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Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Nas entrelinhas: PEC da Transição troca o Bolsa Família pelo orçamento secreto

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Não gosto de afirmações categóricas na política, porque ela é como uma nuvem, como dizia o governador mineiro e banqueiro Magalhães Pinto. Você olha pro céu, parece um elefante; olha novamente, já virou um jabuti; olha de novo, e desaba um aguaceiro danado. A nuvem desta semana no céu de Brasília é a PEC da Transição, que está sendo objeto de intensas negociações entre representantes da equipe de transição, sob coordenação do senador eleito Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí, e os caciques do Centrão, liderados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Ontem, o ex-ministro do Planejamento e da Fazenda Nelson Barbosa rebateu as críticas à PEC da Transição com uma comparação que soa como música para os políticos do Centrão: disse que o governo Lula em 2023, o seu primeiro ano de mandato, gastará menos do que o governo Bolsonaro em 2022, ou seja, no seu último ano. Segundo o relatório de orçamento mais recente, o atual governo deve gastar o equivalente a 19% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, ao passo que a proposta do novo governo é reduzir esse percentual para 17,6% do PIB.

Segundo Barbosa, haveria um espaço de até R$ 136 bilhões para elevar despesas sem interferir nessa proporção gasto/PIB. Nessa contabilidade, ocorreria uma “recomposição fiscal” e não uma “expansão do gasto”. O espaço para aumentar gastos públicos em 2023 sem aumentar as despesas, em relação a esse ano, seria de R$ 136 bilhões, o que representa quase 69% dos R$ 198 bilhões previstos na PEC da Transição (valor que ficaria fora do teto de gastos). O gasto com o Bolsa Família ficaria fora do teto de forma permanente, num total de R$ 175 bilhões anuais, além de investimentos adicionais de até R$ 23 bilhões, para o Orçamento 2023. Qual o custo de um acordo no qual o governo Lula não teria que se preocupar com a aprovação de recursos para o Bolsa Família durante todo o mandato?

O cientista político Paulo Fábio Dantas, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pôs o dedo na ferida: a pressão dos atuais congressistas sobre o futuro governo para aprovar a exclusão do Bolsa Família do teto de gastos seria “a fixação explícita, na mesma PEC, da imperatividade da execução das emendas do relator, porta de entrada de uma constitucionalização do ‘orçamento secreto’, antes que a ministra Rosa Weber o anule”. Sua conclusão decorre de uma entrevista do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), na sexta-feira, na qual essa raposa felpuda do Congresso afirmou que a equipe de transição teria assimilado a legitimidade das “emendas de relator”. Faz sentido, porque não foram poucos os parlamentares da oposição, inclusive do PT, que se beneficiaram dessas emendas neste ano eleitoral.

Orçamento fatiado

Voltando aos números da PEC, com o Bolsa Família fora do teto de gastos, haveria um espaço de R$ 105 bilhões no Orçamento que estavam reservados para o Auxílio Brasil e que poderão ser destinados à recomposição dos orçamentos da Saúde, da Educação e outras despesas da área social. Como esses gastos são permanentes, a reação do mercado financeiro ao acordo em curso vem sendo muita negativa, porque a conta não fecha em quatro anos. Quem entende de contas públicas afirma que 77,1% do PIB de endividamento corresponde a R$ 7,3 trilhões. Esse patamar é muito elevado para os países emergentes, cuja média é de 65% de endividamento. Isso aumentaria nossos indicadores de risco financeiro e afugentaria investimentos externos.

Tudo seria fácil, se não fossem as dificuldades, como diria Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o humorista Barão de Itararé. Para viabilizar o Bolsa Família por quatro anos, antes mesmo de tomar posse, com uma oposição de extrema direita rosnando na porta dos quartéis e pedindo intervenção militar, Lula precisa contar com amplo apoio no Congresso. Sua bancada pode chegar a 139 deputados e 15 senadores. Ou seja, é impossível aprovar qualquer coisa sem os partidos de centro que o apoiaram no segundo turno e o Centrão. Além, disso, há 172 deputados da base bolsonarista que não se elegeram e são feras feridas no plenário da Câmara, que somente Arthur Lira pode controlar.

O senso comum é de que um acordo com Lira seria construído com base na sua reeleição à Presidência da Câmara, mas isso é considerado favas contadas. Ou seja, ocorreria mesmo que Lula estivesse articulando outro nome para comandar a Casa. O acordo seria outro: trocar o Bolsa Família pela manutenção do orçamento secreto durante os quatro anos. Mesmo assim, há quem duvide do acordo, como o vice-líder do PP, Doutor Luizinho (RJ): “Por que entregar quatro anos se o Orçamento da União precisa ser negociado todo ano?”

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-pec-da-transicao-troca-o-bolsa-familia-pelo-orcamento-secreto/

O presidente Jair Bolsonaro (PL) nunca teve um projeto de país e sua obra é a destruição do Brasil | Foto: Reprodução/Canção Nova

Revista online | A economia brasileira à deriva 

José Luis Oreiro, especial para a revista Política Democrática online (43ª edição: maio de 2022)

Jair Messias Bolsonaro, o atual inquilino do Palácio do Planalto, nunca teve um projeto de país. Na campanha eleitoral de 2018, o mote de sua campanha era “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Da boca do atual presidente da República, nunca se ouviu qualquer proposta concreta para acelerar o crescimento econômico e ampliar a criação de renda e de emprego. Pelo contrário, a agenda de Bolsonaro sempre foi uma agenda negativa: conforme ele mesmo expressou para a deputada Janaína Pascoal, o seu legado para a história não seria pelo que ele haveria de construir, mas no que ele haveria de destruir. Sua intenção era destruir tudo aquilo que foi feito no país depois do fim do regime militar: o Sistema Único de Saúde (SUS), as políticas de assistência social (lembram-se de que Bolsonaro chamava o “bolsa família” de “bolsa farelo”?), a autonomia das universidades federais (“antro de esquerdistas e maconheiros”), a garantia dos direitos humanos (“bandido bom é bandido morto”), a liberdade de cada cidadão exercer sua orientação sexual (o “gayzismo”). Em suma, Bolsonaro ansiava que o país retrocedesse no tempo, afastando-se do mundo ocidental moderno e do (sic) globalismo. 

Por mais que essa agenda pudesse seduzir uma parcela significativa do eleitorado (entre 15 e 20%), está claro que ela não se prestava para o exercício do governo. Era necessário ter um programa econômico a ser executado em quatro anos de mandato. A saída de Bolsonaro foi terceirizar a agenda econômica para o liberal Paulo Guedes, doutor em economia pela Universidade de Chicago. Guedes era o nome perfeito para uma pessoa com sérias limitações cognitivas como Bolsonaro: Os graves problemas econômicos que o país enfrentava desde o início da grande recessão de 2014 seriam resolvidos de forma mágica pela mão-invisível do mercado. Tudo o que era necessário para o Brasil era um choque de liberalismo: privatizações, redução do tamanho do Estado e, portanto, da carga tributária, abertura comercial, alinhamento estratégico automático com os Estados Unidos. Para Guedes, não importava o fato de que os países desenvolvidos, mesmo antes da pandemia do covid-19, estivessem dando uma guinada keynesiana e desenvolvimentista nas suas políticas macroeconômicas. Aliás, Guedes nunca se importou muito com os fatos. O que lhe interessava era o mundo fantástico que ele havia construído na sua cabeça ao longo de várias décadas e que acreditava ter condições de implantar com um arremedo de Pinochet para chamar de seu. 

Apesar da atuação desastrada de Paulo Guedes na sua articulação com a câmara dos deputados, a Emenda Constitucional da Reforma da Previdência foi aprovada no segundo semestre de 2019, garantindo, segundo o ministro da economia, uma redução dos gastos com a previdência social de cerca de R$ 1 trilhão em dez anos. Pela hipótese da contração fiscal expansionista, mais conhecida no Brasil como “fada da confiança”, deveria ocorrer um aumento colossal do investimento privado que colocaria o Brasil na rota do crescimento sustentado. O problema é que os fatos não confirmaram a teoria: em 2019 a economia brasileira cresceu apenas 1,22%, valor inferior à média de 1,55%, obtida durante os dois últimos anos do governo de Michel Temer. 

Foto: Lela Beltrão / El País
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Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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Foto: Roberto Parizotti/Fotos Públicas
Foto: Bruno Cecim/Agência Pará/Fotos Públicas
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Condomínio invadido do Minha Casa, Minha Vida, no Rio
Foto Tânia Rêgo Agência Brasiil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Comércio e atividades consideradas não essenciais fecham as portas durante lockdown no Distrito Federal.
Comércio da cidade do Rio de Janeiro funciona com restrições após decreto estadual que flexibiliza medidas de isolamento
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Protesto contra Bolsonaro em Maceió (AL). Foto: Gustavo Marinho/Fotos Públicas
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Em 2020, o Brasil, como o resto do mundo, foi atingido em cheio pela pandemia do covid-19. A reação dos países desenvolvidos foi rápida: flexibilização da política fiscal por intermédio de programas de transferência de renda, auxílio às empresas e aumento do investimento público, principalmente na área de saúde, para amortecer o impacto econômico das medidas de distanciamento social necessárias para conter o ritmo de difusão do SARS-COV-2. Não houve nenhuma reação por parte do Poder Executivo. Pelo contrário, o presidente da República atuou no sentido de boicotar as medidas de lockdown adotadas pelos entes subnacionais. Coube ao Congresso Nacional, sob a presidência de Rodrigo Maia, implantar o maior programa de resgate de pessoas da história do Brasil: o auxílio emergencial. Em grande medida, graças a esse programa, que o Ministério da Economia era contra, foi possível garantir a subsistência de 66 milhões de brasileiros e amortecer a contração do PIB em 2020, a qual se limitou a 3,88%, valor muito abaixo do registrado nos países desenvolvidos. 

Em 2021 Guedes tentou emplacar uma série de, por assim dizer, reformas: a reforma administrativa e a reforma tributária, apelando mais uma vez para a ideia quixotesca de que, se a economia brasileira ainda não havia retomado a trajetória do crescimento, é porque faltavam reformas a serem feitas. Sem entrar no mérito das propostas do Ministério da Economia, o fato é que os constantes desatinos do presidente da República cobraram um preço elevado: Bolsonaro foi obrigado a ceder a pressões do centrão para evitar um processo de impeachment. Com isso, as reformas de Guedes ficaram para “depois”. 

Estamos a poucos meses do pleito presidencial. O fato é que o governo não faz a mais remota ideia de como lidar com a aceleração da inflação, alimentada pela elevação dos preços dos alimentos e dos combustíveis e para reduzir a crescente insegurança alimentar da população. Tudo o que Bolsonaro quer é “segurar as pontas” para não perder a reeleição. O resto ele vê depois como disse para o novo ministro das Minas e Energia. O inacreditável é que as pesquisas de opinião mostram que cerca de 1/3 do eleitorado quer dar a esse cidadão mais quatro anos para terminar sua obra: a destruição do Brasil. 

Sobre o autor

*José Luis Oreiro é professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (43ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

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‘Renda Cidadã é ponto de tangência entre bolsonarismo e petismo’, afirma Benito Salomão

Economista critica governo brasileiro, que, segundo ele, segue de ‘braços cruzados’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Uma provável segunda onda da pandemia do coronavírus na Europa pode voltar a derrubar os mercados financeiros e causar ainda mais volatilidade na taxa de câmbio e prejuízos ao comércio internacional, de acordo com o economista Benito Salomão. “Se enganam os crentes em uma recuperação robusta em 2021, o cenário econômico deve prosseguir conturbado”, afirma ele, em entrevista na revista Política Democrática Online de outubro.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de outubro!

A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. O economista observa que, em meio a um cenário fiscal tão desolador, o governo brasileiro segue de braços cruzados, a reforma tributária parece ter saído de discussão, a reforma administrativa apresentada não tem condições de ser aprovada, e o governo aposta em trapaças contábeis para criar seu “Renda Cidadã”.

De acordo com o autor do artigo, a proposta do programa de distribuição de renda é “fruto da obsessão pessoal do Presidente da República, não como uma política de mitigação da pobreza, da miséria, ou da fome, mas sim como um mero instrumento de perpetuação no poder”. “Renda Cidadã é o ponto de tangência entre o bolsonarismo e o petismo. Ambos são capazes de lançar mão da sustentabilidade fiscal e da estabilidade macroeconômica do país, em troca da formação de feudos eleitorais constituídos por programas de transferências de renda, que, se não fossem deturpados, poderiam ser importantes instrumentos de redução das desigualdades no Brasil”, analisa.

Ao paralisar reformas estruturais e insistir em teses econômicas inviáveis, como o Renda Cidadã e a substituição da CPMF pela desoneração da folha de pagamentos, o Brasil está construindo rápido atalho entre a crise atual e a próxima crise, segundo o economista. “Em janeiro de 2021, o decreto legislativo de calamidade pública irá expirar”, diz.

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Míriam Leitão: Ruído constante na economia

Com Alvaro Gribel (interino)

Não há um único dia em que investidores e empresários deixem de falar sobre a ampliação do Bolsa Família. O vazamento de ideias é constante e varia conforme a fonte do governo. Se vem da equipe econômica, a sinalização é de que não haverá aumento de gastos. Se vem de ministros ligados à articulação política, prega-se que uma solução será encontrada. Ontem, ao mesmo tempo em que o ministro Paulo Guedes negou a hipótese de prorrogação do auxílio no ano que vem, houve quem defendesse um mecanismo para acionar o orçamento de guerra, o que facilitaria o aumento dos gastos. Limitar supersalários esbarra na independência orçamentária dos poderes.

Em sua carta mensal enviada a clientes, o Verde Asset, do economista Luis Stuhlberger, comparou a atuação do governo na pandemia entre 20 países emergentes. O Brasil, apesar de ser o mais endividado (85%), foi o que mais gastou como proporção do PIB (9%). “Os únicos países emergentes que gastaram parecido com o Brasil são Peru e Chile, ambos com grau de investimento e dívida pública antes da pandemia próximas a 25% do PIB, com muita margem de manobra.” O Brasil está dois degraus abaixo do nível de investimento e no mercado já há preocupações de que um novo rebaixamento possa acontecer no final do ano.

Se o objetivo do presidente é transferir recursos aos mais pobres para manter a sua popularidade, o tiro pode sair pela culatra. O presidente da Abit, Fenando Pimentel, que representa a indústria têxtil, também está preocupado com o fim do auxílio no final do ano, o que pode afetar o consumo e a recuperação do setor. Mas ele lembra que, mesmo que o Bolsa Família dobre de tamanho, nem de longe terá o mesmo impacto do auxílio emergencial.

— O auxílio emergencial custa R$ 50 bilhões por mês. O Bolsa Família é R$ 2,5 bi mensal. Mesmo que o governo consiga dobrar o programa para R$ 5 bi, o efeito sobre o consumo será muito mais limitado do que a ajuda que foi dada na pandemia —afirmou.

A ideia de liberar recursos limitando de fato o teto do funcionalismo parece boa, mas enfrenta problema técnico. Segundo o relator da reforma administrativa na Câmara, deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), os orçamentos dos poderes são independentes e o que pertence ao judiciário não poderá ser transferido para um programa social do executivo. “Ainda mais quando for recurso de estados e municípios”, explicou. O balão de ensaio parece que furou novamente.

Cautela automotiva

A Anfavea, que representa as montadoras de veículos, revisou de -45% para -35% a estimativa de queda da produção este ano. O clima ainda é de cautela. Se em setembro houve crescimento de 4,4% sobre agosto, em relação ao mesmo mês do ano passado foram produzidos 11% menos veículos. Olhando para frente, o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, explica que ainda permanece um cenário de incerteza: “Não dá para desconsiderar que a taxa de desemprego está em 13,8%, que a taxa de juros aos consumidores está em 19%, que estamos tendo aumento de custos acima do esperado, com aço, dólar, IGP-M. Estamos mais cautelosos por enquanto”, explicou.

Ajuda com os vetos

O sucesso no leilão de saneamento em Alagoas, na semana passada, pode ajudar o governo a manter os vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro no novo marco regulatório. Bolsonaro vetou a prorrogação de contratos das empresas estaduais, quebrando acordo feito no Senado, mas o resultado do leilão pode fazer com que os senadores insatisfeitos mudem de ideia, segundo o presidente do Trata Brasil, Edison Carlos. “Foram R$ 2 bilhões de outorga, valor muito acima do esperado. Os governadores vão ver o potencial de dinheiro entrando no caixa. O novo marco já está tendo efeito sobre os leilões, e isso pode estimular os senadores a deixarem tudo como está, sem mexer nos vetos”, disse.


Vinicius Torres Freire: Sem fura-teto, miseráveis vão à breca

Bolsonaro cancelou debate que permitiria estender auxílio sem derrubar teto de gastos

Jair Bolsonaro não quer “tirar nada dos pobres para dar aos paupérrimos” nem diminuir salários dos servidores públicos. Ainda que quisesse e que o Congresso aprovasse tais planos, algum dinheiro para aumentar o Bolsa Família ou coisa que o valha começaria a aparecer apenas em meados do ano que vem.

Logo, a alternativa prática para estender o efeito do auxílio emergencial é uma gambiarra que burle o teto de gastos federais. Se não houver prorrogação do auxílio ou um esquema qualquer a fim de engordar o Bolsa Família e leva-lo a mais gente, milhões voltarão à miséria total a partir de janeiro.

Essa é a primeira consequência prática fundamental do faniquito presidencial da manhã desta terça-feira (15), preparado e gravado —não foi uma daquelas explosões de saidinha do Alvorada. Como se sabe, Bolsonaro ameaçou expulsar do governo aqueles que queiram congelar o valor de aposentadorias e do salário mínimo ou arrochar outros benefícios sociais. Congelar: não reajustar nem pela inflação. Quer dizer: reduzir, em termos reais.

Além do veto à transferência de renda de “pobres para paupérrimos” e do enterro provisório do Renda Brasil, Bolsonaro disse ao ministro Paulo Guedes (Economia) que quer um programa de criação rápida de empregos. Para Guedes, isso significa reduzir impostos sobre a folha de pagamentos das empresas, o que em tese exige a criação de uma CPMF.

Logo, a segunda consequência prática do veto de Bolsonaro ao Renda Brasil é a volta da discussão prática dessa CPMF de Guedes.

No ambiente brasiliense, de muita política politiqueira, se discutia se Bolsonaro pediu a cabeça de Waldery Rodrigues, secretário de Fazenda, uma espécie de vice-ministro de Guedes, que propôs o congelamento (redução real) de benefícios sociais. No Planalto, dizia-se que Bolsonaro acha melhor que Rodrigues peça para sair; em público, o presidente tratou o Ministério da Economia como uma espécie de serviço de consultoria externa, que toma atitudes e enuncia planos que nada têm a ver com o governo.

Mas é fácil perceber que isso é meio irrelevante. Caso Bolsonaro não mude de ideia, não haverá Renda Brasil ou similar a não ser com fura-teto, ressalte-se. Ainda que o povo do mercado comece a admitir que a gambiarra talvez seja inevitável, haverá algum sururu e Guedes continuará no mínimo a ser refogado na banha da desmoralização.

Essas são as questões sociais, econômicas e políticas relevantes, a não ser que, por milagre, o desemprego e a renda do início de 2021 voltem ao nível em que estavam no início de 2020, pré-pandemia.

Ou, então, que parte do povo padeça ou morra calada e outro tanto ache que está tudo bem. Neste Brasil terminal, quem sabe seja ainda mais possível.

Ainda não se presta atenção suficiente à gravidade das decisões que a manutenção do teto de gastos exige, situação crítica que deve explodir para algum lado já em 2021. Como era de esperar, confrontado pela primeira vez com a necessidade de tomar uma decisão de governo (não de desgoverno ou destruição ativa), Bolsonaro não decidiu nada.

Quanto à redução de impostos sobre a folha salarial, casada com a CPMF, haverá mais problema. Primeiro, vai ter pelo menos rolo no Congresso (até agora, Rodrigo Maia diz que o imposto só passa sobre o cadáver político dele). Segundo, não há evidência nenhuma que imposto menor cria emprego, menos ainda em uma economia deprimida.

Afora milagres ou uma contravolta de Bolsonaro, estão armadas bombas para explodir no colo de alguém. Provavelmente dos paupérrimos.


Cartão bolsa família | Foto: Agência Brasil

Míriam Leitão: O grande risco dos improvisos

Por que acabar com o Bolsa Família? Um programa bom, reconhecido no mundo inteiro, com um foco claro, aperfeiçoado ao longo do tempo por especialistas que entenderam a sua lógica e metodologia. Falta à equipe econômica humildade e conhecimento da engenharia social. Além disso, faz falta um verdadeiro ministério da área social. Esse governo já demonstrou o quanto pode errar com seus improvisos e oportunismo.

O governo Lula derrapou no início com o Fome Zero. Como marca era bom, mas na prática a ideia era uma distribuição de vouchers como o food stamps, política americana dos anos 1950. Não ficou de pé. Houve um debate intenso, com duas vantagens: cientistas sociais que entendiam do assunto no governo participaram dele e o país tinha a experiência da Bolsa Escola que levou muita informação para a mesa de discussão. A política pública nasceu em Brasília, em 1995, na gestão de Cristovam Buarque. Depois foi implantada em Campinas e em Belo Horizonte. Por fim foi adotada, com valor pequeno, no governo federal. Havia sido feito um cadastro que depois foi ampliado. A pergunta era: quantos são e onde estão os invisíveis? O Estado foi buscá-los.

O foco da política é a mulher pobre, para “ajudá-la no grande desafio de criar uma família enfrentando dificuldades econômicas e muitas vezes as flutuações da vida pessoal”, como conta um dos primeiros economistas a me explicar a importância da focalização das políticas sociais. O alerta é que não se pode acabar com o Bolsa Família sem uma discussão ampla, objetiva, com especialistas e baseando-se em dados. Só assim se saberá como e por que mudar. Descaracterizar o programa pode trazer muitas consequências negativas, além de criar uma escada para um populista com claro projeto autoritário.

— O Bolsa Família é como o Pelé: reconhecido como exemplo de excelência mundo afora, apesar de não ser totalmente aceito pelos brasileiros. Mas talvez porque é um programa para mulheres e pobres, e com crianças, ele agora é motivo de experimentos sociais desabridos. Planejam engoli-lo em um programa não para crianças, mas para corrigir imperfeições do mercado de trabalho — avalia este economista.

Esse é um dos erros. Um programa para criar empregos é uma coisa, a rede de proteção social é outra. Qual é o foco desse Renda Brasil, que se quer vincular a um “emprego verde e amarelo”? Aliás, é a reapresentação da ideia de criação de um subemprego formal, um trabalhador com menos direitos e uma empresa que não contribua para a Previdência. Assim, aprofunda-se o problema da descapitalização do sistema previdenciário.

Uma coisa é certa: este governo sabe cometer erros como nenhum outro. O Ministério da Economia quer acabar com o abono salarial porque jovens da classe média estão recebendo o benefício no começo da carreira profissional. Ora, basta estabelecer a renda familiar como uma pré-condição. Quer acabar com o seguro-defeso porque tem fraude. Ora, que tal combater a fraude? O governo pode aproveitar e aprender a combater as extravagantes fraudes no auxílio emergencial. Estimular a entrada de jovens no mercado de trabalho é fundamental, mas é outro programa.

A engenharia social do Bolsa Família deu mais certo porque se baseou em experiências exitosas. A condicionalidade na época era a presença da criança na escola, mas acabou sendo a porta de entrada de outras políticas públicas. Ruth Cardoso, com uma equipe interdisciplinar de excelentes especialistas, desenvolveu o Bolsa Escola Federal. Sob essa base, o PT construiu a mais bem-sucedida e mais bem focalizada política de transferência de renda do Brasil. Foi uma construção coletiva. Todos viram isso. Bolsonaro, na quarta-feira em Ipatinga, disse o seguinte: “passamos por tantos problemas no passado e nenhum outro presidente lembrou do povo para dar uma aspirina sequer”. O que é isso? Uma mentira dita pelo presidente da República.

Não se improvisa em política social. O país tem imensa desigualdade e está agora diante da necessidade de dar amparo a quem está momentaneamente sem capacidade de gerar sua renda. O governo Bolsonaro vai improvisar. Por arrogância, por oportunismo eleitoreiro, por desconhecer a complexidade de se montar um eficiente programa social. O risco de errar é enorme.