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Vinicius Torres Freire: Bolsonaro ainda não tem dinheiro para bancar seu Bolsa Família

Governo não tem dinheiro para o programa, crucial na política e para a pobreza

O programa de renda básica de Jair Bolsonaro deve chegar a algo em torno de 19 milhões de famílias —atualmente, 14,3 milhões estão no Bolsa Família. É o que está na prancheta; é o que Paulo Guedes deu a entender nesta quinta-feira (5), em uma entrevista, ao mencionar o aumento estimado do número de beneficiários.

O programa por ora não está com uma cara muito diferente dos rascunhos do Renda Brasil, do final de 2019. A diferença é que, depois da epidemia, as expectativas em relação ao valor do benefício aumentaram. Antes da calamidade, o Bolsa Família pagava em média R$ 190 por família; o auxílio emergencial rende no mínimo R$ 600.

No final de 2019, o plano era pagar uns R$ 232 por família, em média, o que daria quase R$ 53 bilhões por ano (sem “13º”). O Bolsa Família pagou R$ 33,7 bilhões em 2019 (em termos reais, valor corrigido pela inflação). Faltariam uns R$ 20 bilhões, portanto. De onde viriam?

O abono salarial custou R$ 18 bilhões em 2019 (é um benefício anual de até um salário mínimo pago a trabalhadores formalizados que recebem menos que dois mínimos, em média). O seguro-defeso pagou R$ 2,85 bilhões (é um seguro desemprego para pescadores que não podem trabalhar em época de proibição sazonal de pesca, mas recebido por um monte de gente mais. É um rolo). Juntando, dá mais ou menos os R$ 20 bilhões. Guedes e equipe dizem faz tempo que querem pegar esses dinheiros e leva-los para um programa social que consideram mais eficiente.

Problemas:

  1. o fim do abono depende de emenda à Constituição (é direito definido no artigo 239);
  2. ainda que passe a emenda, levaria pelo menos um ano para que o benefício deixasse de ser pago (haveria direitos adquiridos) e, portanto, para que o dinheiro para o Renda Básica aparecesse;
  3. gente no Congresso não gosta da ideia de dar cabo do abono;
  4. muita gente no Congresso quer apenas reformar o seguro-defeso, reservando o benefício, dizem, a pescadores de fato.

Logo, não vai ser fácil arrumar esses R$ 20 bilhões. Além do mais, esse dinheiro extra bastaria para bancar um benefício de apenas R$ 232 por família, recorde-se. Mais de 65 milhões de pessoas recebem auxílio emergencial; no Renda Brasil, o dinheiro cairia na conta de umas 26 milhões de pessoas. A clientela seria diminuída e o valor do benefício também, o que é razoável, pois não há dinheiro, mas politicamente é um problema.

Aumentar imposto não adianta, pois a despesa está limitada pelo teto de gasto. Dentro do teto, seria possível arrumar alguns dinheiros com o fim de algumas reduções de impostos e de gambiarras do Orçamento federal.

Tirar dinheiro de outro lugar, no curto prazo, é difícil. Sairia de onde? Dos parcos recursos para investimento “em obras” (para as quais há uns R$ 40 bilhões reservados neste ano)? Cortar despesa significativa com salário de servidor, além de uma guerra, depende provavelmente de emenda constitucional.

Neste 2020, é possível estourar ainda mais as contas e pagar um benefício entre R$ 200 e R$ 300 até o final do ano, uma extensão do auxílio emergencial. O déficit ficaria no “orçamento de guerra” deste ano de calamidade. No ano que vem, não dá, a não ser que o período de calamidade ou coisa que o valha seja estendido. Mas Guedes jura para sua audiência que 2021 é ano de cumprimento do teto.

Fazer com que o Renda Brasil caiba no teto de gastos é um problema sério para algo que parecia uma solução para Bolsonaro: o benefício político da ampliação do Bolsa Família.


O Estado de S. Paulo: Projeto de reforma tributária aumenta impostos pagos por profissionais liberais

Na proposta do governo, os 3,65% pagos atualmente por escritórios de advocacia, contabilidade, assessoria econômica e de comunicação, passariam para uma alíquota de 12%

Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A nova etapa da reforma tributária em estudo pelo governo vai modificar o modelo de tributação de profissionais liberais que prestam serviços por meio de empresas e conseguem receber remunerações em forma de lucro livre do pagamento de impostos. Escritórios de advocacia, contabilidade, assessoria econômica e de comunicação, que hoje pagam alíquota de 3,65% de PIS/Cofins e distribuem cerca de 85% do que faturam sem pagar impostos, estão se mobilizando contra a proposta de criação da nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e, principalmente, contra a volta da tributação sobre lucros e dividendos (pagamentos que os acionistas recebem pelo lucro gerado). 

O modelo atual levou à famosa “pejotização”: trabalhadores mais qualificados deixam de ser contratados como pessoa física por uma empresa e passam a prestar serviço como pessoa jurídica. O PJ, pessoa jurídica, paga cerca de um terço, ou até menos, de tributos em comparação a um empregado registrado, mesmo exercendo tarefas idênticas. Para o consultor Thales Nogueira, o fenômeno da “pejotização” contribui para aumentar a desigualdade de renda no Brasil nos últimos anos ao tributar menos quem ganha mais. 

Felipe Santa Cruz
Felipe Santa Cruz, presidente do Conselho Federal da OAB, disse que 'iria à guerra' no Congresso contra a alíquota de 12% da CBS. Foto: Tiago Queiroz/Estadão

De acordo com os dados mais recentes do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), o porcentual médio de renda isenta dos profissionais liberais chega a 76% entre os advogados, 75% entre economistas, 71,6% entre agentes e representantes comerciais, e 68,6% entre produtores rurais (ver quadro). 

Embora a proposta do governo federal só esteja tratando do PIS/Cofins, a alíquota prevista de 12% é muito maior do que os 3,65% pagos atualmente por esses profissionais. No caso do novo imposto que deve substituir o PIS/Cofins, especialistas ouvidos pelo Estadão lembram que essas empresas poderão usar o crédito que vão gerar ao longo da cadeia produtiva (à medida que forem comprando produtos) para abater no pagamento do imposto, mas quando o serviço for prestado a uma pessoa física (consumidor final), não haverá crédito a ser abatido e, portanto, a carga tributária será mesmo maior.

Arrecadação

Já a retomada da tributação dos lucros e dividendos, que existia até 1996, deve ser incluída na reforma tributária do ministro da EconomiaPaulo Guedes, com o objetivo de aumentar a arrecadação para bancar o novo programa social estudado pelo governo, o Renda Brasil, que deve substituir o Bolsa Família, com um benefício maior e mais famílias contempladas. Essa tributação deve ser progressiva, ou seja, quem distribuir mais lucros, pagará uma alíquota maior – nos moldes do Imposto de Renda. 

Hoje, esses profissionais pagam imposto sobre o lucro da empresa, mas os porcentuais são bastante baixos em função dos regimes simplificados de tributação. “É praticamente um caso de dupla não tributação dos lucros”, diz o economista Sérgio Gobetti, lembrando que o Brasil é um dos poucos países do mundo que isenta os dividendos distribuídos pelas empresas.

As propostas de reforma que estão sendo discutidas na comissão mista do Congresso não alteram a tributação de lucros e dividendos, mas o debate se acirrou na esteira das críticas de profissionais liberais de que haverá aumento da carga tributária com a alíquota mais alta da CBS de 12%. 

O descontentamento foi maior entre os advogados. O presidente do Conselho Federal da Ordem de Advogados do Brasil (OAB)Felipe Santa Cruz, chegou a declarar que a entidade “iria à guerra” no Congresso contra a proposta. 

“Os dados da Receita para 2018 mostram que nenhuma ocupação se beneficiou mais do privilégio do que os advogados”, disse Pedro Fernando Nery, consultor do Senado. Segundo ele, com a isenção vigente sobre lucros e dividendos, os brasileiros mais ricos se livram de pagar o imposto de renda sobre a pessoa física. 

O procurador tributário da OAB, Luiz Bichara, rebate às críticas e argumenta que é preciso entender que o uso da sistemática não é uma prerrogativa dos advogados. “O que alguns burocratas entendem por ‘benefício’ nada mais é do que um regime válido para a esmagadora maioria dos empreendedores brasileiros”, diz. 

Perguntas e respostas

1. Como é a tributação hoje?

As empresas são tributas em 34% sobre o lucro auferido. Sócios e proprietários de empresas que recebem dividendos (pagamentos que os acionistas recebem pelo lucro gerado) não estão sujeitos à incidência de IR pessoa física (a alíquota poderia chegar a 27,5% se estivessem). A isenção na distribuição de lucros e dividendos resulta numa baixa tributação dos valores recebidos pelos sócios e acionistas. Em muitos casos, um profissional liberal que receba por meio de uma empresa de lucro presumido (nome dado a um tipo de modelo simplificado em que a empresa estima um lucro com base em porcentuais sobre a receita bruta)é tributado sobre apenas 32% da receita, podendo distribuir todo o lucro sem tributação na pessoa física.

2. Quantas pessoas recebem dividendos no País?

São 3,2 milhões de pessoas, segundo dados de 2018 (o mais atual). 

3. Esses são os PJs?

Eles se confundem. Há empresários, executivos e alguns profissionais liberais que recebem a maior parte dos valores em lucros e dividendos. Mas também há o avanço da “pejotização”, quando um trabalhador se torna prestador de serviço, atuando como pessoa jurídica. Uma coisa é o profissional que é dono ou sócio de empresa, paga aluguel, tem folha de salário, opta por um regime especial e tem parte da renda isenta porque recebe um montante como dividendo. Outra coisa são as atividades de cunho personalístico e que não têm custo. Só o trabalhador travestido de empresa para não pagar imposto.NOTÍCIAS RELACIONADAS


Cartão bolsa família | Foto: Agência Brasil

Pedro Fernando Nery: Edaíquistão

Não será possível instituir uma renda básica melhor que o Bolsa Família depois da crise, sem combatermos os nossos 'e daís'

“Perigo de dano irreparável ou de difícil reparação”. Diante disso, a liminar foi concedida no meio da pandemia, realocando milhões de reais do orçamento da Seguridade Social. Mais dinheiro para a Saúde comprar respiradores? Não, tampouco para a Assistência pagar o auxílio emergencial. Ao contrário, a decisão diminui o dinheiro disponível para as duas áreas. O juiz federal decidiu que os juízes federais não precisam pagar as novas alíquotas progressivas da reforma da Previdência.

Confisco foi a razão para considerar inconstitucional trecho da Emenda Constitucional discutida pelos constituintes ao longo do ano passado. O tema espera julgamento no STF. A liminar do juiz dada neste mês no processo 1009622-08.2020.4.01.3400 é em favor da sua própria categoria – embora seja verdade que o mesmo tratamento foi dado a outras categorias em outras ações.

O argumento é simples: como a alíquota progressiva exige contribuições maiores de quem ganha mais, aqueles no teto remuneratório terão uma alíquota efetiva de quase 17% para a Previdência. Somada ao imposto de renda, a tributação total sobre o salário superaria 40%.

Há dois problemas no argumento. Um primeiro é comparar a contribuição com o salário atual, e não com a renda a ser recebida: a aposentadoria continuará sendo pelo último salário para quem ingressou antes de 2003. Independentemente do salário médio ao longo da vida e do valor das contribuições, a aposentadoria é 100% do maior salário. O subsídio pode ser de milhões de reais por pessoa. Não à toa, o regime dos servidores continuará ostentado déficits financeiros bilionários anualmente e déficit atuarial da ordem de trilhão (a Constituição demanda o equilíbrio, mas o texto é preterido por um princípio na decisão judicial).

O retorno ao investimento é altíssimo: se produto semelhante estivesse disponível no mercado, os demais cidadãos fariam os aportes felizes, sem jamais pensar que estão sendo confiscados. A confusão existe porque a contribuição previdenciária na prática é híbrida, ora parece aporte ora tributo.

O MPF defendeu em 2018 a fixação de uma tese sensata: aumentar a contribuição previdenciária do servidor seria constitucional, desde que se apresentem estudos financeiros e atuariais mostrando a sua necessidade. Não sendo o caso, haveria o tal confisco.

Um segundo problema no argumento do confisco é ignorar que os trabalhadores do setor privado estão sujeitos a tributação muito maior, inclusive para pagar os benefícios do setor público, sem que se fale em confisco. Como mostrou Bernard Appy neste jornal na excelente coluna de fevereiro “Quem paga imposto no Brasil?”, o produto do trabalho de um celetista chega a ser tributado em mais de 60%. A conta considera não apenas a contribuição previdenciária e o imposto de renda, como os tributos indiretos federais e estaduais (ICMS, PIS-Cofins, IPI) sobre sua produção, que diminuem o que ele levará para casa.

Parte desses tributos fecham o déficit de mais de R$ 40 bilhões por ano dos servidores. Não é este o verdadeiro confisco? Como a previdência do funcionalismo integra a Seguridade Social, o buraco é custeado por contribuições como a Cofins – competindo com Saúde e Assistência. E daí?

As ações sobre o tema no Supremo, hoje com relatoria do ministro Barroso, eram no passado julgadas por Joaquim Barbosa, que expunha esse argumento. Entendia que na ausência do aumento da contribuição do servidor, a conta iria para os demais. Incluindo os filiados ao INSS, que teriam a obrigação de custear os benefícios do regime sem o direito de usufruí-los: “partilhar o déficit com as pessoas naturais e jurídicas privadas é injusto e abusivo.” Mesmo com a elevação da reforma da Previdência, menos de 20% das despesas são custeadas diretamente pelos servidores.

Os argumentos de servidores federais sobre confisco na reforma da Previdência são embalados por duas indignações. Uma é a subtributação da renda de profissionais liberais de alta renda pejotizados. Serviços pagam menos impostos que produtos, e a PJ ainda pode-se distribuir lucros e dividendos para a pessoa física sem pagar IR (E daí?). O juiz olha para o advogado e se sente injustiçado.

A outra é a exclusão de Estados e Municípios da reforma (E daí?). Juízes estaduais, que já ganham mais pela farra das verbas indenizatórias, ficaram a princípio dispensados da alíquota progressiva da reforma. A associação dos federais se mobilizou para não ter e pagá-la também.

Não será possível perenizar o auxílio emergencial e instituir alguma renda básica melhor que o Bolsa Família depois da crise sem combatermos nossos “e daís”. Consolidar a reforma da Previdência nos tribunais, reformar a tributação sobre a renda e eliminar verbas indenizatórias devem fazer parte da busca por recursos no pós-pandemia.

*Doutor em economia


Cartão bolsa família | Foto: Agência Brasil

Pedro Fernando Nery: Defenda o Bolsa Família

Programa tem expertise e capilaridade para ser usado como instrumento contra a crise

Ele foi responsável por 10% da redução de desigualdade entre 2001 e 2015, e por tornar menos insuportável a pobreza de milhões – segundo estudo do Ipea e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. É um feito notável para um programa que custa menos de 0,5% do PIB. Principal mecanismo de proteção de renda de informais e desempregados, o Bolsa Família chega já em crise para atender à crise do coronavírus.

Ele custa um décimo do gasto com funcionários públicos, e cerca da metade da isenção de lucros e dividendos que beneficia a elite que não paga imposto de renda na pessoa física. Mas tem enfrentado cortes. As filas são antigas: Temer conseguiu zerar, mas já à custa de exclusões. Elas voltaram, em meio à recuperação econômica desigual.

No atual governo, o Bolsa Família recebeu um 13.º maldito. Um pagamento adicional, promessa de campanha, seria louvável – desde que houvesse orçamento adicional. Sem a complementação, o 13.º implicou exclusão: famílias comprovadamente pobres ficaram sem receber nada para que outras recebessem o pagamento adicional.

Para piorar a falta de complementação, os escassos novos pagamentos de 2020 se centralizaram nas regiões mais ricas, apesar de filas gigantes no Nordeste. É que o critério de concessão ignora completamente as filas, e usa estimativas de pobreza baseadas no Censo de 2010. De lá para cá, o País viveu a recessão de 2015-16, que afetou mais o Nordeste, quando a recuperação favoreceu mais o Centro-Sul.

Por isso, dos 100 mil novos benefícios concedidos em janeiro, Santa Catarina – com o menor desemprego do País – recebeu 6 mil, o dobro de toda a Região Nordeste. O Piauí recebeu 86. Se 12% da fila catarinense foi atendida, somente 0,1% da fila piauiense o foi. Três milhões e meio de brasileiros esperam para receber os benefícios: já estão habilitados, o que quer dizer que são reconhecidamente pobres.

Fisicamente, a fila do Bolsa poderia ocupar a distância entre Brasília e São Paulo. Ela vem depois da renda dos 5% mais pobres ter caído 40% entre 2014 e 2018 – segundo a FGV Social. É um risco político desnecessário à agenda de reformas.

Já passou da hora da fila ser zerada: é inclusive questionável que haja discricionariedade na concessão do benefício para quem já está habilitado. Nos termos da Constituição, é prioridade absoluta assegurar o direito à alimentação e à saúde das crianças – principais destinatárias do programa.

Mesmo zerar a fila é pouco agora, porque o Bolsa é o instrumento mais efetivo para repor a perda de renda da quarentena da epidemia. Primeiro, porque não exige carteira assinada, podendo ser recebido pelos informais. Até por essa focalização, é a despesa pública com maior multiplicador conhecido em curto prazo sobre o consumo e o PIB. Segundo, porque atende a crianças, um público que fica em insegurança alimentar quando as escolas fecham.

Em terceiro lugar, porque dado o grau de incerteza da evolução da epidemia, a resposta econômica à covid-19 precisa ser desejável por si. Boas propostas de reforma do Bolsa Família já tramitavam desde o ano passado. Elas miram a constitucionalização antifilas e o combate à pobreza intermitente, flexibilizando as linhas duras para acesso ao programa (que também desincentivam portas de saída).

O debate da sustentação da renda dos informais durante a pandemia vai apresentar a muitos brasileiros a modéstia dessa rede de proteção. O Bolsa Família paga benefícios de R$ 89 por mês, para as famílias que vivem com menos de R$ 89 por pessoa (extrema pobreza). As famílias que estão “só” na pobreza (menos de R$ 178 por pessoa) apenas recebem se tiverem crianças ou grávidas. O valor é de R$ 41 por dependente, um milésimo do teto remuneratório no serviço público.

O programa conta com capilaridade e expertise para ser usado como instrumento importante contra a crise: só o seu estigma pode explicar os que pedem uma nova transferência de renda para a pandemia. Mas ele precisa de recursos. Hoje, de cada real do Orçamento, o Bolsa leva só dois centavos. Defenda.

*Doutor em economia


El País: Governo Bolsonaro não explica tamanho real da fila do Bolsa Família

Segundo cálculos, demanda reprimida deveria estar perto de 1,7 milhão de famílias, três vezes mais do que o número divulgado pelo Ministério da Cidadania

Programa Bolsa Família vive, sob o Governo Jair Bolsonaro, o que pode ser um de seus momentos com maior fila de espera para ingresso da história, com o corte de benefícios e uma redução inédita na concessão de novos auxílios. Cálculos realizados pelo EL PAÍS, com base em dados públicos, estimam que 1,7 milhão de famílias, ou cerca de 5 milhões de pessoas, estariam atualmente aptas a ingressar no programa, ou seja, preenchem todos os critérios para receber o auxílio antimiséria. O Governo Federal, no entanto, não revela os números exatos dessa fila. O Ministério da Cidadania fala apenas em “uma média nacional” de 494.229 famílias à espera do programa em 2019, sem disponibilizar os números absolutos mês a mês de entrada e saída de famílias e nem o número de habilitados a receber, mas ainda sem a bolsa.

Os dados oficiais da espera pelo Bolsa Família, de quase meio milhão, foram obtidos pelo jornal O Globo, via Lei de Acesso à Informação após quatro meses de espera, e depois confirmados ao EL PAÍS pelo Ministério da Cidadania nesta segunda-feira. O problema é que os dados repassados não são condizentes com os números históricos da fila no país e com a situação econômica vigente, que trouxe um aumento no número de miseráveis.

Nem os números do Cadastro Único, que reúne dados do programa e são públicos, nem a situação de renda e crescimento econômico do país são congruentes com essa “média” apresentada. Os dados divulgados chegaram a ser comemorados pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra. “Viram nos Governos Lula e Dilma uma manchete assim? Não. Em todos os anos do PT na Presidência existiram enormes filas do Bolsa Família. No Governo Dilma chegou a 1,2 milhão de famílias. Falo como primeiro gestor a zerar a fila. Mesmo com a recessão que o PT deixou, a fila hoje é menor que a deles.” O texto foi publicado em seu Twitter na segunda-feira, juntamente com a manchete do Globo que falava da fila de espera.

Osmar Terra

@OsmarTerra

Viram nos Govs Lula e Dilma uma manchete assim?Não.Mas em todos os anos do PT na Presidência existiram enormes filas do BF. No Gov Dilma chegou a 1,2 milhão de famílias.Falo como primeiro gestor a zerar a fila.Mesmo com a recessão que o PT deixou,a fila hoje é menor que a deles.

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Uma análise detalhada dos números, porém, desafia a comemoração com base nas cifras apresentadas como oficiais. Somente em 2019, foram cortadas do programa quase 1,2 milhão de famílias, em uma queda contínua, mês a mês. Ainda no ano passado, houve um freada brusca na concessão de novos beneficiários. Em 2019, o Governo ofereceu 66% menos novos benefícios em comparação a 2018. É o coeficiente de famílias cortadas, mas ainda aptas a receber, adicionadas às que não entram mais no programa —num contexto de não melhora expressiva da economia— que pode estar gerando essa fila de espera estimada maior que a “média” oficial.

Entre julho e outubro —último mês com dados oficiais sobre as novas concessões—, a quantidade de novas famílias que entraram no programa despencou. A partir do meio do ano, a média de novas concessões, que antes girava em torno de 220.000 famílias por mês, caiu abaixo de 10.000. Nunca houve um ano com tantos meses com menos de 10.000 novos benefícios concedidos como em 2019. O quadro é inédito na história do programa, pelo menos entre 2014, primeiro ano de dados disponíveis, e 2018.

Um gestor do programa no município de Inhapi, interior de Alagoas, afirmou à reportagem que a porta de entrada do Bolsa Família está “fechada”, desde a metade do ano passado. Ou seja, os cadastros continuam sendo feitos, mas ninguém entra no programa. A dona de casa Iara Rodrigues Rocha, 16, afirma esperar desde julho para ser contempladas. Segundo a assistente social da cidade, ela se enquadra em todos os requisitos para ser beneficiária. “Enquanto espero na fila, vou pegando fiado”, afirmou, com a filha de menos de um ano no colo.

O número de beneficiários do Bolsa Família sempre foi flutuante, uma vez que algumas famílias perdem o benefício por razões como o aumento da renda ou a não atualização do cadastro, obrigatória para permanecer no programa. Ao mesmo tempo, novas famílias ingressam, seja pela atualização dos dados, seja pela queda na renda per capita que as fazem entrar de volta para a faixa da pobreza. Para receber o benefício é preciso ter uma renda mensal máxima de 89 reais por pessoa, ou 178 reais em caso de famílias com filhos até 18 anos. O que foge da normalidade, segundo quem acompanha de perto o programa, é a redução da marcha de novas concessões para quase o ponto morto.

Desde junho, quando o programa começou a diminuir abruptamente, o mercado de trabalho tampouco apresenta dados que corroborem um possível argumento de que o programa Bolsa Família poderia ter encolhido por uma melhora nos índices da economia. Ou seja, os especialistas que conversaram com o EL PAÍS argumentam que é razoável esperar que um contingente de cerca de 200.000 famílias por mês seguiriam tentando entrar no programa, sem sucesso, virando, então, demanda reprimida.

Além disso, no final de 2018, o Brasil somava 13,5 milhões de miseráveis, numa crescente desde 2015. A taxa de desocupação no trimestre julho-agosto-setembro de 2019 ainda estava em 11,2%, valor menor do que no auge da crise econômica, mas ainda assim idêntico ao de meados de 2016. Por fim, a estimativa para o PIB do ano passado é modesta, girando em torno de 1%, o que também não explicaria uma melhora súbita da renda dos elegíveis ao programa.

A expectativa para este ano também não é das mais otimistas, já que, com um corte de 12%, o Orçamento para o programa ficou em 30 bilhões de reais. Por mês, isso implicaria em transferências no montante de cerca de 2,4 bilhões de reais. Se a transferência média por família continuar igual à de dezembro, ou seja, 191.77 reais, o Bolsa Família precisará, não só aumentar a fila, como ainda cortar mais de 350.000 famílias para caber no Orçamento de Bolsonaro, considerando as 13,1 milhões de famílias beneficiárias de dezembro. Tudo isso sem considerar o pagamento do décimo terceiro concedido por Bolsonaro em 2019 para acomodar uma promessa de campanha.

Oficialmente, a pasta diz que o número menor de benefícios se deve a uma reformulação do programa que está em curso, sem oferecer maiores detalhes. A reportagem questionou repetidas vezes o Ministério da Cidadania, por meio de sua assessoria de imprensa, sobre a base de cálculos da média de espera, bem como os números absolutos, mas não recebeu resposta. “Qualquer estimativa de cálculo, cruzando dados gerais do Cadastro ou da folha de pagamento do Bolsa será suscetível a erro”, limitou-se a dizer diante dos questionamentos. Mas reconheceu que “as concessões dependem do quantitativo de famílias habilitadas para o programa e estratégias de gestão da folha”. O EL PAÍS voltou a pedir os dados via Lei de Acesso a Informação, um trâmite ainda em curso.

“Rigorosamente o Governo está omitindo a informação”, diz a economista Tereza Campello, ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, ministério que coordenava o Bolsa Família nos Governos do PT. Campello diz que esse tipo de dispositivo —de se calcular uma média— nunca foi utilizado antes para se falar no tamanho da fila de espera do Bolsa Família. “Falar em média, quando se pergunta o total, é se utilizar de um artifício para esconder essa informação. “Por que então o ministro já chegou a afirmar que a fila estava zerada? Quando é para dar uma notícia positiva, tem o dado exato e agora, fala-se em média?”.


Míriam Leitão: A nova esquerda

O Brasil precisa de uma esquerda sólida e vinculada aos seus ideais de inclusão, diversidade e promoção da ascensão social

- O Globo

A esquerda precisa se reconstruir. Por ela e pelo Brasil. País de enormes desigualdades e no qual ideias conservadoras têm prosperado, o Brasil precisa de partidos que defendam políticas públicas de inclusão, espaço no Orçamento para os pobres, interesse de grupos excluídos, fim dos privilégios, atualização dos costumes. Mas quem é a esquerda brasileira? A que se autodenomina não parece ser.

A esquerda não pode ser a favor de doação de recursos públicos para o capital. Isso não faz sentido. Aqui, houve aumento das transferências para grandes empresas, inclusive estrangeiras, de 3% para 4,5% do PIB nos governos petistas, pelas contas do Banco Mundial. Pode ser muito mais. Houve várias formas de benefícios às grandes empresas, alguns deles indiretos. Os descontos nos impostos, ou o custo financeiro dos empréstimos subsidiados, deveriam ser um inimigo a combater.

Uma nova esquerda terá que enfrentar definitivamente o engano embutido na tese de que o Estado deve estimular os grupos empresariais para eles serem grandes e lucrativos porque, desta forma, a economia estará bem e haverá emprego. Isso foi tentado pela direita, no regime militar, mas não é estranho um governo conservador ter uma política de transferência para o capital. O que espanta é o governo que se definia como progressista ter implantado as mesmas propostas do regime militar que combateu. A recente política industrial de campeão nacional era idêntica à da ditadura, só que em vez de os beneficiários serem Bardela, Villares, eram JBS, BR Foods, Grupo X. Nos dois momentos históricos a proposta fracassou.

O Brasil é cheio de cartórios, interesses específicos, categorias que conseguiram ter vantagens em relação ao resto da população. Os partidos da esquerda brasileira sempre abraçaram esses grupos, defenderam seus interesses como sendo os do povo. Diante de qualquer comprovação da assimetria de tratamento entre cidadãos do mesmo país, a tese levantada é a do direito adquirido. Quando se tenta mostrar os privilégios na Previdência, a esquerda entra em negação e diz que o problema não existe. A defesa de interesses corporativos não pode ser parte de uma verdadeira agenda de esquerda.

Na época da luta contra a inflação ficou claro o desvio no qual os partidos da esquerda entraram. Um líder do PT me disse em 1994 a seguinte frase: “combater a inflação é um projeto da elite brasileira.” Diante da repercussão, ele negou ter dito. Como ele já morreu, não vou dizer seu nome, apesar de ter certeza de que escrevi o que ouvi. O importante é pensar na frase porque ela coincidia com o comportamento do partido na época do Plano Real. A alternativa que apresentava era a negociação de pacto de preços e salários entre empresários e trabalhadores. O pacto era um conluio, no qual os trabalhadores de maior renda e de sindicatos fortes recebiam reajustes salariais que eram repassados para os preços, e tudo isso realimentava a inflação, que atingia violentamente os mais pobres. A inflação alta concentrava renda, mas não havia em nenhum partido de esquerda uma consciência da natureza deletéria da escalada de preços.

Nas privatizações também ficou evidente que, mais do que o controle estatal das empresas, o que estava sendo defendido a pedras e chutes em manifestações de rua eram as vantagens dos funcionários das estatais.

A transferência de renda para os mais pobres através do Bolsa Família foi bem executada, depois de abandonada a ineficiente proposta do Fome Zero. O programa tem foco nos mais pobres e todas as avaliações mostram isso. Mas a política perdeu parte do seu valor quando foi apresentada como um benesse do governo de esquerda aos pobres. Ao ser usada como uma chantagem eleitoral, ela foi se parecendo cada vez mais com as práticas clientelistas que sempre manipularam o voto dos pobres.

O Brasil precisa de uma esquerda sólida e vinculada aos seus ideais de inclusão, diversidade e promoção da ascensão social. Por natureza, a esquerda deveria combater o patrimonialismo, porque esse velho mal brasileiro está na raiz das nossas iniquidades. Por destino, deveria ser progressista porque para conservar privilégios e status quo, já existem os conservadores.


Luiz Carlos Azedo: O conjunto da obra

Para sair do abismo que cavou com as próprias mãos, Lula quer ser absolvido pelos eleitores. Acredita que o veredicto das urnas se sobreporia às sentenças judiciais

O ex-presidente Luiz Inácio da Silva foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, por causa de um sonho de consumo familiar: o tríplex de Guarujá. Pode ser que ainda sofra nova condenação por desejo da mesma ordem, no caso do sítio de Atibaia, que ainda está em curso na 13ª Vara Federal de Curitiba, cujo titular é o juiz federal Sérgio Moro. Suas ambições pequeno-burguesas acabaram desaguando em processos de natureza criminal. Para evitar a prisão, que considera injusta, Lula resolveu politizar seu julgamento e manter a qualquer custo uma candidatura natimorta à Presidência. A rigor, não poderá concorrer por causa da Lei da Ficha Limpa.

Lula não se imagina na mesma situação do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que pôs uma meteórica carreira política a perder em razão de sonhos de consumo e hoje está preso em Curitiba, para onde foi transferido com mãos algemadas e pés acorrentados. A rigor, porém, os meios utilizados para viabilizar os respectivos projetos de poder foram iguais, com vasos comunicantes no cartel das empreiteiras que desviaram recursos da Petrobras, da construção de estádios de futebol e de obras de infraestrutura para financiar projetos de poder e de enriquecimento pessoal. Zero diferença em relação a adversários que também se beneficiaram do desvio de recursos públicos para chegar e se manter no poder.

Lula sofreu uma derrota judicial acachapante em Porto Alegre, mas manteve a estratégia de confronto com o Judiciário, que desperta dois tipos de solidariedade da elite política. A mais sincera é dos que estão sendo processados pela Operação Lava-Jato e temem, como Lula, o chamado efeito Orloff do exemplo de Cabral: “eu sou você amanhã”. A mais falsa é a dos demais pré-candidatos a presidente da República que defendem o direito de Lula ser candidato, “mesmo que esteja preso”, por que estão de olho nos votos dos eleitores órfãos do petista. É bem típico da política. O principal objetivo de Lula é criar tal comoção no eleitorado que o livre da prisão.

Legado

Para sair do abismo que cavou com as próprias mãos, Lula quer ser absolvido pelos eleitores. Acredita que o veredicto das urnas se sobreporia às sentenças judiciais. Mesmo que Lula seja impedido de disputar as eleições com base na lei da Ficha Limpa, haveria o julgamento do seu legado político no processo eleitoral. Um “dedazo” na convenção petista indicaria seu substituto na sucessão presidencial, que faria apologia de suas realizações no governo de 2002 a 2010. A ex-presidente Dilma Rousseff, coitada, será jogada às feras da oposição. E responsabilizada pelo fracasso da chamada “nova matriz econômica”, como se Lula não tivesse nada a ver com isso.

Dilma ficaria com o ônus do desemprego, da inflação e da recessão na qual o país mergulhou, o legado de Lula seria a geração de emprego e renda numa economia que chegou a crescer 7% em 2010, ano em que deixou o poder, e a gratidão dos 52 milhões de pessoas beneficiadas pelo programa Bolsa Família. Vem daí a sua força eleitoral resiliente. Essa estratégia é vulnerável por causa da crise ética. A gênese da Lava-Jato foi o “mensalão”. No governo de Lula e sob seu comando político, montou-se o maior esquema de corrupção de que se tem conhecimento no Ocidente. O sistema de poder que se alicerçava no capitalismo de Estado e nos mecanismos de financiamento político desnudados pela Operação Lava-Jato também faz parte do chamado “conjunto da obra”.

Pode tirar o burrinho da sombra o político enrolado na Operação Lava-Jato. A condenação de Lula é a demonstração de que ninguém está acima da lei, pelo menos se estiver sem mandato. Houve uma mudança de postura do Ministério Público Federal sob comando de Raquel Dodge, a nova procuradora-geral, com o fim do vazamento das investigações, que continuam. Houve um “alto lá” nas delações premiadas, com o caso da JBS, mas outras delações de vulto estão para acontecer. A Polícia Federal emite sinais trocados sob nova direção, como aconteceu na transferência de Sérgio Cabral, na qual o agente japonês deu lugar a policiais ninjas das operações especiais. Mas os escândalos continuarão sendo investigados, inclusive no exterior, por onde Lula passou. O sinal veio ontem mesmo, com a apreensão do passaporte vermelho do ex-presidente da República, que estava com viagem marcada para a Etiópia, país que não tem tratado de extradição com o Brasil, por causa do caso da compra dos aviões de caças suecos pela Aeronáutica.


Ferreira Gullar: Não basta ter razão

Não tem cabimento demonizar o populismo, ainda que ele contenha inevitavelmente contradições que podem levá-lo ao impasse. É inegável, porém, que ele parte da constatação de que a sociedade é, sem dúvida alguma, desigual.

Há uma minoria rica, uma classe média de alguns recursos e –particularmente em países com o nosso– uma maioria que vive ao nível da necessidade, mal tendo como sustentar e educar os filhos.

Eleger como objetivo de governo a melhoria das condições de vida dos mais pobres é indiscutivelmente um propósito louvável. Mas não basta ter razão para estar certo.

O problema é que esse populismo é ideológico e, por isso, faz do propósito de ajuda aos mais pobres um projeto de governo. Ao contar com o apoio dessa maioria carente, transforma-se em um modo de permanecer indefinidamente no poder.

Hugo Chávez, por exemplo, chegou a fazer aprovar uma lei que permitiria que ele fosse reeleito indefinidamente pelo resto da vida. Para enganar o povo, inventou um outro que daria à maioria o direito de depor o governante se ele traísse o interesse popular.

Se digo que o populismo latino-americano é ideológico, é que ele surgiu em decorrência da revolução cubana – que provocou um surto de guerrilhas no continente– como alternativa, após o fim dos regimes comunistas em quase todo o mundo.

De qualquer modo, o sonho da revolução proletária se desfez. O populismo troca a luta de operários contra a burguesia pela luta de pobres contra ricos. Assim, se o populismo não se assume comunista, procura em compensação se apresentar como anticapitalista.

Como não nasce de uma revolução que elimina da sociedade a classe capitalista, vale-se do governo para usar os recursos públicos na tarefa de dar casa, comida, escola e outros confortos até então fora de seu alcance, para assim, ao mesmo tempo, conquistar os votos dessa maioria da população.

Mas, para fazer isso, tem que contar com o apoio do capitalismo, como ocorreu na Argentina, na Venezuela e no Brasil.

Essa aliança inevitável compromete, de certo modo, o caráter anticapitalista que o populismo necessita ostentar. Para superar a contradição, é levado a adotar medidas e atitudes que aparentem sua hostilidade ao capitalismo, como dificultar as relações políticas com os norte-americanos e adotar exigências nos contratos com grandes empresas. Isso termina por reduzir –como no caso do Brasil– o comércio exterior e, internamente, leva ao fracasso projetos econômicos que necessitam de capital privado.

Somado isso às despesas com os programas sociais que beneficiam milhões de pessoas, é inevitável que a crise econômica termine por se instalar no país.

Para que se veja com clareza a diferença entre um governo não populista e um governo populista, tomo como exemplo os programas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso e o do governo Lula.

FHC criou os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Luz no Campo, que Lula criticou, acusando o presidente do PSDB de estar dando esmola aos trabalhadores e a suas famílias.

Quando assumiu o governo, porém, adotou os mesmos programas, trocando os nomes para Bolsa Família e Luz para Todos, aumentando em vários milhões o número dos beneficiados.

O resultado foi que a fusão dos programas e esse aumento de milhões de pessoas tornaram quase impossível a sua fiscalização, o que induziu muita gente a largar seu emprego para viver da ajuda do governo. Há mesmo exemplo de pequenos municípios em que quase todos vivem do Bolsa Família.

É que o populismo, na melhor das intenções, parte de que o problema da desigualdade social se resolve com o dispêndio do dinheiro público. Trata-se de uma ilusão. Não há mágica capaz de resolver problema tão complexo, do dia para a noite, às custas do Tesouro Nacional.

A solução efetiva desse problema exige que os mais pobres tenham condições efetivas de criarem seus filhos, educá-los e dar-lhes qualificação profissional. E temos que tomar isso a peito, sem demagogia. (Folha de S. Paulo – 09/10/2016)


Fonte: pps.org.br