partido, foi até Curitiba para encontrar o ex-presidente Lula na cadeia. Quanto aos delinquentes neonazistas que Bolsonaro recebeu no Alvorada, eles continuarão sendo irrelevantes no futuro Parlamento.
Esses pequenos sinais também devem ser levados em conta na hora de especular sobre a reação da comunidade internacional em caso de contestação do resultado das presidenciais brasileiras em 2022.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/mathias-alencastro/2021/09/tres-licoes-tiradas-da-eleicao-da-alemanha.shtml
A CPI encontrou os documentos, fez a conta e descobriu o CPF dos culpados
As provas que a comissão da pandemia recolheu não vão embora
Celso Rocha de Barros / Folha de S. Paulo
A CPI da Pandemia, que se aproxima de seu fim, provou a ocorrência do maior crime da história republicana brasileira. Encontrou os documentos certos, fez as contas certas e descobriu o CPF dos culpados.
A CPI provou, com documentos, que Jair Bolsonaro se recusou a comprar as vacinas oferecidas pela Pfizer e pelo Instituto Butantan, e que só comprou metade da oferta do consórcio Covax Facility.
Tudo documentado.
Com esse número de vacinas não compradas e os documentos que provam as datas em que elas poderiam estar disponíveis, os cientistas foram trabalhar. Eles sabem o quanto o número de mortes costuma cair conforme a vacinação progride.
Na conta do epidemiologista Pedro Hallal, feita a pedido da Folha, só as vacinas da Pfizer e do Butantan teriam salvado cerca de 90 mil pessoas. Bolsonaro matou essa gente só com duas decisões.
Por sua vez, o jornal O Estado de S. Paulo calculou que, só com as vacinas recusadas do Butantan, todos os idosos brasileiros teriam sido imunizados com duas doses até o fim de fevereiro, estando, portanto, todos imunizados a partir do meio de março. Entre o meio de março e o momento em que a reportagem foi publicada (27 de maio), 89 mil idosos morreram de Covid. Supondo que a mortalidade pós-vacinação de idosos fosse igual à do Chile (20% dos doentes), Bolsonaro matou, com uma única decisão, cerca de 70 mil idosos só entre o meio de março e maio deste ano.
Todas essas contas, que ainda não usam os números de vacinas que Bolsonaro se recusou a comprar do consórcio Covax Facility, foram apresentadas à CPI. O Ministério da Saúde tem gente que saberia refutá-las, se elas estivessem erradas. Ninguém se pronunciou.
A CPI também descobriu o que Bolsonaro estava fazendo em vez de comprar vacina: mandando os trabalhadores brasileiros para a rua para adoecer, mentindo que haveria remédio caso eles ficassem doentes.
A CPI documentou a existência de um gabinete paralelo de médicos estelionatários que, por dizerem o que Bolsonaro queria ouvir, tornaram-se mais influentes do que os técnicos do Ministério da Saúde. Foram eles que promoveram os tratamentos com remédios como a cloroquina, muito depois da ciência ter demonstrado que eles eram ineficazes.
Mais recentemente, veio à luz o caso da Prevent Senior, que executou experimentos em pacientes inocentes com o protocolo bolsonarista de cloroquina e similares. O tratamento fracassou, os pacientes morreram, mas os dados foram falsificados para que não se soubesse que os pacientes haviam morrido de Covid.
Finalmente, a CPI descobriu que o governo Bolsonaro se esforçou para que uma, e só uma, vacina específica fosse aprovada: a Covaxin, que ofereceu suborno à turma do deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara. O negócio foi denunciado antes de ser efetivado, mas não por iniciativa de Bolsonaro.
Em resumo, a CPI provou que Bolsonaro matou mais de cem mil brasileiros, mentiu para eles que haveria remédio caso adoecessem, e acobertou gente de seu governo que tentava roubar dinheiro de vacina.
As revelações da CPI terão algum efeito político? Tem gente poderosa trabalhando para que não. Mas as provas que a CPI recolheu não vão embora. Ficarão lá, à espera de um Brasil que volte a ter instituições que não se vendam nem tenham medo do próprio Exército.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2021/09/a-cpi-encontrou-os-documentos-fez-a-conta-e-descobriu-o-cpf-dos-culpados.shtml
Fernando Gabeira: Brasil de bolsonaro mostra o dedo para o mundo
O jornal alemão Frankfurter Allgemeine disse que o Brasil mostrou o dedo para o mundo
Fernando Gabeira / O Globo
Era uma alusão à posição negacionista de Bolsonaro, que não apenas recusa a vacina, como quebrou o código de honra da ONU, que esperava um encontro de imunizados. Na verdade, a manchete era uma síntese da atitude de Bolsonaro com a do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mostrou o dedo para manifestantes contrários ao governo.
A primeira coisa que me ocorreu é que durante muito tempo falamos do brasileiro como um homem cordial. É uma visão idealizada. No entanto jamais poderíamos suspeitar que uma delegação brasileira “mostrasse o dedo para o mundo na ONU”e que isso se transformasse na manchete de um dos principais jornais alemães.
Quando Bolsonaro defendeu a hidroxicloroquina, dizendo que a História e a ciência fariam justiça ao tratamento precoce da Covid-19, lembrei-me de seu esforço no Congresso para aprovar uma pílula contra o câncer, desenvolvida por um pesquisador de São Paulo. Bolsonaro tinha pela fosfoetanolamina a mesma empolgação e é incapaz de se perguntar hoje para quem a ciência e a História deram razão.
Tenho a impressão de que sua confiança na cura mágica cresce com a complexidade do nome do remédio. Certamente se interessou pela proxalutamida.
Dois dias depois do espetáculo de realidade paralela que ofereceu na ONU, Bolsonaro aparece com seis dedos na mão, numa imagem em suas redes sociais. Realmente, falam com os dedos, e essa linguagem foi bem captada dentro da van que levava Marcelo Queiroga. Ele mostrou o dedo médio, numa escolha claramente pornográfica. O chanceler Carlos Alberto França, diplomaticamente, optou pelos dois dedos que simulam uma arma, símbolo permanente do bolsonarismo.
Os seis dedos de Bolsonaro afirmam apenas como ele é mentiroso. Os dedos de Queiroga e do chanceler apontam para a essência da proposta bolsonarista: vulgaridade e violência.
Mas há algo que talvez os jornais estrangeiros não tenham captado. Embora Bolsonaro tenha sido eleito com a maioria dos votos, hoje seu governo é rejeitado por quase 70% da população.
Bolsonaro se orgulha de não ser vacinado. No entanto o Brasil, segundo algumas pesquisas, é o país com mais adesão popular à vacina.
Não vou cair na tentação de reafirmar pura e simplesmente a tese do homem cordial, mas o Brasil, na realidade, não pode ser confundido com o governo. A maioria dos brasileiros, longe de mostrar o dedo para o mundo, estende a mão para a humanidade. Sempre fomos um país solar, e alguns estrangeiros, cativados pela alegria de nossas festas populares, achavam até que a felicidade era um fator associado ao Brasil.
Certamente esgotaria meu espaço discorrer sobre as causas dessa transformação ou mesmo descrever como se gestou o ovo dessa serpente.
O impacto da passagem de Bolsonaro pela ONU me fez lembrar Peter Sellers no filme “Dr. Strangelove”. Bolsonaro falava de vacina, mas uma espécie de força estranha o levava a defender tratamento precoce e a combater passaportes sanitários. Havia um discurso feito para ele, e o braço rebelde que se levantava contra o consenso mundial, o pária que precisa comer pizza no passeio porque não pode entrar no restaurante.
Peter Sellers intepretava um personagem no filme de Stanley Kubrick com essa força contraditória em suas atitudes. De vez em quando, perdia o controle do braço e fazia uma saudação nazista. Se me lembro bem, em determinado momento, ele se levanta da cadeira de rodas e diz: “Mein Führer, posso andar”.
Não quero dizer com isso que Bolsonaro seja nazista. Seria banalizar uma grande tragédia da humanidade.
Seu novo espasmo numa entrevista a extremistas de direita da Alemanha:
—Algumas pessoas com Covid tinham comorbidade. Morreriam de qualquer jeito, dias ou semanas depois.
Mein Führer, consigo andar.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/mostrando-o-dedo-para-o-mundo.html
Gaudêncio Torquato: Brasil vegeta sob o reino da mentira
Hoje, o Brasil vive sob o Estado de Direito, mas vegeta sob o Estado da ética e da moral, com um mandatário-mor que nega a ciência
Gaudêncio Torquato / Blog do Noblat / Metrópoles
Há 44 anos, o jurista Goffredo da Silva Telles Jr., falecido no dia 27 de junho de 2009, dando vazão ao sentimento da sociedade brasileira, foi convidado para ler a Carta aos Brasileiros69. O País abria as portas da redemocratização. Hoje, o Brasil vive sob o Estado de Direito, mas vegeta sob o Estado da ética e da moral, com um mandatário-mor que nega a ciência, é responsável pela pior gestão da pandemia de coronavírus 19 do planeta, e faz um vergonhoso discurso na abertura da ONU, privilégio que, historicamente, cabe ao Brasil desde 1947.
Em quatro décadas, o País eliminou o chumbo que cobria os muros de suas instituições sociais e políticas, resgatou o ideário libertário que inspira as democracias, instalou as bases de um moderno sistema produtivo e, apesar de esforços de idealistas que lutam para pôr um pouco de ordem na casa, não alcançou o estágio de Nação próspera, justa e solidária. O país faz vergonha ao mundo. O baú do retrocesso continua lotado. Temos uma estrutura política caótica, incapaz de promover as reformas fundamentais para acender a chama ética, e um governo que prometeu acabar com a corrupção, amarrado às mais intricadas cordas da velha política, usando a extraordinária força de verbas e cargos para cooptar legisladores e partidos, principalmente do Centrão, transformando-se, ele próprio em muralha que barra os caminhos da mudança.
Não por acaso, anos depois o professor Goffredo confessava ter vontade de ler uma segunda carta, desta feita para conclamar pela reforma política e por uma democracia participativa, em que os cidadãos votem em ideários, não em fulanos, beltranos e sicranos. O velho mestre das Arcadas, que formou uma geração de advogados, tentava resistir à Lei de Gresham, pela qual o dinheiro falso expulsa a moeda boa – princípio que, na política, aponta a vitória da mediocridade sobre a virtude.
No Brasil, especialmente, os freios do atraso impedem os avanços. Vivemos com a sensação de que há imensa distância entre as locomotivas econômica e política, a primeira abrindo fronteiras, a segunda fechando porteiras. Olhe-se para os Poderes Executivo e Legislativo. Parecem carcaças do passado, fincadas sobre as estacas do patrimonialismo, da competitividade e do fisiologismo. Em seus corredores, o poder da barganha suplanta o poder das ideias.
Em setembro de 1993, na segunda Carta aos Brasileiros, o mestre Goffredo escolheria como núcleo a reforma política, eixo da democracia participativa com que sonha. Mas falta disposição aos congressistas para fazê-la. Em 2002, Lula da Silva também leu sua Carta aos Brasileiros, onde pregava uma nova prática política e a instalação de uma base moral. Nada disso foi cumprido. O país continuou a ser um deserto de ideias.
Sem uma base eleitoral forte, os entes partidários caíram na indigência, poluindo o ambiente de miasmas. Até hoje, os eleitores esperam que as grandes questões nacionais recebam diagnósticos apropriados e propostas de solução para nosso pedaço de chão. Infelizmente, o voto continua a ser dado a oportunistas, operadores de promessas, poucos com ideários claros e correspondentes aos anseios sociais.
A utopia nacional resvala pelo terreno da desilusão. Nesses tempos da CPI da Covid, o Reino da Mentira, descrito pelo senador Rui Barbosa, nos idos de 1919, volta à ordem do dia: “Mentira por tudo, em tudo e por tudo. Mentira na terra, no ar, até no céu. Nos inquéritos. Nas promessas. Nos projetos. Nas reformas. Nos progressos. Nas convicções. Nas transmutações. Nas soluções. Nos homens, nos atos, nas coisas. No rosto, na voz, na postura, no gesto, na palavra, na escrita. Nas responsabilidades. Nos desmentidos”.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-reino-da-mentira-por-gaudencio-torquato
Alon Feuerwerker: Um Bolsonaro para Bolsonaro? E Moro
Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB
Alon Feuerwerker / Blog do Noblat / Metrópoles
Toda previsão no Brasil deveria trazer junto um seguro-imprevisibilidade, mas é razoável supor que entramos num período algo estável, no qual a guerra de movimento vem sendo substituída por uma guerra de posição, e de baixa ou média intensidade. Por uma razão: nem o presidente da República reuniu até o momento força para suplantar os demais poderes nem os opositores acumularam por enquanto massa crítica para depô-lo.
Daí que as atenções comecem a se voltar cada vez mais para a próxima janela de oportunidade na disputa do poder: a eleição. Com uma competição particular entre os candidatos a ser o “Bolsonaro do Bolsonaro”. Alguém que tire do incumbente a liderança do bloco que vai do centro para a direita, exatamente como o atual presidente fez com o PSDB na corrida de 2018. Um PSDB que nas seis disputas anteriores ou ganhara ou pelo menos fora ao segundo turno…
Os dois pré-candidatos tucanos afiaram as lanças esta semana, exibindo suas impecáveis credenciais antipetistas, pouquíssimo tempo após a vaga de opiniões e emocionados apelos pela “frente ampla”. Faz sentido. Para a legenda, a vaga em disputa no segundo turno não é a de Luiz Inácio Lula das Silva, mas a do adversário dele. E os governadores paulista e gaúcho estão num momento de “ciscar para dentro”.
Enquanto isso, o presidente busca um certo reposicionamento, mostrando que a carta redigida em conjunto com o ex Michel Temer não foi raio em céu azul. Tem lógica, pois Jair Bolsonaro não enfrenta concorrência séria no campo da direita. Se mantiver os traços estruturais do discurso, pode tranquilamente fazer movimentos táticos ao “centro”, inclusive por não ter maiores antagonismos com o centrismo. Corre pouco risco de perder substância.
Quanto vai durar a (quase) calmaria? Um palpite é que dure enquanto os dois blocos que hoje travam a disputa mais acalorada, o bolsonarismo e o centrismo, acreditarem reunir potencial de voto para prevalecer em outubro de 2022. Por isso mesmo, seria imprudente apostar todas as fichas num processo eleitoral no padrão dos anteriores, absolutamente estável. Pois alguma hora um desses dois blocos notará que a vaca está indo para o brejo.
A não ser que Lula derreta no caminho. O que por enquanto não está no horizonte.
E os imprevistos? Como dito amiúde, é imprudente desprezá-los. Especialmente diante de um Judiciário fortemente inclinado ao ativismo. Mas eventuais decisões que removam algum contendor manu militari não garantem vida fácil a quem sobrar na corrida. Pois pode perfeitamente acontecer como em 2018: o removido apoiar alguém e manter ocupado o espaço político que se pretendeu deixar vago.
E há outra variável, que ensaia alguns passos, costeando o alambrado: Sergio Moro. As ofertas para ele estão feitas. Com o pulverizado cenário da “terceira via”, a possibilidade de ocupar esse espaço não deixa de ser atraente para o ex-juiz e ex-ministro.
Sobre isso, escrevi em janeiro do ano passado (E se Moro virar o “candidato do centro”?).
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/um-bolsonaro-para-bolsonaro-e-moro-por-alon-feuerwerker
Raul Jungmann: “Sistema prisional é o home-office do crime organizado”
Ex-ministro da Defesa e Segurança Pública analisa os desafios governamentais e da sociedade para a segurança e comenta Lei Antidrogas
Pode o poder público se omitir do direito democrático de todo cidadão à segurança? Essa foi uma das principais questões debatidas no seminário “Um novo Rumo para o Brasil”, que teve como tema “Segurança pública e democracia” no início desta semana. O evento virtual, organizado pelas fundações e institutos ligados ao MDB, PSDB, DEM e Cidadania, segue até 27 de setembro.
Para aprofundar um pouco mais sobre os desafios da segurança pública no Brasil, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) conversa com Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e Segurança Pública.
O colapso do sistema prisional, o avanço do crime organizado e a politização das polícias estão os temas do podcast. Jungmann também analisa os 15 anos da Lei Antidrogas e critica a proposta do governo federal de criação da Autoridade Nacional Contraterrorismo. O episódio conta com áudios da TV Câmara, TV Senado, Fantástico, da TV Globo, Roda Viva e CNN Brasil.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.
Paulo Fábio Dantas: Fusão na direita, campanha na esquerda, hora H no centro
Negar a Bolsonaro a chance de chegar a um segundo turno seria, a meu ver, o argumento mais lógico da esquerda lulista para bombardear a terceira via
A maioria das pesquisas está indicando que se a eleição fosse hoje, Lula ganharia no primeiro turno. Portanto, Bolsonaro estaria fora e ninguém da chamada terceira via decolaria. Esse é o retrato atual da realidade. Em resposta a interpretações fatalistas sobre o sentido dessa informação real, o pré-candidato Ciro Gomes lembrou que pesquisa é retrato, a vida é filme. Esta coluna tem argumentado na mesma linha há algum tempo e cheguei a usar essa mesma imagem a que o pedetista recorreu agora. Porém, as fotografias do momento têm sua relevância e vão se tornando cada vez mais persuasivas, à medida que vai ficando menor o tempo que nos separa da eleição. Daí não poderem ser ignoradas.
Um modo vesgo, no entanto, de considerar as boas notícias que pesquisas têm dado a Lula é ver, ao lado delas, como face reversa de uma mesma moeda, o que seria a “surpreendente” resiliência dos índices de intenção de voto em Bolsonaro. Essa surpresa é desatenta ao fato de tratar-se de presidente no cargo, manejando, sem senso de limites, recursos que o cargo lhe disponibiliza, não poucas vezes avançando em direção à ilicitude. Comparativamente, sua performance pré-eleitoral tem sido menos atípica do que as derrocadas abissais acontecidas, em contextos bem diversos, nos casos de Fernando Collor e Dilma Rousseff. O argumento de que os crimes de responsabilidade do atual incumbente são incomparavelmente mais graves que os dos seus predecessores é veraz, mas não cancela a lógica do que está diante dos nossos olhos. É o exercício (o normal e o arbitrário) do poder a explicação para que, apesar dos seus crimes, Bolsonaro ainda conserve apoio político no Congresso e nível de aceitação popular para ir ficando no cargo, mesmo que a cada dia adicione, à sua maligna pobreza de espírito, a condição de alma penada. Vistas as coisas sob esse ângulo, boa parte da surpresa se dissolve. Entretanto, esse não é o ângulo político mais habitualmente adotado nas análises e sim o ângulo do espanto indignado.
Resulta, desse ângulo habitual, outra leitura imprecisa da fotografia do momento. A indignação conecta-se à legitima vontade, animada pelo impacto imediato das pesquisas, de que se faça uma espécie de justiça política, expondo o presidente golpista a uma derrota eleitoral acachapante, infligida pelo seu mais conspícuo oponente. Seu golpismo e sua antipolítica serem rejeitados pela opinião pública e pela esmagadora maioria da população não é bastante. Mesmo se essa condenação for capaz de nos livrar de sua presença nefasta na cena, não morre o desejo de execução explícita da sentença, pelo gesto redentor do voto na urna. Trata-se de desejo social que, além de compreensível, é politicamente positivo. Só não se pode dizer que as pesquisas estão a indicar que esse clímax coletivo ocorrerá.
O que aparece em todas as fotografias atuais (e nunca é demais lembrar que a vida é filme) é a vitória de Lula no primeiro turno. Elas mostram, além de uma virtual consagração do petista, duas virtuais inviabilidades: a primeira – de uma candidatura agregadora e competitiva da chamada terceira via - é apregoada aos quatro ventos por inúmeras análises que são música para Lula e o PT e, ao menos, unguento para o bolsonarismo. Mas a segunda – a virtual inviabilidade do próprio Bolsonaro chegar a um segundo turno - costuma ficar obscurecida pela imaginação desse duelo épico, sonhado por alguns, temido por outros. Mas apesar de desejos legítimos e vieses analíticos, as fotos não mentem.
Digo mais: das duas inviabilidades mostradas nas fotografias vejo a de Bolsonaro como maior porque a ele não basta ficar resiliente. Até para simplesmente ir ao segundo turno, precisa reverter o quadro declinante atual e ganhar pontos, o que, dado aquilo que mostram a tragédia social do país, o estágio atual e as perspectivas da economia, o relativo isolamento político do presidente e sua rejeição crescente junto ao eleitorado, parece ser bem mais difícil do que a duvidosa terceira via decolar. A prevalecer a visão dos céticos, de que tendem a ser mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, Lula já poderia estar pensando em qual alfaiate contratar. E como o fatalismo anda em alta e o pragmatismo é previdente, forma-se fila para conseguir assento na suposta arca de Noé.
Apesar disso, não se pode ainda descartar que Bolsonaro vá a um segundo turno amparado em seus resilientes adeptos, mesmo que seja só para tomar uma surra eleitoral. Isso poderá ocorrer se a soma de votos dados a candidatos da chamada terceira via crescer um pouco, o suficiente para garantir a realização do segundo turno, mas sem que, por força da fragmentação desse campo, qualquer dos seus nomes ultrapasse Bolsonaro. Uma pesquisa Ibope da última quinta-feira, por exemplo, mostra que quando se admite um cenário com Sergio Moro candidato, Lula segue com intenções de voto suficientes para ganhar no primeiro turno, porém com menos folga, aproximando-se da margem de erro.
Negar a Bolsonaro a chance de chegar a um segundo turno para provocar arruaças no atacado ou a granel seria, a meu ver, o argumento mais forte e lógico da esquerda lulista para bombardear a terceira via com a obstinação que estamos vendo. O único contra-argumento possível, ao mesmo tempo realista e normativo (coisa risível para muitos), é o de que um candidato de terceira via chegar ao segundo turno - ganhando ou perdendo para Lula - faria muito bem ao país, não só porque deixar de se classificar ao segundo turno seria uma contundente derrota política para Bolsonaro, como porque uma candidatura com postura e programa liberal-democráticos é contraponto à maré populista que tensiona o mundo atualmente, com a pretensão de minar a democracia representativa do constitucionalismo liberal e “refundar” a democracia em bases soberanistas. Esse é o sentido político que teria, neste momento, a agregação máxima possível entre centro-direita e centro, chame-se isso de terceira via, ou não.
Como evidência de que o inusitado é componente sempre possível de dada conjuntura política (sendo mais provável quando são conjunturas críticas) há gente na esquerda insinuando (ao menos em ambientes informais) que a iminente fusão DEM-PSL é biombo de uma conspiração para ressuscitar a jamais nascida candidatura do ex-juiz Sergio Moro.
Talvez o desejo íntimo que subjaz a essa especulação seja o de que o justiceiro mítico, hoje opaco, cumpra o desiderato de distorcer e desqualificar a ideia de terceira via, sem direito a apelação. Mas conjecturar sobre uma candidatura que, se fosse possível, só interessaria a Bolsonaro (na medida em que facilitaria haver segundo turno) é um diletantismo que não ajuda a esquerda. A Lula, não tendo ele nada de amador, não deve agradar a hipótese dessa torcida crescer na sua cozinha. Se Moro entrasse no jogo – e isso poderia se dar mais por uso solitário de um atalho partidário como o do Podemos - até poderia mesmo jogar um jato de água na terceira via, mas poderia também, e mais provavelmente, jogar outro jato na chance, hoje muito real, de Lula vencer no primeiro turno. E Lula deve ter motivos para querer essa vitória antecipada, não por mera vaidade, ou por receio de efeitos colaterais da jactância morista, mas porque a vitória consumada em primeiro turno dar-lhe-ia tempo de usar disputas de segundo turno nos Estados para fazer alianças conciliatórias. Elas seriam imprescindíveis para dar estabilidade mínima a um governo seu, que não será, nem de longe, o futuro cor de rosa que ele tem prometido em sua performance populista nostálgica, até aqui a escolhida para o vôo sollo no primeiro turno.
Noves fora a insólita suposição de que políticos profissionais, dentre os quais o próprio presidente do Congresso Nacional, possam servir de agentes do projeto pessoal de um ex-juiz, carrasco da “política dos políticos” e com prestigio cadente, a discussão da fusão dos dois partidos, além de objetivos pragmáticos ligados ao interesse de reeleição de deputados – interesse intrínseco a políticos que atuam numa democracia - sinaliza a disposição da direita brasileira de se reorganizar para fazer valer a sintonia momentânea que seu modo de pensar guarda, em muitos pontos, com o da maioria do eleitorado brasileiro, como foi demonstrado nas três diversas eleições realizadas de 2016 para cá. Tal inclinação conservadora do eleitorado não contradiz a imensa rejeição a Jair Bolsonaro, cuja atitude destruidora de instituições é uma antítese da atitude conservadora. Misturar duas coisas distintas para enxergar na rejeição uma evidente guinada do eleitorado à esquerda, ou mesmo ao centro, seria, no mínimo, uma imprudência analítica.
Por isso, o pragmatismo que guia a iniciativa da fusão está longe de ser evidência de aproximação dos dois partidos a uma estratégia eleitoral de Bolsonaro ou mesmo do governo, se é que alguma estratégia desse tipo existe como plano A do golpista e da alcateia que o cerca. Parece, ao contrário, ser um modo de ambos os partidos se sentirem material e politicamente fortes para se afastarem de Bolsonaro. Ao mesmo tempo, DEM e PSL freiam o ímpeto de um concorrente de peso – o PSD de Gilberto Kassab – que vinha nadando de braçada, a oferecer boias e botes a náufragos da canoa governista. Nesse mar de águas turvas chega agora um navio de resgate maior. É previsível que o PSD coopere.
A operação, se de fato for consumada, mudará muita coisa (além do que a simples hipótese da fusão já muda) não apenas no palácio ou nas piscinas que o circundam, mas também em todos os campos e quadrantes partidários da política. São muitas - senão todas, exceto as duas nubentes – as forças que torcem ou operam para que a ideia malogre. É previsível que não só o governo, mas interesses distintos joguem firme, oferecendo vantagens, em alianças estaduais, à reeleição de deputados e senadores para atrapalhar a fusão e, se isso não for possível - como parece não ser - para reverter, ou ao menos reduzir, seus efeitos.
O diagnóstico e um dos prognósticos do ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, em entrevista a “O Globo”, são precisos: “DEM migrou para a direita e fusão com PSL será confusa”. Bom de análise, como de hábito, o Maia original não tenta matar o mensageiro da má (para ele) notícia e faz várias observações perspicazes e realistas sobre possíveis percalços da fusão, sem deixar de admitir, porém, chances de êxito e relevância dos efeitos. Apenas deixou de completar seu raciocínio, por compreensíveis razões políticas que não desqualificam em nada a sua análise. É fato, sim, que o DEM desistiu de ter, ao menos nesse momento, o centro como aliança prioritária (até porque o tipo de reação do outro Maia, o Rodrigo, à sua sucessão na Câmara, tornou mais difícil esse caminho, que já era problemático) e resolveu olhar para a direita. A fusão com o PSL expressa essa escolha. Mas para o raciocínio analítico se completar é preciso ver que esse olhar para a direita, por mais confusões que haja a resolver na sequência, está sendo mais eficaz para tirar o DEM da órbita de Bolsonaro. Tudo bem, é pedir demais a Cesar Maia que, além de bom analista ele seja um político desprendido (contradição em termos) e um pai insolidário.
Quem quer realmente uma dita terceira via tem de saber que o relógio está contra ela e que não dá para perder tempo reclamando da fusão de um partido médio da centro-direita com uma direita mais explícita. Se a agregação não ocorrer pelo centro, tende a ocorrer mesmo pela direita. Será um desfecho sub ótimo, do ponto de vista do centro, que não tem sentido demonizar, a não ser que o sentido seja não o de agregar, mas o de concorrer com a centro-direita. Ademais, o DEM não está queimando seus navios ao se distanciar do centro. O aval à circulação do nome de Luiz Mandetta é demonstração disso. Mas as tranças que Rapunzel joga, ainda que como seu plano B, cairão no vazio se o centro democrático não for capaz de provar que agrega mais do que a direita. Se não for capaz precisará considerar, com realismo, que essa agregação que a fusão e suas implicações conservadoras insinuam é, ainda assim, um desfecho mais interessante para si e para a democracia do que a guerra de fim do mundo do virtual segundo turno revanche de 2018 e melhor mesmo que o cenário, menos regressivo, de Lula vencendo no primeiro turno, tal como aparece nas fotos do momento. Há três coisas mais importantes hoje do que tentar imaginar agora quem, afinal, vencerá ou perderá as eleições. São elas a garantia de que as eleições aconteçam dentro das regras, a possibilidade de que aconteçam de modo civilizado, com o país já livre do espectro da reeleição de Bolsonaro e a inclusão, desde já, na agenda política, do debate da pauta do país, enfim, do que se quererá no pós-Bolsonaro.
Para quem não possui ânimo nem conexão governista e também está fora da órbita petista, assim desejando continuar, não existe outra opção além da de persistir fazendo política em dois planos. Um é o da frente democrática ampla, para defender, ao lado da esquerda, a democracia e o processo eleitoral dos perigos - não mais eleitorais, mas ainda institucionais – de desestabilização que o bolsonarismo, mesmo politicamente batido, pode causar através do fomento a um caos social e/ou à violência política. Outro é o da articulação e mobilização pré-eleitoral com foco na maior agregação possível do centro com a centro-direita, através de uma candidatura e de um programa capazes de dialogar também com forças de direita, de centro-esquerda, com pragmatismos do tipo centrão e, principalmente, com os eleitorados dos respectivos campos onde se situam essas forças.
Como já disse e nem precisava dizer, é um roteiro de duvidoso êxito. Acrescento que de complexa execução também e por esses dois motivos, é legitimo considerá-lo improvável. Mas mesmo que os vaticínios se confirmem, há aquela hipótese de agregação desse campo a partir de uma força de gravidade vinda, não dele mesmo, mas de uma estratégia de uma direita de vocação governista ainda não inteiramente desprendida de Bolsonaro, mas em trânsito a uma posição de centro direita, justamente para se desvencilhar dele. Em torno desse script do conservadorismo democrático circula a hipótese, por exemplo, da candidatura de Rodrigo Pacheco. A seu favor, a maleabilidade requerida em operações políticas delicadas, a postura não doutrinária em economia, além do discurso irretocável, tendo em vista os cânones do constitucionalismo liberal. Contra ele, a escassa penetração do seu nome em áreas populares e a percepção desfavorável da sociedade em relação ao Parlamento e a parlamentares em geral, variáveis cuja incidência só seria neutralizada pelo impacto de seu envolvimento positivo num fato ou processo politicamente decisivo. Isso dá lugar a afinidades eletivas (embora não a nexos necessários) entre a ideia de sua candidatura e a hipótese de um impeachment com caráter e dimensões de processo cívico. Mas se o Senado seria o lócus decisivo desse eventual processo, é preciso que sua deflagração seja combinada com Artur Lira e “sua” Câmara. Nesse ponto a incerteza reina.
Independentemente do que cada eleitor, ou grupo de interesse, decida a respeito do seu voto ou apoio, uma via como essa (que não seria mais terceira, mas substituta da primeira via) pode ser vista também como boa notícia para o país, ainda que tenda a estar aquém da plataforma reformadora de cunho social-democrático, que a situação crítica da maioria dos brasileiros requer. Mas isso seria questão a debater e decidir na urna, possibilidade que é horizonte benigno em si, depois de tantos sustos tomados e tantos riscos corridos. Quem leu entrevista recente do ex-ministro Tasso Genro constatará que uma reflexão como essa não pode ser cancelada, simploriamente, como anti-lulismo. É uma reflexão orientada, ao mesmo tempo, por fatos e pelo compromisso com a democracia.
Mas costuma ser mais efetiva na esquerda uma atitude anti-liberal que vincula, tensa e pragmaticamente, o chamado lulo-petismo ao PSOL e a políticos como Guilherme Boulos, a partidos e quadros de organizações de esquerda sem expressão eleitoral, a ativistas de movimentos identitários e a analistas militantes do esquerdismo acadêmico. Trata-se de um maciço ideológico empenhado em não admitir que o "capitalismo" se saia bem da crise provocada por seus contrastes e potencializada pela emergência da extrema-direita global. Crise que é vista, por esses olhos gauche, em chave chinesa, como risco e oportunidade. Por essa ótica Biden pode ter sido aliado tático, mas já é e sempre será adversário estratégico, contra o qual vale até (para alguns mais ousados) ver algum sentido de libertação na luta do Talibã. Nisso acaba dando o fato da 'esquerda ocidental" - especialmente a dos campi universitários e a do hemisfério sul – ter, aos poucos, trocado o Manifesto Comunista (um texto que não xingava e sim analisava criticamente o capitalismo do seu tempo) pela atemporalidade, ou temporalidade recorrente, em aspiral, do I Ching. Filosoficamente, a escolha é livre e nela nada há de ruim. Politicamente, é apenas péssima.
*Cientista político e professor da UFBa.
Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/09/paulo-fabio-dantas-neto-baile-de.html