Bolsonaro
Cristovam Buarque: A antifacada do ex-presidente Lula
Bolsonaro enfrentará o candidato mais preparado que o Brasil já teve em disputa. Além da popularidade, Lula traz experiência
Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
Dificilmente Bolsonaro teria sido eleito, se a facada não o tivesse liberado de comparecer aos debates. Ele não resistiria aos questionamentos de candidatos mais preparados, como Haddad, Marina, Alckmin, Ciro. Em 2022, ele terá de participar e vai enfrentar o candidato mais preparado que o Brasil já teve em disputa eleitoral. Além da popularidade com que chega, Lula trás a experiência de cinco disputas presidenciais e oito anos de exercício da presidência, carregado de conhecimento e reconhecimento em todos os setores da vida nacional e internacional.
As tentativas de constrangê-lo por ter sido condenado e preso poderão beneficia-lo, ao mostrar que suas condenações foram anuladas e parecem perseguições. Certo constrangimento virá das provas de corrupção por membros e associados dos seus governos. Mas a maior dificuldade do Lula poderá vir de posições manifestadas por militantes e dirigentes de partidos ligados ao Lula, assustando eleitores com desconfianças em relação à equipe com a qual ele governará.
As recentes agressões contra a Deputada Tabata Amaral, por pessoas próximas ao Lula, fizeram ampliar este temor. Chega-se a imaginar o risco de Lula nomear pessoas com esta agressividade para cargos em seu governo. Assusta ainda mais, que as críticas à Deputada Tabata refletem posições com desvios de caráter e também com posições políticas reacionárias, negacionistas, contrárias às reformas para quebrar privilégios e destravar o progresso do país.
Ouve de pessoas ao seu lado, sem que ele se distancie delas, repetidas posições populistas em defesa de irresponsabilidade fiscal, que trariam dificuldades para os pobres e ameaçariam o funcionamento da economia. Apesar de que os dois governos Lula foram rigorosamente responsáveis do ponto de vista fiscal, seu silêncio diante de falas populistas de seus aliados levantam dúvidas sobre o comportamento de um novo governo seu.
O Lula é o mais preparado para os debates eleitorais, mas corre risco de ser constrangido por associação com pessoas e grupos de caráter machista, violento e reacionário. Em um momento em que a Confiança é um fator determinante, tanto eleitoral quanto econômico, a credibilidade do ex-presidente pode ser afetada, provocando um efeito contrário à facada que, em 2018, protegeu ao menos preparado, e agora prejudicaria ao mais preparado. Seria a anti facada do Lula, desferida por falas irresponsáveis e reacionárias de seus aliados.
*Cristovam Buarque foi senador pelo DF
Fonte: Blogo do Noblat/Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/a-anti-facada-por-cristovam-buarque
George Gurgel: Paulo Freire e os desafios da educação brasileira
Educação é parte integrante de formação da Cidadania e um dos fundamentos de modernização do Estado e da Sociedade
George Gurgel de Oliveira / Democracia Política e Novo Reformismo
No presente texto, fazemos algumas reflexões sobre a educação, como parte integrante de formação da Cidadania e um dos fundamentos de modernização do Estado e da Sociedade brasileira.
É a nossa maneira de homenagear o centenário de nascimento de Paulo Freire que, por toda a vida, buscou a inclusão social, através da educação, como o caminho mais democrático de transformação da sociedade. Lembrando ainda Anísio Teixeira e Darci Ribeiro, referências quando se fala em educação no Brasil, e o nosso incansável Cristovam Buarque, quixotes de uma educação a ser construída com a participação efetiva dos que, no dia a dia, fizeram e fazem a educação no Brasil.
Discussão oportuna face a atual realidade brasileira, em plena pandemia, desafiada a transformar o sistema nacional de educação frente à nossa difícil realidade política, econômica, social e ambiental, comprometendo as forças democráticas a pautar a questão da educação como um dos fundamentos de um Programa de Governo reformista a ser construído para as próximas eleições presidenciais, em 2022, com a participação efetiva da sociedade.
A educação brasileira continua enfrentando sérias dificuldades que vão se ampliando neste segundo ano de Covid-19, nos colocando o imperativo de avaliar o atual sistema educacional brasileiro nas suas vulnerabilidades e potencialidades, durante e pós Pandemia.
A sociedade contemporânea é herdeira da revolução industrial quando a ciência, a tecnologia e a educação profissionalizante começam a ser incorporadas nos processos de produção e distribuição de mercadorias, transformando o cotidiano da humanidade, construindo novas relações políticas, econômicas, sociais, culturais e espirituais da sociedade entre si e com a própria natureza.
Desde então, a base técnica, científica e educacional construída criou as condições materiais de resolver a maioria dos problemas sociais, econômicos e ambientais existentes, inclusive os desafios educacionais enfrentados hoje pelo Brasil e por toda a humanidade. A internet, a robótica, a micro-eletrônica, as tecnologias de informação, os novos materiais e as energias renováveis entraram definitivamente nas nossas vidas, transformando as relações sociais estabelecidas, modificando a maneira de ser e estar das pessoas em sociedade.
Como os que trabalham com educação, o alunato e a sociedade em geral estão dialogando e vivendo estas novas realidades educacionais em plena Pandemia e quais seriam os desafios imediatos da educação brasileira?
Os educadores, as organizações acadêmicas, científicas e tecnológicas estão desafiados a enfrentar e superar os antigos e novos dilemas em defesa de uma educação pública de qualidade frente às transformações em curso que estão acontecendo nesta área. As atividades educacionais, hoje realizadas à distância, deverão continuar e ter um papel de destaque durante e pós a Pandemia, podendo consolidar-se um sistema híbrido presencial e à distância, refletindo as mudanças e as novas relações entre formas, conteúdos e resultados pedagógicos diante desta nova realidade.
O que deve permanecer e o que deve mudar em relação à educação brasileira?
A partir da Constituição de 1988, melhorias vêm acontecendo, inclusive com alguns bons resultados, nos últimos anos. No entanto, em uma velocidade que fica muito a desejar considerando a atual realidade educacional – são mais de 10 milhões de analfabetos no Brasil, além dos analfabetos funcionais. Ainda há que considerar os impactos causados pela própria Pandemia e os desafios econômicos, sociais e ambientais da maioria da sociedade e a necessidade de colocar a educação como fundamento estratégico de afirmação e transformação da sociedade brasileira frente à sociedade mundial.
A inexistência de um Sistema Nacional de Educação (SNE) dificulta e muito uma visão mais abrangente da educação brasileira, a curto, médio e longo prazos. Embora previsto já na Constituição de 1988 e no artigo 13 da Lei que institui o Programa Nacional de Educação (PNE), o SNE - que deveria ser constituído até 2016 - ainda não o foi no Brasil.
Assim, as demandas e as contradições da educação brasileira vão se acumulando nas últimas décadas, hoje desnudadas com a Pandemia, impondo mudanças urgentes frente à nossa realidade. Como não destacar, por exemplo, uma dessas maiores contradições: em geral, as melhores Escolas de Educação Básica no Brasil são privadas e as melhores Universidades são públicas - uma parcela significativa dos estudantes de Escola Pública, do ensino básico, vão estudar à noite, em faculdades privadas, muitos sem direito a diploma no final do curso, por não serem reconhecidas pelo Ministério da Educação.
Portanto, é urgente a criação de um Sistema Nacional de Educação como espaço institucional de diálogo com todos os atores políticos, econômicos e sociais que nos leve à equidade educacional como política de Estado e de toda a Sociedade no caminho da otimização dos recursos materiais e da inteligência nacional em prol de uma educação de qualidade no Brasil.
Neste contexto, deve-se incorporar todas as experiências educacionais bem sucedidas nos últimos anos no Brasil. Sejam elas da área federal, estadual ou municipal como também de escolas privadas ou mantidas por fundações e ONGs educacionais. A partir de parâmetros educacionais federais, todas estas escolas e universidades seriam avaliadas e incorporadas, quando bem avaliadas, ao Sistema Nacional de Educação ora proposto.
Neste processo de transição para a construção de uma educação de excelência no Brasil, com foco nas regiões de menor Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB), a área federal deverá ter um papel de destaque. A estratégia de federalização da educação pública brasileira aconteceria em função das prioridades destacadas no próprio PNE, criando as condições para a melhoria do IDEB em níveis e conteúdos educacionais de excelência, compatíveis com as demandas educacionais dos Estados e Municípios, considerando a realidade social e econômica onde estão inseridos.
Assim, o Governo Federal deveria também assegurar, de maneira permanente, os recursos financeiros, a viabilidade técnica e pedagógica do planejamento e da gestão das demandas federais, estaduais e municipais que alavancariam as regiões de menor IDEB, em cooperação com o Estado e os Municípios da região em questão. Aqui as experiências educacionais bem sucedidas das Fundações, ONGs e Organizações privadas seriam avaliadas a nível federal e, quando aprovadas, incorporadas neste esforço nacional de melhoria da educação pública brasileira.
O conceito de sustentabilidade social, econômica e ambiental nos ajuda nesta construção. Deve nortear, de uma maneira transversal, todo o processo de elaboração e viabilização de uma política de educação no Brasil, considerando as distintas realidades sociais, econômicas e ambientais nos planos nacional, estadual e municipal, como instrumento de transformação da vida de cada uma das crianças e da juventude brasileira, em todo o território nacional.
O Governo Federal, dialogando com as diversas representações existentes na área de educação do Estado, do mercado e da sociedade civil em geral, deve com a urgência devida realizar uma ouvidoria da realidade atual da educação brasileira, a partir da educação básica, diagnosticando os avanços e limites do atual PNE.
A partir do conhecimento da realidade atual da educação pode-se construir, em discussão com a sociedade brasileira, um Sistema Nacional de Educação que venha a implementar um Plano de Metas Educacionais para o horizonte dos próximos 5, 10, 20, 30 anos.
São os desafios de uma nova política de educação para o Brasil que devem avaliar a realidade educacional existente, a instabilidade vivida atualmente pelo próprio Ministério de Educação, sem uma política nacional clara para enfrentar os complexos desafios da nossa realidade educacional, funcionando sem a devida integração com os Estados e Municípios, demonstrando como o Governo Federal enfrentou e está enfrentando a situação educacional já no segundo ano de Pandemia. As perdas de aprendizado, individuais e coletivas, são significativas e ainda estão por ser devidamente avaliadas. Esta situação tem atingido diretamente os(as) trabalhadores(as), os(as) educadores(as) e os milhões de alunos(as) de escolas públicas que continuam sem as condições de estudar à distância, em suas casas, desorientando-os(as) e sem um devido apoio governamental que os(as) ajude a superar esta triste e preocupante realidade.
Esta situação tem atingido diretamente os(as) trabalhadores(as), os (as) educadores(as) e os milhões de alunos(as) de escolas e universidades públicas que continuam sem as condições de estudar à distância em suas casas, desorientados(as) e sem um devido apoio governamental que os(as) ajude a superar esta triste e preocupante realidade.
A agenda nacional da área de educação, a ser pactuada pela sociedade brasileira, deve realizar as reformas educacionais, pensando a educação brasileira no presente e no futuro imediato, considerando as suas especificidades e as desigualdades regionais. A construção de um modelo educacional nacional deve incorporar a educação, a ciência e a tecnologia como valores estruturantes e estratégicos, integrado a um projeto nacional para a melhoria da qualidade de vida da infância e da juventude dos brasileiros e brasileiras com uma atenção devida aos(às) professores(as) e trabalhadores(as) da área de educação.
Finalmente, a agenda nacional da área de educação, a ser pactuada pela sociedade brasileira, deve enfrentar os reais problemas educacionais agravados com a pandemia: realizar as reformas educacionais pensando a educação brasileira no presente e no futuro imediato, considerando as suas especificidades e os desafios regionais. A construção de um modelo educacional nacional deve incorporar a educação, a ciência e a tecnologia como valores estruturantes e estratégicos, integrados a um projeto nacional para a melhoria da qualidade de vida da infância e da juventude dos brasileiros e brasileiras, com uma atenção devida aos professores e trabalhadores da área de educação.
São os desafios a serem superados. Seremos capazes?
Uma contribuição recente para enfrentarmos os desafios e os dilemas da educação brasileira é a publicação e a discussão em andamento realizadas pela Fundação Astrojildo Pereira. A Revista Política Democrática, publicada recentemente: A Educação Presente e o Futuro, reúne textos e análises sobre o presente e o futuro da educação brasileira. Destaque-se o Manifesto: Por um Sistema Nacional Único de Educação, do Professor Cristovam Buarque, como uma colaboração efetiva nesta direção (Revista Política Democrática, ano XXI, nº 57, www.politicademocratica.com.br).
*Professor Doutor da Oficina da Cátedra da UNESCO - Sustentabilidade da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia
Paulo Fábio Dantas: Atos democráticos contrastam com os mil crimes de cada dia
Tendo os mil dias como pretexto inicial, as usinas de fake news voltaram a operar intensamente
Paulo Baía / Democracia e Novo Reformismo
Ainda não há número razoável de pesquisas para captar com segurança algum virtual efeito sobre a avaliação de imagem e sobre o nível de rejeição de Jair Bolsonaro que possa ter havido a partir de 9 de setembro, o dia da carta em que recuou da escalada golpista que culminara nos atos do dia 7. Seguiu-se uma distensão na sua atitude, o que levou parte dos analistas a supor que ele chamaria de volta à cena o Bolsonaro 2, mais contido e razoável. Afinal, era a conduta racional óbvia a seguir, diante da queda livre nos seus índices de popularidade e do isolamento político em que se metera. Amigos de fato (se é que os tem) devem ter lhe dito que valia, ao menos, testar a inflexão, para tentar reverter o desastre.
Parece que não haverá tempo para captar coisa alguma. A tal distensão logo se converteu em campanha eleitoral aberta (que em si mesma já é um delito), cenário propício para Bolsonaro voltar a ser o Bolsonaro de quase sempre. Tendo os mil dias como pretexto inicial, as usinas de fakenews voltaram a operar intensamente, elegendo alvos habituais de combate. Comunismo, homossexuais, a China e - é claro - Lula e o PT voltaram a ser temas privilegiados de suas taras retóricas, que são a base “conceitual” das fakenews.
Poupo os leitores de previsões sobre efeitos dessa recaída em índices de pesquisa. É preciso notar, por outro lado que, pela enésima vez, se revela o lugar que eleições ocupam na escala de prioridades de Bolsonaro. Lugar complexo, que é de prioridade no seu texto, mas no subtexto a prioridade é o movimento contra elas, para esterilizá-las, se possível ensanguentá-las e, no limite, cancelá-las. A cada dia é menos crível que tenha sucesso, mas ele segue nessa toada, como é da sua natureza. Se sucumbir, apesar de sua vontade indômita, ou por causa dela, quer levar muitos consigo, se possível a humanidade toda.
Trata-se do exercício pleno de um direito de natureza superficialmente hobbesiano (direito a fazer tudo que seu apetite quiser, por meios que seu cálculo indicar). Em sua versão bolsonarista, esse suposto direito não conhece limite de qualquer lei, nem mesmo da primeira lei de natureza que Hobbes sugere como uma lei racional de autopreservação. Ela indicaria ao apetitoso celebrar alguma paz, por ver também nos demais o potencial egoístico e destrutivo que reconhece em si. Esse cálculo racional seguinte ao movimento (também “natural”) de fazer a guerra, faria, do” homem lobo do homem”, um sujeito racional, com senso de perigo, ainda que dotado de razão limitada, guiada por instinto. O lobo que nos sequestra, tosco, temerário e criminoso, ofende a complexidade do homem hobbesiano e segue, na ignorância de si e do mundo, instando um país a pular com ele na vertical do precipício, endereço oposto ao que pode nos levar a política, sua maior inimiga.
É compreensível que uma sociedade assim sequestrada, como a do Brasil atual - onde vigora uma república democrática altamente inclusiva do ponto de vista eleitoral e governada num sistema presidencialista - resista institucionalmente, como corpo social e nacional (sociedade política e sociedade civil) e, ao mesmo tempo, busque, ao se constituir em eleitorado, sua salvação em quem encarne a ideia de política, na sua comunicação concreta com o cotidiano das pessoas comuns. Felizmente os dois movimentos estão ocorrendo e mostram que o país não está inerte, apesar da dor. Da reação institucional e civil resultam o relativo isolamento político e a contundente rejeição popular a Bolsonaro. Sua tradução pré-eleitoral é, no momento, a confortável liderança de Lula nas pesquisas. Engana-se quem tiver a visão toldada por certas idiossincrasias de cunho partidário. Os dois fenômenos são complementares. São, respectivamente, as faces republicana e democrática de um só movimento de autopreservação do país. A face republicana (a reação institucional e politicamente unitária em defesa da democracia) é perene, conservadora, como um firmamento e é bom que assim seja. A face democrática (liderança de Lula nas pesquisas) é, por definição, mais dinâmica e, como as nuvens no firmamento, está sujeita a deslocamentos visíveis, sem comprometer o sentido geral do movimento.
Proponho que se analise, sob essa moldura, as manifestações contra Bolsonaro, marcadas para este sábado. Escrevo antes que tenham ocorrido, logo, evitarei previsões imprudentes sobre seu nível de sucesso ou insucesso, em termos de afluência de público e, também, ilações prévias sobre como os atores políticos diversos as interpretarão a partir da noite de hoje. Sobre o que é esperado (ao menos do ponto de vista lógico, que, como sabemos, não é o único ponto de vista válido numa conjuntura como essa) pode-se dizer apenas que quem está contente com Bolsonaro deve torcer para que fracassem e recepcionará de modo simpático qualquer versão, real ou fake, que constate o fracasso. Inversamente, quem está descontente com o que se vive no Brasil engrossará a manifestação e/ou torcerá por elas. Aqui também se deve reparar em textos e subtextos.
Há visível e meritório esforço para divulgar esses atos de modo amplo, digo mesmo plural, evitando-se sua apropriação prévia por esse ou aquele partido. Do mesmo modo evita-se realçar os aspectos eleitorais que, objetivamente, estão envolvidos no ambiente político em que se dá a iniciativa. Há um evidente contraste entre esse tom moderado e precavido e a despudorada apelação eleitoral da insólita “celebração” bolsonarista dos seus mil dias de catarse, respectivos aos mil dias que já dura o infortúnio, para a maioria da nação. Um Henrique VIII de fancaria, que já cercado de varões de sangue, não pode, contudo, obrigar o povo a aceitar essa herança. Por isso insiste em sacrificar eleições e tudo o mais que há de feminino ao nosso redor, em busca de entregar o futuro do país a milícias de machos toscos e sanguinários, que hoje formam um séquito para ele e seus rebentos numerados.
Haverá quem diga que nas aventuras golpistas e machas de Bolsonaro sobra autenticidade, quem sabe até sinceridade, enquanto em atos políticos liberal-democráticos a dissimulação é a marca. Sociedades sofrem muito até compreenderem que a política é dissimulação benfazeja, se vista sob o prisma da representação. É ela, a representação, que permite (e obriga) ao político agir na direção de algo mais, além do seu interesse particular. Ao se dirigir a um ato público perante cidadãos mobilizados, ou ao falar com o eleitor que se dirige à urna, o político democrático procura, seja por convicção ou por sobrevivência (e uma coisa não anula a outra), prestar atenção nas aspirações e interesses desse público e colocar seus próprios interesses e expectativas em interação com eles. Por isso, um potencial candidato contém sua “sinceridade” ao perceber que as pessoas comuns ainda não estão se preocupando centralmente com a eleição e sim com coisas que afligem mais objetivamente o seu cotidiano e que podem fazê-las protestar contra Bolsonaro. Mais adiante votarão em alguém, mas atrapalha quem quiser fazê-las decidir seu voto agora.
O mesmo político que tem esse senso de limites e sabe calibrar seus desejos na dose e proporção corretas em que possam ser compartilhados por quem, afinal, é o senhor do seu futuro político, também sabe que não está na mesma posição objetiva do cidadão comum e eleitor. Se confunde realmente a sua posição de representante com a dos representados, ele é um descompreendido que deveria estar em outro lugar diferente da política. Se não confunde e faz de conta que confunde essa não é uma dissimulação benigna porque deseduca. Ele dissimula e adia a exposição de suas motivações não em respeito à prioridade das motivações do eleitor, mas no intuito de confundi-lo, tentando ocultar sua condição de parte da elite política, ou de aspirante a essa condição. Uma das coisas mais importantes para a maturidade de uma república democrática é a compreensão realista, por parte dos cidadãos e cidadãs, de que ela não é o governo do povo, mas sim o governo de governantes escolhidos pelo povo e exercido através de mandatos e partidos. Quem esconde isso dos seus eleitores pode se considerar democrata ou até sê-lo, em certo sentido. Mas será, principalmente, um demagogo.
Então que seja bem-vinda, no presente momento, a dissimulação das motivações eleitorais de políticos e partidos que apoiarem ou aparecerem nas manifestações de hoje. O país agradecerá por essa prioridade concedida à sua necessidade de protestar contra o que aí está. Mas isso não isenta o analista da conjuntura política de interpretar os movimentos dos vários atores políticos, pois eles, apesar de contidos pelas circunstâncias e limites da sua missão representativa, não podem e não devem deixar de agir estrategicamente. É exigência básica do ofício, que a sociedade deve fazer à elite política para que seja eficaz
Foi feliz a senadora Simone Tebet, ao se manifestar no modesto, mas significativo ato da Avenida Paulista, em 12 de setembro último. Disse ela que ali estavam reunidos o centro e a direita democráticos, que em outubro seria a vez da esquerda e que ela acreditava ser possível, em novembro, todos estarem reunidos num ato só. A sabedoria da fala consiste em, ao mesmo tempo, pregar a unidade e reconhecer, de modo realista, a diversidade que faz a sua construção ser complexa e por isso exige um tempo político para ser veraz.
Pois bem, chegou o dia da esquerda se submeter ao teste das ruas. Por mais que ela tenha dividido, estrategicamente, a convocação dos atos com outras forças, essa sabedoria prática (política) não revoga o fato de que é ela, a oposição de esquerda, a mola propulsora da mobilização de hoje. Políticos de centro e de direita nada perderão se reconhecerem isso. Assim como não perderão se admitirem o que salta aos olhos, isto é, que a esquerda tem uma capacidade de mobilizar muito maior. Ir além do óbvio é dever de quem pensa. Tentar negá-lo é erro crasso de quem age. Ademais, qualquer iniciante em política sabe que isso não é predição de necessário sucesso eleitoral. Há vários exemplos de situações políticas em que mobilizações da esquerda nas ruas abriram caminho a soluções políticas de centro pelas urnas. São exemplos de sinergia positiva entre esquerda e centro. Outros exemplos, agora de sinergia negativa, ocorreram quando manifestações volumosas da esquerda (como a do “elle não”, a uma semana do segundo turno de 2018) ajudaram à agregação do eleitorado conservador em torno de um proto-fascista como Bolsonaro. Em parte, isso depende do tom e sentido da mensagem política emitida por um ato público. Na maioria das vezes dá em desastre dizer em público o que se diz sob o teto da sua cozinha.
Penso que os atos desse sábado estão distantes desse erro. As cozinhas mais importantes estão fechadas em público e se pretende que o ato transcorra no salão principal, onde a moderação é a regra. Mas principalmente os políticos de centro ou de centro-direita que a ele comparecerem não podem se iludir ou fazerem de conta que não sabem quem é o sujeito oculto das festas que se farão Brasil afora, mesmo se o anfitrião real, sabiamente, se fizer representar por terceiros e, no caso de São Paulo - o salão principal - pelo terceiro que o representou até na urna, mas que agora, ao que tudo indica, terá sua missão limitada ao eventos preliminares, ou eventos-teste, como esse de hoje. Treino é treino, jogo é jogo. A folha seca não precisa vir agora e a rigor não se sabe de quem ela partirá, na hora devida.
Se Lula está, ao que parece, se contendo em limites convenientes ao que pode vir a ser uma candidatura ampla, de envergadura maior que sua própria trajetória como personagem do campo da esquerda (ainda que tenha um dia dito não ser de esquerda, hoje isso poderia ser um sincericídio, mas pode deixar novamente de ser, daqui a pouco), a contenção que se espera de quem pode vir a ser seu parceiro conflitivo num eventual futuro palanque é a de quem sabe o terreno em que pisará hoje e por isso pisará devagarinho. São todos convidados a uma festa que tem dono, por mais que venha a ser uma festa ampla e aparentemente gratuita, com direito a assinaturas colegiadas no convite formal.
Há dois tipos de visitas indesejáveis e incômodas em qualquer festa, mesmo as feitas oficialmente para apenas protestar: o puxa-saco e o bicão. O primeiro quer mimetizar os anfitriões, ostentar afinidades e sintonias artificiais e com isso enche o saco e granjeia desprezo. O segundo disputa protagonismo, é capaz de querer fazer as honras da casa aos desavisados, aparecer como parceiro nos bem-feitos e/ou crítico dos malfeitos da família. Para esse aí o primeiro remédio – “dar gelo”, que pode funcionar melhor com puxa-sacos – pode não bastar e aí os anfitriões podem tratá-lo como penetra e chamar a segurança.
Os que perseguem (no bom sentido) a terceira via não precisam proferir a palavra maldita. Cão que late não morde. Cabe ser educado na casa alheia, comportar-se como visita sensata, mas altiva, mesmo se convidada a se sentir em casa. E seguir trabalhando seu campo político para que chegue ao grau de agregação política e densidade eleitoral ao qual a esquerda chegou, não importa por quais caminhos ou com qual discurso ou programa. Importará sim, e muito, na hora de se dirigir ao eleitor, se o golpista que ocupa o governo já não oferecer perigo, nem de reeleição, nem de promover caos. Mas não nesse momento de ato unitário contra ele, quando o primeiro perigo saiu do horizonte, mas o segundo não.
*Cientista político e professor da UFBa.
Fonte: Blog Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/10/paulo-fabio-dantas-neto-gestos.html
Matheus Leitão: Como Bolsonaro está usando o seu, o meu, o nosso dinheiro
O Presidente usa recursos financeiros, humanos e físicos do governo para viabilizar sua reeleição. TSE e TCU estão com a palavra
Matheus Leitão / Revista Veja
Defensor de ditaduras, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta há alguns anos se confundir com o Estado brasileiro. A última moda dele é gastar (muito) dinheiro público para autopromoção, numa campanha eleitoral ilegal que se vale também da estrutura física e de recursos humanos do governo federal.
A repórter Ana Luiza Albuquerque, da Folha de S.Paulo, levantou que o contribuinte já gastou, pelo menos, R$ 2,8 milhões com as motociatas organizadas pelo presidente pelo país ao lado de seus apoiadores mais extremistas –aqueles que negam a existência da pandemia e defendem a generalização da posse e porte de armas, por exemplo.
A repórter Mariana Carneiro, de O Globo, revelou um documento em posse do Tribunal de Contas da União (TCU) que calculou em R$ 1,062 milhão o custo para o erário de apenas três motociatas (ocorridas no Rio, São Paulo e Chapecó).
O gasto público é muito maior porque Bolsonaro também envolve nos eventos de sua campanha eleitoral fora de época recursos do governo federal, como aeronaves, e também os próprios servidores públicos, como ministros e assessores, que são remunerados com o seu e o meu dinheiro, caro leitor, querida leitora.
Além disso, os eventos eleitorais do presidente demandam esforços e horas de trabalho de policiais militares e outros servidores públicos dos governos estaduais.
O presidente ainda tenta dar uma de malandro, evitando confirmar sua participação na eleição presidencial de 2022. Ele sempre diz que talvez possa ser candidato, inclusive nesses eventos. Bolsonaro chegou a dizer “se porventura eu for candidato”. Isso é um truque. Ele fala na condicional porque se confirmar a candidatura estará ainda mais claramente configurado o crime eleitoral.
Até porque, todo mundo já sabe que ele tentará a reeleição. Os vídeos, fotos e textos sobre suas motociatas também comprovam a irregularidade eleitoral.
Desde a campanha de 2018, Bolsonaro tenta se confundir com o Estado brasileiro. Um de seus primeiros movimentos nesse sentido foi o sequestro da bandeira nacional, que ele e seus asseclas decretaram que só pode ser empunhada por quem concorda com eles. Outro o sequestro da marca “Brasil”, que o governo inclui em todos os programas como agora no Auxílio Brasil com o qual ele tenta substituir o Bolsa Família. Isso quando não usa o verde e amarelo, como no Casa Verde e Amarelo que ele usou para tentar apagar a marca Minha Casa, Minha Vida.
Certa vez o presidente disse que ele mesmo é a Constituição do país, inadvertidamente remetendo a uma frase atribuída a Luís XIV, rei da França no início do século 18. Sobre os eventos eleitorais antecipados, o país precisa se preservar disso de alguma forma. Inclusive, proteger o dinheiro do contribuinte. O Tribunal Superior Eleitoral e o Tribunal de Contas da União estão com a palavra.
Jamil Chade: A reinvenção do futuro
Se uma mudança não ocorrer, estaremos nos livros como a geração que não ouviu o que pode ter sido um último sinal de alerta
Jamil Chade / El País
“Roma, lá fora, é uma cidade muito triste. Noite após noite, o país dorme desolado com a contagem, ainda às centenas, dos mortos, as cenas de terror se repetem nos hospitais”. O comentário é parte de um texto da escritora brasileira, Juliana Monteiro, radicada com sua família na capital italiana. Ela escrevia e descrevia o auge do primeiro confinamento vivido pela Itália, país que foi o primeiro epicentro da pandemia da covid-19 na Europa. “Que triste tantos italianos enterrando seus avós, aqui, onde são tão amados”, constatou, ainda nos primeiros meses de 2020.
O que a escritora de uma sensibilidade ímpar presenciava de seu balcão não era apenas uma impressão da dor que atravessava um continente. Mais de um ano depois daquele primeiro lockdown, dados confirmam o que ela sentia: a pandemia gerou a maior queda de expectativa de vida desde a Segunda Guerra Mundial.
A pesquisa, realizada pela Leverhulme Centre for Demographic Science, de Oxford, analisou dados de mortalidade em 29 países, incluindo Europa, EUA e Chile. Desse total, 27 deles registraram uma queda na expectativa de vida em 2020, numa escala que borrou o progresso objetivo durante anos na questão da mortalidade.
O que esses números revelam, no fundo, é uma enorme transformação na sociedade. Jamais, em épocas de paz, as mortes atingiram tais dimensões em economias ricas. A fome no mundo continua a matar mais que a covid-19. Mas, cinicamente, europeus consideravam essa outra pandemia como um problema distante e que, portanto, não merecia manchetes. E nem uma solução.
O que a pandemia revelou é que nada é inevitável, nem o futuro. Se as mortes atingiram níveis desconhecidos nesses países, algo parecido ocorreu com a taxa de natalidade. Os mais otimistas acreditavam que haveria um aumento de nascimentos nove meses depois do primeiro lockdown. Mas os números revelaram exatamente o oposto. Uma pesquisa na França e Alemanha em meados do ano passado indicou que 50% dos casais adiariam gravidezes.
Nos EUA, os números de queda começaram a aparecer de forma importante a partir de dezembro de 2020, nove meses depois da eclosão da crise. Segundo o CDC, a queda foi de 8% nos nascimentos no último mês do ano passado, uma tendência mantida em janeiro e fevereiro. Na Itália, a queda foi ainda maior, de 21%, contra 20% de redução na Espanha para o mês de dezembro. Já a França teve dezembro e janeiro com índices de natalidade mais baixos em 20 anos.
Não apenas a vida foi suspensa. Alianças foram desfeitas e a quantidade de casamentos que chegaram ao final explodiu. Só no Reino Unido entre julho e outubro de 2020, o escritório de advocacia Stewarts registrou um aumento de 122% em reuniões com indivíduos iniciando consultas sobre possíveis divórcios.
Agora, com as vacinas para uma classe privilegiada, os planos podem voltar a ser feitos. Tanto na Europa como nos EUA, os primeiros sinais literalmente de vida também começam a aparecer, com a volta de casais em busca de filhos. Ou pelo menos voltando a falar sobre o assunto. O Instituto Max Planck de Pesquisa Demográfica na Alemanha constata, por exemplo, que a busca no Google por termos relativos à gravidez deu um salto nas últimas semanas.
Mas para milhões de famílias mais pobres ou em luto, o futuro terá de ser reinventado. Mesmo na rica Europa, a era pós-pandemia também aponta que ninguém sairá ileso. Nas clínicas e hospitais, a onda de pacientes de covid-19 começa a ser substituída por outra: a de pessoas com sinais de depressão, stress e casos psiquiátricos.
Perguntas existenciais também ecoam pelas estruturas do poder nos corredores das grandes capitais. Como, apesar de toda nossa tecnologia e peso econômico, permitimos que tantos mortos se acumulassem? E o que garante a soberania: respiradores ou helicópteros militares de última geração? Até que ponto podemos comemorar um dia da independência e aplaudir um desfile militar enquanto nosso sistema de saúde não atende sua própria população?
O futuro também exigirá lidar com um prejuízo de 13 trilhões de dólares deixado pela pandemia. Mas de quem cobrar quando a obscenidade da desigualdade foi escancarada?
Nas entidades internacionais, os cálculos confirmam que a crise sanitária abalou 30 anos de progresso no índice de desenvolvimento humanos e que o planeta contará, ao final do ano, com um exército de 318 milhões de novos miseráveis.
Quem tinha oxigênio conseguiu evitar um colapso social. A UE, por exemplo, destinou 2,3 trilhões de euros em medidas de apoio para garantir a liquidez das economias. Isso impediu uma onda de falências e, de fato, os números de empresas fechadas foi o menor desde 1999. De acordo com a UE, sem esse dinheiro, 25% de todas as empresas do bloco teriam fechado suas portas ao final de 2020, após exaurir seus caixas.
Mas essa aparente estabilidade pode não durar. No mercado, o temor é de que “empresas zombis” - que de fato não tinham mais atividade - comecem a fechar. “Muitas insolvências foram adiadas, e não impedidas”, alertou a francesa Coface SA, uma empresa de seguro de crédito.
A tendência de austeridade deve marcar também outros setores. Das 1.600 discotecas existentes na França, 100 nunca voltarão a abrir suas portas, com milhares de postos de trabalho fechados. E milhares de beijos que talvez nunca ocorram.
Se há uma lição que a pandemia deixa ao mundo é de que o modelo está esgotado, inclusive moralmente. Ou como explicar que, em plena pandemia, bilionários façam viagens pornográficas ao espaço? Há algo de podre quando países ricos começam a pensar em jogar fora 100 milhões de vacinas que vencerão em dezembro, enquanto os pobres não sabem nem sequer quando vão receber a primeira dose.
Numa catástrofe ética, o planeta recupera sua lógica colonial mais crua. Desta vez com vacinas. Fábricas de imunizantes na África passaram meses sendo obrigadas a fornecer doses para os países ricos, enquanto a população do continente implorava por doses.
Mais de seis meses após o início da vacinação, economias ricas tinham obtido 61 vezes mais doses que os países mais pobres. Neste mês, 300 milhões de vacinas estarão sentadas em depósitos na Europa e EUA, sem saber como serão usadas.
Alguns deixarão explícita a indignação diante dessa realidade. Outros guardarão segredos impublicáveis sobre a crise que definiu uma geração. Um grupo ainda lutará para impedir a ruptura de um status quo que os garante fortunas e privilégios.
Mas, para todos, a era do mundo infinito acabou de vez. O futuro que muitos imaginavam que existia se provou insustentável, insuficiente e intolerável.
A história irá nos olhar sem compaixão. Se uma mudança não ocorrer, estaremos nos livros como a geração que não ouviu – ou optou por ignorar - o que pode ter sido o último sinal de alerta antes de uma crise climática e social de proporções inéditas.
Nosso único presente é a reinvenção do futuro. Retornar ao passado é suicida. Num planeta mais quente, mais improvável, mais hostil e mais desigual, reimaginar o que será da sociedade e da coexistência não é uma opção. Mas um ato de sobrevivência.
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-28/a-reinvencao-do-futuro.html
Lula une Paes e Molon e faz do Rio laboratório da estratégia para 2022
A corrida eleitoral de 2022 dispara em outubro
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
A corrida eleitoral de 2022 dispara em outubro, com o presidente Jair Bolsonaro investindo no contato direto com a população, o ex-presidente Lula focando nas articulações políticas com governadores e cúpulas partidárias e as forças de centro ainda incapazes de dar cara e corpo ao tão desejado e tão distante candidato de centro.
Bolsonaro passa mais tempo em aviões e palanques do que governando em seu gabinete e pode ser mais visto, fotografado e filmado do extremo norte ao extremo sul do que em Brasília. Inaugura qualquer coisa, em qualquer lugar. O que importa é repetir 2018 e cair nos braços do “povo” – o seu “povo”, diga-se.
Já Lula usa a lábia, o carisma e a experiência para definir um leque de apoios muito além do PT e das esquerdas e que, na prática, não deixa franjas para uma terceira via. Para ele, não basta inviabilizar um nome ao centro; é preciso garantir que o centro e a centro-direita não pulem no colo de Bolsonaro.
Em sua última visita ao Rio, Lula brindou o PT e a esquerda com duas pérolas de pragmatismo. A primeira: “Se há uma coisa que aprendi na política é que você só ganha se tiver 51%, senão perde. Com o que temos aqui nesta sala, não temos 51% e não vamos ganhar”. Tradução: ou a esquerda faz alianças com centro e centro-direita, ou ninguém vai a lugar nenhum, especialmente na principal base eleitoral de Bolsonaro.
A segunda pérola: Rio e Minas são os “swing states” das eleições no Brasil, ora indo para um lado, ora para outro. “Quem ganha no Rio e em Minas ganha a eleição”, concluiu Lula, que faz do Rio o grande laboratório da sua estratégia. O foco é o prefeito Eduardo Paes, que virou a maior liderança do Estado e deu um golpe de mestre, ao deixar de lado sua dianteira nas pesquisas para o governo e continuar na prefeitura.
Paes é homem-chave da estratégia de Lula, assim como Lula é central das articulações de Paes, que trocou o DEM pelo PSD e amarra um acordão: para o Guanabara, o neófito Felipe Santa Cruz, presidente da OAB nacional, e, para o Senado, o ex-adversário Alessandro Molon, deputado federal que saiu da Rede para o PSB. Uma aliança, até então improvável, entre a esquerda e a centro-direita. Pró-Lula, contra Bolsonaro.
É isso que Lula busca reproduzir pelo País afora, com um instrumento de grande utilidade: o PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab (SP) que, de esquerda, não tem absolutamente nada. Kassab anima a plateia lançando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (que, como Paes, deve ir do DEM para o PSD), enquanto nos bastidores articula de fato o apoio do partido a Lula. Assim como Paes no Rio, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, é do PSD e bem avaliado. A diferença é que ele deve concorrer ao Palácio da Liberdade.
Com Rio, Minas e PSD sob controle, Lula consolida sua força no Nordeste e tem jantar na próxima quarta-feira, em Brasília, com os mandachuvas do MDB, o ex-presidente Sarney, senadores e até o governador do DF, Ibaneis Rocha, que tem elos, mas não compromisso, com Bolsonaro.
Enquanto o PSDB se divide em torno das prévias entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e os candidatos de centro esvaziam uns aos outros, Lula está lá na frente, comendo pelas bordas – e por dentro – o mingau do centro. E Bolsonaro é carregado por anticomunistas, negacionistas, conservadores e uma massa um tanto disforme. Tudo junto, isso soma um quarto das pesquisas.
Lembram? Só vence quem tem 51%. Hoje, ninguém tem. Mas terá quem trabalhar melhor, unir mais, convencer e tiver armas políticas. Não fuzis e revólveres, mas discurso para a economia, a miséria e mesmo a pandemia. Além de acenar com união e carisma, que nunca é demais.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lula-une-paes-e-molon-e-faz-do-rio-laboratorio-de-sua-estrategia-para-2022,70003856316
Vera Magalhães: Chega de dar palco para maluco
Não fossem as sessões da CPI, o escândalo da negociação da vacina indiana Covaxin não teria vindo à tona
Vera Magalhães / O Globo
A CPI da Covid só foi necessária e se tornou relevante e urgente porque o presidente Jair Bolsonaro promoveu, desde o início da pandemia, uma gestão irresponsável que fez com que o Brasil visse explodir o número de casos e de mortes enquanto atrasava o início da vacinação da população e apostava em tratamentos sabidamente ineficazes.
O rol de revelações da comissão do Senado é estarrecedor, e o saldo de seu trabalho, que só foi possível graças a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, é amplamente positivo.
Não fossem as sessões da CPI, o escândalo da negociação da vacina indiana Covaxin por meio de atravessadores e com sobrepreço e irregularidades de toda natureza provavelmente não teria vindo à tona.
Da mesma forma, a cronologia do oferecimento insistente de doses de vacinas ao Brasil pela farmacêutica Pfizer, já em meados de 2020, seguido da total falta de resposta e interesse por parte do governo Bolsonaro, foi revelada graças aos trabalhos da comissão do Senado, bem como as tentativas de boicotar a compra da CoronaVac, desenvolvida em parceria do laboratório chinês Sinovac com o Instituto Butantan.
Mas, ao longo desses quase cinco meses de funcionamento, a CPI errou ao servir de palco para um elenco de negacionistas, charlatães, lobistas ou simplesmente malucos, que turva o resultado de seu trabalho e, de certa forma, pode ter ajudado a confundir o público quanto a protocolos sanitários, tratamentos e até a segurança e a eficácia das vacinas.
Esta semana foi exemplar dessas duas faces da moeda da CPI, a virtuosa e a deletéria. Depois do depoimento acachapante da advogada Bruna Morato, de que tratei aqui na quarta-feira, em que ela, representando um grupo de ex-médicos da Prevent Senior, apresentou ao país um relato nauseante de práticas criminosas que atribuiu à operadora, os senadores, em vez de procurar se aprofundar nesse importante veio de investigações, pegaram um desvio e promoveram dois dias de espetáculo circense e show de negacionismo.
Já era óbvio que o empresário Luciano Hang, figura caricata que tem feito a promoção do kit Covid, inclusive usando a morte da própria mãe como palanque ideológico, não teria nada a acrescentar à CPI.
Sua audiência não era necessária para fechar o caso Prevent Senior, uma vez que os senadores já dispunham de documentos como o atestado de óbito da mãe de Hang. Tampouco ajudaria a trazer elementos para os capítulos que tratam do gabinete paralelo ou da disseminação das fake news na pandemia. Pelo contrário: sua fala só serviu para tumultuar a CPI e disseminar ainda mais desinformação e lixo ideológico.
Da mesma natureza foi a inquirição do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury ontem. Os senadores já dispunham do compartilhamento de dados do inquérito do STF em que Fakhoury é investigado, que mostram que ele financiou atos antidemocráticos. Também já tinham elementos que mostravam sua participação nas campanhas de desinformação sobre máscaras e vacinas. Por que, então, dar palco para que ele repetisse suas mentiras, proferidas com cinismo explícito, em rede nacional?
É notório que a CPI da Covid foi um ponto de virada na trajetória política de muitos de seus integrantes. O trio que comandou os trabalhos e outros, como Alessandro Vieira e Fabiano Contarato, com sua contribuição técnica, e Simone Tebet e Eliziane Gama, que, mesmo não sendo membros, mostraram a importância da participação feminina na investigação, ganharam novo status diante do público.
Por isso mesmo, é preciso terminar no auge, de forma a mostrar que o que se busca ali é justamente a antítese do show de embuste promovido pelo governo federal e por seus satélites na classe política, na medicina e no empresariado.
É vital que, até o encerramento, a pauta seja expurgada de palhaços e charlatães. O país quer responsabilização dos culpados pela nossa tragédia, e não circo.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/chega-de-dar-palco-para-maluco-na-cpi-da-covid.html
Lula e Meirelles querem dinheiro da Petrobras para baixar o preço do gás
Ex-presidente e líder liberal culpam lucro de acionistas pela carestia dos combustíveis
Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo
Lula da Silva (PT) quer tirar dinheiro da Petrobras para dar a quem consome combustíveis. Henrique Meirelles também. Meirelles é secretário da Fazenda de João Doria (PSDB), foi ministro da Fazenda de Michel Temer e presidente do Banco Central de Lula. Jair Bolsonaro prometeu tirar dinheiro da Petrobras, mas levou uma tunda no mercado e não fez nada. Desde então, promete tirar dinheiro dos estados a fim de aliviar o preço de gás, diesel e gasolina, entre outras patranhas. Meirelles não gostou.
A base do argumento de Lula e Meirelles é a mesma.
Lula: “O que a Petrobras está fazendo é acúmulo de dinheiro para pagar os acionistas... Quem está ganhando com isso são os investidores nas ações...” (foi o que disse à rádio Capital FM, de Cuiabá, na quarta-feira).
Meirelles: “Se queremos controlar o preço da gasolina ou do óleo diesel, é muito simples. É preciso diminuir a margem de lucro da Petrobras. Já está com margem extraordinária e precisa diminuir um pouco a remuneração da Petrobras e dos acionistas”, disse a jornalistas, também na quarta.
Pode ser que Lula e, ainda mais, Meirelles pensem que a Petrobras é um monopólio safado, que explora os consumidores. Se é, que o digam. Poderia ser até o início de uma conversa divertida sobre setores concentrados da economia.
Sim, é possível tirar dinheiro da Petrobras, mesmo que a empresa não seja um monopólio safado. Pode-se evitar o reajuste de seus produtos de acordo com os preços do mercado internacional (que começaram com Temer, em 2016), o que tiraria dinheiro dos acionistas. É ora ilegal, mas se pode mudar a lei ou, então, se criar um “imposto sobre lucros extraordinários”.
A Petrobras então perderia valor de mercado (o preço de suas ações cairia), o que é apenas um aspecto da redução do crédito da empresa. A petroleira lucraria menos, teria relativamente mais dívida, tudo mais constante; pagaria, pois, juros mais altos e perderia capacidade de investir e crescer.
O governo poderia então dar um jeito de colocar dinheiro na petroleira, para manter ou até aumentar o investimento. Mas, ainda que houvesse dinheiro, por que usá-lo na Petrobras? Para reflexão.
É verdade que desde o começo da liberalização dos preços, de Temer-Meirelles, até Bolsonaro-Guedes, o preço dos combustíveis subiu 72%, muito mais do que a inflação média (25%) ou do que o preço da comida (33%). Aumentou não porque o governo quisesse. Mas o governo não meteu o dedo nos preços de combustível ou da energia elétrica. No governo de Dilma Rousseff 1, foi o contrário. Não deu certo, né.
Para piorar, a renda do país e do povo miúdo em particular caiu muito desde 2014. O número de pessoas empregadas em julho deste ano (dado mais recente do IBGE) é menor do que em 2012. A “massa de rendimentos do trabalho” (a soma do que todo mundo recebe trabalhando) ainda é uns 6% menor do que em julho de 2019 (em termos reais, descontada a inflação).
A melhor solução emergencial é dar subsídio para os mais pobres (“mais Bolsa Família”), de preferência com imposto sobre mais ricos.
Apesar do tom ameno de tédio desencantado destas linhas, convém notar que esse debate político sobre combustíveis fica entre a incompetência e o disparate. A dúvida é saber se a demagogia e a desconversa vão aumentar até a eleição ou se todo mundo vai fazer “carta ao povo brasileiro” em algum momento de 2022. O preço dos combustíveis é apenas um aperitivo do cardápio de problemas de uma economia empobrecida, ineficiente, estruturada para a desigualdade, no mercado e no Estado, e em que ricos rejeitam mais imposto.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/09/lula-e-meirelles-tambem-querem-dinheiro-da-petrobras-para-baixar-o-preco-do-gas.shtml
Bolsonaro tem reprovação de 55%, diz Ipespe
A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro chegou ao pior índice desde o início do mandato
Cristiane Agostine / Valor Econômico
A avaliação negativa do governo Jair Bolsonaro chegou ao pior índice desde o início do mandato e 55% consideram a gestão como ruim ou péssima, segundo pesquisa Ipespe, encomendada pela XP e divulgada ontem.
O governo Bolsonaro é visto como bom ou ótimo por 23% dos entrevistados e regular por 18%.
A desaprovação ao governo também bateu novo recorde, de 64%. Na pesquisa anterior, de agosto, era de 63%. A aprovação, que era de 29%, oscilou para 30% e 6% não responderam.
O levantamento do Ipespe mostra um quadro semelhante ao registrado pelo Datafolha entre os dias 13 e 15, com a reprovação recorde de Bolsonaro, de 53%.
Na pesquisa divulgada ontem, a maioria da população apoia o impeachment do presidente neste momento: 51% são a favor e 45% contra. Dos entrevistados, 4% não responderam.
A população tem uma confiança maior nas Forças Armadas (58%), na Igreja Católica (57%) e na imprensa (38%) do que no presidente da República (33%). A instituição com melhor avaliação é a ONU, com a confiança de 59%. Em último lugar na escala estão os partidos políticos, com apenas 9% da população declarando confiança.
O Supremo Tribunal Federal (STF), um dos alvos preferenciais dos ataques do presidente Bolsonaro, registrou uma avaliação negativa maior do que positiva. Dos entrevistados, 37% consideram a atuação dos ministros do STF como ruim ou péssima, 28% como regular e 30% como ótima ou boa, e 5% não responderam. A imagem piorou desde maio de 2019, quando 32% avaliaram como ruim ou péssima, 39% como regular e 21%, ótima ou boa.
A pesquisa foi realizada por telefone entre os dias 22 e 24 de setembro, com mil pessoas acima de 16 anos. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais, para mais ou para menos, com um intervalo de confiança de 95,5%.
O Ipespe questionou também os entrevistados sobre a disputa presidencial de 2022.
A um ano da eleição, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera nos dois cenários testados pelo instituto no primeiro turno, e venceria o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno por 50% a 31%.
No primeiro turno, Lula está à frente, com folga em relação aos demais candidatos, nos dois cenários eleitorais da pesquisa. No primeiro cenário, com menos candidatos da centro-direita, o ex-presidente petista tem 43%, seguido por Bolsonaro, com 28% e pelo ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 11%. O governador João Doria (PSDB) tem 5%, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, (DEM), 4%, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), 2%. Votos em branco, nulo ou em nenhum dos pré-candidatos somam 7%.
No segundo cenário, mais pulverizado, Lula tem 42% e Bolsonaro, 25%. Ciro aparece com 9% e o ex-ministro Sergio Moro tem 7%. Mandetta, o apresentador Datena (PSL) e o governador Eduardo Leite (PSDB) têm 3% cada. Os senadores Simone Tebet (MDB-MS) e Rodrigo Pacheco registram 1% cada. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) não pontuou. Votos em branco, nulo ou em nenhum desses nomes somam 5% e 1% não respondeu.
Apesar de bater recorde de desaprovação de seu governo, Bolsonaro ampliou suas intenções de voto de 24% para 28%, na comparação com a pesquisa anterior, de agosto. Lula também aumentou suas intenções de voto, oscilando de 40% para 43%.
Em maio, Lula e Bolsonaro estavam empatados com 29% de intenção de voto cada. Desde então, o petista só aumentou até chegar aos 43% registrados neste mês. Bolsonaro caiu em junho e julho e só agora se recuperou na disputa do primeiro turno.
O cenário de disputa pelo segundo turno mostra que Lula tem conseguido ampliar sua diferença em relação a Bolsonaro desde maio, quando o petista tinha 42% e o presidente, 40%. O petista só aumentou e chegou agora a 50%, enquanto as intenções de voto de Bolsonaro caíram mês a mês e agora estão em 31%.
A atuação de Bolsonaro para enfrentar a pandemia é reprovada pela maioria da população e chega a 58% de ruim ou péssimo. Dos entrevistados, 22% consideram ótima ou boa e 18% regular.
A maioria da população teme o racionamento de energia nos próximos meses e 69% acreditam que “com certeza” ou “provavelmente” enfrentarão o problema.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/10/01/bolsonaro-tem-reprovacao-de-55percent-diz-ipespe.ghtml
Com Lula como favorito para derrotar Bolsonaro, o PT de fato quer o impeachment?
Partidos e movimentos predominantemente de esquerda convocaram novos protestos pelo impeachment neste sábado (02/10)
Mariana Schreiber / BBC News Brasil
Desconfianças de ambos os lados têm dificultado unificar as mobilizações em uma frente ampla contra o presidente, o que, na leitura de alguns analistas políticos, acaba reduzindo a capacidade desses atos de pressionar o Congresso Nacional — a decisão de iniciar um processo depende do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que hoje lidera uma ampla base de deputados da centro-direita avessa ao impeachment de Bolsonaro, já que tem sido beneficiada por cargos e verbas federais para seus redutos eleitorais.
Assim como o PT e movimentos historicamente ligados ao partido, a exemplo da Central Única de Trabalhadores (CUT), não aderiram aos atos de setembro, os grupos de direita que lideraram aquela mobilização, como Movimento Brasil Livre (MBL) e Livres, decidiram não ir às ruas nesse sábado.
Um dos motivos é a desconfiança de parte destes grupos sobre o real compromisso do PT com a luta pelo impeachment. Como as pesquisas de intenção de voto indicam hoje Lula como favorito para vencer a eleição de 2022 em uma disputa direta contra Bolsonaro, críticos do partido dizem de que a preferência dos petistas pode ser por manter o presidente na corrida eleitoral para evitar que outro candidato potencialmente mais agregador se cacife para chegar ao segundo turno contra Lula. Petistas refutam essas acusações.
Outra justificativa dos grupos de direita para não participar dos protestos é um suposto risco de agressão a seus apoiadores por parte de manifestantes da esquerda — a mesma preocupação foi levantada pela esquerda em relação aos grupos de direita nos atos de setembro.
"Eu não coloco o impeachment à frente da segurança de quem nos segue. E tb não acho que atos orquestrados pelo PT sejam favoráveis ao impeachment", escreveu no Twitter o líder do MBL Renan dos Santos, ao justificar a ausência do grupo nos atos desse sábado.
Pesquisa Ipespe divulgada na quinta-feira (30/09) indica que, se a eleição fosse hoje, Lula e Bolsonaro disputariam o segundo turno, sendo que o petista venceria com 50% dos votos contra 31% do atual presidente. A pesquisa ouviu mil pessoas por telefone e tem margem de erro de 3,2 pontos percentuais.
O resultado vai na mesma linha da última pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada duas semanas antes, que entrevistou 3.667 presencialmente e tem margem de erro de 2 pontos percentuais. Esse levantamento indica que, mantidas as condições atuais, o petista derrotaria Bolsonaro no segundo turno com 56% contra 31% dos votos.
Por outro lado, essas pesquisas também indicam que Lula venceria com larga vantagem outros possíveis candidatos, como João Dória (PSDB) e Ciro Gomes (PDT).
Lideranças do PT ouvidas pela BBC News Brasil refutam as acusações de que o partido não esteja empenhado pelo impeachment, embora nos bastidores há quem reconheça que a disputa contra Bolsonaro seria hoje o cenário mais confortável para Lula voltar ao Palácio do Planalto.
Parlamentares ou lideranças petistas já assinaram ao menos dez pedidos de impeachment ou aditamentos (acréscimos a pedidos anteriores), o primeiro deles apresentado em maio de 2020 pelo ex-prefeito de São Paulo e candidato presidencial derrotado em 2018 Fernando Haddad.
Ao lado do deputado Rui Falcão (PT-SP), Haddad também apresentou um mandado de segurança em julho deste ano ao Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando que a Corte obrigue Arthur Lira a apreciar os mais de cem pedidos de impeachment que aguardam sua análise. A ação ainda será julgada.
"O PT nunca tergiversou com esse assunto. Nós sempre achamos que para o Brasil é melhor o Bolsonaro sair. E nós não escolhemos adversário (para a eleição presidencial de 2022), não nos preocupamos com isso. Nosso foco é com o programa e o projeto de país que nós temos a oferecer para o Brasil", disse a presidente do partido, deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), em maio de 2020.
Ela ressalta que o PT, ao lado de PCdoB e PSOL, já participou da convocação de outros quatro atos pelo impeachment, desde março. Esses protestos têm sido liderados pela Frente Povo Sem Medo, a Frente Brasil Popular e a Coalizão Negra por Direitos — as três reúnem centenas de sindicatos, movimentos sociais e coletivos negros e de periferia, como Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a UNEAfro.
Gradualmente, outros partidos aderiram, como PDT, PSB, Rede e Cidadania. Todos eles estão apoiando os protestos deste sábado também, assim como Solidariedade e PV. São aguardadas ainda lideranças de PSL, MDB, PSDB, DEM e Novo, embora essas siglas não estejam institucionalmente convocando para a mobilização.
Considerando os pré-candidatos presidenciais, Ciro Gomes (PDT) confirmou que participará das manifestações no Rio de Janeiro, pela manhã, e em São Paulo, na parte da tarde.
Já Lula não deve comparecer para evitar dar uma conotação eleitoral aos atos, disse Hoffmann. Segundo ela, há também preocupação com a saúde do ex-presidente e dos manifestantes devido à pandemia de covid-19, já que sua presença poderia causar focos aglomerações.
'Bolsonaro combalido até a eleição'
Apesar da movimentação do PT pelo impeachment, dentro do partido existe uma leitura de que enfrentar Bolsonaro nas urnas tende a ser o cenário mais confortável para Lula, contou à BBC News Brasil o assessor parlamentar de um senador petista.
A compreensão interna, diz, é que o presidente terá dificuldades de se recuperar até a eleição porque as perspectivas para a economia têm piorado muito.
"Com a atual política econômica, os preços dos combustíveis não vão parar de subir, os empregos não vão voltar. A ideia é que ele chegue combalido na eleição", afirma.
Segundo esse assessor parlamentar, o partido reconhece que Bolsonaro segue tendo uma base fiel relevante, capaz de colocá-lo no segundo turno, mas "não tem apoio suficiente para vencer". Ele ressalta ainda que ninguém no PT espera que seja uma eleição fácil.
"Todo mundo sabe que Lula vai ser confrontado com muita coisa de corrupção, de cadeia (período em que ficou preso condenado em processos da Lava Jato posteriormente anulados), de governo Dilma, vão dizer que ela destruiu o Brasil. Aquele velho discurso do antipetismo vai voltar forte", afirma.
"Mas projetam que um cenário de Bolsonaro acabado, e sem se viabilizar uma terceira via, seja menos difícil para Lula articular uma grande aliança e chegar lá", acrescenta.
Por outro lado, parlamentares petistas ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que a campanha pelo impeachment não é contraditória com os interesses eleitorais.
"Vamos admitir que se consiga fazer o impeachment do Bolsonaro. Você acha que o PT entraria mais fraco ou mais forte o ano que vem? A liderança que mais mobiliza gente nesse país é o Lula. Então, amanhã, acontecendo o impeachment, é o Ciro que vai ser o porta voz do impeachment? Claro que não", argumenta o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP).
"Então, mesmo para quem tem o raciocínio pequeno da conveniência (eleitoral), se a gente derruba o Bolsonaro, a oposição entra muito mais forte ano que vem", disse ainda.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) tem visão semelhante: "É uma avaliação equivocada e simplória (dizer que o PT não quer o impeachment). O PT sabe que quanto mais força existir na luta pelo impeachment, mais claro vai estar para a população que Bolsonaro não pode continuar", afirma.
Para ela, Bolsonaro continua sendo um adversário perigoso em 2022 e deve ser derrubado antes porque representa "uma ameaça à democracia".
"O PT não vai para a eleição achando que já ganhou de ninguém. Vamos ter que trabalhar muito, mesmo o Lula nesse momento sendo o favorito. Não avaliamos que Bolsonaro é o candidato mais fraco, nem que é invencível. É um candidato que, se não for totalmente desmascarado até a eleição, continua sendo o candidato mais perigoso, porque mobiliza uma turba de fanáticos, porque a direita internacional estará mobilizada pelo Brasil, porque o fascismo tem métodos que podem sempre atacar um processo democrático", disse ainda.
Críticos de Bolsonaro consideram que ele seria uma ameaça para a democracia devido a suas declarações contestando a legitimidade das eleições de 2022 sem adoção de um registro físico do voto. O presidente alega que sem esse mecanismo as eleições podem ser fraudadas, o que é contestado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na visão de adversários de Bolsonaro, o presidente pretende usar essa argumentação para não aceitar o resultado das urnas em 2022, caso não consiga se reeleger.
No feriado de 7 de setembro, ele mobilizou dezenas de milhares de apoiadores em Brasília e São Paulo para pressionar o Poder Judiciário, no que foi visto como um escalada autoritária por parte do presidente. Depois, porém, Bolsonaro divulgou uma carta recuando de seus ataques e ameaças ao STF.
Em entrevista recente à revista Veja, ele disse que não vai "melar" as eleições e elogiou o convite do TSE para que as Forças Armadas participem da uma comissão externa para fiscalizar o processo eleitoral. Bolsonaro afirmou ainda que "a chance de um golpe (de sua parte) é zero". Para ele, a oposição que quer lhe dar um golpe com o processo de impeachment. Seu argumento é que não há denúncias de corrupção que permitam cassá-lo.
Nos mais de cem pedidos de impeachment já apresentados, os denunciantes acusam o presidente de cometer crimes de responsabilidade na condução da pandemia de coronavírus (ao promover aglomerações e demorar a comprar vacinas, por exemplo), assim como por ter participado em 2020 de atos que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), ou ao supostamente interferir em instituições de investigação, como a Polícia Federal (PF).
Pedidos recentes também defendem a cassação do presidente devido à denúncias de possível superfaturamento e corrupção envolvendo compra de vacinas no Ministério da Saúde.
Muito perto de 2022
Para o cientista político Sérgio Praça, professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, não é uma boa estratégia política para o PT apostar em um impeachment que "já é uma possibilidade tirada da mesa" por estarmos muito próximos das eleições de 2022".
"O impeachment não vai acontecer independentemente do que o PT faça. É um processo que demora, não faz sentido articular por isso hoje. Teria feito sentido antes, mas não aconteceu e agora ninguém vai lutar sério por isso. A campanha presidencial já começou", afirma Praça.
Segundo ele, os protestos contra Bolsonaro devem ir perdendo força pelo mesmo motivo.
"Na medida em que as eleições se aproximam, eles têm total irrelevância. Para que eu vou sair pra rua se daqui a pouco eu já vou votar?", afirma.
Sem frente ampla
Se esforçar por um impeachment não é a única ideia que vai ficando para trás conforme as eleições se aproximam, segundo analistas políticos.
A ideia, levantada por parte da oposição, de que seria necessário esquerda e direita se unirem em uma frente ampla contra Bolsonaro também é algo "que não tem a menor chance de acontecer", diz Praça.
Praça diz que as ameaças de Bolsonaro contra a democracia não se concretizaram até agora de forma a fazer a esquerda e direita acreditarem que há necessidade de se unir.
"A única chance de haver essa união é se o presidente tentar dar um golpe de fato, caso perca a eleição. Porque ninguém quer uma ditadura de Bolsonaro. Mas no momento está claro que ele não tem apoio estratégico para isso", afirma o professor da FGV.
Para o cientista político Claudio Couto, a vantagem de Lula nas pesquisas faz com que não faça sentido para o PT tentar uma chapa única de oposição com a direita, que também não tem interesse nisso.
"Nunca acreditei em uma frente ampla no sentido de uma chapa única com objetivo de derrubar Bolsonaro nas eleições. Para o Lula não tem sentido, estando na frente, abrir mão da sua candidatura ou do seu programa. E para os outros partidos, mesmo que uma chamada "terceira via" não se viabilize, vale mais a pena lançar sua própria candidatura do que se unir ao Lula", diz Couto.
A exceção, diz ele, são os partidos como o MBD e os partidos do centrão que não costumam mesmo ter candidatura própria para a presidência e acabam se alinhando ao governo do momento.
Couto também diz que o fato de que uma chapa única não deva acontecer não impede que nomes como Lula, Eduardo Leite ou João Dória façam uma aliança em prol da democracia caso haja um movimento de natureza autoritária, mesma hipótese apontada por Praça.
Isso seria possível, segundo ele, porque até o momento os candidatos de oposição têm jogado limpo já pré-campanha, apesar das críticas eventuais que fazem uns aos outros.
"As críticas dentro da lógica da competição democrática. Tem havido um fair play entre esses vários candidatos. Quem está com atitude muito agressiva ao PT é o Ciro Gomes, mas isso é particular dele, que tenta pegar um público de direita ao ver que perdeu espaço na esquerda", diz Couto.
*Colaborou Letícia Mori, da BBC News Brasil em São Paulo
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58769735
Fernando Gabeira: Governo Bolsonaro, mil dias rumo ao isolamento
Dias que restam devem confirmar marcha de Bolsonaro para sua real estatura política
Fernando Gabeira / O Estado de S. Paulo
No momento em que o governo comemora mil dias e nós lamentamos a morte de 600 mil pessoas na pandemia, creio que a expressão isolamento define a trajetória de Bolsonaro.
Pode parecer inadequado falar de solidão nestes mil dias, sobretudo quando se mobiliza tanta gente como ele. Mas, se consideramos o percurso de um presidente que se elegeu com 57 milhões de votos e hoje é rejeitado pela maioria, vemos como ele perdeu terreno, o que é pior, supondo que estava avançando.
Quando Bolsonaro se elegeu, havia uma visão crítica internacional baseada nas suas declarações sobre violência e suas posições machista e homofóbica. O tempo encarregou de transformar essa desconfiança numa certeza mundial. Em primeiro lugar, as posições negacionistas na pandemia e, logo em seguida, também com grande peso, uma política devastadora no meio ambiente.
A última performance internacional de Bolsonaro serviu para transformá-lo numa espécie de líder exótico, destes que figuram apenas nas piadas de apresentadores de tevê. Ele quebrou o código de honra da ONU que previa um encontro de líderes vacinados.
Quando Bolsonaro disse que sua vida era uma desgraça, que não podia sair nas ruas para tomar um caldo de cana, já expressava de certa forma o desconforto que marca seu percurso na Presidência.
Muitos analistas afirmam que Bolsonaro fala apenas para seu público e que não se importa com a maioria. Na verdade, seu público hoje é formado pela extrema-direita e grupos de seguidores fiéis que não têm condições de avaliar criticamente sua performance. Nesse sentido, podese dizer que Bolsonaro se isolou de seus eleitores, uma vez que foi vitorioso numa eleição majoritária.
Mas existe um tipo de isolamento não estudado em detalhes, exceto por pesquisadores mais voltados para a questão militar, como o antropólogo Celso Castro, autor do livro O Espírito Militar. Trata-se de uma pesquisa entre cadetes na Academia das Agulhas Negras e revela que existe entre os militares uma tendência a dividir o País entre fardados e paisanos. Os militares mais disciplinados, idealistas, tendem a ver os paisanos como individualistas e pouco confiáveis. Bolsonaro parece ter herdado esse espírito ao determinar que os militares ocupassem o governo e escolher um grupo de oficiais de alta patente para seus assessores mais próximos.
Grande parte de sua agenda é voltada para solenidades militares, mas o principal exemplo que revela essa tendência discriminatória é seu argumento para aceitar as urnas eletrônicas.
Como se sabe, Bolsonaro afirmou várias vezes que as eleições no Brasil são fraudadas, embora tenha sido vitorioso em inúmeras proporcionais e na majoritária, para presidente, em 2018.
Ele só aceitaria eleições limpas com a presença do voto impresso e auditável – como se as urnas eletrônicas não fossem auditáveis.
Derrotado no Congresso, Bolsonaro ainda resistiu na sua campanha contra as urnas eletrônicas. Só depois de algum tempo admitiu as eleições tal como serão realizadas, mas argumentou assim: agora confio porque as Forças Armadas vão fiscalizar.
As Forças Armadas sempre conheceram o processo eleitoral, a porta nunca esteve fechada para sua fiscalização. Bolsonaro usou sua presença como uma desculpa para racionalizar o recuo.
Mas é um tipo de desculpa que merece análise, pois ela pressupõe que, para Bolsonaro, a única instituição confiável são as Forças Armadas.
Nesse simples movimento, o processo de isolamento, que já é ululante em termos internacionais, aparece com toda a clareza na dimensão nacional: ao longo de todo este período, Bolsonaro preocupou-se apenas com a aproximação com os militares e com aqueles setores da sociedade que os acham os únicos capazes de dirigir o Brasil, de preferência com um viés ditatorial.
Candidato, Bolsonaro desfrutou de uma configuração favorável, inclusive com atentado a faca, que permitiu envolver a maioria da população.
Como candidato, Bolsonaro aproxima-se rapidamente daqueles grupos que fazem manifestação em porta de quartel, usam camisa amarela e acreditam que fazem história antes da macarronada de domingo.
Com urnas eletrônicas ou voto impresso, não importa que tipo de mecanismo, uma posição como esta de Bolsonaro e seus fiéis nunca será majoritária no Brasil.
As condições de 2018 não estão mais presentes. Desde quando assumiu o governo, Bolsonaro caminha decisivamente, inclusive estimulado pelos filhos, rumo à sua posição mais autêntica, mais inequivocamente minoritária. É um líder da extrema-direita e possivelmente seguirá assim, até que a própria corrente que representa chegar à conclusão de que pode dispor de alguém melhor que ele.
Nunca é possível fazer uma previsão política com exatidão. Mas os dias que restam de governo devem confirmar esta marcha de Bolsonaro para sua verdadeira estatura política.
Ao afirmar que sua vida era uma desgraça, estava próximo de uma descrição real, pois cair em desgraça, em termos políticos, é um sinônimo de isolamento.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,mil-dias-rumo-ao-isolamento,70003856111
Míriam Leitão: O mundo piora, o Brasil patina
Combinação de incertezas em várias partes do mundo ocorre num momento em que o Brasil enfrenta suas próprias crises
Míriam Leitão / O Globo
Tudo começou a acontecer ao mesmo tempo na economia internacional. A China está em desaceleração — desta vez é sério — por causa do gargalo energético e o colapso de uma grande empresa imobiliária. O governo dos Estados Unidos, de novo, bateu no teto da dívida. Haverá muita turbulência política até aprovar um novo teto e há ainda uma instabilidade institucional inédita no Fed. Há uma crise de oferta dentro da indústria, setor que está puxando a recuperação. Essa é a explicação do economista-chefe do Itaú Unibanco, Mário Mesquita, para a turbulência desta semana. No Brasil ele diz que há muitas dúvidas entre os economistas sobre a condução da política fiscal pelo governo Bolsonaro e isso se reflete no dólar, na bolsa e no mercado de juros.
Mário Mesquita foi diretor de política econômica do Banco Central e trabalhou no FMI. Recentemente ele fez um forte movimento de revisão do cenário para o ano que vem, derrubando de 1,4% para 0,5% a projeção para o PIB. E acha que se houver racionamento de energia pode ir a zero. Esse cenário é de um ano difícil, com aumento do desemprego. A alta da Selic este ano terá impacto na economia no ano que vem. Ele acredita que em comparação com 2020 e 2021 o governo gastará menos, mesmo sendo período eleitoral. Ou seja, haverá aperto fiscal e monetário.
— Se você somar o aumento do Bolsa Família com uma modesta extensão do Auxílio Emergencial, vai dar menos do que o gasto este ano. O efeito da política monetária (alta dos juros) também vai bater com força, e o mundo vai crescer menos. Outro fator é que o setor de serviços já terá normalizado, e não acredito em demanda reprimida. Quem deixou de sair para jantar na pandemia não vai passar a comer fora várias vezes por semana — disse ele, explicando seu cenário, que é um dos mais pessimistas do mercado.
O Brasil está indo para um ano de estagnação enfrentando a mudança para pior da conjuntura internacional. A inflação em alta no mundo está mais duradoura do que se imaginava e há pressões nos preços da energia. O petróleo rompeu a barreira dos US$ 80 e atingiu a maior cotação dos últimos três anos. O gás natural está subindo de preços. Por que tudo ao mesmo tempo?
— Há o custo da transição energética. Na China, o governo quer reduzir a geração de energia a partir do carvão, para combater a poluição por causa da Olimpíada de Inverno. Então há uma restrição de oferta na China, e as indústrias estão tendo que se enquadrar às metas. A Evergrande será reestruturada, só não se sabe se será organizado. O país vai crescer entre 7% e 8%, sendo que o carrego estatístico é 6,5%. Isso nos causa um problema adicional. Menos crescimento na China já provocou forte queda dos preços de minério de ferro, o que afeta diretamente o Brasil.
Esses são os problemas na segunda maior economia do mundo, e na primeira, os EUA, também há riscos.
—Os EUA têm uma situação política muito polarizada e disfuncional. Novamente há um impasse envolvendo o teto de gastos que pode levar à paralisia do orçamento. E há também uma incerteza envolvendo os membros do Fed, com possíveis mudanças que podem atingir até a presidência do banco. Jerome Powell e outros membros do comitê de política monetária fizeram investimentos em títulos durante a pandemia e estão sendo duramente criticados — afirmou.
Mesquita diz que a recuperação mundial foi impulsionada pela indústria. O consumo se deslocou dos serviços para bens industriais, mais intensivos em energia. Isso em um momento em que o mundo reduz as fontes fósseis.
Na Europa, há pressão de preços de energia, desabastecimento no Reino Unido, e a inflação, que está subindo. Mas em um nível bem diferente do que estamos enfrentando no Brasil:
— Eles têm trabalhado em geral abaixo de 2%, portanto, uma inflação de 3% a 4% já seria algo desconfortável para os alemães, por exemplo. Então tem preocupação com a inflação e retirada dos estímulos monetários ao mesmo tempo.
Essa combinação de incertezas em várias partes do mundo ocorre num momento em que o Brasil enfrenta suas próprias crises. Para Mesquita, o grande problema brasileiro é que o país cresce pouco há 40 anos e não há consenso sobre as políticas necessárias para voltar a um ciclo de crescimento.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-mundo-piora-o-brasil-patina.html