Bolsonaro
Bruno Boghossian: Aparato de intimidação de Bolsonaro reflete governo enfraquecido
Ministério persegue críticos do presidente e estimula polícias a seguir diretriz
O governo criou um aparato para perseguir críticos de Jair Bolsonaro. O Ministério da Justiça, a Polícia Federal, o Ministério da Educação, a Controladoria-Geral da União e polícias locais já foram atrás de gente que chamou o presidente de genocida ou de "pequi roído". Não é coincidência, é doutrina.
A política oficial desceu dos gabinetes de Brasília para os quartéis. Nesta quinta (18), um grupo foi detido pela Polícia Militar da capital por estender um cartaz que criticava Bolsonaro e o associava a uma suástica. Os agentes viram uma ameaça à segurança nacional e levaram os manifestantes para a Polícia Federal. Eles foram liberados porque o delegado viu o óbvio: não havia crime.
As polícias locais não têm competência para investigar infrações à ordem política e social, como as previstas da Lei de Segurança Nacional. Ainda assim, outras autoridades nos estados passaram a lançar acusações contra críticos de Bolsonaro.
No Rio, a Polícia Civil intimou o youtuber Felipe Neto por ter se referido ao presidente como genocida. A juíza Gisele Guida de Faria reconheceu que um delegado estadual não poderia abrir o caso e mandou suspender a investigação.
A inspiração partiu do Ministério da Justiça. A pasta já acionou a Polícia Federal para investigar jornalistas, advogados e outros críticos do presidente. Num dos casos, o ministro André Mendonça ficou incomodado com o autor de um outdoor em Palmas que dizia que Bolsonaro valia menos do que um "pequi roído".
Boa parte desses procedimentos deve ser barrada na Justiça ou acabar numa gaveta, mas o objetivo não é levar a investigação adiante. A ideia é acuar os críticos de Bolsonaro e estimular a polícia dos estados a seguir essa diretriz, mesmo que cometa abusos no caminho.
A campanha reflete a essência autoritária do bolsonarismo, que busca um dispositivo da ditadura para calar desafetos. Mas o movimento também revela o medo de um governo fragilizado. Nenhum presidente forte precisa intimidar seus críticos.
Vinicius Torres Freire: Comando do Congresso se torna cúmplice do matadouro de Bolsonaro
Em um país sob risco de ficar sem remédio e UTI, lideranças não reagem a Bolsonaro
No dia mais sombrio da epidemia no Reino Unido, soube-se da morte de 1.253 pessoas. Quer dizer, mais de 18 britânicos mortos por milhão de habitantes do país. No Brasil, seria o equivalente a 3.913 mortes, considerada apenas a diferença de tamanho da população, sem outros ajustes estatísticos. O Reino Unido levou mais de 20 dias para reduzir o número de mortes diário à metade.
No Brasil de agora, anotamos nas nossas lápides mais de 2 mil mortos por dia. Isto é, mais de 9 mortos por milhão de habitantes (na média móvel de sete dias). Algo menos que os picos da Alemanha em janeiro, da Espanha em fevereiro ou da França em novembro. Esses países levaram mais de um mês para reduzir o morticínio à metade. Isso porque, mal ou bem, têm governo. E aqui?
Por sabotagem de Jair Bolsonaro, pela pobreza, pela desigualdade ou por diferenças na interação social, as medidas de restrição tendem a funcionar menos. Mesmo se a onda de mortes diminuísse como nos grandes países europeus, ainda teríamos mil mortes por dia em meados de abril. Mas o Brasil nem sabe se chegou ao pico do monte diário de cadáveres. No presente ritmo da epidemia e pelo número de leitos por ora disponível, não haverá mais UTIs em uns dez dias, antes do fim de março.
O clamor do desastre era alto nesta quinta-feira. Os remédios necessários para entubar os doentes estariam para acabar em 20 dias, noticiou Mônica Bergamo nesta Folha. Associações de prefeitos, de secretários de saúde, de hospitais privados, de farmacêuticos ou de médicos intensivistas avisavam do colapso dentro do colapso. A cidade de São Paulo vai praticamente parar na segunda quinzena de março, pelo menos (a economia paulistana faz 11% do PIB do país).
O Brasil vai para o matadouro bolsonariano quase em silêncio político, sem reação maior de sua elite. Os governadores tentam administrar a crise, na ausência de governo federal, isso quando não têm de se defender na guerra civil midiática promovida por Jair Bolsonaro. Os estados tentam articular uma vaga e frágil tentativa de coordenação nacional. Mas parece haver um acordo para evitar o confronto com o genocida.
As lideranças do Congresso estão à beira de se transformar em cúmplices de Bolsonaro. Os presidentes de Câmara e Senado contemporizam e querem manter de pé o acordão que os colocou nos comandos do Parlamento.
Rodrigo Pacheco (DEM-MG), do Senado, fez declaração protocolar de interesse de agir: “Sentar à mesa, planejar e agir o mais rapidamente possível. Isso é fundamental! A situação crítica do Brasil exige a coordenação do presidente da República, ações do Ministério da Saúde e toda colaboração dos demais Poderes, governadores, prefeitos e instituições”.
Arthur Lira (PP-AL), da Câmara, menos do que isso: “Os brasileiros precisam ter esse conforto, e nós precisamos evitar essa agonia e esse vexame internacional... Então nós temos, sim, que nos unir, sem estar apontando justamente culpados”.
Isso é conversa fiada.
Parece que o apoio restante a Bolsonaro, 30% do povo, serve de baliza para justificar a contemporização oportunista com a morte, ao menos na política de governistas, agregados ou cúmplices. O possível efeito de uma convulsão política na economia, afora os colaboracionismos animados, parece o motivo do imobilismo da elite econômica. A morte tem um preço que, parece, vale pagar.
Não é fácil entender os motivos da apatia ou da cumplicidade. Mas era certo que neste 18 de março de 2021, o Brasil se dirigia quase sem reação para o abatedouro de Jair Bolsonaro.
Fernando Abrucio: Bolsonaro é o adversário do centro
O cenário mais provável para 2022 é de um peso enorme para o antibolsonarismo
A volta de Lula para a ribalta da política fez as peças do tabuleiro de 2022 se mexerem. O primeiro a sentir essa mudança foi o presidente Bolsonaro, que colocou até máscara e teve de trocar o ministro da Saúde, mais pelo discurso de São Bernardo do que pelas mais de 270 mil mortes causadas pela covid-19. Já a oposição de Centro ficou muito abalada pela decisão do STF e reagiu na linha do antipetismo. É natural que a maioria dos contrários ao PT reagisse negativamente, inclusive Ciro Gomes, que terá de conquistar boa parte da centro-esquerda. Passado o choque inicial, deveria vir o diagnóstico eleitoral. Neste ponto, uma coisa é clara: o principal adversário do Centro é Bolsonaro.
Entender quem é seu oponente central e descobrir como enfrentá-lo são os dois passos estratégicos para quem quer entrar na disputa política. O posicionamento de Bolsonaro e do lulismo no jogo político está bem claro. Ainda há dúvidas sobre como Ciro Gomes vai se reposicionar. Mas a maior incógnita está no Centro oposicionista (em contraposição ao Centrão), que congrega vários partidos e candidatos com pretensões presidenciais, tem importantes governos estaduais e capitais em suas mãos, além de ter um suporte de importantes grupos sociais. É um cabedal político muito forte, mas que por ora está fragmentado e não consegue produzir um projeto eleitoral nítido.
O discurso contra a polarização gerada pelo bolsonarismo versus o lulismo serve para criar uma identidade, mas é claramente insuficiente para se vencer a eleição. Três razões embasam esse argumento. A primeira é que o jogo político da redemocratização tem se organizado de forma polarizada, no sentido estrito da ciência política: duas forças têm predominado na eleição presidencial, com pouco espaço para uma terceira via.
Na primeira eleição direta da redemocratização, houve uma grande dispersão no primeiro turno, particularmente porque os partidos estavam ainda se organizando e se posicionando frente à sociedade. Foi só depois do impeachment do presidente Collor que se estruturou o eixo polarizado do sistema político brasileiro. Assim, de 1994 a 2014, a disputa presidencial brasileira foi orientada pela competição entre PSDB e PT. Ou, nos termos do excelente livro de César Zucco e David Samuels (“Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: Voting Behavior in Brazil”), criou-se uma dicotomia entre petismo e antipetismo que estruturou as preferências dos eleitores por pelo menos 20 anos. Em todas as eleições presidenciais da redemocratização, o Partido dos Trabalhadores esteve no segundo turno, perdendo em quatro ocasiões (1989, 1994, 1998 e 2018) e ganhando nas outras quatro vezes (2002, 2006, 2010 e 2014).
A força petista, bastante vinculada à liderança do ex-presidente Lula, é algo que tem levado os demais grupos políticos a lutar para ser o outro lado desse jogo. Seguindo essa lógica, o Centro disputa com Bolsonaro para ver quem será o adversário do petismo. Esse raciocínio foi esquecido por muitos analistas políticos e, especialmente, por lideranças centristas de oposição. Talvez estivessem pensando que tal fator não apareceria mais em 2022, pois o antipetismo cresceria de tal forma que a escolha seria de um nome não-petista para competir com Bolsonaro.
E aqui entra a segunda razão pela qual o Centro tem de ir além da narrativa da polarização entre PT e Bolsonaro: o principal eixo da eleição de 2022 será o antibolsonarismo, do mesmo modo que a disputa presidencial de 2018 teve no antipetismo sua peça-chave. A crise atual é imensa, mas claro que o governo pode se recuperar às vésperas do pleito. Só que o cenário político aparenta ter mais pedras e espinhos no caminho bolsonarista do que esperança de uma reeleição tranquila.
A lista de fatos problemáticos para o governo é extensa. A crise da pandemia terá seus piores momentos nos próximos três meses, quando a cobertura vacinal será muito baixa e não haverá ainda vacinas para um bom contingente da população. As mortes se multiplicarão e serão cada vez mais dramáticas, como foram em Manaus. Num cenário como esse, além da revolta de boa parte da população com o fracasso da política de saúde, não há a menor chance de a economia andar no primeiro semestre. O auxilio emergencial agora será bem menor e a popularidade obtida no ano passado não se repetirá.
Nos próximos meses, incluindo o início do segundo semestre, Bolsonaro perderá muita popularidade. Não se sabe ainda qual é o seu piso, mas se chegar mais próximo dos 20%, o Centrão cobrará caro para evitar o impeachment ou a transformação do presidente num “lame duck” (pato manco), sem autoridade até com quem lhe serve o café. Esse preço causará mais danos sobre a imagem presidencial, bem como uma possível piora na parte fiscal. Tudo isso num contexto em que os juros poderão subir para se evitar a inflação, em que o dólar não vai cair porque o descrédito do Brasil só acabará com uma mudança radical desse governo (algo difícil de acontecer) ou quando assumir o próximo.
O aumento da cobertura vacinal e o impulso econômico vindo de fora poderiam ser dois empurrões para a recuperação econômica brasileira e, com isso, o presidente poderia subir novamente nos indicadores de popularidade. É uma hipótese possível, mas que ainda terá que competir com vários escândalos envolvendo a família Bolsonaro e que vão assombrar o Planalto até o fim do mandato. Soma-se a isso o fracasso em outras áreas de políticas públicas, como educação, meio ambiente e garantia de direitos humanos nas questões de gênero e raça, para não falar do sepultamento de qualquer política anticorrupção.
Todos esses fatos tendem a levar um grande contingente de eleitores a não votar em Bolsonaro, mesmo que ocorra alguma bonança econômica, até porque esta será suave e sem as proporções de um Plano Real ou do desempenho do segundo governo Lula. Neste sentido, uma eventual reeleição de Bolsonaro tenderia a ser mais parecida com a de Dilma, isto é, de alguém que ganha com uma diferença ínfima e que teria uma altíssima rejeição, inclusive de grupos com forte capacidade de mobilização. Uma vitória assim é a antessala para a ingovernabilidade, como já vimos por duas vezes desde a redemocratização.
O cenário mais provável para 2022, portanto, é de um peso enorme para o discurso antibolsonarista. Isso não impede Bolsonaro de chegar ao segundo turno, do mesmo modo que o PT foi para a disputa final em 2018 quando foi o auge do antipetismo. Mas, nesta situação, Bolsonaro e suas ideias se transformam no espantalho a ser batido. Quem percebeu isso? Lula, muito mais do que o PT, e num só discurso se colocou como mais antibolsonarista do que o Centro em dois anos de mandato. Ao fazer esse movimento, o ex-presidente tornou-se o líder mais apto a conquistar o eleitorado mais de centro-esquerda e os eleitores das classes D e E. Se o centrismo de oposição não radicalizar seu viés contrário ao presidente da República, inclusive encampando o impeachment ou atuando para criar CPIs, perderá o trem da história.
Uma ressalva poderia ser feita pela oposição de Centro: contava-se com uma candidatura petista que não fosse Lula. Na verdade, não há ainda nem a certeza de que o ex-presidente poderá ser candidato, visto que o STF é a instituição menos previsível da democracia brasileira. O que poderia ser um alento para os antipetistas é, antes de mais nada, miopia, uma vez que, sendo candidato ou não, Lula terá muito mais influência do que na eleição de 2018, seja porque o antipetismo será menor e a história da “prisão injusta” vai conquistar mais gente agora, seja porque Bolsonaro estará em declínio.
Esta é a terceira razão que deveria levar o Centro a criar uma estratégia mais consistente do que o mero discurso da polarização: sendo ou não candidato, a influência de Lula tende a ser capaz de garantir mais de 30% dos votos do primeiro turno, se não mais - afinal, Fernando Haddad, nome nacionalmente pouco conhecido, com Lula preso e no auge do antipetismo, teve 29,28% na votação inicial. Em outras palavras: é muito difícil que um representante do lulismo não esteja no segundo turno. O outro oponente sairá da luta entre Bolsonaro e seus outros adversários.
Encurralar Bolsonaro e lhe fazer uma dura oposição, que torne claro o seu antibolsonarismo para a população, é o melhor caminho para o Centro ganhar um lugar no segundo turno da eleição presidencial. Para tanto, é preciso começar agora esta tarefa, e não deixar para o ano que vem, marcando por um longo tempo uma posição, de modo a torná-la eleitoralmente consistente. Poderia começar por defender uma visão favorável ao impeachment ou a uma responsabilização pública mais forte do presidente. Quem estiver nitidamente com a maioria do povo nos próximos meses, que serão os piores da pandemia, poderá ser recompensado em termos de apoio político.
Mas essa atuação centrista deve ser precedida por uma proposta alternativa de políticas públicas e, sobretudo, da união em torno de uma posição antibolsonarista, criando uma identidade mais relevante do que a narrativa da polarização. Muitos do Centro já falam num candidato único, que seria a solução política mais efetiva, porém, esse esforço só fará sentido para se chegar ao segundo turno se conseguirem destronar Bolsonaro da posição de adversário preferencial do PT.
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas
Eliane Cantanhêde: Causa e efeito - Brasil afunda na pandemia, Bolsonaro cai nas pesquisas e no Centrão
Quem planta vento colhe tempestade e presidente que trata a covid-19 com sarcasmo paga com impopularidade
Quem planta vento colhe tempestade e presidente que trata a covid-19 com sarcasmo paga com impopularidade. Numa profunda e drástica relação de causa e efeito, o Brasil vive uma catástrofe sem precedentes com a pandemia e o presidente Jair Bolsonaro passa por seu pior momento, uma ilha cercada de desastres e más notícias por todos os lados.
O melhor índice do Ministério da Saúde no combate à pandemia, de 76%, foi quando o então ministro Luiz Henrique Mandetta traçava estratégias, tomava providências efetivas e mantinha a população rigorosamente informada. Segundo o Datafolha, esse índice esfarelou para 28% desde Mandetta até o general Eduardo Pazuello.
Assim como não consegue admitir a gravidade da covid-19, Bolsonaro nunca foi capaz de compreender duas obviedades: 1) só combatendo a pandemia é possível reduzir os danos na economia, na renda e nos empregos; 2) o sucesso de Mandetta e da Saúde seria o seu próprio sucesso, seu passaporte para a reeleição.
Por ignorância, teimosia e a mania de dar ouvidos a idiotas, Bolsonaro fez o oposto, demitiu Mandetta e desdenhou a pandemia. O resultado está aí, com recordes de mortos e contaminados, vacinas a conta-gotas, colapso da saúde, descontrole fiscal, quebra-quebra de empresas e... queda de popularidade e de confiança em Bolsonaro: 56% consideram Bolsonaro incapaz de liderar o País.
Pandemia, crescimento baixo, inflação alta (sobretudo para alimentos), aumento dos juros básicos após seis anos dos menores níveis da história e sucessivas altas dos combustíveis têm efeito direito sobre o humor da população – e dos eleitores. E o auxílio emergencial, que demora, é muito menor do que já foi.
No Judiciário, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que parecia tão amigável, impôs duas derrotas ao “01”, senador Flávio Bolsonaro. Isso nos lembra que oito dos 11 ministros do STF tinham sido nomeados nos mandatos petistas, mas seis deles votaram contra o habeas corpus que livraria o ex-presidente Lula da cadeia. Amigos, amigos, votos à parte. E eles nem são tão amigos assim dos Bolsonaros.
Papai Bolsonaro, assim, está sendo compelido a tomar várias medidas em prol da sobrevivência. A mais vistosa é que ele continua negacionista e falando absurdos como sempre, mas demitiu o general da Saúde e nomeou o quarto ministro em dois anos, Marcelo Queiroga, sem alterar a máxima de que “um manda, o outro obedece”.
Na economia, o presidente continua corporativista, antiliberal e oportunista, fingindo que prestigia o ex-Posto Ipiranga Paulo Guedes, enquanto puxa o tapete dele dia sim, outro também. A última: depois de acertar com Guedes o veto à anulação de dívidas de igrejas com a Receita Federal, ele avalizou a derrubada do próprio veto no Congresso. Jogo duplo. E sujo.
Na política, presidente fraco equivale a Legislativo forte – e a Centrão ganancioso. A aliança fica mais cara quando Bolsonaro cai nas pesquisas e desconvida a médica Ludhmila Hajjar, indicada pelo Centrão, para pôr na Saúde o Queiroga, amigo dos filhos. O presidente da Câmara, Arthur Lira, defensor de Hajjar, agora, bem atrasado, teme que a crise da covid “vire vexame internacional”. E o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, tem uma carta na manga: a CPI da Pandemia.
Bolsonaro está diante de 300 mil mortos de covid, colapso da saúde, desemprego, inflação, dólar alto, gasolina cara, aumento de juros, queda nas pesquisas, agitação no Centrão, risco de CPI e Lula no cangote. Lula é o catalisador das esquerdas. As conversas do centro com a esquerda esquentam. O senador Major Olimpio, morto ontem de covid, fortalece o bolsonarismo arrependido à direita. Nada, porém, tão devastador contra Bolsonaro do que o próprio Bolsonaro.
Folha de S. Paulo: Para 79%, pandemia de coronavírus está fora do controle, e medo é recorde, mostra Datafolha
Pesquisa coincide com colapso hospitalar país afora e registros diários de quase 3000 mortes por Covid
Angela Pinho, Folha de S. Paulo
No momento em que o sistema de saúde entra em colapso por todo o país e o governo Bolsonaro anuncia seu quarto ministro da área, o medo de pegar o coronavírus e a percepção de que a pandemia está fora de controle atingem níveis recordes.
Pesquisa Datafolha mostra que 79% dos brasileiros acham que a pandemia está sem controle, ante 62% que manifestavam essa opinião em janeiro.
Outros 18% dizem que a situação está parcialmente controlada, 2% que está totalmente controlada, e 1% não sabe.
O levantamento, com margem de erro de dois pontos percentuais, foi feito por telefone com 2.023 pessoas de todos os estados do país nos dias 15 e 16 de março.
No domingo (14), as movimentações para a substituição do general Eduardo Pazuello do posto de ministro da Saúde ganharam força, com a ida da médica Ludhmila Hajjar a Brasília para uma conversa com o presidente Jair Bolsonaro.
Ela acabou por recusar o cargo, e a troca foi efetivada na segunda-feira, com o cardiologista Marcelo Queiroga no lugar de Pazuello, desgastado após a crise da falta de oxigênio em Manaus e atrasos e falhas logísticas na distribuição de vacinas.[ x ]
Queiroga assume em meio a uma rápida e trágica escalada de mortes pela Covid-19. Nesta quinta-feira (18), o país completou 20 dias seguidos de recordes na média móvel de óbitos, que chegou a 2.096.
Desde o início da pandemia, quase 288 mil brasileiros já morreram pela doença.
Em meio às notícias sobre falta de leitos para pacientes em diversas partes do país, a parcela da população com temor de se infectar pelo vírus alcançou nível recorde.
A pesquisa Datafolha mostra que 55% dos entrevistados declaram ter muito medo, enquanto o levantamento anterior, de janeiro, registrou 44%. Outros 27% têm um pouco de medo, 12% não têm, e 7% relataram já ter contraído a doença.
Diz ter muito medo uma parcela mais expressiva das mulheres (61% ante 48% dos homens), dos mais velhos (58% da faixa etária com 45 anos ou mais, ante 48% dos de 16 a 24) e moradores do Nordeste (61% contra 44% da região Sul).
Mas mesmo entre os homens houve aumento significativo entre os que manifestaram ter muito temor da doença: de 33% no levantamento em janeiro, essa parcela foi para 48% entre eles. Entre elas, passou de 55% para 61%.
Também passou a declarar muito medo uma parcela maior dos segmentos de jovens de 16 a 24 anos (foi de 34% para 48%) e dos mais ricos, com renda mensal de mais de dez salários mínimos (passou de 41% para 55%).
Esses estratos têm sido particularmente afetados na atual fase da pandemia. Na esteira de aglomerações no final do ano e no Carnaval, médicos têm observado uma presença maior de pacientes jovens nas UTIs.
Em um cenário de esgotamento generalizado da capacidade de atendimento, o acesso a plano de saúde não é mais suficiente para garantir atendimento. Hospitais privados de ponta têm unidades lotadas, e parte deles já chegou a pedir leitos para o SUS em São Paulo.
O colapso na saúde no país contrasta com cenas de aglomerações e eventos clandestinos. Em São Paulo, onde já se registra morte por falta de leito de UTI, o índice de de isolamento social estava em 43% na quarta-feira (17), longe da meta do governo paulista de 50%.
A pesquisa Datafolha mostra que a não adoção de distanciamento não decorre necessariamente de desconhecimento sobre a gravidade da pandemia.
A percepção de que a disseminação da doença está fora de controle é majoritária mesmo entre os que estão vivendo normalmente, sem nenhuma medida extra de isolamento.
Nessa parcela da população, a maioria ou tem muito medo (26%) ou um pouco de medo (29%) de contrair a Covid-19. Já 34% declaram não ter receio.
Consenso entre especialistas para frear um vírus transmitido principalmente por gotículas de saliva e aerossóis, o isolamento social vem sendo combatido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde o início da pandemia, com aglomerações e falas nesse sentido.
Ele chamou de histeria, mimimi e fantasia a reação ao vírus. “Vão ficar chorando até quando?”, indagou no início do mês.
A alternativa mais eficiente ao distanciamento social é a vacinação, que patina no país. Além da demora em firmar contratos com fornecedores, o governo Bolsonaro já adiou sucessivas vezes o cronograma de aplicação dos imunizantes já aprovados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Não por acaso, a percepção de que a pandemia está fora do controle é mais alta entre os que reprovam o governo Bolsonaro (94%) e entre os que não confiam em suas declarações (93%).
É maior também entre mulheres (85%, contra 73% entre os homens) e entre os mais pobres (82% ante 69% dos mais ricos).
Considerando-se a religião, a parcela dos entrevistados pelo Datafolha que declara ter muito medo de pegar a Covid é maior entre os católicos (61%) do que entre os evangélicos (45%). Já a percepção de que a pandemia está fora de controle não varia tanto entre os dois grupos —fica em 81% e 76%, respectivamente.
Diante do pior momento da pandemia e da possibilidade concreta de enfrentar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na disputa eleitoral de 2022, Bolsonaro agora ensaia discurso a favor da vacinação em massa, contrariando diversas declarações pelas quais colocou em dúvida a confiabilidade dos imunizantes.
Bernardo Mello Franco: Estado de intimidação
A PM de Brasília prendeu cinco manifestantes que abriram uma faixa contra o presidente na Praça dos Três Poderes. A notícia remete aos anos de chumbo, quando os militares perseguiam quem ousasse contestar a ditadura. Aconteceu ontem, sob o governo de Jair Bolsonaro.
A escalada autoritária é liderada pelo Planalto. O ministro da Justiça, André Mendonça, ressuscitou a Lei de Segurança Nacional para enquadrar os críticos do chefe. Já mandou a Polícia Federal instaurar inquéritos contra jornalistas, advogados e até cartunistas.
Agora o exemplo do pastor inspira bolsonaristas nas polícias civis e militares. Num país governado por um fã do AI-5, há sempre um guarda da esquina disposto a rasgar a Constituição.
O professor Conrado Hübner Mendes, da Faculdade de Direito da USP, considera que o Brasil já vive sob um “estado de intimidação”. “O objetivo das investidas policialescas é gerar um clima de medo e autocensura. É uma forma de repressão preventiva”, define.
A crônica dos abusos só aumenta. No Rio Grande do Sul, professores foram processados por criticar o presidente. No Rio de Janeiro, pesquisadores foram intimados por denunciar o desmonte da Casa de Rui Barbosa.
No Tocantins, o ministro Mendonça mandou a PF investigar um sociólogo que pede impeachment de Bolsonaro. Seu crime foi escrever, num outdoor, que o capitão “não vale um pequi roído”. O pequi ainda não foi ouvido para se defender da comparação.
Os manifestantes de Brasília foram enquadrados na LSN porque chamaram o presidente de “genocida”. Três dias antes, o youtuber Felipe Neto foi convocado a depor pelo mesmo motivo. Em ambos os casos, recorre-se a uma lei da ditadura para sufocar a liberdade de expressão na democracia.
“A LSN está sendo usada para perseguir quem critica o governo. Isso é um abuso de autoridade e um ataque ao Estado democrático de direito”, diz o advogado Augusto de Arruda Botelho. Ele ajudou a fundar o grupo Cala a Boca Já Morreu, que vai oferecer defesa gratuita a novas vítimas da caça às bruxas.
Enquanto o Supremo não varre o entulho autoritário da LSN, o bolsonarismo continua a cultuar a tirania. A Justiça Federal acaba de autorizar o Exército a festejar o 57º aniversário do golpe de 1964. Se a decisão não for reformada, os militares poderão praticar o esporte preferido do seu comandante em chefe.
Vera Magalhães: Sociedade civil, finalmente, inicia reação ao arbítrio
E pur si muove!
Não se sabe se Galileu Galilei de fato proferiu a famosa frase depois de ter renegado a teoria heliocêntrica e se retratado perante a Inquisição, mas ela é, até hoje, um libelo em favor da razão e da Ciência — e contra a censura e a perseguição político-religiosa.
Sim, a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário. (Além de se mover, ela é redonda, como recentemente atestou até Jair Bolsonaro, ao aparecer com um globo terrestre movido a pilha numa das suas infernais lives semanais.)
A frase imputada a Galileu me voltou à mente diante da resistência cívico-jurídica organizada pelo influenciador Felipe Neto, que, diante da tentativa de intimidação judicial que sofreu por parte de Carlos Bolsonaro, filho e guarda-costas do presidente da República, montou uma rede com alguns dos melhores advogados criminalistas do Brasil, para defender gratuitamente aqueles que vierem a ser perseguidos por se manifestar contra o governo e o capitão.
A inaceitável tentativa de enquadrar o youtuber na Lei de Segurança Nacional caiu por ora, graças a uma liminar, mas a ameaça autoritária já há muito saiu do campo da possibilidade e da retórica para virar realidade cotidiana.
Nesta quinta-feira, foi a vez de manifestantes serem presos por protestar em frente ao Palácio do Planalto portando cartazes e faixas chamando Bolsonaro de “genocida”.
A Polícia Militar do Distrito Federal executou a ação e tentou envolver a Polícia Federal, que liberou os manifestantes e, desta vez, não participou da tentativa de cerceamento à livre manifestação.
Digo “desta vez” porque, acionada diretamente pelo ministro da Justiça, André Mendonça, a mesma PF abriu recentemente inquérito contra um sociólogo do Tocantins que confeccionou um outdoor dizendo que o presidente vale menos que um caroço de pequi roído.
O cerco não é hipotético, não se trata de paranoia da oposição nem de exagero dos críticos. Mais: ele é alimentado pelo recurso cada vez mais frequente do próprio presidente a ameaças veladas ou abertas a medidas “drásticas” ou “precipitadas”, como ele fez nesta quinta naquele bate-papo com puxa-sacos no cercadinho do Alvorada.
Que haja por parte da sociedade civil organizada — influenciadores, advogados, artistas, jornalistas — a organização de respostas claras, imediatas, destemidas e, sobretudo, concretas a esse caldo de cultura golpista é, finalmente, um alento, uma vez que as instituições, que tenho cobrado a cada artigo neste espaço, seguem inertes.
Bolsonaro é, cada vez mais, um bicho acuado. Pela própria covardia, pelo negacionismo que praticou neste ano de pandemia — e que é, sim, o grande responsável pela maioria das mais de 287 mil mortes registradas pela Covid-19 — e pela falta de equipe e de bússola que tire a ele e ao país desta gravíssima crise sanitária, econômica, social, moral e política que atravessamos.
Alguém com pendor autoritário assim assustado é um perigo para um país já traumatizado e com instituições frouxas, dirigidas por homens frouxos. Ainda bem que alguém encabeçou uma ação de fácil compreensão e rápida eficácia.
Felipe Neto, diante dos inquisidores, berrou que a Terra se move, sim, e continuará se movendo a despeito da tentativa de mordaça. E não é a primeira vez: no episódio na censura do ex-prefeito Marcelo Crivella a quadrinhos na Bienal do Rio, em 2019, foi o “moleque”, como gostam de bradar os bolsonaristas, a ir lá e comprar todos os livros com temática LGBTQIA+ e distribuir gratuitamente.
Para além das notas de repúdio e da indignação diluída das redes sociais, esse tipo de iniciativa gera resultado. Que ela inspire os que são pagos por nós para zelar pela democracia.
Fernando Gabeira: Sombrio panorama na terra do sol
São os preconceitos e o obscurantismo de um obtuso que definem a política contra a covid
Quando desistiu do cargo de ministro da Saúde, a dra. Ludhmila Hajjar afirmou que o panorama no Brasil é sombrio. Diria que é singularmente sombrio, por algumas razões. O Brasil é o único país que teve quatro ministro diferentes durante a pandemia. E desponta como o segundo colocado no mundo em número de mortos, que deve chegar próximo dos 300 mil neste fim de semana.
Para completar o quadro, uma nova variante do coronavírus não só tem contribuído para expandir o vírus, esgotando os leitos de hospital, mas também vai devastando uma parte da juventude, setor da população que estava mais protegido na primeira onda da pandemia.
Apesar de toda a gravidade do momento, a dra. Ludhmila tinha esperanças. Afinal, fora chamada para conversar sobre o cargo pelo presidente Bolsonaro. Isso significava, aparentemente, que o próprio governo queria mudar. Convocava uma especialista para quem a política do governo contra a covid-19 é um conjunto de erros.
A dra. Ludhmila foi massacrada pelos hostes bolsonaristas e o presidente recuou. Ela falava uma linguagem muito próxima do que dizem os médicos e a maioria esmagadora dos políticos. E, consequentemente, muito distante da família Bolsonaro e de seus dogmas diante da pandemia.
Embora não tenha sido escolhida para o ministério, a dra. Ludhmila, em curtas e fragmentadas declarações, acabou reafirmando uma série de pontos vitais no combate ao coronavírus, uma espécie de consenso nacional do qual só não participam a família Bolsonaro e seus seguidores.
Ponto decisivo no seu programa de trabalho era criar um comitê de crise que atendesse governadores e prefeitos 24 horas por dia. Uma resposta ao clamor de todos por uma coordenação nacional.
Outra indicação importante é a ideia de ser preciso adotar medidas de isolamento social, mesmo que se chegue necessariamente a um lockdown em todo o País, grande e complexo demais para ser abordado com uma única medida.
Admitir que não existem remédios eficazes contra a covid-19 não significa que se deva deixar de buscar contatos com todo o mundo científico, com abertura a todas as iniciativas que se mostrem eficazes e seguras. Mas tudo dentro de uma linha de raciocínio que privilegie a vacina.
Esse ponto de intensificar a vacinação como saída não só para poupar vidas, como retomar a economia, é tão consensual que o próprio governo Bolsonaro decidiu adotá-lo depois de meses de hesitação e sabotagem. O ex-ministro Mandetta calcula que era possível começar a vacinação nos últimos meses de 2020 se o governo tivesse aproveitado a oportunidade. Perdemos meses e continuamos perdendo tempo, apesar da contratação de 545 milhões de doses.
Ao falar do tratamento da covid, a dra. Ludhmila mencionou também a necessidade de protocolos e treinamento adequado. Há gente morrendo porque foi intubada de forma equivocada.
Acrescentaria a isso algo que ela não mencionou, mas circula nos meios especializados: a necessidade de contratar mais gente, no mínimo 50 mil novos funcionários. De fato, as equipes de trabalho estão esgotadas, física e psicologicamente.
Um ponto novo no debate foi incluído também nas declarações da dra Ludhmila: a necessidade de um esforço nacional para recuperar vítimas de covid-19, tratar as sequelas, propiciar que voltem ao trabalho. É uma tarefa também para o SUS, uma vez que milhares de pessoas não têm recursos para pagar um processo de reabilitação. Os preços são muito altos. Na briga de governo federal e Estados para que Brasília pagasse leitos de UTI, ficou claro que um único leito desses custa R$ 1.600 por dia. Sem o SUS os pobres morreriam nas enfermarias.
Um novo ministro da Saúde foi escolhido e esses temas foram varridos para debaixo do tapete, ao menos por enquanto. O ministro Marcelo Queiroga não tem projeto próprio. Já disse que executará uma política do governo. É uma versão mais palatável do general Pazuello: um manda, o outro obedece. No fundo, Queiroga está dizendo a mesma coisa, sem refletir como é limitada uma política de governo definida pelos preconceitos e pelo obscurantismo de Bolsonaro.
O presidente sempre subestimou a pandemia, sempre considerou um ato contra o seu governo restringir a circulação de pessoas, sempre acreditou em remédios milagrosos, em vez de investir na vacina, que bombardeou das trincheiras da ideologia e da pura superstição.
O fato de ter-se recusado a aceitar os seus erros e investir na mudança personificada pela dra. Ludhmila mostra também como Bolsonaro está isolado. Nem os presidentes da Câmara e do Senado, ambos eleitos com seu apoio, o acompanham em sua política contra a pandemia.
Ainda não se percebeu que a tão decantada frente ampla existe de uma forma que beira o consenso quando se trata da pandemia. Bolsonaro está só com sua família e a minoria de seguidores. A existência de um quase consenso dessa importância é animadora, mas o fato de instrumentos tão poderosos estarem nas mãos de um presidente obtuso torna o panorama sombrio.
Com armamento da população, Bolsonaro acena para guerra civil, diz Raul Jungmann
Em artigo na revista Política Democrática Online de março, ex-ministro analisa gravidade da política do presidente
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O armamento da população, como pretende o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), fere o papel constitucional das Forças Armadas, segundo o ex-ministro da Defesa e ex-ministro extraordinário da Segurança Pública Raul Jungmann, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de março.
A revista mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.
De acordo com ele, ao propor armar a todos, o presidente está, consecutivamente: quebrando o monopólio da violência legal, privativa do Estado Nacional, ferindo o papel constitucional da Forças Armadas e acenando com a hipótese de um conflito de brasileiros contra brasileiros, uma guerra civil.
Armamento massivo
“Isso nos motivou a redigir uma carta aberta ao Supremo Tribunal Federal, onde tramitam ações contrárias a política de armamento massivo, alertando para os riscos para a segurança pública e para a estabilidade democrática”, lembra Jungmann, que também é ex-deputado federal.
No curso da divulgação da carta, conta Jungmann, a repercussão superou expectativas na mídia tradicional, nas redes, colunas de opinião e junto a vários formadores de opinião. “O que talvez queira dizer da preocupação das pessoas com o tema e a percepção dos riscos envolvidos numa política armamentista. E existem razões concretas para tal”, assevera.
Em seu artigo na revista da FAP, o ex-ministro cita dados da Polícia Federal, segundo a qual, em 2020, o registro de armas de fogo cresceu 90% em relação ao ano anterior, o maior crescimento de um ano para outro já registrado pela série histórica.
Escalada de mortes
“Do outro lado da moeda, as mortes violentas, que iniciam uma queda em 2018 (ano em que éramos Ministro da Segurança Pública) e continuaram caindo em 2019, retomaram sua escalada em 2020”, pondera ele.
Na revista Política Democrática Online, o autor lembra, ainda, que entidades diversas da sociedade civil e ongs se mobilizaram promovendo um abaixo assinado em apoio à carta aberta, que, segundo ele, já conta com mais de dez mil assinaturas. O documento deve ser entregue a ministros do STF em breve.
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Luiz Carlos Azedo: Covid-19 traumatiza o Congresso
Bolsonaro continua sabotando os esforços de governadores e prefeitos para reduzir a propagação do vírus com medidas mais rígidas de isolamento social
A morte do senador Major Olimpio (PSL-SP) traumatizou o Congresso, principalmente o Senado, cujo presidente, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), decretou luto oficial de 24 horas no Legislativo. Na Câmara, o presidente Arthur Lira (PP-AL) restringiu ao máximo o funcionamento da Casa: proibiu reuniões presenciais das comissões e ampliou o trabalho em home office dos funcionários. Com a morte do terceiro senador por covid-19, a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro para uma mudança na política sanitária aumentou muito. Mesmo na base do governo, a insatisfação é generalizada.
Major Olimpio foi o terceiro senador a falecer vítima da doença, com a diferença de que, aos 58 anos, era bem mais jovem do que Arolde de Oliveira (PSD-RJ), que faleceu em outubro, aos 83 anos, e José Maranhão, de 87 anos, que morreu em fevereiro passado. Dois senadores também contraíram a covid-19, provavelmente na mesma reunião com prefeitos da qual participou Major Olimpio: Lasier Martins (Podemos-RS), que teve alta do Hospital São Lucas, em Porto Alegre, ontem, após 13 dias de internação; e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que deve receber alta hoje, depois de ser internado na semana passada.
Com a falta de empatia que o caracteriza, o presidente Jair Bolsonaro deu novas declarações colocando em dúvida as informações sobre ocupação de leitos de hospitais, além de criticar, mais uma vez, a política de isolamento social. Suas declarações geraram reações de governadores e prefeitos, ainda mais porque os hospitais, por causa das UTIs lotadas, estão começando a esgotar os estoques de oxigênio e medicamentos usados na intubação de pacientes. Numa live, Bolsonaro anunciou que a nomeação de Marcelo Quei- roga para o Ministério da Saúde será publicada hoje no Diário Oficial da União. O novo ministro está tendo dificuldades para montar sua equipe de trabalho e terá de atuar com o grupo de militares que assessoravam o general Eduardo Pazuello, até que encontre co- legas dispostos a assumir a responsabilidade de combater a pandemia.
Bolsonaro continua sabotando os esforços de governadores e prefeitos para reduzir a propagação do vírus com medidas mais rígidas de isolamento social: “Tem um pessoal que continua insistindo no fique em casa e outros que querem trabalhar por ne- cessidade. Eu acho que ficar em casa é uma coisa bacana, quem não quer ficar de férias em casa aí? Mas pouquíssimas pessoas têm poder aquisitivo para ficar sem trabalhar”, disse. Insiste em res- ponsabilizar as medidas sanitárias pela crise econômica: “Temos no Brasil servidores públicos, civis e militares, que podem ficar em casa, que, por enquan- to, não veem sua remuneração, proventos, aposentadorias, pensões ameaçadas. Agora, uma grande parte dos brasileiros, os que vivem na formalidade, com carteira assinada, perde emprego, tem redução de salário.” Chegou a dizer que recorreria ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra as medidas de isolamento, o que será mais um fator de tensão institucional, em nada contribuindo para o enfrentamento da crise sanitária.
Banco do Brasil
O presidente do Banco do Brasil (BB), André Guilherme Brandão, entregou o cargo ontem, por discordar da interferência do presidente Jair Bolsonaro na instituição. É mais uma baixa importante na equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, cada vez menos liberal e mais pragmática. É o segundo presidente do banco a deixar o cargo por divergências com o chefe do Executivo. Para evitar especulações sobre o perfil do novo presidente do banco, o Ministério da Economia anunciou que o cargo será assumido pelo atual diretor do BB Consórcios, Fausto de Andrade.
Bolsonaro quer reforçar o papel social do Banco do Brasil, sendo contrário ao fechamento de agências, apesar da informatização cada vez maior do sistema bancário. O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, tem o perfil desejado por Bolsonaro, que não cansa de elogiá-lo pelo desempenho na distribuição do auxílio emergencial, apesar do alto número de fraudes já identificadas. Fausto de Andrade será o terceiro presidente do Banco do Brasil em pou- co mais de dois anos do governo Bolsonaro. Antes de Brandão, ocupou o cargo Rubem Novaes. O mercado e os funcionários temem a instrumentalização do banco para fins eleitorais.
Pedro Doria: O método Bolsonaro de intimidar
A violência contínua que existe no discurso do presidente Jair Bolsonaro nos anestesia, aos poucos vai deixando de chocar. O objetivo é este mesmo: anestesiar. É um método, estudado por cientistas políticos em vários cantos do mundo, numa disciplina batizada decadência democrática. Anestesiados, nos distraímos. E, distraídos, não percebemos que a guerra do presidente contra a democracia está ganhando escala. Foi mostra desse ganho de escala o dia em que a Polícia Civil do Rio bateu à porta do youtuber Felipe Neto para informá-lo de que era investigado por chamar o presidente de “genocida”. Com base na Lei de Segurança Nacional.
No caso de Felipe, o problema já passou — a juíza Gisele Guida de Faria, da 38ª Vara Criminal do Rio, viu “flagrante ilegalidade” na investigação e lembrou que a Polícia Civil nem sequer tem competência para investigar “crime contra a honra” do presidente. Além do quê, não é um vereador ou um membro da família do presidente quem tem autoridade de pedir a abertura desse tipo de inquérito. Mas, se Felipe está livre do problema, outros não estão, e ações assim vêm ficando mais comuns.
Em geral, quase sempre via internet, alguém faz um comentário em oposição ao presidente. O ataque, então, vem simultâneo. Pelas redes, é a onda de cancelamento pessoal. Quando não se trata de uma pessoa conhecida, o mundo não percebe. Não vê as mensagens privadas, os muitos tuítes, os comentários de Face, os ataques pelo Insta que aquele indivíduo recebeu. Para um professor universitário gaúcho ou um sociólogo do Tocantins, a pancada é dura. A onda de agressão surge de repente — e dói.
Mas há outro ataque, jurídico, levantando a Lei de Segurança Nacional ou outro argumento. O importante é impor um custo em advogados, ameaçar de perda de emprego. O objetivo é desestruturar emocionalmente, é intimidar. O objetivo é calar qualquer forma de oposição.
Jair Bolsonaro e os seus enxergam o mundo de uma forma particular: tudo é uma guerra de informação. Nisso, ele e a nova leva do populismo autoritário de direita se assemelham muito aos fascistas dos anos 1930. Aquele fascismo não era uma ideologia, uma forma consistente de ver o mundo. Era, isto sim, uma estratégia de alcançar o poder e de se manter no poder. Entre as táticas, estava intimidação pessoal de quem demonstrasse oposição, para deixar claro a todos que o preço de ser contra é alto. Mas a cartilha também incluía uma visão paranoide de como o mundo funciona — capitalistas judeus são responsáveis pela crise econômica alemã, marxistas culturais são quem de fato controla as instituições do Brasil. E uma máquina maciça, usando a tecnologia mais recente — rádio lá, redes sociais aqui —, investia pesado em desinformação para criar bolhas onde informação não entra.
Para Bolsonaro, esta é, pois, uma guerra de informação, e os fatos pouco importam. O relevante no jogo como ele o enxerga é quem convence mais pessoas. Portanto, quando hospitais lotam e mais gente morre, o alarme da sociedade não surge naturalmente. Surge porque seus inimigos atuam como ele, na guerra de informação. Bolsonaro não opera no mundo como ele é. Ele vive num em que a realidade é fabricável.
O Centrão tentou indicar uma ministra da Saúde que poderia ter funcionado. Os militares tentam convencê-lo a adotar uma agenda positiva. Não adianta, nada muda a natureza do escorpião. Mas o perigo que ele representa mudou de escala não só pela forma de intimidar. Desinformação já elegia autoritários que desejam ser ditadores. Nos últimos meses, está também matando em vastas quantidades.
Hamilton Garcia: A viagem redonda - De volta à política de vetos
Nossas instituições democráticas são frágeis, ao contrário da retórica corrente: os partidos mal representam os setores sociais afins, as eleições não refletem satisfatoriamente as inclinações populares – sobretudo no Legislativo – e não propiciam a formação de governos minimamente coesos, a Justiça é seletiva e tendente à proteção de casta, e, como resultado, o sistema político padece cronicamente de legitimidade, fragilizando-se nas crises: não precisa ser um especialista para perceber.
Todavia, nosso problema genético central (verticalismo/insolidarismo) está fora do alcance das ideologias em voga (nacional-populismo x liberalismo), se constituindo em um desafio para além de qualquer ortodoxia, da qual, infelizmente, nossa intelligentsia também se encontra prisioneira, como no mito da caverna (Platão).
A principal causa dessa fragilidade reside numa cultura política, social e institucional, que aparta Estado e sociedade de tal modo que, sob os auspícios das regras institucionais, o voto popular reitera o afastamento, ao invés de superá-lo, por efeito de um alargamento democrático que não enseja aprofundamento, ou seja, não propicia ao eleitor canais de exercício de sua autonomia face ao poder econômico e burocrático, impelindo os agentes político-partidários à busca do bem comum em meio às inexoráveis diferenças político-ideológicas.
As razões estruturais/normativas de tal dificuldade foram abordadas/indicadas em artigos anteriores (vide Clientelismo, Cargos e Voto – a erosão oligárquica da democracia). Cabe agora apenas delinear o retrocesso precipitado pelo baluartismo das lideranças civis, de todos os quadrantes, diante dos inequívocos sinais emitidos pelas massas desde 2013, ao cabo capturados/interpelados pelo bolsonarismo.
Comecemos pelo mais novo episódio da longa lista de disparates cometidos por essas elites nos últimos anos: o golpe judicial do Ministro Edson Fachin, anulando as decisões do juízo de Curitiba sobre as ações penais que levaram Lula à prisão e inelegibilidade. Não interessa aqui discutir as razões político-jurídicas que motivaram o Ministro – há farto material para consulta sobre o tema –, apenas pontuar sua recepção pela sociedade e certas corporações (sociais e burocráticas) fundamentais para os destinos da nossa democracia.
Comecemos pelos eleitores. Segundo o instituto Paraná Pesquisas, 57,5% dos brasileiros discordaram da decisão de Fachin, contra 37,1% que concordaram; a única região destoante foi a Nordeste, onde 52,6% concordaram e 41,3% discordaram do magistrado. A pesquisa tem números próximos à outra do mesmo instituto, de junho de 2019, onde 58% se disseram favoráveis à manutenção da prisão de Lula, enquanto 36% se posicionaram contra. Fica claro que, para a maioria dos eleitores, ontem e hoje, Lula deve pagar pelos crimes que cometeu e que a tradicional impunidade brasileira parece ser a fonte da inesgotável credibilidade do ex-Juiz Sérgio Moro, reconhecido pela maioria (59,2%), em levantamento de março/21, como um juiz imparcial, mesmo entre os menos escolarizados (53,7%).
Também no topo da pirâmide, importantes empresários manifestam seu veto ao ex-Presidente, beneficiário imediato, embora não exclusivo, da medida judicial, e, crescentemente, também ao mandatário atual. O editorial do dia 9 do jornal Estado de São Paulo, que vocaliza o ponto de vista desta fatia da opinião pública, é taxativo: "Jair Bolsonaro está conseguindo fazer o que parecia impossível. Ao ignorar suas responsabilidades e debochar continuamente dos problemas do País e da saúde dos brasileiros, está abrindo caminho para o retorno político do sr. Luiz Inácio Lula da Silva, (…) agora que o ministro Edson Fachin anulou todas as condenações do demiurgo de Garanhuns (…). Bolsonaro, por palavras e omissões, ajudou a recriar o monstrengo que já atormentou em demasia este país”.
A duríssima sentença acrescenta um novo ingrediente à crise política, depois da manifesta assunção por parte do ex-Comandante do Exército, Gen. Eduardo Villas Bôas, do veto militar à postulação presidencial do petista; prossegue o editorial: "O assunto é da maior gravidade, pois traz de volta ao cenário político um grande perigo para o País (…): o ressurgimento do fantasma do lulopetismo. (…) O mais famoso ficha-suja do País, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro (…)”.
Coloca-se assim, em linha, de novo, dois vetos que, outrora, em momentos distintos, ao longo dos anos 1950-1960, produziram duas deposições presidenciais (1954, Vargas, e 1964, Goulart) e duas tentativas de deposição (1956, Kubistchek, e 1961, Goulart). Me refiro aqui ao veto militar, empresarial e da classe-média, à Vargas e seus sucessores, e também à Jânio Quadros, que, se aproveitando do primeiro veto, tentou tirar proveito dele ao renunciar à Presidência poucos meses depois de assumí-la, mandando o Vice Goulart para uma missão diplomática na longínqua China comunista, na esperança de assumir poderes excepcionais para governar. O tiro saiu pela culatra porque Quadros não percebera que o veto ao varguismo se estendia à toda forma de populismo, inclusive àquele representado pela direita, onde ele se inseria.
A condenação aos dois populismos está na ordem do dia, não só entre os eleitores e empresários, mas também entre os militares. É o caso do Gen. da Reserva e ex-Ministro Santos Cruz, que, em reação à decisão de Fachin, afirmou: “o Brasil não pode mais depender, nem viver, numa guerra de extremistas. (…) O fanatismo só está atrapalhando o Brasil. (…) A grande parcela da população não quer participar dessa novela sem fim”. Oficiais da Ativa do Exército, que costumam não se manifestar, também falaram, sob anonimato, que a decisão do Ministro do STF pode beneficiar “extremistas” de esquerda e de direita. Mas foi Cruz, involuntariamente, que acabou expondo o estado de espírito da caserna ao pregar moderação: "Tem de esperar, ainda há passos jurídicos. Ninguém tem de se precipitar”.
Até o reservado Gen. da Reserva Sérgio Etchegoyen, ex-Ministro do Governo Temer, se mostrou incomodado com a decisão ministerial, indagando: “Por que essa decisão monocrática que se sobrepõe a dois tribunais colegiados (TRF-4 e STJ) não é um risco à democracia? Ou é um risco para a democracia só quando um general fala?”, em alusão ao tuíte de Villas Bôas, em 2018, que ele justifica como um recado à tropa “para evitar que alguém da reserva dissesse alguma bobagem” – na verdade, alguém da Ativa fizesse alguma bobagem. Aqui, para além da condenação ao ato judicial, temos a volta do velho sentimento militar do Império – que precipitou seu fim – de que a elite civil os discrimina e hostiliza.
A ideia de fazer "alguma bobagem” está posta desde a prisão de Lula, mas agora, depois do indulto de fato que ele recebeu, aparece explicitamente nas falas de dois Gen.s da Reserva: Luiz Paiva, ex-Comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, e Eduardo Barbosa, Presidente do Clube Militar, eleito como Vice na chapa de outro Gen. da Reserva, Hamilton Mourão, hoje na Vice-Presidência da República.
Paiva simplesmente afirma que Fachin "praticamente, arremessou no lixo a Operação Lava Jato e, com ela, a esperança da sociedade num futuro mais digno”, "colocando em risco”, junto com outras medidas tomadas pelo tribunal, "a paz, a harmonia e a própria unidade nacional”. Em sua perspectiva, "o que é supremo não é a lei e sim a Justiça e esta não existe quando a lei é usada contra o bem comum”, alertando que "a liderança nacional" deve ter em mente que as Forças Armadas "ficarão unidas e ao lado da Nação, única detentora de sua lealdade". Por seu turno, Barbosa, considerando a posição de Fachin como "a vitória do banditismo”, não só afirma ser Lula "o maior político criminoso que esse país já conheceu”, como sentencia que "lugar de ladrão é na cadeia”.
Como argumentei em artigo recente (O esgotamento da democracia de clientela), a forte presença do bolsonarismo no interior das médias e baixas patentes da Ativa das Forças Armadas, além das polícias estaduais, coloca Bolsonaro em situação especial nesta crise, distinta daquela vivida por Jânio Quadros, apesar de também ser um de seus pivôs: sua capacidade de dividir os quartéis e, efetivamente, agitar tropas ao arrepio dos Altos Comandantes. Outra diferença significativa entre os dois personagens, separados no tempo por mais de meio século, é que Bolsonaro costuma expressar francamente o que pensa, na linha oposta da astúcia dos velhos populistas do séc. XX, o que, todavia, não é suficiente para lhe garantir a simpatia da cúpula militar ou empresarial, ao contrário do que ocorre com as massas, dada sua dificuldade em exercer liderança positiva.
O Gen. da Reserva Paulo Chagas, bolsonarista de primeira hora, é um vocalizador desta percepção de que Bolsonaro não é capaz de "tomar o rumo da harmonia, da União”, se revelando "um narcisista deslumbrado” com o poder, o "que faz com que ele se comporte pensando que é mais do que é na verdade”: um "trapalhão (…) que não cumpre o que promete”, fulmina. Sendo contra o processo de impeachment, Chagas defende, alternativamente, que alguém diga para ele que, "a partir de agora, tem que fazer assim”, o que pode ser entendido como a defesa de um ultimato das cúpulas militares à seu Chefe Supremo – o que, no caso, se parece com um "auto-golpe".
Nada disto nos autoriza vaticinar que marchamos para o mesmo desfecho de 1964, dado que as circunstâncias são outras e os atores também. Apenas sugere que voltamos a um ciclo de crises que parecia superado no séc. XXI, mas que na verdade não o foi. E isto não se deve exclusivamente à mentalidade militar, supostamente tutelatória da cidadania e monopólica do patriotismo, mas, sobretudo, a uma incapacidade crônica das elites civis em olharem para além do próprio umbigo, corporativo ou de domínio, engendrando soluções mais amplas e efetivas sobre os problemas do desenvolvimento, da desigualdade e da justiça no país, que nos enredaram numa teia de estagnação, pobreza e corrupção que parece não ter solução.
Persistir em ignorar tal realidade ou tentar mascará-la com as práticas do neopatrimonialismo/corporativismo ou as narrativas mágicas das velhas ideologias/ortodoxias dos "salvadores" de plantão, tem tudo para nos chafurdar ainda mais na crise, fechando o círculo de nossa mais nova viagem redonda – outra velha sina da civilização brasileira.
Hamilton Garcia de Lima (Cientista Político, UENF/DR[i])
[i] Universidade Estadual do Norte-Fluminense/Darcy Ribeiro.