Bolsonaro
Eliane Cantanhêde: João Dória de olho em Moro
Doria contra Leite: ‘A população não quer fazer teste, quer segurança, confiança’
Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo
O mais novo investimento do governador e presidenciável João Doria, de São Paulo, é para tentar atrair o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro para seu projeto de disputar as prévias do PSDB em novembro e a Presidência da República em 2022. Os dois andam conversando, mas Moro, um poço de indefinição, não diz nada e não descarta nem confirma sua própria candidatura. Além disso, é também disputado pelo União Brasil (resultado da fusão DEM-PSL).
Além do temperamento e da inexperiência política, o tempo corre contra Moro, que tem até o fim deste mês para acertar sua vida com a consultoria em que trabalha depois de deixar o Ministério da Justiça atirando. Ele tem até o dia 31 para dizer se abandona o sonho de ser candidato (à Presidência ou ao Senado), ou se abandona o emprego.
Moro conversa muito, mas não define nada, enquanto João Doria é inabalável na sua decisão – ou obsessão – de disputar a Presidência e tenta arrastar Moro e, junto com ele, toda a sua simbologia no combate à corrupção, para sua campanha. A Lava Jato morreu, mas a aura da Lava Jato ainda paira sobre o eleitorado.
Doria levou para seu governo seis ex-ministros do governo Michel Temer, a começar por Henrique Meirelles, da Fazenda. Também levou o seu vice, Rodrigo Garcia, do DEM para o PSDB e acolheu o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, ex-DEM, hoje sem partido, numa secretaria com dupla personalidade, econômica e política. E convidou para a Saúde Luiz Henrique Mandetta, do DEM, que indicou seu ex-braço direito, João Gabbardo.
Enquanto o governador Eduardo Leite (RS), seu adversário nas prévias do PSDB, esbanja simpatia, princípios e pautas de costumes, Doria dispara uma torrente de números: PIB de 7,5% em São Paulo neste ano, segundo a Fundação Seade, e recuperação de 713 mil empregos de janeiro a agosto, segundo o Caged. Tudo sempre acompanhado de “eu fiz”, ou “São Paulo fez”. O Estado, aliás, aplica R$ 30 milhões em absorventes femininos nas escolas. Ontem, Bolsonaro vetou um programa semelhante para o Brasil...
Ao dizer que o social e a Educação “não são prerrogativas do (ex-presidente) Lula”, novos números: mais R$ 21 bilhões para investir em 2021 e R$ 28 bilhões em 2022, 4,3 milhões de pessoas no “Alimento Solidário”, 2 milhões no “Vale Gás”, de 363 para 1.878 escolas de tempo integral... E uma bandeira de campanha: “Aqui não tem roubo. Não se mete a mão no dinheiro público”.
E a rejeição? Para o mundo político, um grande problema de Doria é exatamente sua rejeição, que é forte em São Paulo e migra para o resto do País. Mas o próprio rejeitado diz que o índice vem caindo há quatro meses e emenda: “Quanto melhor a economia, a renda, o emprego e a vacina, melhor a avaliação (dele) em São Paulo e no Brasil”. A estratégia de Eduardo Leite é transformar suas desvantagens em vantagens – ser muito jovem (36 anos), novato e inusitado. Mas Doria aposta: “A população não quer fazer teste, quer segurança, confiança”.
Se as prévias já não são um passeio, como Doria aparentemente imaginava, a maior pedreira vem depois, seja para ele, Leite ou qualquer opção de “centro” ou “terceira via”. Ao admitir a força eleitoral de Lula, com quem já trocou ácidos desaforos, disse que não menospreza Bolsonaro: “Ele está ferido, machucado, mas tem a caneta e a queda nas pesquisas não é acentuada, é gradual. Logo, será um importante player, vai dar muito trabalho”.
É uma corrida de obstáculos: prévia tucana, polarização Lula-Bolsonaro e uma multidão de candidatos a terceira via, que fica ainda mais congestionada com o União Brasil. Logo, Eduardo Leite é apenas um dos muitos problemas de Doria para sobreviver até o segundo turno de 2022.
Inflação acelera para 1,16% em setembro, maior para o mês desde 1994
IPCA voltou a acelerar com impacto da energia elétrica, diz IBGE
Alerrandre Barros / Agência IBGE
A inflação teve alta de 1,16% em setembro, a maior para o mês desde 1994, quando o índice foi de 1,53%. Com isso, o indicador acumula altas de 6,90% no ano e de 10,25% nos últimos 12 meses, acima do registrado nos 12 meses imediatamente anteriores (9,68%). Em setembro do ano passado, a variação mensal foi de 0,64%. Os dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado hoje (8) pelo IBGE.
Oito dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados subiram em setembro, com destaque para habitação (2,56%), que foi puxado pelo aumento de 6,47% na conta de energia elétrica. Em setembro, passou a valer a bandeira tarifária “escassez hídrica”, que acrescenta R$ 14,20 na conta de luz a cada 100 kWh consumidos. No mês anterior, vigorou a bandeira vermelha patamar 2, em que o acréscimo é menor, R$ 9,49. Além disso, houve reajustes tarifários em Belém, Vitória e São Luís.
“Essa bandeira foi acionada por conta da crise hídrica. A falta de chuvas tem prejudicado os reservatórios das usinas hidrelétricas, que são a principal fonte de energia elétrica no país. Com isso, foi necessário acionar as termelétricas, que têm um custo maior de geração de energia. Assim, a energia elétrica teve de longe o maior impacto individual no índice no mês, com 0,31 ponto percentual, acumulando alta de 28,82% em 12 meses”, explica o gerente do IPCA, Pedro Kislanov.
Os preços do gás de botijão (3,91%) também continuaram subindo em setembro. “A gente tem observado uma sequência de aumentos do GLP (gás liquefeito de petróleo) nas refinarias pela Petrobras. Há ainda os reajustes aplicados pelas distribuidoras. Com isso, o preço para o consumidor final tem aumentado a cada mês. Já foram 16 altas consecutivas. Em 12 meses, o gás acumula aumentos de 34,67%”, detalha Kislanov.
O grupo dos transportes (1,82%) acelerou, mais uma vez, por conta dos combustíveis, que subiram 2,43%, influenciados, pela gasolina (2,32%) e o etanol (3,79%). Em 12 meses, a gasolina já aumentou 39,60% e o etanol, 64,77%. Também subiram no mês o gás veicular (0,68%) e o óleo diesel (0,67%).
As passagens aéreas (28,19%) tiveram a maior alta entre os itens não alimentícios no mês, após queda de 10,69% em agosto, registrando o terceiro maior impacto individual no índice geral. Os preços dos transportes por aplicativo avançaram 9,18% em setembro, e já tinham subido 3,06% no mês anterior.
Alimentação no domicílio desacelera com queda nos preços das carnes
Alimentação e bebidas (1,02%) tiveram uma leve desaceleração em relação a agosto (1,39%) por conta do recuo das carnes (-0,21%), após sete meses consecutivos de alta, o que acabou puxando a alimentação no domicílio para baixo (1,19%), frente ao resultado de 1,63% no mês anterior. “Essa queda das carnes pode estar relacionada à redução das exportações para a China. No início do mês, houve casos do mal da vaca louca na produção brasileira. Com a suspensão das exportações, aumentou a oferta de carne no mercado interno, o que pode ter reduzido o preço”, explica Pedro Kislanov.
Também recuaram os preços da cebola (-6,43%), do pão francês (-2,00%) e do arroz (-0,97%). “No caso do pão francês, tivemos uma redução no preço do trigo no mercado internacional, o que pode ter impactado esse resultado”, disse Kislanov.
Por outro lado, o IPCA continua registrando altas expressivas na alimentação dentro do domicílio. É o caso das frutas (5,39%), que contribuíram com 0,05 p.p. no índice de setembro, do café moído (5,50%), do frango inteiro (4,50%) e do frango em pedaços (4,42%). “O frango tem subido bastante por conta da alta do custo da ração animal. Ele também é impactado pela alta da energia elétrica. Por ser um substituto das carnes, o preço do frango costuma subir com a maior demanda”, explica o gerente do IPCA.
Também aumentaram em setembro os preços da batata-doce (20,02%), da batata-inglesa (6,33%), do tomate (5,69%) e do queijo (2,89%).
A alimentação fora do domicílio desacelerou, passando de 0,76% em agosto para 0,59% em setembro. O principal fator foi o recuo do lanche (-0,35%), que havia subido 1,33% no mês anterior. A refeição teve alta de 0,94%, acima do 0,57% observado em agosto. Além disso, os preços da cerveja (1,32%) e do refrigerante e água mineral (1,41%) também subiram em setembro.
Os grupos habitação, transporte e alimentação e bebidas contribuíram com cerca de 86% do resultado de setembro (1 p.p. do total de 1,16). Os demais ficaram entre a queda de 0,01% em educação e a alta de 0,90% em artigos de residência.
O aumento dos preços ocorreu em todas as áreas pesquisadas em setembro. O maior índice foi registrado em Rio Branco (1,56%), influenciado pelas altas nos preços da energia elétrica (6,09%) e do automóvel novo (3,57%). Já o menor resultado ocorreu em Brasília (0,79%), por conta da queda nos preços da gasolina (-0,81%) e do seguro de veículo (-3,36%).
INPC tem alta de 1,20% em setembro
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) teve alta de 1,20% em setembro, também o maior resultado para o mês desde 1994. No ano, o indicador acumula elevação de 7,21% e, em 12 meses, de 10,78%, acima dos 10,42% observados nos 12 meses imediatamente anteriores. Em setembro de 2020, a taxa foi de 0,87%.
Os produtos alimentícios subiram 0,94% em setembro, ficando abaixo da variação observada em agosto (1,29%). Já os não alimentícios tiveram alta de 1,28%, enquanto em agosto haviam registrado 0,75%.
Todas as áreas registraram alta nos preços em setembro. O maior resultado foi registrado na região metropolitana de Curitiba (1,65%), influenciado pelas altas nos preços da energia elétrica (6,80%) e da gasolina (4,91%). Já o menor foi observado no município de Goiânia (0,79%), onde pesaram as quedas nos preços das carnes (-1,65%).
Mais sobre as pesquisas
O IPCA abrange as famílias com rendimentos de 1 a 40 salários mínimos, enquanto o INPC as famílias com rendimentos de 1 a 5 salários mínimos, residentes nas regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, além do Distrito Federal e dos municípios de Goiânia, Campo Grande, Rio Branco, São Luís e Aracaju. Acesse os dados no Sidra.
Fonte: Agência IBGE
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/31848-inflacao-acelera-para-1-16-em-setembro-maior-para-o-mes-desde-1994
Vera Magalhães: Estado de mal-estar
Diante de uma questão de saúde pública e social tão evidente, Bolsonaro usa desculpas fiscais
Vera Magalhães / O Globo
Jair Bolsonaro achou por bem vetar a essência do projeto de lei que cria o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, uma iniciativa de um conjunto de deputados de diversos partidos de oposição. O presidente vetou justamente a razão de ser da proposta: os artigos que previam a distribuição gratuita de absorvente para meninas carentes de escolas públicas, mulheres em vulnerabilidade social e presidiárias.
Bolsonaro evocou razões fiscais para vetar o projeto. Disse que o Congresso não apontou a fonte de recursos para custeá-lo, mas não é bem assim: os parlamentares determinaram que os recursos sairiam da atenção básica à saúde do SUS e do Fundo Penitenciário.
Afirmou que a lista de medicamentos básicos que têm de ser fornecidos pelo SUS não inclui absorventes menstruais. De fato. Por isso mesmo a proposta cria um novo programa, para atender a uma demanda justa e não contemplada.
Os dados sobre a falta de recursos para adquirir absorventes, traduzida como pobreza menstrual, passaram a ser tratados recentemente, pois esse sempre foi um tema tabu, o que já diz muito quanto à mentalidade atrasada que vigora no Brasil.
Hoje se sabe que uma a cada quatro mulheres não tem dinheiro para adquirir protetores para seus períodos menstruais e que algumas meninas chegam a perder um mês e meio de aula por ano por não ter condições dignas de ir à escola. Reportagens recentes mostraram casos revoltantes de mulheres internadas com infecções graves pelo uso de materiais impróprios para conter o sangramento mensal.
Diante de uma questão de saúde pública e social tão evidente, Bolsonaro usa desculpas fiscais, que não resistem a uma simples comparação com gastos exorbitantes, como as famigeradas emendas do relator ou os cartões de crédito corporativos da Presidência, que, além de tudo, estão protegidos por camadas de sigilo, para dar vazão a suas arraigadas convicções ideológicas avessas a empatia, a qualquer preocupação social e à mínima compreensão das questões de gênero que cada vez mais são pauta da sociedade e dos governos do mundo todo.
Além de ser a mais perfeita tradução de sua mentalidade tacanha, reacionária e contrária aos direitos humanos em todas as suas manifestações, o veto de Bolsonaro ao projeto que promove a dignidade de mulheres e meninas pobres é de uma burrice política e eleitoral atroz, também ela típica do presidente do Brasil.
No momento em que sua popularidade sangra (ops) justamente com o eleitorado feminino e pobre, o capitão dá um tapa na cara sem luva de pelica justamente das mulheres vulneráveis, com uma mesquinharia política e fiscal.
Quando tenta se safar da berlinda nas pesquisas inflando, aí sim com bilhões ainda não contemplados no guarda-chuva fiscal, o Bolsa Família, outro projeto pelo qual sempre deixou patente sua aversão egoísta, Bolsonaro não é nem capaz de perceber que esse veto lhe causará estrago brutal junto a esse público.
Quem é de verdade sabe quem é de mentira, já disse o comediante Esse Menino no vídeo em que escancarou para o país a desídia desse mesmo presidente na compra de vacinas. Não adianta a alguém absolutamente desprovido de consciência do que é governar para todos, e sobretudo para aqueles que mais precisam, fingir que tem preocupação com a pobreza. A máscara, que Bolsonaro já insistia em não usar na pandemia, caiu também na política.
A maré política do capitão está tão braba que a possibilidade de esse veto indigno ser derrubado é grande. Que assim seja.
Mas é exaustivo viver no Estado de mal-estar de Bolsonaro. Mal-estar social, econômico, sanitário, cultural, educacional, civilizatório, político. Um mal-estar que não passa, como uma cólica fruto de uma sangria desatada.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/estado-de-mal-estar.html
Governo Bolsonaro manda cortar 87% de verbas para ciência e tecnologia
Ministério da Economia diminuiu de R$ 690 milhões para R$ 89 milhões complementação de recursos para o setor
Eduardo Rodrigues / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - O Ministério da Economia diminuiu em 87% o encaminhamento de verbas para o setor de ciência e tecnologia neste ano - a queda foi de R$ 690 milhões para R$ 89,8 milhões. A perda do dinheiro com outras áreas frustrou pesquisadores, que já contavam com o dinheiro em 2021. Em sua decisão, o ministério alega que a proposta de orçamento para 2022 aumentará consideravelmente os recursos para projetos de pesquisa.
Em 25 de agosto, o governo enviou ao Congresso o Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 16, que abria um crédito suplementar de R$ 690 milhões para o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações no orçamento deste ano. Do montante total, R$ 34,578 milhões iriam para a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) e os R$ 655,421 milhões restantes seriam destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) – que apoia os programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais.
Entidades - entre elas a Academia Brasileira de Ciências, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Andifes, que reúne os reitores das universidades federais - reagiram à medida. Em nota, os acadêmicos fazem um apelo pela reversão do corte pelos parlamentares e dizem que "está em questão a sobrevivência da ciência e da inovação no País".
Em ofício assinado pelo ministro Paulo Guedes e enviado nesta quinta-feira, 7, à Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, o governo decidiu dividir os recursos que iriam integralmente para ciência e tecnologia com outros seis ministérios.
Na nova formatação, já aprovada nesta quinta pelos parlamentares, os recursos projetos de ciência e tecnologia caíram de R$ 655,421 milhões para apenas R$ 7,222 milhões – ou seja, apenas 1,10% da proposta original. Da proposta original de R$ 34,578 milhões para a produção de radiofármacos, o governo aumentou para R$ 82,577 milhões.
A fabricação de remédios para câncer pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), conforme revelou o Estadão, chegou a parar em setembro por falta de recursos. Esses medicamentos atendem entre 1,5 milhão e 2 milhões de pessoas no País.
No ofício do Ministério da Economia desta semana, a pasta alega que outro projeto – o PLN18, que ainda tramita no Congresso - destina mais R$ 18 milhões ao FNDCT neste ano. A equipe de Guedes também argumenta que, dos R$ 104,7 milhões orçados para ações do fundo em 2021, apenas R$ 87,4 milhões foram empenhados até agora.
“Para o ano de 2022, o Projeto de Lei Orçamentária Anual prevê a alocação total dos recursos do FNDCT em suas ações finalísticas, no montante de R$ 8,467 bilhões, sendo metade destinada às despesas primárias e metade às financeiras. No caso das despesas primárias, isso significa um acréscimo de R$ 3,723 bilhões, ou 729,9%, em relação ao PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2021”, acrescentou o Ministério da Economia.
No fim das contas, o maior beneficiário das mudanças no PLN16 foi o Ministério do Desenvolvimento Regional, que irá receber R$ 252,2 milhões, seguido pela Agricultura e Pecuária com R$ 120 milhões, o Ministério das Comunicações com R$ 100 milhões. A Educação recebeu R$ 50 milhões e a pasta da Cidadania ficou com outros R$ 28 milhões.
COLABOROU ROBERTA JANSEN
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-bolsonaro-corta-87de-verbas-para-ciencia-e-tecnologia,70003863548
No mundo da Dreadnoughts, inexiste menina pobre sem absorvente
Não proponho enforcar o último dono de offshore com as tripas do último reacionário; até os vejo com certa piedade
Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo
O que o veto do presidente Jair Bolsonaro à distribuição gratuita de absorventes para estudantes pobres e mulheres em situação de rua tem a ver com a Dreadnoughts Internacional, a inoxidável offshore de Paulo Guedes, com patrimônio de ao menos US$ 9,55 milhões?
A propósito: Sérgio Rodrigues, colunista desta Folha, sinta-se desafiado a fazer um ensaio combinando o nome dessas empresas dos ricos com seu grau de alienação da realidade. Ou de arrogância. Espero responder à pergunta inicial no curso do texto.
Consta que o ministro está indignado com a proporção que tomou a notícia, não a fake news, de que ele tem a tal empresa nas Ilhas Virgens Britânicas. Compreenda-se a sua fúria. Ele contou tudo à Comissão de Ética Pública. Por alguma razão inexplicada, a dita-cuja não viu contradição entre a sua empresa (e as de Roberto Campos Neto) e a lei 12.813. Há ainda o Código de Conduta da Alta Administração Federal, que também veda tal prática.
Um endinheirado qualquer ter uma offshore, devidamente declarada à Receita, não é crime. Quando se é ministro da Economia ou presidente do BC, o ordenamento jurídico define a prática como ilegal. E o código a considera antiética. Não se conferiu à tal comissão a faculdade de reinterpretar os dois textos.
A escalada do dólar, que tira comida da boca do pobre, deixa Guedes e Campos Neto mais ricos. A frase lhes pareceu, assim, de um jacobinismo juvenil? É que a alienação ou a impiedade de alguns ricos têm a idade da Terra e pedem o contraste. Ainda que a cotação da moeda não guardasse nenhuma relação com decisões tomadas pela dupla —e guarda—, isso estaria dado pela “árvore dos acontecimentos”.
Voltemos a falar daquele estrato social em que meninas deixam de ir à escola porque não dispõem de produtos para a higiene íntima. É bem provável que, num ambiente de prosperidade e de uma gestão virtuosa da economia, as peripécias da dupla não fossem percebidas por aquilo que são: um escândalo, antes de mais nada, moral, como apontei desde a primeira hora no programa “O É da Coisa” e em minha coluna no UOL.
As offshores, por si, não fazem de Guedes ou de Campos Neto larápios ou ladrões de dinheiro público. Ocorre que eles são personagens centrais de decisões que têm consequências e não podem, pois, ter o próprio patrimônio protegido das suas escolhas. O que este governo fez, por exemplo, para minorar os efeitos da estúpida inflação de alimentos? O câmbio inflacionou também o mercado de ossos.
Não proponho aqui enforcar o último dono de offshore com as tripas do último reacionário. Eu até os vejo com certa piedade. Não é que sintam prazer diante da miséria. Eles simplesmente não a entendem como questão urgente. O liberalismo à moda da casa —e peço escusas, leitor, por ainda acreditar numa versão virtuosa— especializou-se em dizer por que os pobres teriam direitos demais no Brasil. E jamais se ocupou de explicar as proteínas de menos.
Certamente há uma penca de hipócritas que transformam o sofrimento dos pobres em mero discurso ideológico, advogando soluções que seriam, antes de tudo, problemas. Não são nem meus interlocutores nem meus opositores. No mais das vezes, diga-se, são irrelevantes no debate e só servem para fazer a fama de cronistas vigaristas, que têm a grande coragem de se opor a minorias militantes.
Sou um conservador em muita coisa. Um dos traços do meu conservadorismo está em considerar que a coragem sempre será a coragem contra os poderosos, nunca contra quem os contesta, por menos razão que tenha ou por mais bobagens que diga. É a minha escolha há mais de 40 anos. Estes tempos insanos, no entanto, deram à luz também este tipo ordinário: seu destemor está em não ter receio de esfregar verdades na cara de quem nada pode.
Esses poderosos alienados não existem no vácuo. Há um ambiente também intelectual que os explica, em que menina pobre não menstrua. São, a seu modo, vítimas morais de sua concepção de mundo. Mas jamais terão de se submeter ao sopão de ossos. Que as urnas tentem corrigir os desatinos. E se não? O apocalipse não virá. Países não fecham; países pioram. Que o Brasil melhore ao menos.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/10/no-mundo-da-dreadnoughts-inexiste-menina-pobre-sem-absorvente.shtml
William Waack: Nem o Centrão resolve a situação de Bolsonaro
Caciques enxergam a chance de ocupar de vez o Executivo, pela via eleitoral
William Waack / O Estado de S. Paulo
O parlamentarismo com dois primeiros-ministros é o mais novo evento político “jabuticaba”, aquilo que só existe no Brasil. Os presidentes das duas casas legislativas é que estão lidando diretamente com dois assuntos de enorme e imediato impacto sobre o bolso de todos e de ampla repercussão política: preços dos combustíveis e tamanho dos impostos.
A taxa de sucesso até aqui é baixa. As duas operações lidam com assuntos terrivelmente técnicos e complexos, afetados pelos naturais conflitos de interesses entre os mais variados segmentos, e dependem ainda do entendimento precário entre os entes da Federação, problemão por último evidenciado na pandemia. Mas o fato político expressivo é que a agenda política está nas mãos dos dois primeiros-ministros.
Sim, o ministro da Economia – sofrendo evidente desgaste político por conta de sua offshore – compareceu a reuniões com os dois primeiros-ministros que incluíam ainda representantes de municípios, Estados e Receita Federal. Pelo menos formalmente o Executivo estava lá, mas os presidentes da Câmara e do Senado deixaram bem claro ao público que são eles os condutores de todos os processos. São eles que se dirigem à população dizendo como e quando pretendem resolver os problemas.
O Executivo tem noção clara do que precisa – arrumar um jeito de sustentar programas assistenciais que, fora o indiscutível mérito de mitigar a miséria de milhões de pessoas, são também ferramentas políticas no esforço de Jair Bolsonaro em se reeleger. Mas ainda não disse exatamente como realizar esses programas, numa exibição espetacular da dificuldade em estabelecer prioridades: é para resolver primeiro o Bolsa Família ou o preço da gasolina?
Tudo está subordinado a esse eufemismo chamado de “espaço fiscal”, que, por sua vez, é função direta de rearranjo de impostos (para não falar em reforma ampla), propostas de emendas constitucionais que tratem de pagamentos de dívidas (os tais precatórios) e intrincadas negociações sobre o próximo orçamento. Os dois primeiros-ministros perceberam que, no fundo, trata-se da velha questão do ovo ou a da galinha.
Para escapar desse falso dilema, os dois primeiros-ministros teriam de puxar um fio da meada, ou seja, proceder ao que o Executivo mostrou-se incapaz de fazer: estabelecer claramente prioridades e arranjar-se com as várias forças políticas e os vários interesses setoriais. É a queixa recorrente de relatores de todo tipo de matéria demandando coordenação e articulação dentro e fora do Legislativo: não entendem muito bem o que pretende o Palácio do Planalto.
Neste ponto, o da agenda política, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco são atrapalhados não só por desentendimentos causados por diferentes objetivos políticos pessoais. Ocorre que os dois primeiros-ministros são, ao mesmo tempo, operadores e vítimas daquilo que o sociólogo Bolívar Lamounier chama de sistema político do “pluricorporativismo” (mascarado de pluripartidarismo), por meio do qual se propaga e se reforça a capacidade “extrativa” das mais diversas corporações.
Podemos chamar isso também de “sistema do Centrão”, que está claramente se consolidando na fusão gigante de DEM e PSL, e na busca dentro dessas forças políticas da alternativa eleitoral ao embate Bolsonaro-lula. A despeito do que possam dizer as pesquisas de opinião sobre o momento, dando conta do amplo favoritismo eleitoral de Lula, na visão desses operadores políticos a força e o sentido do eleitorado apontam para o que se chamaria de tendência de “centro-direita” – daí a dificuldade em costurar acordo com o PT.
Bolsonaro teve um pouco atrás a possibilidade de “caminhar para o centro” e ser abraçado eleitoralmente pelo Centrão. Essa oportunidade parece ter sido jogada fora por ele mesmo, que hoje não sabe se receberá um tapinha nas costas pelo fato de ter aberto uma chance inédita de consolidação do poder a esses caciques, agora enxergando a possibilidade de tomar conta eles mesmos do Executivo, e pela via eleitoral.
Ou se receberá desses caciques um chute nos glúteos, dependendo das circunstâncias.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,nem-o-centrao-resolve,70003862095
Merval Pereira: Preparando a largada para a corrida eleitoral pela Presidência
Parlamentares estão em movimentação nos bastidores para a troca de partidos, a partir da fusão do DEM com o PSL
Merval Pereira / O Globo
A corrida eleitoral pela Presidência da República ganha contornos mais nítidos à medida que o prazo fatal de abril se aproxima para que os candidatos mudem de partido, no caso do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ou decidam se candidatar, como é o caso mais notório, do ex-ministro Sergio Moro.
Os próprios parlamentares estão em movimentação nos bastidores para a troca de partidos, a partir da fusão do DEM com o PSL, de que nasceu o União Brasil, um partido feito para ter posição de protagonismo na sucessão presidencial e no Congresso que nascerá das urnas em 2022. Será o maior partido da Câmara atual e com muito dinheiro, com a soma dos fundos eleitoral e partidário dos dois, muito à frente do PT — e, portanto, tem estrutura para disputar com qualquer partido.
Essa grandeza formal garante ao partido nascente as condições ideais para uma disputa nacional, embora isso não seja o suficiente. Temos exemplos da eleição presidencial de 2018, com Geraldo Alckmim, do PSDB, ficando para trás mesmo com o maior tempo de propaganda eleitoral na televisão e no rádio. E Ulysses Guimarães, do MDB, então maior partido do país, que terminou em quarto lugar em 1989. Nos dois casos, os favoritos foram atropelados por fenômenos eleitorais inesperados, Bolsonaro e Collor.
O União Brasil tem as condições básicas para ser competitivo, mas precisará se unir em torno de um nome palatável ao eleitor, e que tenha empatia, pois disputará com dois líderes populistas que já se mostraram eficientes em buscar votos. É um novo player, e importantíssimo, no jogo da sucessão. Apesar de fragmentado em termos de programa — tem bolsonaristas, direitistas, conservadores —, se conseguir se unir em torno de um candidato, terá muita chance de se colocar como uma possibilidade real de poder, ir para o segundo turno e disputar a eleição presidencial.
O ex-ministro Luiz Mandetta parece ser a melhor aposta no momento, e o presidente do Senado está num dilema para a tomada de decisão: se for para o PSD, como quer Kassab, terá garantida a candidatura, mas não uma estrutura partidária forte como no União Brasil. Que também não lhe garantirá a cabeça da chapa presidencial, pois tem outros candidatos a candidato em suas fileiras.
O PSDB é outro que se mexe para a definição de seu candidato a presidente, realizando prévias partidárias pela primeira vez. O governador de São Paulo, João Doria, favorito, mas pressionado pela candidatura do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, está fazendo uma manobra inteligente ao admitir abrir mão da candidatura para unir o partido e, mais adiante, a candidatura da terceira via.
Pode ser que tenha falado porque tem certeza da vitória, mas, de qualquer maneira, é um gesto importante, e ele tem razão: se aparecerem três, quatro, cinco candidatos da terceira via, nenhum derrotará Lula ou Bolsonaro. Foi um gesto de quem nunca se esperou tal magnanimidade. Dizia-se que um acordo era impossível porque Doria nunca abriria mão da candidatura. Se vencer no PSDB, como continua sendo o mais provável, ganha força de argumentação e marca posição diante dos eleitores, com demonstração de desapego de interesses pessoais por uma questão maior, a unidade da oposição.
Na campanha, haverá uma filtragem natural de quem terá mais chance de tirar Lula ou Bolsonaro do segundo turno. Dificilmente haverá apenas um candidato da terceira via — até porque Ciro Gomes está disputando esse mesmo espaço —, mas, se houver dois, já facilita a vida do eleitor. Com cinco candidatos, ganha a polarização entre Lula e Bolsonaro.
Doria tem força partidária muito grande em São Paulo, que não se reflete ainda no eleitorado, mas pode ser que a vitória nas prévias o fortaleça como liderança nacional. O problema do PSDB estará ligado sempre à unidade partidária, que nunca foi conseguida totalmente. Mais uma vez o estado-chave será Minas Gerais, um dos maiores colégios eleitorais do país. Historicamente, quem vence em Minas vence no Brasil, uma amostragem perfeita do país, conforme definiu Carlos Augusto Montenegro, antigo dono do Ibope e um dos maiores conhecedores do eleitorado brasileiro. O deputado Aécio Neves, que continua sendo o grande líder político mineiro, será a pedra no sapato do candidato de João Doria.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/preparando-largada.html
CPI ouve paciente da Prevent Senior e médico que denunciaram operadora
Prevent teria sido negligente com paciente, colocado em 'cuidados paliativos'; Walter Correa de Souza Neto ajudou a revelar supostas irregularidades
Agência Estado
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid terá dois depoentes nesta quinta-feira, 7: o primeiro será o usuário da Prevent Senior Tadeu Frederico Andrade. Na sequência, quem depõe é o médico Walter Correa de Souza Neto, que trabalhou na operadora de planos de saúde e ajudou a revelar irregularidades na conduta da empresa no tratamento de pacientes com covid-19.
Andrade, advogado de 65 anos, esteve internado por 120 dias em um hospital da rede, em São Paulo. Ele entregou ao Ministério Público paulista um prontuário assinado por uma médica que chegou a orientar a suspensão de medicamentos à época em que estava internado, com o objetivo de encaminhá-lo ao paliativo e, supostamente, reduzir os custos do tratamento. Mas a família de Andrade não acatou a orientação e o advogado conseguiu se recuperar. Como mostrou o Estadão, o caso é tratado como possível tentativa de homicídio. Leia matéria completa.
A Prevent Senior também é acusada de pressionar médicos a prescreverem remédios ineficazes contra a covid-19, sem respeitar a autonomia médica, além de ocultar mortes de pacientes que tiveram coronavírus e realizar estudo em pacientes para testar a eficácia da hidroxicloroquina associada à azitromicina no tratamento da covid, sem o consentimento de pacientes e familiares. A rede também é suspeita de se associar ao chamado "gabinete paralelo".
O requerimento para ouvir paciente e médico partiu do senador Humberto Costa (PT-PE). No documento, o parlamentar relata que Tadeu Frederico de Andrade contou ter sido infectado pela covid-19 no fim do ano passado e, após atendimento por telemedicina na Prevent Senior, foi-lhe receitado o chamado "kit covid" - conjunto de medicamentos sem eficácia contra o coronavírus. Seguindo a prescrição, Andrade tomou a medicação, mas seu quadro clínico se agravou, necessitando de internação em unidade de tratamento intensivo (UTI). Foi a partir daí que a operadora teria pressionado a família a colocá-lo sob "tratamento paliativo". Ele passou um mês na UTI.
Já Walter Correa de Souza Neto deverá relatar aos senadores se havia cerceamento da autonomia médica dos profissionais que atuavam na Prevent Senior e se a distribuição do kit covid era feita indiscriminadamente, além de conduzir estudo irregular e agir sobretudo para reduzir custos, como o caso de Andrade.
Acompanhe a CPI da Covid:
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/ao-vivo/cpi-da-covid-depoimentos-paciente-tadeu-prevent-senior-medic
Rosângela Bittar: Atrás do próprio rabo
Tanto para Lula quanto para Bolsonaro, centro é uma palavra despida de conceitos
Rosângela Bittar / O Estado de S. Paulo
Dois candidatos a presidente e uma ideia fixa: a utopia do centro. Bolsonaro, que se acha predestinado a manter-se no poder, por sua conta e risco; e Lula, que se imagina garfado pela História e quer reaver o lugar.
O primeiro, só pensa em golpe. O segundo, em compensação por um golpe que não houve. Impeachment não é golpe. É processo político constitucional.
Lula acredita ter direitos adquiridos depois de vencer quatro eleições presidenciais, duas para ele mesmo e duas para um poste.
Ambos dedicam-se a reconquistar os votos do centro que, um dia, acidentalmente, foram seus. Imaginem, logo os eleitores do centro! Equidistantes dos extremos que os dois, de fato, representam. Há um impasse a romper. Sozinhos, não vencem. E os votos do centro mantêm-se ainda perplexos. Preferem a alternativa de esperar que surja o seu candidato confiável.
Bolsonaro e Lula, imperturbáveis, vão em frente. Não conseguem despir, em público, a condição de radicais. Ao prometer vestir o figurino da moderação, em particular, parecem andar em círculos, atrás do próprio rabo. Articulam como se montassem uma equação aritmética. Tentam engatar líderes e estruturas, esperando, assim, arrastar a maioria a seu favor. Acham-se capazes de atrair os fiéis da balança para continuar girando a roda da fortuna.
O convite de Bolsonaro ao ex-presidente Temer (MDB) para ajudá-lo a superar sua frustrada tentativa de golpe do 7 de Setembro deixou seus fanáticos à beira de um ataque de nervos. Entre incredulidade e reclamações, os radicais não entenderam o alcance da manobra. Assim como não compreendem que o eleitorado disponível nesta faixa seja indispensável para superar seus limites de 30%.
Bolsonaro os contém, enquanto reforça sua parceria com o Centrão, designação pejorativa de parte do centro eleitoral. Deu a Casa Civil da Presidência a Ciro Nogueira e a presidência da Câmara a Arthur Lira, com o cofre ao alcance da mão. E a ordem, implícita:
Façam o que quiserem, sobretudo no Nordeste, mas tragam os seus currais.
Quanto a Lula, resolveu que já era tempo de dar uma satisfação aos enciumados petistas históricos. Menos barulhentos, não precisaram de consolos públicos. Convidados a participar, com ele, dos conchavos e decisões, vieram imediatamente. Esta semana, Lula desembarcou em Brasília, reuniu bancadas, chamou governadores. Até então, o ex-presidente conduzia uma campanha tão fechada que seus amigos o imaginavam desdenhando a disputa. Capaz até de dela desistir.
O ex-presidente estava apenas, e ainda está, integralmente ocupado em buscar o centro. Negocia com o MDB, procura o PSD, o Solidariedade, o PSDB e a quem mais possa corresponder aos seus acenos.
Lula age abertamente. Arranca declarações amigáveis do ex-presidente Fernando Henrique (PSDB) enquanto espera os dissidentes perdedores das prévias para escolha do candidato tucano. Recebe as bênçãos do ex-presidente Sarney (MDB) em encontro reservado antes do jantar, esta semana, que o reunirá com a velha guarda do partido.
Repete seu próprio roteiro de 2002. Quando, declarando-se cansado de perder as disputas anteriores (para Collor e FHC), atribuindo-as ao isolamento do PT, exigiu que se fizessem composições. Só seria candidato com alianças amplas, gerais e irrestritas. Decisão que o levou à vitória, à governabilidade, e à infeliz associação que o integrou ao elenco da Lava Jato.
Tanto para Lula quanto para Bolsonaro, centro é uma palavra despida de conceitos. Sejam geográficos, geométricos, políticos, ideológicos, sociológicos. Para eles, centro não é um ponto de convergência de ideias e programas. É simplesmente um pacote de votos que lhes faltam para vencer.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,atras-do-proprio-rabo,70003860988
Benito Salomão: Auxílio Brasil e risco democrático
Proposta do novo benefício pode comprometer estabilidade macroeconômica
Benito Salomão / Folha de S. Paulo
Quando a lógica eleitoral pauta a política econômica, as consequências são indesejáveis. O Brasil viveu isso em 2013-14 diante da reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), causando nítidos retrocessos na política fiscal, tais como as contabilidades criativas e pedaladas fiscais. Naquela época, a presidente optou pelo negacionismo fiscal até novembro de 2014, quando venceu as eleições e a realidade se impôs. O desfecho daquele episódio segue fresco na memória.
A história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa, sentença atribuída a Karl Marx ideal para explicar a realidade contemporânea. Após o descalabro de 2014, o Brasil voltou a discutir retrocessos fiscais parecidos com os daquele momento. Em 2020, o país teve que elevar seu endividamento público em face dos danos humanitários causados pela Covid-19.
A dívida pública absorveu o choque, crescendo fortemente. Já em 2021, com várias economias superando a pandemia e retirando os incentivos fiscais, o Brasil segue na direção oposta e acumula inúmeros episódios que têm minado a credibilidade fiscal. Vale ressaltar que o prolongamento da pandemia no tempo é o primeiro fator de insustentabilidade fiscal, criando pressão permanente sobre benefícios sociais que deveriam ser apenas temporários. Isso tudo piorado pelas incertezas acerca da manutenção do teto de gastos, ou por heterodoxias como o orçamento paralelo e o escalonamento dos precatórios.
Nesse contexto de dificuldades fiscais, o governo envia para a Câmara a medida provisória 1.061/21 do novo Bolsa Família, agora nominado Auxílio Brasil. Sobre isso, ressalvas devem ser feitas: 1 - uma política dessa natureza é muito importante para ser normatizada via medida provisória; 2 - não se tem notícia de nenhum estudo que embase o novo desenho da política; e, 3° essa nova política de renda mínima será financiada por elevações de impostos ou cortes de gastos e em quais áreas? Ademais esse programa será acrescido a outras despesas como os precatórios escalonados, além de novos gastos que devem surgir na folga criada pela inflação deste ano no teto de gastos. Esse conjunto de despesas pode tornar inevitável aumentos tributários em um futuro próximo, impondo um elevado custo à sociedade.
O mais grave, no entanto, é o seu objetivo claramente eleitoral, visando reverter a desvantagem do presidente nas próximas eleições. Buchanan e Wagner (1977) sustentam que déficits fiscais causam distorções nas democracias, já que seus benefícios são sentidos no curto prazo, enquanto seus custos, associados a desequilíbrios macroeconômicos como inflação, desemprego, juros altos e elevações tributárias, demoram a se manifestar. Já Tabellini e Alesina (1990) salientam que políticos têm o incentivo de elevar déficits no presente, visando bônus eleitoral e deixando os custos futuros do ajuste para seus sucessores. Nesse contexto, a proposta do Auxílio Brasil tem todas as características de um programa cujo objetivo seja auferir prestígio eleitoral ao seu idealizador. Jair Bolsonaro está, aparentemente, disposto a comprometer a estabilidade macroeconômica do país para se reeleger.
Para 2023, dois cenários são possíveis: 1 - a reeleição do atual presidente irá impor a necessidade que ele próprio conduza o ajuste fiscal. Se isso ocorrer, Bolsonaro herdará de si um país infinitamente mais desorganizado que recebeu em 2019, tendo que lidar com desemprego, dívida pública, câmbio, juros e inflação muito elevados; ou 2 - a eleição de Lula, que também terá de implementar ajustes fiscais, que via de regra são hostilizados por ele e seu partido.
Igualmente importante, é preciso atentar à configuração do Congresso que emergirá em 2023, isso porque boa parte das medidas fiscais dependem de esforços legislativos. No Brasil, a política fiscal é predominantemente formalizada na Constituição, o que torna o poder legislativo fundamental em qualquer estratégia de equilíbrio fiscal.
Independentemente do resultado das urnas, a próxima legislatura dependerá de credibilidade para que o ajuste tenha sucesso. Caso contrário, em um contexto de polarização exacerbada, o ano de 2023 pode reeditar as turbulências de 2015, afetando a governabilidade. Medidas como aumentos de impostos e cortes de gastos são impopulares por si próprias. Em períodos pós-eleitorais, mais ainda, porque o eleitor vota escolhendo cestas de bens públicos prometidos na eleição e, ao receber benefícios a menos, ou impostos a mais, sente-se enganado e tende a radicalizar.
É preciso evitar esse cenário. Melhor seria que o respeito à responsabilidade fiscal fosse cultivado já.
*Benito Salomão é economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFU (Universidade Federal de Uberlândia)
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/10/auxilio-brasil-e-risco-democratico.shtml
Cidadania age para firmar federação e candidatura à presidência
Em entrevista ao CB. Poder, Roberto Freire deu detalhes sobre os planos para solidificar a candidatura
Denise Rothenburg / Gabriela Chabalgoity / CB Poder / Correio Braziliense
O presidente do Cidadania, Roberto Freire, trabalha com dois projetos no horizonte. O primeiro, é consolidar a pré-candidatura do senador Alessandro Vieira (SE) à Presidência da República — embora admita que, faltando aproximadamente um ano para a corrida eleitoral, há tempo suficiente para se trabalhar várias alternativas no campo da chamada “terceira via”. O segundo é construir uma federação de partidos em torno da legenda, que busca partidos com os quais tenha afinidades — como Rede e PV — para viabilizar aquilo que pode ser o embrião de uma nova agremiação. A seguir, confirma os principais pontos da entrevista que Freire concedeu ao CB.Poder, uma parceria entre o Correio Braziliense e TV Brasília, que foi ao ar ontem.
O que fará o Cidadania diante de regras mais rígidas de sobrevivência para 2023?
A federação precisa ser entendida não como uma alternativa à coligação. Tem uma outra característica: ela é muito mais embrião de futuro partido do que mera coligação. Na coligação, acabou a eleição, cada um vai para o seu lado. Na federação, não — é um partido durante, pelo menos, a legislatura. Isso é processo de fortalecer partidos, até porque a pulverização nas casas legislativas é excessiva — isso dificulta governos, dificulta a própria atividade legislativa. Embora o Cidadania tenha superado a cláusula de desempenho de 2018, ela vai aumentar. Então, precisamos ter um certo cuidado.
Ou seja, a federação de partidos é feita durante a eleição e continua valendo durante toda aquela legislatura?
Sim. Não pode haver separação, então vai ter que ter muito mais convergência do que divergência. Você não aguenta quatro anos se não houver um movimento, uma sinergia, de integração. Não pode ser algo que vai aos trancos e barrancos porque você pode perder, inclusive, respeito diante da sociedade. Não é a cláusula de desempenho que tem que indicar qual é o meu caminho. Meu caminho tem que ser de construção de uma alternativa política. Por isso, o Cidadania só admite discutir federação com quem tem identidade com o Cidadania.
Sobre a discussão do Cidadania em relação à federação com a Rede e o Partido Verde, já tem alguma decisão nesse sentido?
Nós conversamos, um tempo atrás, sobre a possibilidade de uma fusão com a Rede, até mesmo antes da eleição, e com o PV. O PV não quis e nem conversou. Com a Rede, quase tivemos uma fusão, lá em 2018. Não me parece que a Rede tenha mudado de posição, acho que quer continuar tentando sobreviver como partido, independentemente de superar ou não a cláusula de barreira. Mas, o PV, que não quis a fusão, já olha com outro olhar. Como federação, imagina que pode ser uma alternativa.
O Cidadania já lançou uma pré-candidatura à Presidência da República, para 2022, o senador Alessandro Vieira (SE). Ele vai ser candidato mesmo ou é um nome que está ali para discutir mais à frente?
Desde o lançamento o compromisso do Cidadania é de trabalhar pela unidade. É chamada a alternativa do campo democrático e que a imprensa usa muito com o nome de “terceira via”. Ótimo se essa unidade estiver em torno do Alessandro. Mas se tiver outro nome que agregue mais, o Cidadania não será nenhum obstáculo em relação a isso. Não é apenas para derrotar Bolsonaro ou Lula.
É possível vencer a polarização?
Claro, estamos muito distantes da eleição. Há de se diminuir as surpresas porque parece que o recuo que (o presidente Jair) Bolsonaro teve que fazer acalmou aquela ânsia de agredir os Poderes da República. O cenário não está definido.
O PSDB dificilmente deixará de ter candidato à Presidência. Gilberto Kassab que afirmou que o PSD também terá. Ciro Gomes (PDT) falou que a candidatura está certa. Como fica a união do centro?
Mais de um ano antes das eleições há um movimento de partidos políticos discutindo uma candidatura única. Em nenhuma outra sucessão presidencial teve isso. O bloco democrático está tentando discutir um salto para o futuro. Essas duas forças políticas que se polarizam (Bolsonaro e Lula) são duas forças que não compreendem a nova realidade.
O país passa por uma crise grave na economia e o senhor vê alguma saída a curto prazo?
O Congresso atuou bem na pandemia, juntamente com governadores e prefeitos. Se não fosse por eles, teríamos vivido uma tragédia ainda maior do que essa que está aí. É importante salientar que, há algum tempo, nós do Cidadania defendemos o impeachment. Mesmo que (o vice-presidentre Hamilton) Mourão não seja nenhuma grande alternativa, para fazer a transição seria muito melhor do que a continuidade que está se anunciando com Bolsonaro.
* Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4953735-cidadania-age-para-firmar-federacao-e-candidatura-a-presidencia.html
CPI entra na reta final com cerco a planos de saúde
Para senadores, já há elementos para que o MP investigue empresas que adotaram cloroquina e omitiram mortes por covid-19
A CPI da Pandemia entra em sua reta final nesta semana e, por falta de tempo, deixará para o Ministério Público a conclusão das apurações sobre planos de saúde que omitiram óbitos de covid-19 e que pressionaram seus médicos a prescreverem o ineficaz kit covid. Parlamentares ouvidos pela reportagem entendem que não há tempo hábil para terminar essa investigação —a previsão é encerrar os trabalhos no próximo dia 20. Além disso, avaliam que já há elementos suficientes para que os ministério públicos federal e estaduais sigam nas apurações. Há ao menos três empresas na mira da CPI: Prevent Senior, Hapvida e Unimed Fortaleza. As duas primeiras são suspeitas de interferir na subnotificação de mortes por coronavírus e de ceder cloroquina para seus clientes —a terceira é suspeita apenas por este último caso.
No sábado, o EL PAÍS revelou que o Hapvida omitiu da declaração de óbito de um de seus pacientes o coronavírus. A operadora admitiu o erro, mas alegou que fez a correção na informação enviada às autoridades sanitárias. Os senadores vão solicitar que o Ministério Público apure se o mesmo erro, intencional ou não, ocorreu em outros casos.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula os planos de saúde, e o Conselho Federal de Medicina, que não se opôs à prescrição em série da cloroquina, também serão citados como investigados no relatório final. A ANS, na visão desses senadores, teria se omitido diante de diversas denúncias de que as operadoras de saúde estavam pressionando seus profissionais a entregarem o kit covid. Desde o segundo semestre do ano passado, diversos jornais brasileiros noticiaram os erros. Antes, em maio, uma denúncia chegou ao Ministério Público do Ceará, relatando a prática no Hapvida. Os promotores que receberam o documento entenderam que o caso deveria ser analisado na esfera do consumidor, não no âmbito da saúde pública. Uma multa foi aplicada ao plano de saúde, no valor de quase 500.000 reais, mas a empresa, a quarta maior do país, recorreu.MAIS INFORMAÇÕES“Há indícios significativos para que autoridades brasileiras, entre elas o presidente, sejam investigadas por genocídio”
Na reta final, a CPI da Pandemia costura o relatório que envolve o presidente Jair Bolsonaro não apenas com a crise sanitária e eventuais crimes de responsabilidade, mas também para mostrar que ele e seu entorno cometeram crimes comuns e contra a humanidade. Havia a expectativa de que o relatório fosse entregue até o dia 15 de setembro, mas as revelações de que a seguradora Prevent Senior, que tem clara proximidade com o bolsonarismo, promoveu o uso indiscriminado de medicamentos ineficazes contra covid-19 em sua rede de hospitais fez que os senadores postergassem o fim das investigações para o dia 20 de outubro. Por enquanto, o relatório tem 700 páginas e quatro anexos. Falta inserir um capítulo específico sobre as operadoras de saúde.
Esta será a última semana de depoimentos na CPI. Nesta terça-feira, os senadores ouvem Raimundo Nonato Brasil, sócio da empresa VTCLog, que é suspeita de ilícitos em contratos com o Ministério da Saúde; na quarta-feira, fala o presidente da ANS, Paulo Roberto Vanderlei Rebello Filho; e, na quinta-feira, dois médicos da Prevent Senior que fizeram parte da equipe que elaborou um dossiê para mostrar as práticas desumanas da companhia.
Segundo fontes com acesso aos documentos finais da CPI, não era possível encerrar as apurações ignorando as operadoras de saúde suspeitas de transformar seus pacientes em cobaias de testes macabros sem o conhecimento deles próprios ou das autoridades sanitárias. Entre as vítimas desse uso indiscriminado de medicamentos ineficazes contra covid-19 estavam o médico Anthony Wong, um dos defensores da cloroquina, e Regina Hang, mãe do dono das lojas Havan e influencer do bolsonarismo, Luciano Hang. Ambos foram tratados com o kit covid e morreram no hospital Santa Maggiore, da Prevent Senior. Na última semana, um dos diretores da companhia admitiu na CPI que algumas das certidões de óbito de seus pacientes eram adulteradas e não constavam a real causa da morte: coronavírus. Entre eles estão Wong e Regina Hang.
Entorno familiar de Bolsonaro
Os trabalhos da CPI cercam também o entorno de Bolsonaro. Está em pauta a ligação da segunda ex-mulher de Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, com lobistas que atuavam no Ministério da Saúde. Valle é mãe do quarto filho do presidente, Jair Renan Bolsonaro. Ela teve os sigilos fiscais e bancários quebrados pela Justiça do Rio de Janeiro no escândalo da rachadinha dos gabinetes parlamentares de Flávio e Carlos Bolsonaro, os filhos mais velhos do presidente, que entraram na política pelas mãos do pai. Esse esquema envolvia a retenção de parte dos salários dos funcionários do então deputado estadual Flávio e do vereador Carlos.
Até agora, sabe-se que no período em que Valle e Bolsonaro estavam casados e ela chefiava o escritório dos filhos dele, entre 1997 e 2008, o casal adquiriu 14 imóveis, sendo que cinco deles foram pagos com dinheiro em espécie. Os promotores que atuam no caso suspeitam que parte desses imóveis foi adquirida com o desvio dos vencimentos dos servidores. A CPI quer esmiuçar essas informações e entender qual é a relação da ex-mulher com o Ministério da Saúde. Atualmente, Valle é assessora no gabinete da deputada federal Celina Leão (PP-DF).
Nas últimas semanas, dados compartilhados pelo Ministério Público Federal com a CPI mostram que Valle tentou interferir junto ao lobista Marconny Albernaz de Faria para conseguir cargos para seus indicados no Ministério da Saúde. Faria já depôs na CPI e omitiu qual era o seu relacionamento com a mãe de Jair Renan. Valle, por sua vez, teve seu depoimento aprovado, mas, a princípio, não deve sobrar tempo para ouvi-la. Ainda assim, ela e Faria estarão entre as 300 pessoas que devem ser investigadas no âmbito da crise sanitária. Há ainda 150 empresas entre os alvos dos senadores.