Bolsonaro

Hélio Schwartsman: Qual Lula será candidato em 2022?

Ele já deu repetidas mostras de que é um camaleão político

Ao que tudo indica, Luiz Inácio Lula da Silva poderá concorrer à Presidência no ano que vem. Isso altera significativamente os planos de candidatos e partidos que já começavam a desenhar cenários para o próximo pleito.

Na leitura mais superficial, mas não necessariamente errada, o retorno do petista ao jogo reforça a polarização. Os beneficiados seriam o próprio Lula e seu antípoda, o presidente Jair Bolsonaro, que, mobilizando seus núcleos de apoiadores fiéis e demonizando os adversários, carimbariam seus passaportes para o segundo turno, fechando as portas para candidaturas mais ao centro.

O problema com essa interpretação é que ela parte do pressuposto de que o Lula de 2022 será um Lula radical, parecido com o que se candidatou em 1989 ou com o que discursou às vésperas de ser preso pela Lava Jato em 2018. Mas não há nenhuma garantia de que tal premissa se manterá.

Lula já deu repetidas mostras de que é um camaleão político, capaz de vestir a roupagem que mais lhe convém. Se ele sentir que tem mais chances de chegar ao Planalto com o figurino de candidato moderado, ele o adotará. Nada o impede de repetir a trajetória de 2002, quem sabe até reeditando uma versão da "Carta ao povo brasileiro" e forçando o PT a fazer uma tardia autocrítica do governo Dilma. Isso seria crível? Bem, se as pessoas acreditaram que Bolsonaro era liberal, então acreditam em qualquer coisa.

Meu ponto é que não estamos condenados à polarização. Dependendo da dinâmica que a campanha assumir, poderemos assistir à reintrodução do teorema do eleitor mediano, pelo qual os principais candidatos buscam desde o início apresentar-se como moderados para conquistar os cidadãos que rejeitam extremos, que são normalmente a maioria.

Se o vencedor vai governar de acordo com as promessas ou cometer mais um estelionato eleitoral é uma outra questão. Mas tratemos de um problema de cada vez.


Vinicius Torres Freire: As mentiras da elite sobre polarização de Bolsonaro e Lula

Bolsonaro não pode ser um polo porque não tem substância alguma além do terror

Jair Bolsonaro tentou sabotar todas as providências de contenção de gastos da mudança “Emergencial” da Constituição, aquela que vai autorizar também o novo auxílio emergencial. De efeitos práticos maiores nas contas do governo, a PEC Emergencial vai impedir o aumento de gastos com servidores públicos por alguns anos e aumentar alguns impostos. Na verdade, a emenda vai exigir que se cancelem algumas reduções especiais de tributos para indivíduos e empresas, por meio de lei. Se a lei pegar, haverá um aumento de impostos de cerca de 0,2% do PIB por ano.

Bolsonaro queria cancelar tudo isso, mas até a noite desta terça-feira (9), os deputados haviam decidido deixar a PEC como foi aprovada no Senado (onde já havia sido amputada e lipoaspirada).

Esse é o presidente e futuro candidato à reeleição comprometido com as “reformas” e o “ajuste fiscal”? Esse que não fez abertura comercial. Nenhuma privatização. Quase nenhuma concessão de empreendimento à iniciativa privada que não tivesse sido já preparada no governo Michel Temer. No seu governo, fez-se uma reforma da Previdência (em parte sabotada por Bolsonaro) que era consenso do establishment e que não contou com oposição popular quase nenhuma, nem da esquerda semimorta.

Esse é o candidato de um dos extremos da “polarização” que haverá caso Lula da Silva seja candidato em 2022, diz o clichê de burrice sórdida que escorre da boca dos povos dos mercados desde a segunda-feira.

Bolsonaro não é coisa alguma além de um projeto de tirano. Não é um contraponto ao “esquerdismo” do PT porque, afora o horror, é um vazio. Quem o sustenta no poder, a elite econômica quase inteira, por colaboracionismo, outras ações e omissão, não tem mais desculpa alguma de desilusão quanto ao liberalismo do capitão da extrema direita, ideia que sempre foi grotesca. A elite colaboracionista ou omissa ora está na posição de ter contratado um capanga que saiu do controle, um dos capatazes que chamou para manter o PT longe do poder. 

O lulismo-petismo, de resto, foi um projeto suave de incorporação de pobres ao universo do consumo, de chegada minoritária de algumas minorias ao poder, de imobilismo na reforma econômica e social de fundo, combinados a uma vasta distribuição de subsídios e outras proteções ao capital, fundos que financiaram a formação de conglomerados e oligopólios, fora a roubança, parte muito menor do jogo.

Ainda assim, boa parte da elite pagou e talvez ainda pague qualquer preço para manter o PT (ou equivalente) ao largo, mesmo que o custo seja Bolsonaro. Na melhor das hipóteses, gostaria de enfrentar o bolsonarismo com um vazio à esquerda, como se a vaga no segundo turno fosse conquistada por WO (ou por essas decisões escabrosas da Justiça). Mas mesmo quando Lula estava expulso de campo, mesmo a parte melhorzinha dessas elites foi incapaz de articular ou apoiar qualquer candidatura ou movimento político alternativo, o nome fantasia que tivesse, “centro”, “centro direita”. Agora mesmo dá corda para o interesse provisório do centrão, o que por ora dá corda para Bolsonaro.

A direita menos incivilizada do Brasil é incapaz de ganhar eleições nacionais desde 1998 —aliás, foi por isso que começou a apoiar o tumulto odiento em 2013 e, principalmente, depois da derrota de 2014. Desde então e até hoje, criou a situação que, de modo mendaz, chama de intolerável: alimenta o terror de Bolsonaro e faz o que pode para implodir qualquer esquerda. ​


Elio Gaspari: Lula candidato

O caroço migrou para a elegibilidade do ex-presidente

O ministro Edson Fachin sacudiu o coreto das autoridades anulando as sentenças de Curitiba contra o ex-presidente Lula, devolvendo-lhe os direitos políticos. Hoje, Lula pode ser candidato a presidente no ano que vem.

O voto de Gilmar Mendes na Segunda Turma ilustrou a suspeição de Sergio Moro. Com a decisão de Fachin, o caroço migrou para a elegibilidade de Lula e para o previsível desconforto que isso provoca em quem o detesta. Numa frase: “Esse não pode”.

Lula poderá vir a ser condenado por um novo juiz, mas a sentença ficará com cheiro de gol feito durante o replay.

O “esse não pode” já custou caro ao Brasil. Em 1950, o jornalista Carlos Lacerda escreveu:

—O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.

Getúlio foi eleito, tomou posse, governou até agosto de 1954, matou-se e entrou na História. A revolução que Lacerda queria só veio dez anos depois.

Lacerda tinha credenciais para vencer a eleição de 1965. Fazia um governo estelar no falecido Estado da Guanabara, mas deveria disputar com o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que dera ao Brasil “50 anos em cinco”. Até os primeiros meses de 1964, circulavam dois tipos de “esse não pode”. A esquerda não queria uma vitória de Lacerda, e uma parte da direita não queria a volta de Kubitschek.

Depois da deposição de João Goulart, a base militar da nova ordem não admitia entregar o poder a JK. Lacerda gostou da ideia, e o ex-presidente foi cassado. Por quê? Corrupção. (A sinopse diária que a Central Intelligence Agency deu ao presidente Lyndon Johnson no dia 13 de junho de 1964 contou que o presidente Castello Branco via na proscrição de JK o caminho para um governo “democrático e honesto”. Ele já havia dito que mostrar as provas “seria embaraçoso para a Nação”.) Não era bem assim.

Dias antes, fritando JK, o general Golbery do Couto e Silva, conselheiro de Castello, dividiu uma folha de papel em colunas e listou as “vantagens” e “desvantagens” da cassação de Juscelino Kubitschek. Intitulou-a com a sinceridade que se dá aos papéis pessoais: “Motivação real — Impedir que JK, fortalecido pela campanha contrária, enfrente a Revolução”. E, assim, Juscelino foi banido da vida pública por dez anos. Quando ele morreu, num acidente de estrada, seu funeral se transformou na maior manifestação popular ocorrida no país desde 1968, quando as ruas foram esvaziadas pelo AI-5.

Sem o “esse não pode”, em 1965 os eleitores brasileiros teriam votado em Lacerda ou JK. Nunca na História republicana o Brasil teve dois candidatos tão qualificados. Nem antes, nem depois. Passados os anos, nas duas turmas do “esse não pode”, muita gente qualificada reconhecia que qualquer um dos dois teria feito melhor do que se fez. (Lacerda, que defendeu a cassação de JK, dormiu preso num jirau de quartel em dezembro de 1968 e tornou-se uma alma penada na política nacional.)

O “PT não” colocou Jair Bolsonaro na Presidência. Os eleitores podiam ter colocado Geraldo Alckmin, Ciro Gomes ou João Amôedo, mas quem teve mais votos foi o capitão.

Falta mais de um ano para a eleição do ano que vem. Bolsonaro quer um novo mandato, e as inscrições estão abertas.


Bruno Boghossian: Manobras refletem covardia do STF com fantasmas da Lava Jato

Por anos, operação usou métodos questionados pelo tribunal sem ser incomodada

Num voto de 102 páginas, Gilmar Mendes disse que a força-tarefa da Lava Jato criou "o maior escândalo judicial" do país. O Supremo conhece há tempos os métodos da operação, mas só se dispôs a passar a história a limpo agora, sete anos depois que a investigação começou.

As últimas 48 horas dão pistas dos motivos do atraso. A manobra de Edson Fachin para evitar o julgamento da suspeição de Sergio Moro reflete a covardia do tribunal na hora de enfrentar os fantasmas da operação. Já o movimento de Gilmar ao reabrir uma ação que dormiu em sua gaveta por dois anos é um exemplo dos desvios da política interna da corte.Fachin agiu de surpresa na segunda (8) e anulou os processos da Lava Jato em Curitiba contra Lula. O objetivo do ministro ficou claro no dia seguinte, quando ele citou a própria decisão para tentar barrar o julgamento de uma das ações que questionam a atuação de Moro como juiz.

A estratégia de Fachin só pode ter como base a convicção de que o STF aceitaria uma decisão de alta relevância como artimanha para enterrar outro tema espinhoso. Com tudo o que se sabe atualmente sobre a operação, parte dos ministros ainda se recusa a esmiuçar a atuação da Lava Jato e de seus personagens.

O segundo capítulo ocorreu na terça (9), quando Gilmar reabriu o julgamento da ação que contesta o trabalho de Moro. Desde 2018, o ministro dava sinais de que era favorável à defesa do ex-presidente, mas segurou o voto por temer uma derrota.

A mudança na composição da Segunda Turma, a revelação das mensagens da Lava Jato pelo site The Intercept Brasil e a trama de Fachin mudaram o ambiente. Gilmar citou a condução coercitiva de Lula para dizer que a operação tinha um "modelo hediondo" e chamou a quebra de sigilo de advogados do petista de "coisa de regime totalitário".

Os adjetivos encobrem o fato de que Moro tomou aquelas decisões em 2016, à luz do dia, e demorou a ser incomodado pelos tribunais. Teve tempo para continuar os processos e virou até ministro da Justiça.


Rosângela Bittar: A tragédia e a ópera bufa

 O eleitorado poderá optar pelo bom senso. Que ainda não tem nome nem rosto

Duas insistentes questões estão postas. 

Primeira: há cinco anos, a tese processual sobre o foro da Lava Jato foi levantada. Por que ressurgiu, logo agora? A decisão do ministro Edson Fachin, invocando-a, ocorreu quando o seu colega Gilmar Mendes já se preparava para relatar, na Segunda Turma do STF, o que fez ontem, a ação que contesta a imparcialidade do juiz Sérgio Moro no julgamento dos processos do ex-presidente Lula. 

Fachin atropelou Gilmar. Aproveitando uma sonolenta tarde de segunda-feira, 8 de março, o surpreendeu com sua decisão monocrática. Precipitou-se para não perder a chance de ser o autor da última palavra. 

Na concepção do seu voto, Lula ganha a vantagem de reaver seus direitos políticos, com a possibilidade de se candidatar, graças à anulação das sentenças proferidas em Curitiba. E Moro se livra do julgamento da parcialidade. Já na linha de Gilmar, ao votar pela suspeição de Moro, são beneficiados, além de Lula, parlamentares e empresários condenados pelo juiz. 

A segunda questão: ao contrário da primeira, não terá resposta imediata. O que significam estas decisões para os que propõem uma alternativa ao confronto Lula-Bolsonaro na sucessão de 2022? 

Os dois candidatos caracterizam o confronto radical. A polarização já está nas ruas e nas redes, mas ainda não está na política. A conjuntura é nova, mas não definitiva. Um quadro em processo de construção, portanto, ainda instável. 

O centro é uma hipótese com quatro ou cinco nomes. Terá mais trabalho, agora, para se colocar e arrebatar o eleitorado. Quem sabe, num cenário otimista, pode-se descobrir, ao longo da campanha, que os brasileiros estão saturados da intransigência eleitoral que explora o ódio e a rejeição. 

Na eleição disputada por Collor e Lula, em 1989, nenhum dos dois era protagonista. No início, as apostas se concentravam nos grandes e conhecidos nomes da política, como Ulysses Guimarães e Leonel Brizola. Na eleição de 2018, Jair Bolsonaro contava que, depois de 30 anos como deputado do baixo clero, sua candidatura a presidente era uma forma de sair de cena bem, transferindo espaço político aos filhos. 

O subconsciente do eleitor, como se diz, é indevassável. Até que surja o nome mágico. 

Lula tem condições de atrair parte do centro se o PT raivoso deixar. Dominado pela ala Gleisi Hoffmann, o lulismo primitivo tem aversão a empresários, imprensa e partidos. Como se dará com o centro? Bolsonaro ainda pode mitigar o negacionismo com que trata a pandemia, e reconquistar apoiadores que perdeu pela crueldade na gestão da atual catástrofe sanitária. Terá de abandonar o papel macabro de “presidente de cemitério”, como definiu com precisão o jurista Miguel Reale Júnior. 

O centro terá sobrevida, também, se os extremos, ao partirem para a guerra de extermínio, assustarem o eleitorado. A disputa da rejeição depende de como Lula será considerado. Pela amostra da repercussão internacional da decisão de lhe restituir os direitos políticos, é possível ter uma ideia. Voltará como um injustiçado e perseguido? O eleitorado pode achar pouco a devolução da elegibilidade para quem ficou preso mais de um ano? 

Por outro lado, Bolsonaro está sendo rejeitado até por movimentos de direita. Tentará esgotar sua reserva de cinismo para se transformar em garoto propaganda da vacina, que renegou com sarcasmo? 

Não há fórmula pronta para os destinos do centro. Esta história a que estamos assistindo não se desenvolve como um roteiro de cinema, em que os papéis do mocinho, do vilão, do juiz e do promotor são carimbados. A realidade política mistura tudo. O eleitorado, entre a tragédia e a ópera bufa, poderá optar pelo bom senso. Que ainda não tem nome nem rosto. 


Ricardo Noblat: O que o futuro pode reservar para Lula e Bolsonaro

O presidente e seu labirinto

O que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal não é se há provas ou não de que Lula roubou e deixou que roubassem enquanto foi presidente da República. Isso já foi julgado na primeira, na segunda e na terceira instâncias da justiça que concluíram que sim.

Está em julgamento se na primeira instância, mais especificamente na 13ª Vara Federal de Curitiba, à época comandada pelo juiz Sergio Moro, houve dolo no recolhimento das provas. E se Moro e os procuradores da República prevaricaram.

Edson Fachin, ministro relator da Lava Jato no Supremo, entende que o juízo natural dos processos sobre o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia não era a 13ª Vara Federal de Curitiba – de resto, como sempre advogou a defesa de Lula sem jamais ter sido ouvida.

Por isso, Fachin anulou as condenações de Lula nos dois processos, remetendo-os a um juiz federal do Distrito Federal ainda não designado. Caberá ao juiz aceitar ou não as provas coletadas em Curitiba, pedir novas investigações ou arquivar os processos.

O plenário do Supremo, em breve, se debruçará sobre a decisão de Fachin para confirmá-la, reformá-la ou revogá-la. Deverá fazê-lo também sobre o que vier a decidir a Segunda Turma do tribunal que julga um pedido de Lula para que declare Moro suspeito.

O ministro Kássio Nunes, membro da Segundo Turma, pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso. Dos cinco ministros da Segunda Turma, dois (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) votaram pela suspeição de Moro. Fachin votou contra.

A ministra Cármen Lúcia, que estava com seu voto pronto, preferiu esperar que Nunes devolva o processo e revele seu voto. Ela quer votar por último. Os pais de Nunes estão internados em um hospital com a Covid. Faltou-lhe tempo para preparar seu voto.

Em resumo, esses são os fatos. Uma vez que Fachin anulou as condenações de Lula, o ex-presidente deixou de ser ficha suja, recuperou seus direitos políticos e pode ser candidato no ano que vem. Aqui entram em cena as considerações políticas.

Se chegar às vésperas das próximas eleições sem ter sido condenado outra vez na primeira instância e na segunda, Lula é o candidato favorito a enfrentar o presidente Bolsonaro no segundo turno. Hoje, pelo menos, são eles que detêm maior capital político.

O PT teve um dos dois candidatos mais votados em todas as eleições presidenciais desde o fim da ditadura. Lula disputou e perdeu no segundo turno em 1989, 1994 e 1998. Ganhou em 2002 e 2006. Elegeu Dilma em 2010 e 2014. Haddad perdeu em 2018.

Naquele ano, preso em Curitiba, Lula liderou com algo como 40% as pesquisas de intenção de voto até um mês e meio antes da eleição. Bolsonaro estava na faixa dos 20%. Haddad teve pouco tempo para fazer campanha, mas foi para o segundo turno.

Se Lula for candidato em 2022, até lá a política se encarregará de apresentá-lo como o presidente que deixou o cargo com mais de 80% da aprovação – o que é verdade. E para que não voltasse ao poder, foi vítima de um juiz e de procuradores mal intencionados.

Um juiz convidado para ministro da Justiça antes que Bolsonaro, o maior beneficiado com a condenação de Lula, tivesse sequer sido eleito. Mensagens trocadas pelo juiz com os procuradores revelariam mais tarde que houve conluio entre eles.

Lula lembrará os bons tempos dos seus governos para compará-los com os maus tempos do governo Bolsonaro. É possível que tente se portar como capaz de reconciliar o país radicalmente dividido desde a deposição de Dilma e a eleição do atual presidente.

Bolsonaro deve estar preocupado a essa altura. Já não é mais tão popular como foi, e sabe que daqui para frente será só pedreira para ele – pandemia em alta, vacinas por ora em baixa, auxílio emergencial por poucos meses, governo sem dinheiro, quebrado.

Apesar de tudo isso, navegava sem enxergar quem ameaçasse sua reeleição. Agora, enxerga. E não terá facada a seu favor nem horário de propaganda gratuita só para ele. Para manter a imagem de político destemido, terá que debater suas escassas ideias.

Convenhamos: não será fácil para ele. E poderá ser fácil para quem o enfrente.

PSDB apressa-se a definir seu candidato a presidente

A mesma receita insossa

Se para nada tivesse servido, a possível candidatura de Lula à sucessão do presidente Jair Bolsonaro obrigou o PSDB a se apressar, na tentativa de encontrar um nome que possa uni-lo e – quem sabe? – unir a centro-direita. Aqui ainda é assim: a direita tem medo de se apresentar como tal.

O candidato do PSDB será escolhido em prévias já marcadas para outubro próximo. Elas deverão ser disputadas pelos governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul). Até lá poderá surgir um novo nome, mas não é provável. Sonha o PSDB em atrair o apoio de outros partidos, como o DEM.

Sua aposta é que uma eleição como a de 2018 jamais se repetirá por sua atipicidade. Terá mais chances o candidato com maior apoio de partidos, maior tempo de propaganda no rádio e na televisão, que melhor saiba usar as redes sociais e que tenha o discurso certo na hora certa.

É o feijão com arroz que Bolsonaro estragou.

As prévias sempre poderão ser adiadas, a depender da pandemia.


Bernardo Mello Franco: Eleição sem tapetão

A anulação das sentenças de Sergio Moro recoloca Lula no centro da corrida ao Planalto. É um lugar que ele ocupa desde 1989, quando os brasileiros recuperaram o direito de votar para presidente.

Lula perdeu três eleições, venceu outras duas e foi impedido de concorrer pela sexta vez em 2018. A um mês e meio das urnas, ele liderava a disputa com 39% das intenções de voto. O segundo colocado, Jair Bolsonaro, aparecia com 19% no Datafolha.

Nove dias depois, o Tribunal Superior Eleitoral barrou a candidatura do petista com base na Lei da Ficha Limpa. Bolsonaro assumiu a ponta e se elegeu com o pé nas costas, sem ir a debates e sem apresentar um plano de governo.

Nesta segunda-feira, o Supremo reconheceu que a condenação que afastou Lula das urnas foi irregular. O ex-presidente saiu do jogo pela caneta de um juiz que não tinha competência legal para julgá-lo.

Assim que a eleição terminou, o doutor abandonou a toga e se juntou à equipe do candidato vencedor. Sua adesão ao governo escancarou a utilização da Justiça como instrumento de um projeto de poder.

Ontem o ministro Gilmar Mendes perguntou qual país democrático aceitaria como ministro da Justiça o ex-juiz que afastou o principal adversário do presidente eleito. O Brasil aceitou.

A anulação das sentenças de Moro não repara o que ocorreu em 2018, mas abre caminho para uma eleição com menos interferência judicial em 2022. É uma boa notícia para uma democracia ameaçada por surtos autoritários.

A volta de Lula ao palanque ainda inspira muitas dúvidas. A primeira é se o ex-presidente vai endurecer o discurso ou retomar o figurino conciliador que o levou ao poder. A segunda é se ainda haverá espaço para uma candidatura competitiva na geleia geral que se intitula como “centro”.

Por enquanto, o único fato concreto é que Bolsonaro ganhou um adversário forte. Pesquisa divulgada no domingo pelo Ipec mostrou que o ex-presidente é, neste momento, o único político a superar o capitão em potencial de votos para 2022.

Quem embarcar na tese de que a candidatura Lula ajuda Bolsonaro arrisca comprar gato por lebre — ou pagar por vacina e levar cloroquina.


Vera Magalhães: Paredão falso no STF

Na segunda-feira, a expectativa era de que a coalizão de governadores e a intervenção branca do Congresso no Plano Nacional de Imunização poderiam suprimir poderes para a dupla Bolsonaro-Pazuello sabotar o país e dar algum rumo para o Titanic desgovernado no qual estamos enfiados rumando céleres para 3.000 mortes diárias por covid-19. Mas o Supremo Tribunal Federal decidiu que havia coisas mais urgentes para tratar.

Do nada, o ministro Edson Fachin acordou de um sono de quatro anos em que é o relator da Lava-Jato na Corte e, alarmado, constatou: a 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba não era, vejam só, o foro adequado para julgar o ex-presidente Lula. Foi tudo um lamentável engano, pelo qual ele infelizmente ficou preso, aliás em Curitiba, por 580 dias. Com o voto do próprio Fachin, esse distraído.

Metade das 46 páginas da decisão extemporânea do ministro é gasta para ele explicar o inexplicável: por que agora? E qual a extensão de sua decisão? Ele não diz. Talvez ainda não saiba.

Diante do inesperado, o ministro Gilmar Mendes resolveu abrir sua gaveta, espanar o pó e tirar de lá o HC da defesa de Lula que arguia a suspeição de Moro. O mesmo que Fachin esperava que fosse parar no triturador de papel diante da sua decisão.

Não só não foi como ele ameaça ficar isolado na Segunda Turma, uma vez que até a ministra Cármen Lúcia dá sinais de que votará com Gilmar, contra Moro.

Por que Fachin se expõe a tanto desgaste? Qual o cálculo de que anéis poderiam ser dados e dedos poupados com essa lambança?

E Gilmar Mendes, que nesta terça-feira repetiu a performance indignada de sempre contra a Lava-Jato, por que então aguardou mais de um ano com esse HC em seu gabinete? Se de um dia para outro já tinha um voto tão sólido e volumoso?

Nada para de pé na conduta do STF, em ziguezague há cinco anos na Lava-Jato, ao sabor não do Direito, mas das circunstâncias políticas.

Ou não foi o mesmo Gilmar que concedeu liminar para sustar a nomeação do mesmo Lula para a Casa Civil como forma de — vejam só! — escapar da jurisdição do mesmo Moro, lá em 2016?

Sim, sua mudança foi sendo gradativa ao longo dos anos, e veio antes da Vaza Jato. Mas a demora em trazer o caso da suspeição de Moro à Turma evidencia um cálculo político e colabora para que agora, no momento dramático da pandemia, em que o país deveria estar focado, com o STF, com tudo, em exigir vacinas do governo federal, estejamos acompanhando esse BBB de palavrório inalcançável e personagens pouco carismáticos.

Aproveitando que estávamos todos brincando de juristas e traçando cenários para o ainda distante 2022 a partir do advento do Lula livre, Bolsonaro emplacou duas de suas cheerleaders mais negacionistas, Bia Kicis e Carla Zembelli, em comissões importantes da Câmara.

A mesma Câmara que ainda discutia na noite de terça um auxílio emergencial que já deveria ter voltado a ser pago, pois no mundo real, esse cuja existência o Supremo preferiu começar a semana sublimando, tem gente morrendo de fome ou de falta de leito em hospital. Uma situação sinistra à qual chegamos por inépcia absurda e criminosa dos Poderes.

À mais alta Corte do país numa democracia cabe assegurar a segurança jurídica e ter a última palavra para garantir que os demais Poderes não exorbitem suas atribuições e respeitem a Constituição.

Ao exibir ao país suas entranhas e suas vaidades, seu casuísmo com casos sérios que dizem respeito ao nosso passado e ao nosso futuro, suas Excelências jogam água no moinho dos golpistas que clamam contra o Judiciário e se fragilizam para cobrar do Executivo suas obrigações no enfrentamento da pandemia. Que deveria ser a única preocupação de todas as autoridades, mas não é.


Alon Feuerwerker: A corrida dos anti

O andamento dos trabalhos na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal sobre a suspeição do então juiz Sergio Moro vai desenhando o cenário para 2022. Uma advertência: no realismo fantástico da política brasileira fazer previsões com um ano e meio de antecedência é uma loteria. Aqui tudo literalmente pode acontecer, inclusive o contrário. Exemplos recentes não faltam.

Mas, a consolidar-se o cenário atual, o quadro das eleições estará desenhado. Daqui até o final do primeiro turno a disputa mais feroz será dentro de cada campo. Do centro para a direita, o discurso corrente vai ser sobre o risco de Jair Bolsonaro ser derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva num eventual segundo turno. E aparecerão os candidatos a salvador da pátria.

Do centro para a esquerda, a narrativa tentada será a mesma, de sinal trocado: o risco de Lula perder para Bolsonaro no segundo turno. Ou seja, de um lado e do outro os candidatos apresentar-se-ão menos pelo que são de fato e mais pela (suposta) capacidade de bater o dito mal maior. E isso não chega a ser novidade na política, muito menos na brasileira.

Aqui já fomos movidos pelo antimalufismo (Montoro, Tancredo), pelo antilulismo de primeira geração (Collor e Fernando Henrique), pelo antitucanismo (Lula, Dilma) e pelo antilulismo e antipetismo de segunda geração (Bolsonaro). E chegamos onde chegamos. Talvez a política seja só isso mesmo, talvez o eleitor esteja mesmo mais interessado em saber quem vai derrotar.

Mas vale o registro.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


O Estado de S. Paulo: Após tumulto, Bia Kicis é eleita presidente da CCJ da Câmara

Há forte resistência da oposição e de parte do centro em relação ao nome da parlamentar por sua postura radical e antijudiciário

Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

Brasília – A deputada Bia Kicis (PSL-DF) foi eleita presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quarta-feira, 10, por 41 votos a favor e 19 contra.  Ex-procuradora do Distrito Federal, ela é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) sob suspeita de organizar atos antidemocráticos no ano passado. 

A sessão para sua eleição começou tumultuada, com uma confusão gestada desde sua indicação para a presidência do colegiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e seu partido. Há forte resistência da oposição e de parte do centro em relação ao nome da parlamentar por sua postura radical e antijudiciário.

A deputada Fernanda Melchiona (PSOL-RS) tentou se candidatar ao comando do colegiado para fazer um contraponto a Kicis, mas teve a tentativa negada pelo ex-presidente da comissão, o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), que, no início da sessão, comandava os trabalhos do dia. 

Melchiona tinha tentando na Justiça barrar a candidatura de Kicis, mas o juiz Itagiba Catta Preta Neto, da Justiça Federal de Brasília, negou conceder liminar para barrar o registro. Na ação, ela argumentava que uma eventual ascensão da colega ao cargo abre a "possibilidade concreta" para "perseguição política, censura, criminalização política, sob o véu ilusório de suposta legalidade".

A negativa da candidatura de Melchiona para concorrer contra Kicis gerou tumulto. Enquanto Francischini presidia virtualmente, por vídeo, Melchiona e outros deputados da oposição tentavam fazer questões de ordem (pedidos para falar e questionar o rito regimental). “Quem comete inúmeros crimes não pode ser presidente da CCJ da Casa”, disse Melchiona, que chamou a deputada também de “uma das maiores atacadoras da Constituição Federal”: “Gente que ́passa tempo nas redes sociais atacando o lockdown. Pelo artigo 39, eu tenho direito a ser candidata. O senhor não pode indeferir minha candidatura por causa de acordo feito com o Arthur Lira".

Francischini parecia não ouvir os protestos, por uma questão técnica na transmissão. Com isso, as vozes passaram a se sobrepor e já não era possível mais entender as falas. As comissões vão funcionar com restrição de pessoas nas salas. Jornalistas não podem acompanhar as sessões presencialmente devido à pandemia. 

No meio da confusão, Francischini foi destituído do comando da sessão e, quem assumiu foi o deputado Mauro Lopes (MDB-MG), que manteve a negativa da candidatura de Melchiona. 

O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), que ameaçava concorrer como avulso, desistiu da tentativa antes mesmo da sessão iniciar.

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O PT mantém sua hegemonia nos movimentos sociais e elegeu a maior bancada na Câmara dos Deputados, mesmo com Haddad perdendo a eleição e Lula na cadeia

Livre das condenações, que foram anuladas pelo ministro Édson Fachin, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em vias de se lançar mais uma vez à disputa pela Presidência da República, o que faz desde 1989. Não concorreu em 2010, porque a Constituição não permite um terceiro mandato sucessivo, e em 2014, na reeleição de Dilma Rousseff, o que talvez seja o seu maior arrependimento, pois a petista não terminaria o mandato. Ao longo desse período, construiu um partido político que se envolveu em escândalos de corrupção, como o “mensalão” e o “petrolão”, mas revela grande resiliência. O PT mantém sua hegemonia nos movimentos sociais e elegeu a maior bancada na Câmara dos Deputados, mesmo com Fernando Haddad perdendo a eleição para o presidente Jair Bolsonaro. Lula estava na cadeia, não pode concorrer.

Desde a sua criação, em 1982, durante a reforma partidária protagonizada pelo presidente João Figueiredo, são quase quarenta anos de trajetória política, com o partido ocupando um espaço na sociedade brasileira que antes do golpe militar de 1964 fora dividido entre o PTB, o PCB e PSB. O PT reuniu sindicalistas, estudantes, militantes de comunidades eclesiais de base e ex-militantes de extrema-esquerda que participaram da luta armada contra o regime militar. Sua composição, ao longo dos anos, se alterou profundamente, mas a legenda continua sob comando da geração que fundou o partido.

A volta de Lula à cena eleitoral lembra o regresso à política do ex-presidente Getúlio Vargas, nas eleições de 1950, pela legenda do PTB, com apoio do PSD. O segundo governo Vargas se iniciou em 1951, com uma mudança de rumos na economia: em vez da abertura ao capital estrangeiro, uma política nacionalista, com forte intervenção do Estado na economia, marcada pela criação da Petrobras. Também criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), com o objetivo de garantir os investimentos necessários aos projetos econômicos.

A pressão popular levou Getúlio Vargas a nomear como ministro do trabalho João Goulart, o Jango, um político ligado aos meios sindicais. A principal medida tomada por Vargas no âmbito trabalhista foi o aumento de 100% do salário-mínimo, em 1954. A medida gerou oposição dos setores empresariais e de militares, liderada pelo coronel Bizarria Mamede, da Escola Superior de Guerra (ESG). O resultado da pressão foi a demissão de Jango, que mais tarde viria a ser presidente da República deposto em 1964.

O principal porta-voz da insatisfação era o jornalista Carlos Lacerda, da União Democrática Nacional (UDN), que sofreu um atentado em 5 de agosto de 1954. Lacerda foi ferido na perna, mas seu guarda-costas, Rubens Florentino Vaz, major da Força Aérea, foi morto. As suspeitas envolviam o chefe da guarda pessoal de Vargas, Gregório Fortunato, o que levou os opositores a apontarem o presidente da República como mandante do atentado. A UDN e alguns setores do exército pressionavam pela saída de Vargas do poder. Sua opção foi o suicídio, realizado na manhã de 24 de agosto de 1954, com um tiro no coração. A notícia da morte do presidente, junto à publicação de sua carta testamento, encontrada ao lado do corpo, causou uma intensa comoção nacional. Seu legado político-eleitoral foi o trabalhismo.

Na Argentina

A volta de Lula também se parece com a do ex-ditador Juan Domingo Perón ao poder, em 1973, nos braços do povo, defendendo a industrialização, o controle das exportações, o Estado forte, a saúde e a educação públicas, os subsídios sociais, a neutralidade internacional e a integração política e comercial sul-americana. O peronismo é um movimento popular, democrático e nacionalista, formado por milhares de trabalhadores. É força política mais resiliente da Argentina, sobrevivendo à ditadura militar argentina (1976-1983), que depôs a então presidenta da República María Estela Martínez de Perón, que sucedera marido após ele falecer, em 1974.

O peronismo votou ao poder com Carlos Menem, que fez um governo ultra-liberal por dois mandatos, de 1989 a 1995, mas lançou a Argentina num mar de escândalos e grande recessão. Mesmo assim, a partir de 2003, por 12 anos, os Kirchnner (Néstor e a sua esposa Cristina Fernández) governaram a Argentina. O peronismo perdeu as eleições em 2015 para o neoliberal Macri, por conta de uma série de erros políticos, mas recuperou o poder através de Alberto Fernández, no fim do ano 2019. O atual presidente pouco tem a ver com os Kirchnner. Faz um governo de centro-esquerda pragmática. O Partido Justicialista é formado por peronistas de direita e de esquerda.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-como-getulio-e-peron/

O Estado de S. Paulo: Lula fala sobre suspeição de Moro e decisão de Fachin

Petista faz primeiros comentários em entrevista coletiva após anulação de condenações na Lava Jato que o tornaram elegível na disputa presidencial de 2022

Adriana Ferraz e Bruno Ribeiro, O Estado de S.Paulo

Ainda na expectativa de o Supremo Tribunal Federal considerar o ex-juiz Sérgio Moro suspeito para julgá-lo, o ex-presidente Lula faz seu primeiro pronunciamento nesta quarta, 10, sobre a decisão que anulou todas as suas condenações na Operação Lava Jato. A fala acontece na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.

"Não tenham medo de mim", disse Lula, enquanto falava sobre diálogo.  Disse que irá procurar empresários e que quer convencê-los de que o crescimento passa por garantir emprego e renda para os mais pobres. “Sou radical. Eu sou radical porque quero ir até as raízes dos problemas do País."

Na segunda, 8, o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar quatro ações relativas ao ex-presidenteanulando todas as decisões de Moro nos respectivos processos, devolvendo a Lula seus direitos políticos e o tornando apto a disputar eleições. Lula agradeceu Fachin pela decisão, mas lamentou que a Corte só tenha tomado a decisão agora.

"Não sei porque a Corte só decidiu agora, entramos com recurso em 2016. Mas passou por todas as instâncias do Poder Judiciário, que tem sua morosidade. O meu tempo não era o tempo deles", afirmou. Disse que a "verdade" foi dita, ao citar ainda os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski no julgamento do processo sobre a suspeição de Sergio Moro.

O petista disse que não vai descansar enquanto Moro não for considerado suspeito. "Nós vamos continuar brigando para que o Moro seja considerado suspeito porque ele não tem o direito de ser o maior mentiroso da história do Brasil e ainda ser considerado herói. Deus de barro não dura muito tempo."

Questionado se será candidato nas próximas eleições, Lula afirmou: “Eu seria pequeno se estivesse pensando em 2022 nesse instante”. Ele deixou em aberto, ainda, a possibilidade de uma candidatura própria do PT ou uma frente ampla com outras legendas de esquerda, e disse que o partido deve, agora, “percorrer o País” e ouvir a população, o que o ex-prefeito Fernando Haddad já estaria fazendo. Ele disse estar convencido da possibilidade de alianças. 

O petista disse não estar ‘bravo” nem “magoado” com sua prisão. “Sei de que fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história. Sei que minha mulher Marisa morreu por causa da pressão” que, segundo o presidente, teria desencadeado o acidente vascular cerebral em Marisa Letícia. Ele citou o fato de ter sido proibido de acompanhar o enterro de seu irmão durante o cárcere. “Se tem brasileiro que tem razão de ter muitas e muitas mágoas, sou eu. Mas não estou". O ex-presidente havia sido condenado em dois processos, referentes ao tríplex de Guarujá e ao Sítio de Atibaia. Ele ainda responde às duas ações, que serão encaminhadas à Justiça Federal do Distrito Federal, e segue como réu em outras seis ações penais.

Lula disse que a dor que sente "não é nada" diante da dor que sofrem milhões e milhões de pessoas. "Quase 270 mil pessoas que viram seus entes queridos morrer e sequer puderam se despedir dessa gente na hora sagrada", diz. "Quero prestar minha solidariedade às vítimas do coronavírus. E aos heróis e heroínas do SUS."

Ao citar a pandemia, Lula iniciou as críticas ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Lula disse que um presidente não é eleito para dar armas. “Quem está precisando de armas é nossas forças armadas. É a polícia, que muitas vezes sai com um 38 enferrujado. Não seria, segundo Lula, “fazendeiros para matar sem terras” nem “milicianos” que matariam jovens.

2022

Lula disse não aceitar se colocar como candidato para 2022 agora nem dizer se o PT vai encabeçar uma chapa ou não. Mas não descarta aliança com partidos de centro. "Quando eu fui candidato em 2002 tive como vice o companheiro Zé Alencar, que era do MDB, depois PL. Foi a primeira vez que se fez uma aliança entre o capital e trabalho e, sinceramente ,acho que foi o momento mais promissor da história do País. Temos de esperar chegar o momento, escolher quem vai ser o candidato, é aí que se vai decidir se será possível uma candidatura única e se podem ser feitas alianças só na esquerda. Eu duvido que esse País consiga repetir um vice da qualidade do Zé Alencar. Eu acho que tem momento pra tudo. A gente não pode ficar respondendo à insistência sobre candidatura agora. O que precisamos é andar. O Haddad pode fazer isso nas universidades. E depois a gente discute o resultado do que fomos capazes de produzir."

Polarização

Questionado sobre polarização, Lula disse que o PT polariza desde 1989. "Significa que o PT é muito grande. Não pode ter medo de polarizar, tem que ter medo é de ficar esquecido. Gosto de eleição em dois turnos justamente para construir as alianças e reunir o País. A polarização é importante, o que não pode é cometer erros, como o do PSDB em 2014, em não querer aceitar o resultado. Deu no que deu, no Bolsonaro. Se o adversário vai ser Bolsonaro, não sei. Ele tem uns 20% de milicianistas, vamos ver."

Lava Jato e futuro

O ex-presidente afirmou que a Lava Jato "desapareceu" de sua vida. "Mas não espero que as pessoas que me acusavam parem de me acusar. Estou satisfeito que tenha sido reconhecido aquilo que meus advogados vem dizendo há tanto tempo. Tivemos 100% de êxito na decisão do Fachin. Por que ele não fez isso antes? Eu sei que é constrangedor muita gente que me acusou parar de me acusar. Quando você envereda no caminho da mentira é difícil voltar atrás. Mas a verdade venceu e vai continuar vencendo. Eu agora quero dedicar o resto de vida que me sobra para voltar a andar por esse País para conversar com esse povo."

Petrobrás

Para Lula, a Lava Jato causou prejuízos à Petrobrás. “Por conta da operação Lava Jato, o Brasil deixou de ter investimentos de R$ 172 bilhões.”  O argumento do ex-presidente era que a operação poderia ter feito prisões sem atingir as empresas geradoras de emprego. “A destruição que ela fez na corrente geradora de empregos no País gerou 4 milhões de pessoas no desemprego”, afirmou. Ele ainda disse que o Brasil, em seu governo, “tinha um projeto de nação” e que, na época, era a sexta economia do mundo. “Vocês nunca ouviram da minha boca falar em privatização”, disse Lula.

O petista citou o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, para falar sobre privatizações e crescimento econômico. "Você já viu o Guedes falar uma palavra de desenvolvimento econômico e distribuição de renda? O que vai fazer nossa dívida diminuir em relação ao PIB é o investimento público. Se o Estado não confia na sua política e não investe, por que o empresário vai acreditar e investir?" Lula afirmou que quando era presidente, em 2008, a indústria automobilística vendia 4 milhões de carros por ano. "Hoje, é a metade e porque não tem demanda, não tem emprego."

Congresso 

Lula disse que gostaria de ter um Congresso composto por pessoas “de esquerda, gente progressista", mas que, uma vez que “o povo elegeu quem quis”, ao citar representantes de outras correntes ideológicas, disse que iria “dialogar com todos”. Ele disse que irá procurar empresários e que quer convencê-los de que o crescimento passa por garantir emprego e renda para os mais pobres. “Não tenham medo de mim. Eu sou radical porque quero ir até as raízes dos problemas do País.”

Carreira de Bolsonaro

Lula criticou diretamente Bolsonaro ao dizer que "nem capitão ele era" quando participava do Exército. "Ele foi promovido porque se aposentou e se aposentou porque queria explodir um quartel. Daí, passou de tenente a capitão. Depois disso, nunca mais fez nada na vida. Passou 32 anos como deputado e conseguiu passar para a sociedade que ele não era político. Vocês imaginam o poder do fanatismo? Através de fake news, o mundo elegeu um Trump, elegeu um Bolsonaro."

Vacinação

O ex-presidente disse que vai se vacinar contra a covid-19 e que fará propaganda para que a população se vacine. "Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina", disse Lula. Ele ressaltou o papel de todos os governadores em sua luta por vacinas. Lula classificou como "titânica" a luta que eles travam atualmente "contra um governo incompetente que não respeita à vida".

Para Lula, Bolsonaro deveria ter criado, em março do ano passado, um comitê de crise envolvendo gestores, autoridades da saúde e cientistas, para lidar com a pandemia. “A própria Pfizer tentou oferecer vacinas e a gente não quis”, afirmou Lula, ao lembrar de falas do Bolsonaro sobre a pandemia que foram criticadas por especialistas em saúde.

Agradecimentos

Lula fez uma série de agradecimentos a personalidades internacionais, como o presidente da Argentina, Alberto Fernández, que o visitou enquanto disputava a eleição, e também ao papa Franciscoque lhe enviou uma carta quando estava na prisão e depois o recebeu no Vaticano. Agradeceu ainda políticos, artistas, filósofos, às pessoas que fizeram a vigília em Curitiba durante sua prisão e outras personalidades que se manifestaram a favor do ex-presidente durante seu período de cárcere e os processos. Lula também agradeceu ao perito que está investigando as mensagens hackeadas dos celulares dos procuradores da força-tarefa da Lava Jato. "Acho muito engraçado porque o Moro diz que não reconhece a veracidade das mensagens. Os procuradores, também, mesmo a Suprema Corte tendo validado tudo e autorizado a divulgação."

Lideranças que apoiaram Lula e também vinham tendo pretensões eleitorais para 2022, como o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) e o ex-candidato à Prefeitura da cidade e à Presidência Guilherme Boulos (PSOL) estavam presentes, além da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, do ex-prefeito de São Bernardo Luiz Marinho (PT) e dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

(Texto em atualização)