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O Globo: Guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho orienta alunos a deixarem governo

Filósofo afirma que 'governo está cheio de inimigos do presidente e do povo'

João Paulo Saconi, de O Globo

RIO - Guru intelectual do bolsonarismo, Olavo de Carvalho disse nesta sexta-feira que orientou os próprios alunos a abandonarem os cargos que ocupem no governo do presidente Jair Bolsonaro , do qual ele mesmo é entusiasta.

A orientação, conforme Carvalho explicou em publicações feitas em redes sociais, foi motivada pela impressão de que há “inimigos do presidente e do povo” nos quadros do governo federal. Para o filósofo, isso deveria ser suficiente para fazer os seguidores dele abandonarem seus postos e pretensões junto à administração pública para focarem apenas na “vida de estudos”. Também na internet, o professor já se referiu ao vice-presidente Hamilton Mourão como "inimigo do presidente e de seus eleitores" e disse que a maior burrada de sua vida como eleitor foi apoiá-lo .

Carvalho, que desde 2009 dá aulas em um curso de filosofia online, disse ainda que não era favorável à entrada no governo de pessoas para quem leciona, mas que não havia se posicionado em relação a isso anteriormente porque achou “cruel destruir essa ilusão” dos próprios próprios alunos sobre a gestão de Bolsonaro.

“Jamais gostei da ideia de meus alunos ocuparem cargos no governo, mas, como eles se entusiasmaram com a ascensão do Bolsonaro e imaginaram que em determinados postos poderiam fazer algo de bom pelo país, achei cruel destruir essa ilusão num primeiro momento. Mas agora já não posso me calar mais. Todos os meus alunos que ocupam cargos no governo — umas poucas dezenas, creio eu — deveriam, no meu entender, abandoná-los o mais cedo possível e voltar à sua vida de estudos”, escreveu Carvalho em mensagem tornada pública nas primeiras horas do dia em uma página oficial no Facebook e em uma conta sem a verificação do Twitter.

O trecho em que critica a composição do governo de forma mais contundente chama integrantes do time de Bolsonaro de “pústulas”.

“O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo, e andar em companhia desses pústulas só é bom para quem seja como eles”, disse Carvalho.


Alon Feuerwerker: Os riscos para o Brasil na crise venezuelana. E uma lembrança da Guerra do Paraguai

Cada um vê o imbroglio venezuelano conforme as lentes da ideologia, e esse é um direito inalienável. Há poucas coisas mais inúteis em política internacional do que discutir “quem tem razão”. Costuma ter razão quem tem a força para impor seu desejo. Os propagandistas entram na história para dar um trato na cena, fazer a limpeza e o embelezamento. Como aquele sujeito em Pulp Fiction. Não viu o filme? Veja.

Quem “tem razão” na Venezuela? Depende. Se você defende que o melhor para a América do Sul agora é estancar a penetração russa e chinesa, e quem sabe iraniana, e de quebra varrer a esquerda que apoia o chavismo, faz sentido apoiar as pressões contra o governo de Nicolás Maduro. Se você acha que o mais importante é conter a tentativa americana de retomar a região como esfera de influência, fique do outro lado.

Mas se você é movido por teses como a defesa dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos e do respeito irrestrito à separação dos poderes numa democracia que permita a alternância real no governo, aí talvez seja o caso de cautela. Porque a cada acusação contra o chavismo nesses temas há pelo menos um caso de país amigo dos Estados Unidos, e agora do Brasil, onde isso é deixado para lá. Então deixemos para lá.

A Venezuela é o país da hora onde enfrentam-se as potências que disputam a hegemonia planetária. Os Estados Unidos têm força militar suficiente para tentar resistir à perda de protagonismo para a economia da China. E a Rússia parece ter retomado o poderio militar para conter o declínio deflagrado pela dissolução da União Soviética. Por que a Venezuela? Tem muito petróleo e a América do Sul é um celeiro de commodities.

Está em curso portanto um movimento baseado na interpretação mais crua da Doutrina Monroe, “A América para os americanos”. E no princípio da projeção de poder (militar). Se a Ucrânia, a Síria e a Coreia do Norte são muito longe dos Estados Unidos, a Venezuela é muito longe da China e da Rússia. O recado de Trump é claro: se longe de casa precisamos negociar e aceitar acordos, aqui nas redondezas fazemos o que dá na telha.

E o Brasil? Se o plano de uma derrubada “limpa” do chavismo der certo, com as Forças Armadas dali coesas degolando o governo sem maiores reações e conseguindo estabilidade social e militar, e eventualmente política, tudo bem. O bolsonarismo celebrará a queda de mais um desafeto e vida que segue. Quem sabe até com oportunidades econômicas, com o Brasil entrando de sócio minoritário no desmonte da PDVSA.

Mas, e se der errado? Um risco para o Brasil é a disputa política na Venezuela enveredar para a guerra civil, coisa de que o continente parecia ter se livrado com o acordo de paz na Colômbia. E já que o Brasil decidiu ser protagonista na “guerra pela Venezuela”, será difícil simplesmente voltar para casa e dizer “virem-se, não temos nada a ver com isso”. Até porque nossa fronteira norte é extensa, porosa e cheia de povos indígenas.

Povos para os quais a fronteira e as nacionalidades produzidas após a ocupação hispano-portuguesa têm importância apenas relativa. Em miúdos, gente para quem ser da tribo é mais importante do que ser “brasileiro” ou “venezuelano”. Em tempo de paz, isso tem sido um desafio latente para o Brasil, particularmente para nossas Forças Armadas. Como ficaria a coisa em tempo de guerra? Especialmente se ela transbordar para cá?

Isso traria um conflito bélico para dentro de nossas fronteiras pela primeira vez desde a Guerra do Paraguai. Ela deu na Abolição e na República. #FicaaDica.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

 


Clóvis Rossi: Um olhar sobre as bobagens de Matteo Salvini

Um dos modelos favoritos do bolsonarismo é um governo extremamente tóxico

O bolsonarismo tem adoração publicamente manifestada por Matteo Salvini, ministro do Interior da Itália e principal líder da Liga, o xenófobo grupo que nasceu como Liga Norte.

Vale a pena, pois, dar uma espiada no que está acontecendo na Itália de Salvini, para o caso de que os Bolsonaros resolvam imitar as besteiras que Salvini pratica.

A mais recente é insólita e inédita desde junho de 1940, quando o embaixador francês, André François-Poncet, teve que deixar precipitadamente a Itália, após a declaração de guerra do fascismo italiano, que então ocupava o poder, à França.

Agora, é a França que chama de volta seu embaixador em Roma, Christian Masset, devido ao que a chancelaria francesa chama de “acusações repetidas”, “declarações ofensivas”, “ataques sem fundamento” e “ingerências sem precedentes” desde o fim da guerra (a de 1939-45).

Tudo praticado pelos dois vice-presidentes do Conselho de Ministros italiano, o tal de Salvini e seu colega Luigi Di Maio, do Movimento 5 Estrelas, também populista, mas de outra cepa.

A gota d’água foi o apoio dos dirigentes italianos ao movimento dos “coletes amarelos” que estão se manifestando repetidamente na França, protestos que geralmente terminam em quebra-quebra.

Sem entrar no mérito do movimento, que ainda não está bem decodificado, pergunto: como reagiria o bolsonarismo se Nicolás Maduro mandasse um representante (ou algum de seus paramilitares) para apoiar uma invasão qualquer do MST?

É isso que faz a Liga que a turma do presidente brasileiro tem como parte de sua futura fraternidade universal. Gente disruptiva por excelência, certo?

Suspeito que Paulo Guedes, o braço liberal do bolsonarismo, não tem maior simpatia por Salvini e sua turma.

O governo italiano apresentou proposta orçamentária que aumenta o déficit público, bem o oposto das intenções de Guedes. E olhe que a dívida italiana, como proporção do PIB, é bem maior que a brasileira.

O governo de que Salvini é a face mais evidente (e mais agressiva) que a Itália não vai bem das pernas: cresceu magro 1% em 2018 e, para 2019, a previsão de crescimento é magérrima (0,2%), o mais débil em cinco anos.

É verdade que a Itália vem tendo desempenho econômico medíocre há muito tempo, mas a Liga e o 5 Estrelas foram eleitos justamente para escapar da mediocridade.

Não o conseguiram em seus sete meses de governo.

Pode ser pouco tempo, mas uma fatia dos italianos parece achar que é muito: o Istat, o IBGE italiano, informou na quinta-feira (7) que cerca de 160 mil italianos mudaram-se para o exterior no ano passado, o maior número de emigrantes desde 1981.

Ou seja, o governo supostamente da “nova política” está sendo incapaz de dar esperança à ponderável fatia de italianos, que preferem tentar encontrá-la fora do país.

Ah, se o bolsonarismo reclama do vice Hamilton Mourão, na Itália é pior: Salvini fechou o país para o desembarque de imigrantes. O presidente do Conselho de Ministros, Giuseppe Conte, escolhido pela própria Liga e pelo M5S, foi à televisão para dizer que, “se não permitem os desembarques, irei eu mesmo buscá-los em meu avião”. Mourão não chegou ainda a tanto.

Vê-se, pois, que um dos modelos favoritos do bolsonarismo é profundamente tóxico. Alguma surpresa?


Monica De Bolle: Nosso Brasil

O bolsonarismo é o petismo no espelho com o sinal trocado – não fosse assim, as eleições teriam sido diferente

“O Brasil é nosso. Nós somos diferentes deles”. Nós e eles. Eles e nós. Nós não somos eles, eles não são como nós. Nós somos diferentes, e ser diferente significa ser melhor, naturalmente. Mas, quem são eles? E quem diz agora que nós somos diferentes deles, ou que eles são diferentes de nós? Mais fácil responder a segunda pergunta do que a primeira. Dessa vez, quem disse “nós somos diferentes deles”, quem deu ar de novidade à velha ladainha do “nós” e “eles” cuja história é tão rica em Nosso Brasil foi Jair Bolsonaro.

Cabe digressão exploratória e explanatória. O interesse geral pelo termo “populismo” jamais esteve tão alto, a julgar pelos dados do Google Books NGram Viewer, que compila as menções do termo em publicações desde o ano 1900. Isso mesmo, desde o início do século passado. Nas publicações em língua inglesa, espanhola e portuguesa o aumento das citações de “populismo” é espantoso. Em razão disso, cientistas políticos, economistas, sociólogos, e outros pesquisadores da área de ciências sociais têm se dedicado a destrinchar o que, afinal, é populismo. Não é fácil chegar a um consenso sobre o que significa, já que de Hugo Chávez a Viktor Órban, de Donald Trump a Recep Erdogan, da direita à esquerda, há populistas para todos os gostos.

Jan-Werner Müller da Universidade da Pennsylvania, define populismo a partir de alguns ingredientes: trata-se de uma visão antielitista e antipluralista. O aspecto antipluralista é o mais importante. De acordo com a sua definição, o antipluralismo é a postulação moral de que um grupo representa “nós”, o “povo”, e não permite que qualquer outro grupo da sociedade faça a mesma postulação, os “eles”. Os “eles” são imorais e corruptos. A oposição não é legítima, pois quem não apoia os populistas não é parte do “povo”, não está entre “nós”. Opositores políticos, muitas vezes, são tachados de inimigos do “povo”.

O corolário do que está descrito acima é que o populismo é espécie de política identitária excludente, ou, tribal. Outro renomado cientista político e professor da Universidade da Georgia nos EUA, Cas Mudde, define populismo assim: “O populismo é uma ideologia superficial que separa a sociedade em dois grupos antagonistas – as pessoas “puras” e as pessoas “corruptas” – e afirma que a política deve ser a expressão da vontade geral do “povo”.” Contudo, como na definição de Müller, o povo não inclui toda a sociedade, mas apenas aqueles que se autoproclamam seus verdadeiros representantes.

Fim da digressão. “Este é o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do politicamente correto, do gigantismo estatal”. “Esta é a nossa bandeira, que jamais será vermelha, só será vermelha se for do nosso sangue derramado para a manter verde e amarela”. Essas duas frases foram proferidas por Bolsonaro em seu discurso de posse. Examinadas sob a ótica das definições acima, entender quem representa “nós” e quem representa “eles”, uma das perguntas do início desse artigo, fica mais fácil.

“Nós” são todos aqueles que não criticam o novo governo, ainda que as críticas possam ser construtivas. “Eles”, o resto, são “comunistas”, “socialistas”, “vermelhos”, e todos esses termos estão inequivocamente associados a gente corrupta, sem escrúpulos, ou que apoia gente corrupta e sem escrúpulos. O bolsonarismo que se instala no País e se manifesta nas redes sociais incansavelmente é identitário e excludente, suas táticas não são apenas semelhantes às táticas do petismo. São as mesmas táticas já que a retórica petista sempre foi populista, ao menos de acordo com a definição atual do termo que nada tem de suas origens no século 19, quando despontou nos EUA. O bolsonarismo é o petismo no espelho com o sinal trocado – não fosse assim, as eleições de 2018 teriam sido diferentes.

Nosso Brasil passou por um ciclo populista “de esquerda” e agora passará por um ciclo populista “de direita”. Dessa frase, a única expressão que importa é “ciclo populista”, pois para populistas de linhagem, “direita” e “esquerda” são apenas acessórios descartáveis a depender da conveniência. Nosso Brasil, ainda que com “Deus acima de todos”, nada tem de acolhedor.

*Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University