Bolsonaro
Merval Pereira: Catch-22
A escolha do substituto do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde é uma situação típica de Catch-22, expressão muito usada nos países de língua inglesa, especialmente nos Estados Unidos, oriunda de uma lei militar. Dá nome a um livro de Joseph Heller, “Ardil-22” na versão brasileira, que se passa no final da Segunda Guerra Mundial. Segundo o dicionário, caracteriza um problema cuja solução é negada por uma circunstância inerente ao próprio problema. No livro, o piloto que pede uma avaliação psicológica para escapar de missões perigosas de bombardeios estará mostrando sua sensatez e será considerado apto às mesmas missões perigosas.
É preciso mudar a política sanitária devido à repulsa provocada na população, fazendo cair a popularidade do presidente Bolsonaro. Mas como mudar a política sanitária, se o responsável por ela, o próprio presidente, não mudou a maneira de pensar em relação ao distanciamento social, ao uso da máscara ou à vacinação?
Se Bolsonaro escolhesse uma médica como Ludhmila Hajjar, estaria admitindo uma mudança de comportamento. Como não é esse o caso, a indicada pelo Centrão desistiu, incentivada por uma brutal guerrilha digital bolsonarista. O presidente Bolsonaro sempre alega que seus seguidores nas redes sociais são autônomos, não obedecem às suas ordens, o que é meia verdade. Veja-se a atuação do gabinete do ódio de dentro do Palácio do Planalto.
A solução seria escolher uma pessoa ligada a ele, que pensasse como ele, como o novo ministro escolhido, Marcelo Queiroga. Mas, para isso, por que demitir o general Pazuello, que já se humilhou publicamente afirmando, sem que lhe perguntassem, que “um manda, e o outro obedece”? O Centrão, por sua vez, também se encontra numa situação de Catch-22.
Indicou a médica rejeitada pelos bolsonaristas, tendo a demonstração clara de que seu peso político não decide tudo no governo Bolsonaro. Mas como continuar apoiando um presidente que os leva para o precipício da impopularidade, ainda mais agora que outro candidato forte se apresenta, o ex-presidente Lula, a quem já serviram com grandes vantagens? Mas, também, abrir mão das benesses do governo assim, de graça?
Típica situação de Catch-22 é a do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que, vendo que seria derrotado na Segunda Turma no julgamento da suspeição do então juiz Sergio Moro, resolveu chutar o pau da barraca e anulou quatro processos contra o ex-presidente Lula, mandando-os para a Justiça Federal de Brasília.
Como a solução de um problema Catch-22 será sempre negada pelo próprio problema, num conflito mútuo, Fachin pode perder tudo, não salvar a Lava-Jato, que parece ter sido sua motivação para ir para tudo ou nada. Salvar a Lava-Jato anulando as condenações do ex-presidente Lula é uma contradição em termos, pois ele era um símbolo do sucesso da operação de combate à corrupção.
Claro que anular os processos não significa dá-lo por inocente, mas, para efeitos políticos, Lula livre dá no mesmo. Fachin só poderá se livrar desse efeito Catch-22 se o Supremo, mais uma vez, decidir não decidir. O ministro Nunes Marques, que pediu vista do processo, pode ficar eternamente com ele, como o próprio presidente da Segunda Turma, ministro Gilmar Mendes, ficou dois anos até anunciá-lo na reunião da semana passada.
Se fizer isso, é sinal de que tem as costas quentes. Quem lhe esquenta as costas, o presidente Bolsonaro, também nesse caso se encontra numa situação de Catch-22. Para se vingar de Moro, seu inimigo mortal e talvez competidor em 2022, tem que aceitar a liberação de Lula, outro forte candidato contra Bolsonaro. Para se livrar de Lula, precisa que o plenário vote contra Fachin e que Nunes Marques segure o processo de suspeição até que o prazo para registrar candidaturas se esgote. Agindo assim, estará fortalecendo Moro. Difícil combinação, como é difícil, se não impossível, escapar do Catch-22.
Como todo brasileiro, terá que escolher a opção menos ruim para ele. Não foi assim que chegou à Presidência da República, nos colocando, a nós, brasileiros, numa situação de Catch-22? Para melhorar o país, só trocando o presidente. Mas trocar o presidente pode nos levar a uma convulsão social. Melhor deixá-lo sangrar até 2022. Lembram-se de Lula no mensalão?
“Governo Bolsonaro enfrenta dura realidade de manter regras fiscais importantes”
Afirmação é do economista Sérgio Vale, em artigo na revista Política Democrática Online de março
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O economista-chefe da AMB Associados, Sérgio Vale, afirma que o governo Bolsonaro falha ao enfrentar a realidade de manter regras fiscais importantes e, ao mesmo tempo, gerar a estabilidade necessária que acelere o crescimento econômico do país. O analista publicou artigo na revista Política Democrática Online de março.
A revista mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.
“O governo Bolsonaro enfrenta, hoje, a dura realidade de manter regras fiscais importantes e, ao mesmo tempo, gerar a estabilidade necessária que acelere o crescimento”, diz o autor, no artigo da revista online da FAP.
Desconfiança
Na avaliação de Vale, há muita desconfiança quanto à capacidade de o governo de entregar o ajuste fiscal reclamado pela população, assegurando espaço fiscal para o gasto de qualidade em educação e saúde, por exemplo.
“Desde as manifestações de junho de 2013, o Brasil tem passado por série ininterrupta de instabilidades de difícil solução, tanto mais porque as demandas da classe média continuam não sendo atendidas”, observa o economista.
Ele lembra que, em artigo na década de 70, Albert Hirschman criou o conceito de efeito túnel, segundo o qual a classe média ganhou terreno na aquisição de bens com o aumento da renda, mas a contrapartida de serviços públicos de qualidade não seguiu a mesma trajetória.
“É como se, depois das conquistas materiais individuais, tivesse caído a ficha da população quanto à necessidade de demandar serviços públicos de qualidade do governo”, afirma. “Esse foi o grande tema das manifestações de 2013, depois de anos de forte crescimento de renda e do consumo da classe média e da ascensão de parte da classe mais baixa de renda para a classe média”, avalia.
Descontentamento
De acordo com o artigo publicado na revista Política Democrática Online, como a classe média não foi atendida de maneira satisfatória, o descontentamento dela fez crescer a pressão sobre o setor público no sentido da qualidade da prestação dos serviços.
“Só que a conjunção de incerteza, que afugentou investimento e diminuiu o ritmo de crescimento, com a necessidade de responder à população via mais gastos públicos colaborou para agravar a crise fiscal que já se avizinhava. Seria difícil naquele momento de descontentamento da população para um governo de esquerda fazer um ajuste fiscal”, diz.
De acordo com Vale, o país vive no dilema desde então, “com diversos graus de incerteza que foram se acumulando na economia, diminuindo de forma duradoura o ritmo de crescimento, com a população cada vez exigindo respostas eficazes do governo”.
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Valdir Oliveira: O tempo de Cazuza, a escolha de Sofia e a eleição de 2022
O ano era 1988 e o rock brasileiro apresentava mais uma antológica obra-prima de Cazuza. O tempo não para é um desabafo. Cazuza questionava a elite brasileira ao bradar “a tua piscina está cheia de ratos, tua ideia não corresponde aos fatos, o tempo não para”. O tempo cantado era a esperança de mudança para um mundo melhor.
O cansaço das apostas políticas frustrantes se traduz na descrença de dias melhores. Que visão teve Cazuza quando mostrou que sua geração, criada sob a opressão de uma ditadura, quando se libertou, não conseguiu se livrar das mazelas que tanto combateu. A decepção foi revelada com a música Ideologia, quando o compositor diz “o meu partido, é um coração partido”. A inspiração de Cazuza o fazia refletir sobre o paralelo entre um jovem criado numa repressão, com o anseio da liberdade, e um adulto frustrado com a liberdade mal aproveitada por uma abertura política contaminada por velhas práticas. O coração partido do poeta chorava no verso “e as ilusões estão todas perdidas, os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu nem acredito”. É a presença do dilema em nossas vidas, o desafio das escolhas.
Esses dias assisti a um clássico, A Escolha de Sofia. Esse filme eternizou o livro de mesmo nome e faz uma viagem ao holocausto, ao campo de concentração de Auschwitz. Uma polaca, filha de um antissemita, é presa pelos nazistas e mandada ao campo de concentração com seus dois filhos, duas crianças. Com feições arianas e não sendo de uma família judia, Sofia tentou uma condição especial na chegada ao campo de concentração por achar que não se enquadrava no perfil de alvo do nazismo. Mas o sadismo de um oficial nazista impôs à ela uma escolha impossível. Escolher, dentre os dois filhos, qual viveria e qual morreria. Não escolhendo, ambos seriam mortos. A impossível escolha de Sofia.
Um conflito insanável para uma mãe. A vida é permeada de decisões difíceis. A inspiração do poeta Cazuza ensina que a vida, às vezes, toma decisões por cada um de nós, lembrado no verso “Já que eu não posso te levar, quero que você me leve”. A escolha entre caminhos. Não escolhido algum, a vida decidirá.
O ambiente político, nos últimos anos, tem sido contaminado pelo extremismo e pelo ódio. Estamos tomados pela teoria do pêndulo, onde a alternância do poder fica na mesmice, ou como cantou Cazuza “um museu de grandes novidades”. A não concordância com posições nos faz optar pelo extremo oposto, como se não pudesse existir o equilíbrio entre pensamentos e teses distintas. Se não existe uma verdade absoluta, o extremo jamais representará o melhor caminho. Não somos binários. As tradicionais peças do xadrez político nos remetem ao quente ou frio, sem que se possa optar pelo morno. O recado da população foi que mudar é preciso. Os movimentos políticos dos últimos dias colocaram o Brasil na gangorra onde o eleitor estará, novamente, em cima ou embaixo. O equilíbrio é importante para que as eleições de 2022, a festa da democracia, não nos imponham a escolha de Sofia.
O eleitor precisa se transformar no protagonista dessa festa. Caso contrário, será submetido ao interesse dos outros, sujeito a quem faz da política a defesa do interesse próprio. Como diz Cazuza “não me convidaram para essa festa pobre que os homens armaram para me convencer”. Se não tomar a iniciativa, o eleitor pagará a conta, mas não entrará na festa, como Cazuza desabafou na canção, “não me ofereceram nem um cigarro, fiquei na porta estacionando os carros”. Essa é a frustração por deixarmos que os outros decidam o nosso destino. O dilema entre o esperar e o fazer, entre o acomodar e o buscar. A escolha entre passar pela vida ou fazer dela a oportunidade de construir seus próprios sonhos.
Não esperar, não pedir, ir lá e fazer. Essa é a melhor tradução para a palavra mudar. Não é fácil sair da zona de conforto para enfrentar a incerteza de um mundo de injustiças e ingratidões. A definição entre o esperar ou mudar é o que pode evitar a escolha de Sofia. Participar da festa pode ser o caminho de quem não quer decidir entre extremos inconciliáveis. Afinal, já ficou provado que o menos ruim não resolve. O chamado da política consciente deve entrar no jogo de 2022 para que se evite a escolha impossível. O rock marcou as gerações com a irreverência de quem quer mudar, de quem não nasceu para esperar, mas para fazer. Sair da zona de conforto e assumir o protagonismo. A arte de Cazuza nos ensinou a não esperar pela felicidade, mas vivê-la diariamente, como no verso “pro dia nascer feliz, essa é a vida que eu quis”. E qual será a vida que fará cada um, e uma nação, feliz?
Valdir Oliveira é superintendente do Sebrae no DF
Igow Gielow: Pazuello resume o dano que aderir a Bolsonaro causou aos militares
Gestão desastrosa de general é símbolo da adesão das Forças ao governo Bolsonaro
A desastrosa gestão de Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde, ora encerrada, concentra todas as contradições da relação das Forças Armadas com o governo do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro.
General de intendência com três estrelas no ombro, topo de sua carreira, Pazuello gozava de ótima reputação entre seus pares.
Sua fama de coordenador logístico foi criada durante o exercício multinacional Amazonlog-17, em 2017, no qual foi simulado o atendimento humanitário a refugiados nas fronteiras amazônicas do Brasil com a Colômbia e com o Peru.
Ela acabou consolidada na prática, com a Operação Acolhida de refugiados da ditadura venezuelana em 2018, gerenciada por Pazuello.
Foi elogiado efusivamente pelo ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, no seu polêmico livro-depoimento. Para ele, “sem falsa modéstia, [Pazuello] fez com que nos tornássemos referência mundial”.
Na Saúde após a não-passagem de Nelson Teich na esteira da implosão política de Luiz Henrique Mandetta, Pazuello comprovaria o adágio segundo o qual os militares “cumprem missão e resolvem problemas”.
A questão é que o problema estava acima das capacidades do general e a missão, explicitada quando ele baixou a cabeça a Bolsonaro e freou a compra de vacinas no ano passado, estava corrompida.
A adesão tardia à vacinação e ao distanciamento social e o entusiasmo pela coloroquina, por motivação política contra a Coronavac de João Doria ou simples cegueira epidemiológica, ajudaram o país a se tornar um celeiro de variantes mais mortíferas do Sars-CoV-2.
São ao menos dez processos sobre o manejo da pandemia, com a crise de Manaus como seu maior símbolo, que podem colocar Pazuello, e por extensão simbólica os militares, no banco dos réus.
Houve crises secundárias, como a maquiagem de números da Covid-19, a bizarra militarização de postos na Saúde e até a escolha de uma amiga para um cargo comissionado do ministério por Pazuello. Isso tudo temperado pelo tom autoritário em qualquer entrevista coletiva.
Generais da ativa, em campanha para tentar dissociar sua imagem daquela dos fardados no governo, perceberam que o fato de Pazuello não ter ido à reserva cobraria um preço ainda maior da corporação.
Houve todo tipo de pressão para que isso acontecesse, mas o fato é que o militar não só ficou na ativa, mas ainda operou uma tentativa de saída honrosa articulando uma inexistente promoção para a quarta estrela.
Ao fim, com 2.000 cadáveres sendo empilhados diariamente devido à pandemia no Brasil, Pazuello cedeu, assim como Bolsonaro —no caso, à pressão de seus novos amigos do centrão e à entrada avassaladora de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no jogo de 2022.
Para as Forças Armadas, Exército à frente, sobrou o ônus de imagem.
A ideia acalentada pelos militares que viram em Bolsonaro o caminho para a idealização de seu antipetismo e para a redenção final de imagem pela ditadura era a de que forneceriam quadros qualificados para um novo tipo de governo.
Enquanto suas capacidades estavam circunscritas à falta de articulação política ou às ideações paranoides da área de inteligência, o público não tinha muito o que dizer.
Quando a incapacidade ou, na visão de pessoas que o admiram, o respeito à hierarquia de Pazuello se impuseram e legaram o pior da crise ao país, a história é outra.
Pois a adesão a Bolsonaro, descrita de forma didática no livro de Villas Bôas, traz intrínseca uma armadilha: militares são seres que respeitam hierarquias.
Assim, declarações golpistas do hoje vice-presidente Hamilton Mourão foram punidas tanto no governo Dilma Rousseff (PT) quanto no de Michel Temer (MDB).
Quando vários oficiais-generais, da ativa e da reserva, migraram para o governo Bolsonaro, a identificação ficou patente.
A ameaça de crise institucional de 2020, quando Bolsonaro namorou hordas golpistas na rua, engolfou a cúpula militar, Ministério da Defesa incluso.
Como reação àquele momento crítico, houve um afastamento crescente da ativa, culminando numa fala do sucessor de Villas Bôas, Edson Leal Pujol, que parecia ter riscado uma linha divisória no chão.
Pazuello na Saúde apagou tal fronteira. Sua saída deverá facilitar o restabelecimento dela, mas o dano à imagem dos fardados vai demorar muito mais tempo para ser consertado.
Isso se deve às opções feitas sob a supervisão de Villas Bôas, outro ícone militar brasileiro. Essa autocrítica, feita apenas à boca miúda por alguns setores, ainda está para ser feita.
O Estado de S. Paulo: Bolsonaro escolhe médico Marcelo Queiroga como ministro da Saúde
Médico, que entra no lugar do general Pazuello, será o quarto nome a assumir a pasta desde o início da pandemia
Marcelo de Moraes e Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Sob pressão para conter o avanço do novo coronavírus no País, o presidente Jair Bolsonaro decidiu nomear o médico Marcelo Queiroga para o Ministério da Saúde. O presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia vai substituir o general Eduardo Pazuello, demitido depois de acumular desgastes, como a demora para a compra de vacinas e falta de coordenação com Estados no combate à covid-19, e das quase 280 mil mortes causadas pela doença. Queiroga, que é pró-isolamento, será o quarto a assumir o comando da pasta desde o início da pandemia, há um ano.
Ao escolher o cardiologista, Bolsonaro segue uma indicação feita pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho mais velho, após a recusa da médica Ludhmila Hajjar, que era o nome preferido do Centrão e de ministros do Supremo Tribunal Federal, muitos dos quais foram seus pacientes.
Horas antes de o próprio presidente anunciar a troca no pior momento da pandemia, Pazuello fez um desabafo em entrevista virtual na sede da pasta. “Eu não vou pedir para ir embora. Não é da minha característica. Isso não é um jogo, uma brincadeira (para dizer) ‘quero ir embora’. Isso é sério, a pandemia, é o Ministério da Saúde”, disse o general, que havia assumido o cargo em maio do ano passado.
A grande dúvida, agora, é se Queiroga terá autonomia para gerenciar a ação do ministério no enfrentamento da pandemia ou se repetirá o comportamento de Pazuello, que obedeceu às ordens sem questionamento. Embora afirme que seus auxiliares têm liberdade, na área da Saúde o presidente tem atuado como se ele fosse o ministro. Os outros médicos que passaram pelo posto, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, deixaram o cargo justamente por não aceitarem a interferência de Bolsonaro.
A escolha de Queiroga foi anunciada por Bolsonaro após os dois se reunirem no Palácio do Planalto. “Já o conhecia há alguns anos. Não é uma pessoa que tomei conhecimento há alguns dias. Tem tudo, ao meu entender, para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento ao que Pazuello fez até hoje”, disse o presidente ao falar com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. “Paralelamente a tudo isso, o senhor Marcelo Queiroga, médico, também gestor, mas muito mais entendido na questão de saúde”, acrescentou.
Queiroga foi o plano B de Bolsonaro. Só foi escolhido depois da desastrada operação feita para tentar convencer a médica Ludhmila Hajjar a aceitar o cargo. Chamada no domingo para conversar com o presidente no Palácio da Alvorada, a médica passou por uma espécie de sabatina de quase três horas comandada por Bolsonaro, pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e por Pazuello. O ministro já sabia que tinha sido rifado pelo presidente.
Na conversa, Ludhmila passou por momentos constrangedores. Foi questionada sobre defesa de tratamento precoce, incluindo o uso de cloroquina, e ouviu críticas sobre o lockdown praticado pelos governadores. Discordou frontalmente da posição do presidente. Mas precisou falar até mesmo sobre sua posição em relação às armas, numa pergunta feita por Eduardo.
Depois do segundo e rápido encontro que sacramentou a recusa, o governo não esperava que Ludhmila fosse à imprensa e contasse com riqueza de detalhes as razões da não aceitação do convite. A leitura dos aliados do presidente é de que a médica passou a ideia de que recusou o convite porque Bolsonaro seguia intransigente na defesa das suas práticas.
Ligações
O acerto com Queiroga foi mais fácil pela sua proximidade com o clã Bolsonaro. Ele é amigo de Flávio e já havia sido indicado para uma vaga de diretor na Agência Nacional de Saúde Suplementar, mas a nomeação estava parada no Senado. Também fez parte da equipe de transição do governo após a eleição de Bolsonaro, em 2018.
Na prática, a escolha técnica que Bolsonaro fez para o Ministério da Saúde passa por laços familiares. Os três principais nomes cotados para o cargo integram a diretoria da SBC. E lá são colegas de diretoria de Hélio Roque Figueira, sogro de Flávio. Nessa espécie de “clube do coração”, Queiroga é o presidente da SBC, Ludhmila é coordenadora de Ciência, Tecnologia e Inovações e Figueira é coordenador de Assuntos Estratégicos.
Mesmo elogiado pelo presidente na saída, Pazuello sabe que agora precisará lidar com as consequências de sua gestão. Suas ações são investigadas pelo Supremo Tribunal Federal, que apura seus atos e eventuais responsabilidades pela crise generalizada no sistema de saúde. Além disso, fora do ministério, o general perde o foro privilegiado e o caso vai para a primeira instância.
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Entre colegas de Pazuello, saída do ministério seria alívio, mas críticos não acreditam que ela diminua o estrago feito pela pandemia
Caro leitor,
a crise sanitária, as críticas à gestão de Jair Bolsonaro do combate à covid-19 e a decisão do ministro Edson Fachin de anular as sentenças que condenaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reacenderam em generais desvinculados de Jair Bolsonaro o receio do retorno da esquerda ao poder. Alguns procuram se afastar do estigma de terem apoiado um governo que a oposição ora compara ao de Chaves, o coronel que governou a Venezuela, ora ao de outro militar, o general Leopoldo Galtieri, da Argentina.
O prócer do Exército argentino foi responsável por uma das maiores desmoralizações armadas do século passado: a derrota na Guerra da Malvinas. Esse desastre nacional retirou os militares da política do país, depois de a terem dominado por mais de 50 anos, de forma quase ininterrupta. Era 1982. Galtieri lançou mão de uma aposta: a invasão das Ilhas Falkland galvanizaria o país, unindo a nação vizinha em torno de seu governo. Não contava com a resposta britânica. Assim como os coronéis gregos não esperavam a reação turca quando, em 1974, resolveram se envolver na política cipriota.
Na análise dos descontentes com o governo, Bolsonaro e os generais que o apoiam criaram as condições para a crise quando trataram as decisões da Saúde como se nelas houvesse espaço para palpiteiros desinformados e inconsequentes. Nomearam um general amigo, paraquedista como Bolsonaro e tantos outros do Planalto, para cuidar do desafio. A manobra do grupo de amigos da Brigada Paraquedista parecia imaginar que o protagonismo de Eduardo Pazuello daria o crédito pela vitória sobre a pandemia a um general, inaugurando-lhe – quem sabe? – um futuro político, como senador ou governador.
Faltou combinar com o vírus. O Sars-Cov-2 não perdoou o descaso bolsonarista com a doença. Não são poucos os oficiais que se queixam do fato de que mantém em suas unidades protocolos rigorosos de segurança sanitária – ignorados no Planalto pelo presidente e seu entourage. Após um ano de pandemia, dificilmente, cada militar não conhece alguém – familiar ou não – que tenha sido atingido de forma grave pela doença.
Muitos tiveram colegas, amigos e familiares mortos; outros que sobreviveram ao coronavírus estão sequelados, com as perdas parciais da audição, do olfato ou do paladar, além do comprometimento da capacidade pulmonar e de locomoção. O coronel Ubiratan Ângelo, ex-comandante da PM do Rio, perdeu 70% da audição após passar 47 dias internado em razão da covid. Existe quem entrou em coma e dele não saiu até hoje. No Exército, entre os militares da ativa, o total de mortos é de cerca de 40. Mas quem suporta o maior peso da pandemia são os seus 77 mil homens da reserva.
Foi o caso do coronel Fanoel Santos, cavalariano da turma de 1981 da Academia Militar das Agulhas Negras. Ele é lembrado por seus ex-alunos do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), de São Paulo, como um instrutor respeitado, duro, mas que estava sempre ao lado deles nos acampamentos e sabia o que estava fazendo. Com chuva ou frio, motivava a todos em suas “voltas pelo mundo”, da sede do CPOR à marginal do Tietê até retonar ao quartel, em Santana. “Ele era um cara que dava a cara a bater. Isso é uma tristeza para todos que o conheceram”, contou o jornalista Wilson Baldini Júnior, repórter do Estadão que teve Fanoel como seu instrutor em 1986.
Fanoel lutava contra a covid-19 desde dezembro. Tinha 62 anos e apoiava Bolsonaro. A doença o levou há uma semana. Há mortos e feridos aos borbotões pelo País e um general na Saúde e um capitão no Planalto que não visitam os hospitais para agradecer aos médicos e levar conforto aos doentes. Até o general Patton – aquele que esbofeteou um soldado com shell shock e foi interpretado no cinema por George C. Scott – visitava enfermarias para honrar seus heróis. E quem enfrentou o vírus, como pedia o presidente? Que palavra receberam do presidente? Um ‘e daí’? Um ‘eu não sou coveiro’. Eles merecem indiferença? Um líder não pode fazer pouco da vida de seus compatriotas.
Apoiadores de Bolsonaro lotam ruas, festas e praias para depois encher hospitais. Ocupam os mesmos leitos que tratam de quem se contaminou no trabalho ou pelo contato familiar. Ao ver o presidente comparecer de máscara a uma reunião no Planalto, na quarta-feira, um general ouvido pela coluna comemorou. Pensou que, talvez, a novidade sinalizasse para uma Presidência que procuraria a moderação, a fim de recuperar apoios que ameaçam cair no colo de sua nêmesis, o petista Lula. Sua ilusão durou algumas horas. A reação de Eduardo Bolsonaro ao aconselhar um uso heterodoxo das máscaras desvelou outra vez a natureza do governo. É conhecido o brocardo: o fruto não cai longe da árvore.
Se os militares sabem o que esperar de um governo Bolsonaro – aumentos salariais, verbas blindadas, diretorias de estatais e prestígio –, as incertezas sobre o seu futuro fazem com que se interessem sobre o que pensam as outras forças políticas que disputarão com o presidente a eleição de 2022. No PSDB, encontram a defesa da criação de uma Guarda Nacional, o que levaria ao afastamento das Forças Armadas de parte das operações de Garantia de Lei e Ordem. Fernando Henrique Cardoso também já deixou claro que considera um privilégio a manutenção da integralidade e da paridade nas aposentadorias.
E o PT? Em artigo recente, o ex-deputado federal José Genoino afirmou que não “há como separar as Forças Armadas da catástrofe que é o governo Bolsonaro”. Ele defendeu a introdução de uma regra de quarentena para que militares possam ocupar cargos públicos – a medida seria extensiva a juízes e promotores. Ela impediria, por exemplo, não só que Pazuello fosse ministro ainda sendo general da ativa, mas o obrigaria a estar um certo tempo na reserva antes de ocupar a função. A medida encontra apoio de outros líderes do partido, como o ex-governador mineiro Fernando Pimentel.
Não só. Genoino defende a adoção do modelo americano, com cada Força tendo um chefe de Estado-Maior subordinado ao ministro da Defesa, e a criação de uma Guarda Costeira e de uma polícia de fronteiras – como nos EUA –, para retirar as Forças Armadas das ações de Garantia de Lei e Ordem. Há ainda receios entre os petistas de que Bolsonaro se radicalize diante da perspectiva de derrota para um candidato do centro ou de esquerda em 2022. O próprio presidente reforça esse temor, como o leitor viu no editorial Nem o Diabo, publicado na edição de domingo do Estadão.
A crise na Saúde pode não ser suficiente para derrotar Bolsonaro. O desastre militar fez Galtieri perder o poder. Entregar a cabeça de Pazuello para se salvar do pesadelo que seu nome evoca não fará diferença para um presidente que não sabe a distinção entre comandar e governar. É verdade que a retirada do general da Saúde agradaria aos colegas que se incomodam com sua presença no ministério –há semanas já havia até no Planalto quem reconhecesse o erro do governo com as vacinas. Mas isso não encerra a novela, assim como o torpedeamento do cruzador Belgrano não concluiu o drama das Malvinas.
É que Bolsonaro continuará à frente de um governo sem propor nada para deter o vírus que ameaça os brasileiros, além da vacinação atrasada. Resta saber se os generais vão acompanhar o presidente até o fim, apoiando tratamentos sem eficácia científica comprovada e o boicote ao distanciamento social e ao uso de máscaras. O erro nas vacinas causou demora na imunização, abrindo espaço para milhares de novas mortes. Já são quase 300 mil. Não há ministro novo que possa remediá-las. O cardeal Richelieu dizia ser preciso ouvir muito e falar pouco para se agir bem no governo. Definitivamente, este não é o caso de Bolsonaro.
*Marcelo Godoy é jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).
Pedro Doria: Caso da ex-futura ministra da Saúde mostra como opera a rede bolsonarista
O episódio que expôs a médica Ludhmila Hajjar à sede de sangue nas redes sociais de direita ilustra como o lado raiz do bolsonarismo opera. Após a onda de cancelamento digital a qual foi submetida, Hajjar vai informar ao presidente Jair Bolsonaro que não aceitará o convite que lhe foi feito para assumir o Ministério da Saúde, conta Lauro Jardim. Mas até esta sua decisão, vale retomar o que ocorreu.
A notícia de que o ministro Eduardo Pazuello estava de saída já circulava quando Hajjar chegou domingo a Brasília, no início da tarde, para se encontrar com o presidente no Palácio do Alvorada. Ela estava conversando com Bolsonaro quando o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, se manifestou publicamente no Twitter defendendo sua indicação para o cargo.
E foi durante a conversa, também, que, numa onda, começaram a pipocar, a partir de perfis bolsonaristas, imagens de Hajjar com o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, com o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, o vídeo de uma live no Instagram em que ela conversava com a ex-presidente Dilma Rousseff, e o áudio, que tudo indica ser falso, no qual, ainda no início da pandemia, a médica teria chamado o presidente de “psicopata”.
Esta onda não acontece simultaneamente sem ser planejada. É preciso fazer a pesquisa das imagens, o que leva tempo e exige quantidade de pessoas dedicadas nos sites de busca. O áudio, que teria circulado por WhatsApp, é ainda mais difícil de ser localizado. E, se falso, como garante a médica, precisa ser fabricado. O nome da cardiologista, sugerido pelo Centrão como resposta do governo ao discurso pró-ciência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não podia ser recusado de bate-pronto. Era preciso criar uma situação que o tornasse inviável.
Foi o que as redes que o presidente controla fizeram. E fizeram num momento em que ela, reunida com o próprio Jair Bolsonaro, não poderia se defender.
O método de fritura agressiva tem consequências políticas que, com o desgaste do governo neste momento agudo da pandemia, se tornam maiores. O presidente da Câmara dos Deputados se expôs em defesa da cardiologista. Ali está um recado de como Bolsonaro deseja construir o relacionamento com o Centrão. Se não gostar de um dos nomes sugeridos, vai trabalhar para uma humilhação pública. Indicados pelo Centrão, em alguns casos, poderão ver a citação de seus nomes como um presente de gregos para troianos — não sinal de prestígio, mas uma maldição que pode lhes custar caro em suas carreiras.
Só que Bolsonaro precisa mais do Centrão do que o Centrão de Bolsonaro. O método é, politicamente, suicida.
Oliver Stuenkel: Brasil fora da nova construção da ordem global pós-coronavírus
Visto como ameaça tanto no âmbito ambiental quanto no da saúde global, o país vive colapso inédito da sua reputação e influência
Cada geração vivencia momentos históricos que transformam a política global, fechando uma era ou abrindo um novo ciclo geopolítico. Eventos como o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, os atentados do 11 de setembro, a entrada da China na OMC e a crise financeira global de 2008 rearranjaram o tabuleiro global, tanto dando mais espaço a países que conseguiram, por inteligência estratégica ou mera sorte, se adaptar melhor à nova realidade, quanto reduzindo a influência daqueles que não souberam aproveitar o novo contexto. Em momentos nos quais o mundo está em transição, países com lideranças bem-preparadas podem aproveitar para galgar posições, enquanto outros correm o risco de perder relevância.
Com a pandemia do novo coronavírus não será diferente, e já se percebe que alguns países mostram-se mais ágeis e resilientes no combate à covid-19 do que outros. Enquanto Tailândia, Vietnã e Nova Zelândia conseguiram evitar elevadas taxas de infecção, outros, como China e Rússia, estão aumentando sua influência global por meio da “diplomacia da vacina”, oferecendo doses a países em desenvolvimento mesmo antes de completar a vacinação de suas próprias populações.
O Brasil, pelo que tudo indica, é um dos grandes perdedores geopolíticos do momento atual: não apenas saiu da lista das 10 maiores economias do mundo durante a pandemia, mas também vive um colapso inédito de sua imagem diante da estratégia negacionista de seu presidente, abalando a confiabilidade que o país tinha entre seus tradicionais aliados. A reputação brasileira de país com um dos maiores e melhores sistemas públicos de saúde no mundo em desenvolvimento, arduamente construída ao longo de anos, se desfez, ofuscada por um presidente que ocupa regularmente manchetes dos maiores jornais do planeta por seus ataques contra a ciência.
Ainda é cedo para se ter uma noção clara de todas as consequências geopolíticas da pandemia, mas algumas tendências já se destacam. Três questões merecem atenção.
Em primeiro lugar, não há dúvidas de que a saúde global se consolidará como um tema-chave no âmbito multilateral, seja pelo fortalecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), seja pela criação de uma estrutura nova para monitorar o surgimento de futuras pandemias e o desenvolvimento e a distribuição de outras vacinas. Além de se buscar prevenir e combater o surgimento de um novo vírus, cresce a preocupação com as chamadas superbactérias, que resistem a antibióticos e poderiam, segundo estudo encomendado há alguns anos pelo governo britânico, matar milhões de pessoas e “levar a medicina à era das trevas”, como disse Jim O’Neill, coordenador da pesquisa e criador do termo BRICS. Tanto os principais fornecedores de vacinas quanto países que responderam melhor a pandemia devem liderar esse debate. O Brasil, que é visto como uma ameaça global e um possível celeiro de variantes por não controlar a transmissão do vírus, dificilmente terá voz.
Em segundo lugar, uma das tendências mais transformadoras da política global nos próximos anos será a influência do enfrentamento da mudança do clima na política externa das grandes potências —inclusive da China. O atual debate sobre o ecocídio ser ou não considerado um crime internacional, como é o caso do genocídio, é apenas o princípio de uma transformação que mudará a maneira como países pensam seus interesses nacionais e as principais ameaças que enfrentam. Enquanto lideranças políticas brasileiras e das Forças Armadas do Brasil se destacam pelo negacionismo, as Forças Armadas de outros países discutem o tema de maneira frequente há anos —inclusive porque o desmatamento pode aumentar o risco do surgimento de novas pandemias. Da mesma forma que no debate sobre saúde global, o Brasil corre o risco de ser visto como ameaça pela comunidade internacional, reduzindo a possibilidade de tornar-se interlocutor qualificado, consolidando, assim, seu papel de pária.
A terceira grande tendência política no mundo pós-covid-19 será a chegada da chamada guerra tecnológica —a competição tecnológica global entre EUA e China, que se tornou mais visível no Brasil depois de o Governo Bolsonaro sofrer pressão dos EUA para excluir a empresa chinesa Huawei entre as opções de fornecedores na construção da rede 5G. A pressão norte-americana foi seguida de alertas de Pequim, para a qual tal posição seria interpretada como um ato hostil ao governo chinês. Gerenciada de maneira perspicaz, a crescente atuação chinesa na América Latina poderia ajudar o Brasil na gestão da relação com os EUA e vice-versa. Afinal, sempre convém ter alternativas. Porém, como as tensões entre Pequim e Washington no âmbito tecnológico podem levar à criação de duas esferas tecnológicas, uma liderada pelos EUA e outra pela China, manter relações amistosas demandará sofisticação diplomática por parte do Brasil. O Governo Bolsonaro, no entanto, escolheu o pior dos mundos: depois de Bolsonaro se posicionar publicamente a favor dos EUA, viu-se obrigado a permitir, de última hora, a participação da Huawei na corrida pela rede 5G quando aumentou a pressão pública por ganhar acesso a vacinas chinesas contra a covid-19. Tanto em Washington quanto em Pequim, observadores ficaram com a impressão de que a atuação externa do governo Bolsonaro não se baseia em um planejamento estratégico, mas é curto-prazista e imprevisível. O presidente conseguiu a proeza de ter saído do episódio com a relação abalada tanto com Washington quanto com Pequim.
Em meio a essas transformações que moldarão os fundamentos da era pós-pandemia, está nascendo uma ordem global diferente, produto de decisões das principais lideranças da atualidade. Enquanto os EUA pagavam um preço desproporcional por ter uma liderança incapaz de gerenciar a pandemia até recentemente, a atual administração já está conseguindo conter os danos, implementando um dos melhores programas de vacinação do mundo. No caso brasileiro, a troca do atual presidente em 2022 seria o primeiro passo para começar a controlar o prejuízo e reverter o colapso inédito da reputação e influência brasileira no mundo.
Oliver Stuenkel é doutor em Ciências Política e professor de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel
Monica de Bolle: Os desafios do Brasil aquém e além da pandemia
Ou se aceita que a escolha de gastar para salvar vidas requer abrir mão do que se reconhece como sendo fiscalmente responsável, ou se permite o alinhamento com bolsonaristas
Os desafios a que me refiro no título deste artigo não são nem os da saúde pública, que são imensos, nem os econômicos, também enormes. Em momento sombrio da história brasileira, dou um passo para trás em um esforço para perceber mais claramente os desafios que a sociedade brasileira já havia criado para si com a eleição de Bolsonaro em 2018 e que foram agravados pela pandemia. Podemos dividir o país em dois campos, como é mais habitual: de um lado, figuram os bolsonaristas; de outro os que a elem se opõem. Mas vale tentar ir além do binarismo, para contemplar nuances que já eram visíveis em 2018 e ficaram mais explícitas no decorrer do último ano.
Há os bolsonaristas. Eles possuem uma linguagem própria, e este elemento merece atenção porque o bolsonarismo se define menos por uma ideologia do que por estratégias de comunicação que ou apresentam a violência ou repõem a sua potencialidade. Não menos importante, o bolsonarismo é antipluralista. É antipluralista em relação à vida social, como fica claro quando contemplamos a sua relação com minorias; na política, como podemos ver, sugere a ilegitimidade de seus adversários, desde a sua perspectiva; nos valores, o que notamos quando atentamos para os seus operadores (”cidadão de bem”, “humanos direitos”, “a família brasileira”) e no plano das ideias. Falas bolsonaristas, como são as do presidente, deixam ver práticas patriarcais longamente constituídas. Para ilustrar com uma manifestação recente: contestando medidas que governadores tentam implementar, o presidente afirmou em uma mídia social que “atividade social é toda aquela necessária para um chefe de família levar o pão dentro de casa”. O viés do bolsonarismo também é nitidamente colonialista, como se nota em sua relação com povos indígenas, com esboços de defesa ou justificação do desmatamento em nome do “desenvolvimento”.
Se o bolsonarismo é antipluralista, o antibolsonarismo seria pluralista. compreende o antirracismo, o feminismo e sua luta mais que secular no Brasil pelos direitos das mulheres, a igualdade de todos os seres independentemente de gênero ou orientação sexual, o rechaço à desigualdade e a contestação de uma democracia universal na forma, mas restrita na vida, em que negros e pobres são tratados como não-cidadãos, ou cidadãos de segunda classe. O pluralismo percebe o traço autoritário na operação de uma lógica absolutista e que instrumentaliza a razão em causa própria. A razão assim instrumentalizada é cerceada. Ser pluralista, ao contrário, é manter-se aberto aos conflitos trazidos pela abertura ao real e os questionamentos dos pressupostos que a realidade suscita. O pluralismo supõe uma abertura que é antagônica a tudo o que é estático.
O antagonismo do pluralismo ao que é estático ficou em evidência maior na pandemia, um evento cujo ineditismo não permite que permaneçamos apegados a conhecimentos estabelecidos e formas de ordenar o mundo informadas por experiências passadas. A pandemia fez ver. Fez ver o tamanho da desigualdade, a inadequação da política econômica, o desconhecimento científico da população, o sofrimento, a vida e a morte. Esses aspectos da realidade brasileira ficaram tão visíveis, tão despidos de construções e fantasias, que o inaceitável ―para o campo pluralista― passou a ser permitir que o mundo não fosse visto por determinados grupos da sociedade.
Mas, nas fraturas da sociedade brasileira, há ainda outro grupo: aquele formado por pessoas que se declaram antibolsonaristas, mas, ao encontro com o real, não resistem a se agarrar a um conhecimento estabelecido, mantendo intactos os seus pressupostos, sem reexaminá-los. É o que chamo, hoje, de relação absolutista com a racionalidade, que faz certa razão aparecer como antipluralista. Esses atores políticos percebem a importância das causas do pluralismo e as abraçam. Porém, o antipluralismo embutido na forma como entendem a relação de especialistas com o público torna algumas de suas práticas compatíveis com o bolsonarismo. Sendo preciso dar-lhes um nome, proponho chamá-los de “anti-anti”.
Eles estão presentes na economia, mas não só: os antibolsonaristas e antipluralistas aparecem à luz do público, eventualmente. São pessoas bem intencionadas, de diferentes gerações, que defendem causas a meu ver justas, tais como a renda básica, a redução da pobreza e das desigualdades, mas que ao mesmo tempo não se dão conta de que defendê-las pode implicar abrir mão de certas crenças e pressupostos. Na economia, o pressuposto mais hostil a dúvidas, e proveniente do conhecimento estabelecido a partir de experiências passadas, é o de que a responsabilidade fiscal é um valor inegociável, ainda que a realidade o exija, em uma crise humanitária e com um governo que atua por ação e omissão para deixar morrer e fazer morrer. No mundo dos anti-anti, a defesa da igualdade de acesso e o inevitável choque com aquilo que consideram fiscalmente responsável estão em planos distintos, correm em paralelo. Mas a realidade não permite que se opere em planos paralelos. Ao contrário, ela coloca esses planos em rota de colisão: ou se aceita que a escolha de gastar para salvar vidas requer abrir mão do que se reconhece como sendo fiscalmente responsável, ou se permite o alinhamento com bolsonaristas.
Evidente na economia, tal absolutismo é difuso. No jornalismo opinativo ―nos editoriais ou nas colunas de opinião― a construção de um mundo que não tem relação com a realidade está igualmente presente. Constroem-se argumentos para sustentar essa ou aquela tese com base em uma dissociação da realidade. Temas que tentam reconstituir uma realidade que deixou de ser com a pandemia dão a tônica à representatividade dos veículos de comunicação. Aceita-se de bom grado o absolutismo econômico, científico, ou seja lá qual for, ainda que se manifeste uma opinião contra o Governo, contra o presidente da República. A imprensa que se permite tratar o mundo real com demasiada maleabilidade, ou negligenciá-lo, para habitar esse outro construído valida o bolsonarismo sem querer fazê-lo: é anti-anti pelo que deixa ver, pelo que faz não ver.
Está posta, assim, a tragédia do Brasil atual: atores importantes da sociedade não enxergam, em suas construções e atitudes, pontes para a perpetuação do antipluralismo bolsonarista. Esses grupos preferem desqualificar aqueles que estão com os pés na realidade, tentando dar conta de um mundo repleto de fraturas, de descontinuidades, que requer novas ideias e o livre pensar, ou o que Hannah Arendt chamou de pensar sem corrimão. Preferem tudo isso a enxergar insuficiências e inadequações do conhecimento que nos foi legado. No limite, e nós nos encontramos em alguns limites, tornam-se facilitadores, conscientes ou desavisados, da franca decadência moral que marca um país que se recusa a chorar pelos seus mortos, seus doentes, seus destituídos.
Monica de Bolle é economista, PhD pela London School of Economics e especializada em medicina pela Harvard Medical School. É professora da Universidade Johns Hopkins, pesquisadora-Sênior do Peterson Institute for International Economics e mestranda em Imunologia e Microbiologia na Georgetown University.
Bruno Carazza: Mais próximo do que se imagina
Autonomia exige cautela de presidente do BC
No seu discurso de fênix na quarta (10/03), Lula disse não saber por que o mercado deveria ter medo de sua volta ao poder, diante de tudo o que ele e o PT fizeram pelo empresariado. Em resposta à repórter Cristiane Agostine, do Valor, porém, deixou explícita uma exceção: “Eu era e sou contra a autonomia do Banco Central. É melhor o Banco Central estar na mão do governo do que estar na mão do mercado. [...] A quem interessa essa autonomia? Não é ao trabalhador urbano, não é ao sindicalista, é ao sistema financeiro”.
Embora real, o risco de captura de órgãos reguladores por representantes de empresas é difícil de ser comprovado. Seguir os caminhos do dinheiro, mapeando doações de campanhas, ajuda bastante. Monitorar agendas públicas e verificar com quem eles se sentam à mesa também. Outra estratégia que costuma funcionar é observar o movimento das portas giratórias da administração pública, quando agentes do mercado são nomeados para cargos nas agências reguladoras e, depois de um tempo, retornam aos antigos empregadores.
O pesquisador David Finer, da Chicago Booth School of Business, deu um passo além. Utilizando a Lei de Acesso à Informação de Nova York, teve acesso a dados anônimos de mais de um bilhão de viagens de táxi ocorridas na maior cidade dos Estados Unidos entre 2009 e 2014, incluindo as coordenadas de GPS, data e horário do início e do fim de cada deslocamento.
Interessado em mapear o relacionamento entre funcionários do Banco Central americano e executivos das grandes instituições financeiras, Finer analisou cuidadosamente os padrões dos trajetos dos famosos táxis amarelos entre o prédio do FED, na 33 Liberty Street, e as sedes de gigantes como Bank of America, Citigroup, Goldman Sachs e Morgan Stanley. Lembrando que os encontros também podem se dar fora dos escritórios, o pesquisador incluiu no seu rastreamento as viagens que partiam de ambos os endereços para um terceiro destino (que poderia ser um restaurante ou um bar, por exemplo) num curto espaço de tempo.
Buscando minimizar o risco de vazamento de informações que podem abalar o mercado (e enriquecer muita gente), o FED impõe restrições a seus diretores e funcionários, como um período de silêncio em que são proibidas reuniões com o público externo e declarações à imprensa nos dias que antecedem os encontros do Comitê de Política Monetária (o FOMC, na sigla em inglês).
Após garimpar uma montanha de dados, Finer obteve evidências de que as movimentações entre as sedes do FED e dos bancos, ou de ambos para centros de lazer e alimentação, se intensificam na proximidade das datas em que as taxas de juros básicas são estabelecidas, particularmente no horário de almoço. Há também um aumento atípico nas corridas entre os mesmos destinos nas primeiras horas da madrugada após o encerramento do período de silêncio - o que sugere uma busca de integrantes do mercado por explicações sobre as decisões tomadas pela autoridade monetária.
Com uma metodologia inovadora, a pesquisa de David Finer aponta para a necessidade de se aprofundar os instrumentos para que a independência dos Bancos Centrais seja para valer e valha para ambos os lados - perante o governo e o mercado.
No Brasil, depois de pelo menos duas décadas de discussão legislativa, somente no final do mês passado a autonomia operacional do Bacen virou lei. Embora nosso Banco Central já tenha incorporado muitas das melhores práticas internacionais, como o próprio período de silêncio antes das decisões do Copom, ainda temos um longo caminho a percorrer para torná-la efetiva.
Não é preciso GPS para observar que são cada vez mais frequentes os deslocamentos feitos pelo presidente Roberto Campos Neto entre o Setor Bancário Sul, onde se localiza a sede do Banco Central, e a Praça dos Três Poderes, para atender a chamados de Jair Bolsonaro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.
É bem verdade que o BC brasileiro possui atribuições que extrapolam aquelas típicas de uma autoridade monetária - como a regulação e a fiscalização do sistema financeiro - e a nova Lei Complementar nº 179/2021 ainda exige que a instituição zele para suavizar as flutuações da atividade econômica e fomente o pleno emprego, ao lado de manter a inflação sob controle. Tudo isso acaba exigindo que o presidente do Bacen compareça ao Palácio do Planalto ou ao Congresso Nacional para prestar contas de suas decisões.
O grande problema é que Roberto Campos Neto, pela sua capacidade técnica e habilidades interpessoais, tem entrado de cabeça na negociação política da agenda econômica do governo - e com isso tem avançado perigosamente a linha de independência exigida de um central banker.
Na semana passada, quando o governo se dividia entre as votações da PEC Emergencial e as tratativas com a farmacêutica Pfizer para a compra de um novo lote de vacinas, Roberto Campos Neto esteve duas vezes com Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Além disso, visitou o presidente da Câmara em sua residência oficial para convencer diversos deputados da necessidade de aprovação de dispositivos de ajuste fiscal como contrapartida à nova rodada do auxílio emergencial.
Não há dúvidas que o presidente do BC tem um excelente trânsito com os parlamentares e tem se mostrado um ativo valioso do governo para construir pontes e aparar as arestas, muitas vezes afiadas, criadas por Paulo Guedes nas suas relações com o Congresso. Mas não pode se prestar a esse papel, sob pena de perder sua credibilidade.
Caso queira continuar contando com a capacidade técnica e o fino trato do neto de Bob Fields nas negociações de sua agenda econômica, Bolsonaro tem uma saída. O art. 8º da lei da autonomia lhe deu 90 dias para referendar a atual diretoria do Bacen e empossá-los nos novos mandatos.
Com os rumores cada vez mais constantes de que Paulo Guedes balança no cargo, de repente a solução para uma transição suave, que não assuste o mercado e ainda agrade ao Centrão, está mais próxima do que se imagina. Nem precisa chamar um táxi.
Celso Rocha de Barros: Como Bolsonaro reagirá a Lula?
Presidente dirá que causou a recuperação gerada pela vacinação que sabotou
Como disse em meu artigo publicado na Ilustríssima, a entrada de um Lula moderado na disputa eleitoral de 2022 mudou completamente o quadro político brasileiro. Lula moderado é um polo de oposição muito mais forte do que os que havia até agora. O choque, inclusive, levou o “centro” a acelerar suas articulações por uma candidatura competitiva. Como a extrema direita que governa o Brasil desde 2019 vai reagir?
No dia do discurso de Lula, a reação de Bolsonaro foi de evidente terror. Pela primeira vez em muito tempo, apareceu de máscara em uma solenidade pública. Não tenho nenhuma dúvida de que seu pessoal nas redes sociais notou que as declarações ponderadas de Lula sobre vacinas e máscaras foram bem-recebidas pelo público.
Seria maravilhoso se a ameaça Lula forçasse Bolsonaro a finalmente começar a se comportar como presidente da República, mas talvez seja tarde demais. Se Jair acordou na quinta-feira decidido a se comportar como um estadista responsável para derrotar Lula, imediatamente deve ter percebido que o Jair de 2020 não comprou as vacinas que um Jair responsável de 2021 teria que aplicar. Como a única outra alternativa de combate à Covid-19, o lockdown, prejudicaria o Jair candidato de 2022, não sobrou nada de responsável para qualquer Jair fazer no Brasil da pandemia.
Sempre trabalhando com a premissa testada e provada de que Bolsonaro não fará a coisa certa, o que lhe restará? No momento, seu plano parece simples: incapaz de achar um cenário de combate à pandemia que lhe beneficie eleitoralmente, Bolsonaro vai deixar os brasileiros morrerem na fila da UTI e falar de outra coisa.
Jair sabe que sua popularidade vai cair, mas aposta que não chegará a níveis de rejeição que o tornem eleitoralmente inviável. E conta que a vacinação, eventualmente, permitirá a recuperação econômica antes da eleição.
Se você quer fazer uma aposta sem qualquer chance de perder, aposte que Paulo Guedes e Bolsonaro vão dizer que causaram a recuperação econômica gerada pela vacinação que sabotaram desde o início.
O que é muito menos seguro é cravar se Guedes dirá isso como ministro ou como ex-ministro. Bolsonaro certamente gostaria de substitui-lo por um ministro gastador, mas o resultado eleitoral seria incerto. Certamente haveria turbulência no mercado, ela bateria no dólar, o dólar bateria nos preços, os preços bateriam nos juros, e os juros bateriam no desempenho econômico. Talvez isso melhorasse com o tempo, mas Bolsonaro tem cada vez menos tempo até a eleição.
A única certeza sobre isso tudo é que Jair Bolsonaro não perderá eleição para agradar a turma de Guedes.
Mas a maior certeza sobre o que Bolsonaro fará agora que a competição eleitoral ficou mais acirrada é que jogará muito, muito sujo.
Causará estrago enorme ao Brasil. Voltará a ameaçar golpe de Estado —já o fez na live de quinta-feira— aparelhará as Forças Armadas, destruirá a credibilidade de órgãos públicos, atacará a imprensa livre, disseminará notícias falsas, incentivará o conflito e a instabilidade social, enfim, fará o Brasil pagar o preço de não tê-lo impichado.
Mesmo para gente que já se comportou com dignidade em outros momentos da vida, é difícil fazê-lo na hora da derrota. Imaginem para Jair Bolsonaro.
Alon Feuerwerker: Mar das dúvidas
A decisão do ministro Edson Fachin de anular as sentenças contra Luiz Inácio Lula da Silva, por considerar que as acusações não tinham conexão com a Petrobras, deu uma antecipada no calendário eleitoral e acendeu incógnitas na cabeça dos concorrentes do PT em 2022.
O petismo é o único que parece não ter dúvida: se Lula puder concorrer, e quiser, o candidato será ele. E, aparentemente, o PT ainda não deu sinais de estar matutando sobre os detalhes da escolha. Primeiro, vai ser preciso ter certeza de que a decisão de Fachin continua como está.
Pois o jogo ainda corre aberto, como evidenciou a parada no julgamento da suspeição de Sergio Moro pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal. E do atual STF nada que venha será surpresa.
Lula parece beneficiar-se momentaneamente de um certo “equilíbrio do terror”. Mesmo se o plenário do Supremo reverter a decisão de Fachin, continuará o risco de a Segunda Turma declarar Moro suspeito, e aí desencadear um terremoto sob os pés da Lava-Jato.
Desta vez um grande.
E com Moro declarado suspeito cairiam também as condenações de Lula.
Se a decisão de Fachin é mantida, e impede-se a Segunda Turma de prosseguir no julgamento da suspeição de Moro, salva-se (momentaneamente?) a Lava-Jato. Mas Lula fica com caminho aberto para 2022. A não ser que volte a receber condenação pelo menos em duas instâncias até lá. Difícil.
E se o STF não reverte o que Fachin decidiu, mas tampouco impede a Segunda Turma de concluir o julgamento da suspeição? Aí juntar-se-iam a fome e a vontade de comer. Qual será a probabilidade de vingar este cenário maximalista?
Tem também a hipótese minimalista. O plenário reverte a decisão de Fachin e a Segunda Turma ou não declara Moro suspeito ou simplesmente não decide nada sobre isso até que passe a eleição de 2022. Será um jeito de tirar Lula de novo da corrida.
Aguardemos. Entrementes, algumas forças políticas quebram a cabeça sobre o que fazer. O movimento mais visível é a tentativa de agrupar o “nem-nem”, os políticos que não querem nem o petista nem Jair Bolsonaro. A dificuldade aí não é saber o que não querem, mas o que querem.
Além do poder, claro.
Se bem que em outros momentos da história agitar uma rejeição foi suficiente para fazer valer alternativas políticas programaticamente nebulosas. Aliás, o Brasil está cheio de casos. O antimalufismo, por exemplo, foi vaca leiteira para muita gente boa por pelo menos duas décadas.
A dificuldade do dito centro parece residir no enigma não decifrado de 2018, e que o levou à catástrofe eleitoral: quando o gato quer caçar dois ratos, como fazer para não escaparem os dois? Desta vez, o discurso “contra os extremos” vai sensibilizar as massas?
Ou seria preferível escolher um adversário principal e apresentar-se como a melhor opção disponível para derrotá-lo? Bem, esse é um problema para os especialistas destrincharem. Enquanto isso, Lula vai agregando simpatias, ou pelo menos reduzindo antipatias, por gravidade.
E tem Jair Bolsonaro. Ele não está num momento confortável em popularidade, mas a agenda econômica parece ganhar tração no Congresso e a vacinação promete entrar em certo ritmo entre este mês e o próximo. E o Brasil inteiro quer que a vacinação funcione.
E tem Sergio Moro, que também está elegível.
E a eleição não é agora. É só em outubro de 2022.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação