BNDES

O Estado de S. Paulo: 'Já sou contra privatizar Eletrobrás pelo custo ao governo, melhor vender a Caixa', diz Elena Landau

Economista critica a insistência do governo em atropelar o Congresso e propor uma Medida Provisória para vender as ações da companhia no mercado; segundo ela, privatização perdeu a importância e se tornou 'mero simbolismo'

Anne Warth, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O governo vai acabar tendo que pagar para privatizar a Eletrobrás, diz a economista Elena Landau. Ex-diretora da área de privatizações do BNDES durante o governo Fernando Henrique Cardoso e colunista do Estadão, Landau critica a insistência do governo em propor, mais uma vez, uma Medida Provisória para capitalizar (vender ações no mercado) a companhia. Para ela, será uma tentativa de atropelar o Congresso, já usada no passado sem sucesso, e que vai trazer mais insegurança jurídica ao processo, já que a tendência é que o texto caduque antes de ser aprovado.

Landau afirma ainda que a privatização da Eletrobrás perdeu relevância e se tornou mero simbolismo. “O setor elétrico anda bem sem a Eletrobrás, e o governo vai acabar pagando para privatizar. Eu já sou contra a privatização nesses termos. Isso não me mobiliza mais”, afirmou, ao Estadão/Broadcast. Confira os principais trechos.

O que a sra. achou da ideia do governo de enviar, novamente, uma Medida Provisória para privatizar a Eletrobrás?

Qualquer proposta dentro do programa de privatizações demanda enorme segurança jurídica e aceitação por parte dos investidores e do mundo político. Não pode ser feito por MP, que só tem força de lei enquanto não caducou, e depois que caduca, perde validade e cria uma enorme insegurança jurídica. Se for para simplesmente repetir o que já está no projeto de lei que enviaram ao Congresso, que respeitem e não atropelem o Congresso Nacional. Não podem mandar MP para cortar o caminho. E se for para autorizar a contratação de estudos para a privatização, cai no requisito da inconstitucionalidade, pois uma MP dessa natureza não teria nem urgência, nem relevância. Não tem sentido nenhum. Isso já foi tentado no governo Temer e a MP 814 caducou. Todo mundo viu que ia dar errado e mandaram um projeto de lei. Estão repetindo o erro. Ainda que fosse aprovado, daria uma rigidez muito grande ao processo todo. Se precisasse mudar qualquer item da lei, teria que voltar ao Congresso para ajustar. O projeto de lei deve ser votado apenas depois dos estudos e ter apenas aquilo que realmente precisa de lei, como a descotização. Mas aí dá pra fazer uma lei apenas sobre descotização.

O governo considera que precisa dar uma sinalização positiva ao mercado com a renúncia de Wilson Ferreira Jr. A sra. considera que a MP seria esse sinal?

Não sei como o mercado comprou, em algum momento, que a privatização da Eletrobras iria andar no governo Bolsonaro. No governo Temer até tudo bem, porque privatizaram sete distribuidoras e era uma gestão com agenda claramente liberal e reformista. Era crível acreditar na privatização da Eletrobrás no governo Temer, mas no governo Bolsonaro não tem abertura comercial, não tem reforma administrativa. Como vão acreditar na privatização da Eletrobrás? Por isso a saída de Ferreira Jr é tão significativa, porque era o único empenhado na privatização. A MP é uma resposta atabalhoada a isso.

Na sua opinião, qual seria a melhor alternativa para privatizar a Eletrobrás?

Recuar completamente e fazer um único pedido ao Congresso, que é a revogação do trecho do artigo 31 da Lei 10.848, do governo Lula, que excluiu a Eletrobrás e suas subsidiárias do Programa Nacional de Desestatização (PND). Sou a favor de retomar as privatizações como sempre foi feito. Nesse caso, a ordem dos fatores altera o produto. Definir a modelagem antes da autorização de venda é um erro. Entrega ao Congresso uma competência que é do Executivo, quando o Legislativo não tem estrutura técnica para isso. Politicamente é um erro, você precisa começar o jogo da negociação política com uma série de supostos ganhos, como redução das tarifas, dinheiro para o Norte e o São Francisco, e o Congresso sempre vai pedir mais. Não é mais fácil rever todos os encargos setoriais e subsídios para carvão, fontes renováveis, agronegócio, em vez de abater esse custo das tarifas com outorga? Quem definiu o valor que irá para o São Francisco? É preciso um estudo muito detalhado sobre o valor da outorga (quanto a União receberá na operação), incluindo a questão de Tucuruí. É uma questão técnica, não política.

Como a sra. vê a questão da capitalização?

A capitalização foi decidida em 2018, mas dentro das circunstâncias da Consulta Pública 33, para evitar que a Eletrobrás ficassem de fora e perdesse a oportunidade de descotizar a energia de suas usinas (ou seja, vender a energia a preço de mercado). A partir disso, aproveitando a capitalização, daria para diluir a participação da União na empresa. Veio o projeto de lei e o tempo foi passando. O bônus de outorga contribuiria para o resultado primário de 2018, mas essas circunstâncias fiscais hoje são muito diferentes. Em três anos, poderiam ter feito estudos paralelos de forma a maximizar o retorno ao Tesouro, para avaliar os modelos possíveis, as memórias de cálculo e a outorga. Falta transparência nesse processo, que é algo fundamental no programa de privatizações e no serviço público. E ainda tem a questão de Tucuruí (uma das maiores hidrelétricas da Eletronorte, cuja concessão vence em 2024), que era um futuro longínquo em 2018 e agora está próximo demais para ser ignorado.

Onde estão as resistências à privatização da Eletrobras?

Hoje, na área política, estão concentradas no presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), por causa de Furnas, e na bancada do Norte, nos senadores Eduardo Braga (MDB-AM) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). Mas há as resistências de sempre, como os fornecedores, que sempre cobram sobrepreço para vender para a União e usam muitas vezes práticas não republicanas, dos empregados e das corporações.

Como vender a ideia da privatização e vencer a resistência da sociedade?

O discurso da privatização precisa mostrar os benefícios desse processo. A privatização da Gerasul, hoje Engie, mostra o potencial de uma empresa que sai da gestão pública, sem amarras de compras, crédito e recursos humanos. Ela era um pedaço da Eletrobrás e já chegou a valer mais do que a Eletrobrás. A melhor peça a favor da privatização desse governo foi o estudo sobre salários e privilégios das estatais. Vender estatal com o discurso fiscal é muito ruim, ainda mais depois do déficit por causa da covid-19. Os críticos vão fazer uma conta de padaria e dizer que entrará R$ 15 bilhões quando o buraco é muito maior. Além disso, depois da capitalização bilionária que fizeram na Emgepron (estatal militar), o discurso fiscal ficou muito fragilizado. 

Com tantas críticas ao processo, a senhora ainda é a favor da privatização da Eletrobrás?

Para mim, a privatização da Eletrobrás se tornou uma questão de simbolismo, porque não tem mais relevância. O setor elétrico anda bem sem a Eletrobrás. O governo vai acabar pagando para privatizar. Eu já sou contra. Não me mobiliza mais.  Em 2011, a Eletrobrás tinha 34% da geração, hoje tem 30% e em 2024 terá 24%; na transmissão, era 52% em 2011, hoje é 45% e em 2024 será 39%. A empresa não investe mais, está minguando, e os maiores interessados em reverter esse processo deveriam ser os funcionários, pois o investimento se tornou uma questão de sobrevivência para a empresa.

Se a Eletrobrás fica de fora, qual sua lista prioritária de privatizações?

Estou muito mais focada no simbolismo de vender ValecEBCTelebrás, fazer um pente-fino nas empresas dependentes do Tesouro Nacional, ver qual delas se justifica além da Embrapa. Cadê as escolas com banda larga da Telebrás? Para que serve a Valec? A EBC se tornou a TV Bolsonaro e agora compra novela do bispo Edir Macedo, que é um aliado. Se for para comprar novela, comprem da Globo porque é muito melhor. Estou muito mais interessada em vender a Caixa e acabar com o populismo do presidente Pedro Guimarães, que usou o banco para avançar no mercado das fintechs, abrindo agência quando todo mundo está fechando, um cara supostamente liberal fazendo o uso mais populista possível de um banco público. O estrago que a Caixa faz no setor bancário é muito maior que o da Eletrobrás no setor de energia. 

O governo diz que a mudança no comando da Câmara vai fazer a privatização andar. A sra. acredita nisso?

O próprio ministro Bento Albuquerque já falou que a privatização ficará para 2022. Fazer privatização no meio de uma campanha presidencial, com o presidente contra, eu nunca vi. Já vi em 1998, mas Fernando Henrique e todo o governo eram a favor. Alguém acha que Bolsonaro vai apoiar? Só se for em fevereiro, com o Congresso distraído e tudo aprovado em 2021. De qualquer forma, com a mudança no comando da Câmara, a desculpa de jogar a culpa no Rodrigo Maia (DEM-RJ) caiu. Perdemos uma Câmara reformista, Maia era um aliado da agenda liberal. Alguém acha que o PP de Arthur Lira (AL) é a favor? 

Mas as resistências à agenda de privatizações vão além do Congresso?

Não precisa atravessar a Esplanada dos Ministérios para encontrar inimigos da privatização. Eles estão na própria Esplanada. Valec, Ceitec, EBC, todas as estatais militares. Os ministros que comandam essas empresas são os inimigos. O governo se especializou em jogar a culpa nos outros. Bolsonaro ainda é o mais consciente deles, é um mentiroso contumaz, mitômano, que fala com uma seita que acredita em tudo que ele fala e para o resto distribui cargos. Já o ministro Paulo Guedes vive numa realidade paralela, cria e acredita. O mágico não pode acreditar na mágica. Bolsonaro não é maluco, maluco é quem acredita nele. Vai fazer o que quiser e pegou Guedes para ser seu fiador. Como já disse o ministro da SaúdeEduardo Pazuello, “é simples assim, um manda e outro obedece”. É um governo populista e vai dar muito trabalho para explicarmos, no futuro, esse interregno populista que nada tem a ver com liberalismo. Guedes prestou um grande desserviço à causa liberal ao participar desse governo e não implantar nada da pauta liberal. 

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RIO — O BNDES pretende estruturar até dezembro uma série de concessões de parques naturais à iniciativa privada. A entidade firmou contratos há menos de um mês com seis estados, a fim de oferecer suporte para concessão de 26 parques, com foco na exploração do turismo sustentável e preservação ambiental.

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Entre os estados com parcerias já definidas estão Bahia, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Tocantins. Parques como Jalapão (TO), Ibitipoca (MG), Rio Doce (MG) e Dois Irmãos (PE) estão entre os destaques das unidades de conservação previstas.

Outros três estados estão em tratativas e devem integrar a próxima rodada de concessões projetada pela entidade. A expectativa é que os primeiros leilões aconteçam no fim deste ano e o restante ao longo de 2022.

— A nossa ambição é mudar a realidade do setor de parques no Brasil. O país tem cerca de 450 unidades de conservação, mas hoje somente 18 têm concessionárias. Temos um grande potencial a ser desenvolvido nesse setor — aponta Pedro Bruno, superintendente de Governo e Relacionamento Institucional do BNDES.

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De acordo com a entidade, o objetivo do programa de estruturação de concessões é apoiar os estados em todas as etapas dos projetos. Por isso, serão realizados diagnósticos socioambientais, elaboração de modelagens econômico-financeiras, desenho de planos de negócios e apoio à ida desses projetos ao mercado até a licitação.

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Segundo o executivo, os prazos de concessão ainda dependem da modelagem, mas não se distanciam dos prazos já praticados em outras concessões do setor, com duração de vinte anos, como o Parque Nacional do Iguaçu, e trinta anos, como o Parque Aparados da Serra.

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— É um processo de ganho para todo mundo: ganha o usuário, que vai ter acesso a parques com melhores condições; ganha a nossa agenda ambiental porque a premissa básica da concessão é a conservação das unidades; ganham os estados que vão desonerar os cofres; e ganham os investidores que aderem à agenda com um retorno financeiro associado a uma pauta de impacto social.

Ele cita ainda que o mercado está aquecido e competitivo, vide a aquisição neste mês dos parques nacionais Aparados da Serra e Serra Geral, na divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina, pelo grupo Construcap, que administra o Parque Ibirapuera, em São Paulo.

— Temos um perfil natural de investidor que são os concessionários atuais dos parques já concedidos, mas há diversos players nacionais e internacionais do setor do turismo como grupos hoteleiros, empresas de ecoturismo, receptivos turísticos e até empresas dos setores de entretenimento e serviços.

Fiscalização

O progresso da agenda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) tem elevado o interesse de diferentes investidores financeiros em busca de retorno de reputação para suas marcas.

Bruno lembra que a fiscalização de infrações e crimes ambientais permanece sob responsabilidade dos órgãos públicos federal e estaduais. Já os modelos de negócios cabem aos concessionários e operadores interessados, que podem prever receitas de bilheteria e serviços associados como hotelaria e arvorismo.

— Conseguimos amarrar no contrato uma série de atribuições com bastante transparência que garantem para o usuário final uma percepção clara da melhoria do serviço — conclui.


Correio Braziliense: "Bolsonaro empurrou o Brasil para o caos", diz ex-diretora do BNDES

Elena Landau afirma que a postura negacionista do presidente da República e as omissões na pandemia do novo coronavírus são motivos mais do que suficientes para o impeachment. Ela se diz pessimista em relação à retomada do crescimento econômico

Vicente Nunes e Rosana Hessel, Correio Braziliense

A economista e advogada Elena Landau, ex-diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e uma das responsáveis pelo Plano Real, não tem dúvidas de que o presidente Jair Bolsonaro precisa ser destituído do poder, porque “ele empurrou o Brasil para o caos, ao cometer uma série de crimes e tornar-se um perigo para a democracia”.

Para ela, dado ao que viu nos dois primeiros anos de governo, é muito difícil ser otimista em relação ao Brasil. O crescimento econômico previsto para este ano, entre 3% e 4%, é, no entender dela, meramente estatístico e, enquanto não houver um compromisso efetivo com reformas estruturais, o país continuará patinando, com aumento da pobreza e das desigualdades sociais.

Elena ressalta que a política liberal vendida com ênfase pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu-se no caminho e o que se vê, agora, é um arremedo do liberalismo.“A base do liberalismo é clara: reforma do estado, simplificação do sistema tributário, abertura comercial e educação. O governo não tem nada nessas quatro premissas”, afirma. “Bolsonaro nunca foi um liberal”, frisa.

Uma grande preocupação, segundo Elena, são as eleições para as presidências da Câmara e do Senado. O fato de os candidatos favoritos para as duas Casas estarem totalmente alinhados ao Palácio do Planalto “é assustador”, pois indica, em caso de vitória deles, total subserviência ao Executivo e às pautas de costumes, que, se aprovadas, resultarão em um atraso sem precedentes do Brasil.

Por isso, acredita ela, um processo de impeachment, mesmo que desgastante, deve ser levado adiante. Elena afirma que o descaso com o sistema de saúde, o caos em Manaus e a política deliberada do presidente da República contra a vacinação são fatos mais do que suficientes para um afastamento do ocupante do cargo mais alto do país. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.

O Brasil está em uma situação complicada, com problemas diplomáticos e uma nova ordem global se estabelecendo com a posse de Joe Biden no comando dos Estados Unidos. Como fica o país nesse contexto mundial? O país vai continuar como pária ou Bolsonaro terá de se enquadrar?
O país está colhendo o que plantou durante dois anos, com uma adesão única ao ex-presidente Donald Trump, com a mesma ideologia, com o mesmo negacionismo, com uma espécie de seita que foi derrotada pela covid-19 nos Estados Unidos. Bolsonaro, pelo menos, cumprimentou Biden, o que já é surpreendente. Agora, ele é cínico, porque fala de aliança pelo meio ambiente, mas não vai fazer nenhuma mudança naquilo que é essencial para integrar o Brasil, de novo, ao mundo nas discussões sobre as transições das fontes energéticas, com respeito ao meio ambiente. Pode ser que, neste primeiro momento, ele esteja fazendo uma cortesia diplomática. Mas, se o Ernesto Araújo (ministro das Relações Exteriores) continuar à frente como ideológico dessa política de relacionamento internacional, nada vai mudar.

E qual será o preço que o Brasil pagará por isso?
Isso é uma pergunta muito difícil de responder, porque os investidores ameaçam, dizem que não vão trazer dinheiro para o Brasil. Mas, aí, tem um leilão de saneamento, e o leilão funciona. Eu fico me perguntando quando é que as pessoas vão desistir de vez deste país. Sai capital da Bolsa, depois volta o capital para a Bolsa... Eu não sei qual é o limite e quanto vamos pagar ante a discriminação que o Brasil sofre no resto do mundo. O país virou um deboche internacional. No caso da covid-19, nem os governantes ultradireitistas, populistas-nacionalistas, estão combatendo tanto a ciência quanto Bolsonaro. Todo o mundo está vacinando e apoiando a vacina. Agora, a insistência de Bolsonaro na sua política antivacina pagará um preço. Chegou o momento em que as pessoas vão dizer que ele não é tão confiável. Como é que se pode investir quando o presidente ameaça com um golpe democrático, quando o chefe do Ministério Público fala da antessala do estado de defesa? Há sinais muito graves. E, até então, o pessoal foi deixando acontecer. Mas, o tratamento em relações às mortes da covid-19 e o que aconteceu em Manaus, com a posse de Joe Biden, obviamente, podem ter um efeito maior do que a indignação com a questão ambiental.

A senhora falou que não entende o fato de haver investimento em saneamento ou em qualquer outro projeto de infraestrutura, que acaba entrando dinheiro no país quando há licitação. Isso não ocorre porque envolve projetos de longo prazo e acredita-se que o governo Bolsonaro vai durar apenas quatro anos?
Essa é exatamente a minha interpretação. Os investidores devem estar dizendo: essa pessoa desequilibrada e totalmente inapta para conduzir o país vai durar só mais dois anos. E esse grupo que está com ele, que se entende poderoso e está com as mangas de fora, vai recuar. Mas acho que a questão da covid-19 vai começar a pegar. A falta de humanidade, a falta de respeito pela vida humana, a insistência no uso da cloroquina, a insistência de não usar máscara... Bolsonaro virou uma piada do Trump.

Mas isso tem um custo grande. E a fatura será de mais mortes…
Pois é. Eu acho que, agora, as pessoas começarão a mudar diante da troca de comando nos Estados Unidos e do recrudescimento da pandemia, com a segunda onda da covid-19. E, diante da total falta de organização e de planejamento e gestão do governo para comprar a vacina, e do desprezo pela ciência, Bolsonaro mostra quem realmente é. Ele radicaliza quando insinua um golpe na democracia. Ele ameaça com as Forças Armadas. O procurador-geral da República, Augusto Aras, fala da antessala do estado de defesa. Felizmente, os parlamentares estão sendo pressionados por seus eleitores para tomarem uma posição em relação à avaliação do impeachment. Acho que está mudando. É óbvio que, se a sociedade for mais firme na defesa da democracia, na exigência de um trato humanitário decente, os investidores vão começar a ficar mais ressabiados. Até então, tínhamos a questão do meio ambiente, e alguns investidores ameaçaram sair do país. Mas, tinha uma história de que estava tudo sob controle e as instituições estavam funcionando. Agora, temos um Bolsonaro isolado do mundo. Trump já era uma caricatura. Bolsonaro é uma subcaricatura do Trump. O impeachment está sendo falado de uma maneira mais aberta. A sociedade está reagindo mais. O STF (Supremo Tribunal Federal) reagiu prontamente à fala do Aras. A própria associação dos procuradores reagiu. Ninguém está aceitando mais as maluquices do Bolsonaro.

O Brasil aguentaria um outro impeachment em um espaço tão curto de tempo?
Olha, vou dizer uma coisa: fui contra o impeachment da Dilma Rousseff, porque, com o impeachment, a gente não encerrou o ciclo da Nova Matriz Econômica, da heterodoxia. Eu era a favor que a Dilma governasse até o fim para que seu ciclo se encerrasse. Quando ela saiu dois anos antes, por uma questão muito técnica, que foi a pedalada fiscal — boa parte da população não entende o que é uma pedalada e não sabe diferenciar o que é restos a pagar etc —, Dilma ficou como vítima. E ainda teve aquele desvio completamente inconstitucional do (ministro do STF) Ricardo Lewandowski. Olhando para trás, o governo Temer conseguiu botar o Brasil nos trilhos. E acho que o Brasil aguenta outro impeachment, sim. O Brasil não aguenta é esse presidente. Se lembrarmos, começou-se a se falar de impeachment um pouco antes da covid-19, por causa dos ataques ao STF. Depois, veio aquele vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, e voltou a se falar de impeachment. Contudo, o que se viu foi Bolsonaro sobreviver a essas coisas. Ele se acha um super-homem. Acha que pode fazer qualquer coisa. Vimos o desastre da condução do presidente durante a crise da covid-19, agora, com um ministro absolutamente incompetente, que já devia ter sido demitido, que é o Eduardo Pazuello (Saúde), assim como Ernesto Araújo (Relações Exteriore) e Ricardo Salles (Meio Ambiente). Se pegarmos todo o ministério de Bolsonaro, o conjunto da obra é um dos piores que o Brasil já teve.

Qual seria o argumento que mais sustentaria, do ponto de vista jurídico, um processo de impeachment? O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tem mais de 60 pedidos na gaveta e não escolheu nenhum até agora…
Essa coisa de que impeachment é só política, evidentemente, se você não tiver um apoio bem fundamentado para o Congresso poder avaliar, não sai. Mas tem que tentar. A população tem que pressionar. Se não for aberto nenhum processo, porque ele continua com o apoio de uma seita, fica a ideia de que ele pode cometer qualquer crime. Não é possível cometer tantos crimes, como Bolsonaro cometeu, e deixar passar porque acha que não vai ter apoio. Ele cometeu crimes de responsabilidade, de falta de decoro com o cargo… O Rodrigo Maia se arrependeu de não ter feito nada e, agora, está dizendo que o presidente é incapacitado para conduzir a segunda onda da covid-19. Porém, é um pouco tarde para se arrepender. Ele tinha que ter aberto o processo antes.

Com o novo desenho das presidências do Congresso, diante da possível vitória dos candidatos do Planalto, Arthur Lira (PP-AL), na Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado, há espaço para um processo de afastamento andar?
As chances ficarão muito menores. Mas, também, nada garante que Baleia Rossi (MDB-SP) ou a senadora Simone Tebet (MDB-MS) darão andamento se não for feito um pedido bem fundamentado. Hoje, há uma pressão maior pelo impeachment do que tínhamos antes. Tem pressão sobre os deputados, pessoas que votam no PSol pedindo para que a Luiza Erundina retire a candidatura (à Presidência da Câmara) para poder eleger o Baleia Rossi logo de cara e mostrar a fragilidade de Bolsonaro. As pessoas mais engajadas estão olhando as eleições na Câmara e no Senado, exatamente, como a antessala do impeachment. O quadro é muito ruim dentro da perspectiva de uma vitória de Lira. O Baleia continua uma interrogação, mas, pelo menos, a gente sabe o que ele não é.

Quais são riscos de país ter as duas Casas do Congresso presididas por dois candidatos apoiados pelo Planalto?
O presidente interfere, de forma descarada, na eleição da Câmara e do Senado. E temos dois candidatos que declararam apoio absoluto ao presidente. Mas não sabemos o que o Planalto vai propor. Isso é gravíssimo. Do ponto de vista econômico, não faz diferença, porque tivemos um Congresso reformista nesses dois anos. Se o governo quisesse, se o Paulo Guedes (ministro da Economia) quisesse, e se ele tivesse um plano, teria feito reformas. Agora, corremos um risco de ir para um Congresso que pode ser entreguista. Vale lembrar que o governo teve propostas devolvidas, uma coisa raríssima, porque havia coisas de muito baixa qualidade, especialmente, na questão de armamento e de polícia. Com o possível novo comando da Câmara e do Senado, isso não deverá se repetir.

Há o risco de o Congresso priorizar a pauta de costumes?
Com certeza. A submissão do Congresso ao Planalto será a volta da pauta de costumes. Será muito grave essa submissão, porque vai perpetuar o bolsonarismo.

Por que a pauta econômica, de reformas, encalhou?
O Paulo Guedes acha que o Congresso não gostava da pauta dele. Mas ele não tem pauta. Nunca teve. Entregou a PEC Emergencial e foi para casa. Ele não trabalhou pela aprovação da PEC. Agora, o ministro da Economia fala que pode voltar com a nova CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). Ele só está esperando o Lira sair vitorioso para voltar com a proposta à Camara. Há uma reforma tributária possível de andar, de discussão e de qualidade. Mas o ministro está esperando o Lira para emplacar a obsessão dele. A pauta do Paulo Guedes é ruim do ponto de vista econômico.

Nesse contexto de crise sanitária, de crise política, o país não cresce. As pessoas estão desesperadas, sem perspectiva. O desemprego é recorde, a pobreza está aumentando, com desigualdade social assustadora. Como reverter esse quadro?
Vou dizer uma coisa: estou muito pessimista com a economia. E esse é um dos motivos que acho que o impeachment tem que ser julgado da mesma forma e com a mesma motivação que ocorreu para tirar a Dilma, que foi a crise econômica. As pessoas se engajaram no impeachment da Dilma porque ela, de fato, estava destruindo o Brasil. Ninguém aguentava mais a situação em que o país estava em 2015. Basta lembrar a conjuntura econômica do Brasil naquele ano. Esses elementos estão ocorrendo com Bolsonaro. Ele não tem ninguém no governo capaz de fazer um projeto de país. Não temos uma reforma administrativa que faça sentido. O governo não tem uma proposta de reforma tributária que pare em pé. Temos uma sequência de ministros da Educação muito ruins. Em um momento mais grave da covid-19, quando o país precisa aumentar a produtividade, não há uma coordenação, o que faz com que o fosso da desigualdade cresça pela falta de acesso à educação e pela falta de conectividade da banda larga. A Telebras, que foi recriada para trazer a banda larga, não faz o que tem que fazer. O governo está parado, esperando acontecer para botar a culpa em alguém. O que fazer é evidente. Esperava-se que o governo fizesse alguma coisa, mas o Paulo Guedes não se mexeu para o que precisava do Congresso. A abertura comercial era esperada desde o início, mas ele não fez. No momento em que o presidente baixa para zero a tarifa de importação para armas e munições, mostra que ele pode baixar a tarifa daquilo que quiser, na hora que quiser. Não precisa nem de estudo técnico para justificar isso. A economia é muito fechada, a indústria automobilística brasileira é a mais atrasada e não preparou suas plantas nem para pessoal nem para uma economia em transição energética. Ainda há impostos elevados, custos trabalhistas elevados... Nada das reformas que se esperava que fizesse veio. E não foi por falta de ajuda. O Temer, quando saiu, deixou tudo pronto. A agenda do Banco Central que está andando e que é muito boa, é continuação do trabalho que o Ilan (Goldfajn) começou.

O fato de o Brasil perder as fábricas da Ford era mais do que esperado? Outras empresas
devem sair do país?
Esse é o retrato da morte anunciada de uma indústria fraca. O Brasil não exporta mais carros para ninguém. O Brasil tem um dos piores carros do ponto de vista tecnológico, com a indústria dependente de subsídios, mas não tem contrapartida. Se você olhar o que faz (Emmanuel) Macron na França e o que fez (Barack) Obama nos Estados Unidos, os apoios dos governos foram para incentivar a transição energética e investimentos em capital humano. Os 5 mil profissionais demitidos da Ford não estão preparados para a nova demanda do mercado de trabalho. Isso é gravíssimo. Não há preocupação com a qualificação, não tem planejamento, não tem como olhar dois anos à frente. Eu sou muito pessimista.

A senhora acredita que o país crescerá neste ano? É possível algo entre 3% e 4%, como prevê o mercado, nesse contexto tão adverso?
A maior parte do crescimento que está se cogitando é estatística. A base de comparação é muito baixa. Com a nova onda da covid-19, sem auxílio emergencial, que segurou a queda do PIB no ano passado, acho que essas previsões vão acabar sendo revistas.

A senhora é a favor da volta do auxílio emergencial?
Não sou contra. Sou a favor da Lei de Responsabilidade Social.

E o que seria isso?
Isso significa que é preciso fazer uma reforma dos benefícios sociais, para focalizar melhor os recursos. A gente viu que, com o auxílio emergencial, que foi uma resposta rápida, veio como tinha de ser feito, mas, depois de dois meses, percebemos que havia sido destinado para muitos que não precisavam e um grupo que precisava acabou ficando de fora. O que precisa ser feito é focalizar os gastos sociais para quem, de fato, precisa e ter uma alternativa para quem está no mercado informal, que tem renda, mas tem volatilidade. A Lei de Responsabilidade Social foi proposta pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e tem como base um programa desenhado pelo grupo Livre, juntando propostas de um programa elaborado por três maiores dos especialistas em desigualdade. Seria um auxílio permanente, respeitando a restrição fiscal, com foco na criança e na educação, e ainda dá conta do mercado informal.

Com o Orçamento da forma como está e com a dívida pública bruta encostando em 100% do PIB, é possível um programa de renda para os mais pobres?
Sim, pois temos uma crise humanitária. O país, hoje, não consegue voltar a um lockdown a essa altura, porque temos um presidente que não dá exemplo, faz questão de aglomerar, não usa máscara em cerimônias e diz que não é preciso se vacinar. Só é possível, de novo, conseguir decretar um lockdown se tiver apoio para as pessoas ficarem em casa. A situação é muito ruim. A vacina é urgente. Temos uma crise humanitária muito séria e, nesse cenário, o Congresso não deveria estar em recesso. Deveria estar funcionando para discutir exatamente temas como esse. Poderia discutir a Lei de Responsabilidade Social. Mas o Congresso vai querer fazer algo mais populista, que é estender o auxílio emergencial. Não sei de onde virá o dinheiro.

Como a senhora avalia a política liberal com a qual o governo foi eleito?
Primeiro, é preciso qualificar o que é política liberal. Porque essa coisa de dizer que liberalismo é liberdade econômica e ponto, eu não concordo. Isso é só um grupo de pensadores que acham que é só olhar para a liberdade econômica que o resto vem atrás. Não há nada nesse governo que seja liberal. Primeiro, Bolsonaro é aquela imagem acabada de um não-liberal. É o cara da extrema direita que não acredita na ciência, não acredita na sustentabilidade, não respeita os Três Poderes, é a favor da tortura e gosta de exaltar ditadores. Bolsonaro é o oposto da ideia do liberalismo. Guedes entrou no governo porque Bolsonaro foi o único que o aceitou. Ele sabia que Bolsonaro não era liberal e quase estragou a reforma da Previdência. Se não fosse o Congresso e Rodrigo Maia, nem reforma da Previdência o país teria. Temos um problema de um governo não ter vocação para ser liberal com um ministro completamente incompetente, sem nenhuma habilidade política e sem nenhuma visão política. Guedes perdeu, de fato, o prestígio que tinha e, hoje, o que ele quer fazer, Bolsonaro impede. O presidente impede uma focalização dos benefícios sociais, impede uma reestruturação necessária no Banco do Brasil e ninguém pede demissão, como o (Henrique) Mandetta fez. Vão aceitando tudo o que o Bolsonaro faz.

É tudo pelo poder?
Se você não tem nenhuma abertura comercial, se não houve privatização... Outro dia, fiz um levantamento dos dados dos governos Collor, Itamar, Fernando Henrique Cardoso. Todos privatizaram mais de 10 empresas em dois anos. Todos. O Paulo Guedes não consegue fazer. Ele ainda propôs uma reforma administrativa que não vai adiantar nada, porque não tem impacto nenhum a curto prazo. O presidente não quer. O ministro é um sujeito completamente inexpressivo. Não tem como ficar otimista. A base do liberalismo é clara: reforma do estado, simplificação do sistema tributário, abertura comercial e educação. O governo não tem nada nessas quatro premissas.

O que se tem então é o populismo?
Exatamente. Só há populismo e ministros completamente inexpressivos. E alguns atrapalham a agenda liberal, como são os caso do Ernesto Araújo e do Ricardo Salles. O Pazuello já virou piada e um desprestígio para a eficiência dos militares. O resto fica calado para não atrapalhar. E o Paulo Guedes, quando fala, vira meme. Fica dizendo que está segurando o pacote, esperando o novo presidente da Câmara. O país está sem um condutor.

É possível esperar mudanças nesses próximos dois anos de governo? Ainda dá para fazer o que tem que ser feito para o país voltar a crescer e gerar emprego e renda para a população?
Com Bolsonaro, não. Pelo contrário. Acho que Bolsonaro, sentindo-se acuado ou mais forte, vai ser abertamente populista. Ele pode desistir do Paulo Guedes e colocar um desses heterodoxos, alguém da nova teoria humanitária, alguma pessoa que vai achar que investimento público gera crescimento.

E ainda tem a perspectiva de o Banco Central subir juros, o que será um baque neste momento com a economia tão frágil…
Isso é outro agravamento. Com a pressão da inflação, o Banco Central retirou o forward guidance (instrumento que sinalizava manutenção da taxa de juros baixa), com a expectativa de subir os juros. É um cenário muito complexo. E o Brasil é pária do mundo. A sorte é que o setor agrícola é muito forte e está sustentando o país.

A indústria tem, hoje, a menor participação no PIB desde o final dos anos 1940. Como vê isso?
O processo de desindustrialização já estava acontecendo. A própria indústria não se preparou para a mudança tecnológica, e a automobilística, que, no mundo todo, está migrando para carros híbridos, treinando pessoal e mudando suas plantas, no Brasil, não faz nada, porque está acostumada a viver com subsídios. Acho que a responsabilidade é da indústria também. É óbvio que há uma carga tributária e uma burocratização que atrapalham muito, mas há pouca inovação. Onde houve inovação tecnológica foi na agroindústria.

Na sua avaliação, existe a possibilidade de surgir um candidato forte a ponto de bater Bolsonaro em 2022 ou a reeleição dele está dada?
Eu vejo possibilidade sim. Acho que Bolsonaro mostrou que é totalmente incapacitado para conduzir o Brasil. Ele aproveitou a onda anti-PT. Por isso, o candidato para batê-lo não pode ser de esquerda, senão, vai gerar, de novo, uma polarização. Essa polarização a gente não quer. Ela está menor.

Mas, hoje, não tem esse candidato?
Tem candidatos que não se apresentaram abertamente. Hoje, o único que se apresentou foi o João Doria (PSDB-SP). Mas tem o Ciro Gomes (PDT-CE), que é candidato permanente, o Flávio Dino (PC do B-MA), o Luciano Huck, o Eduardo Leite (PSDB-RS), o Fernando Haddad (PT-SP)... Candidatos, teremos. Mas podem aparecer outros nomes, como o Paulo Hartung (MDB-ES), Tasso Jereissati (PSDB-CE). Nomes bons, temos.

Vimos isso em 2018, e Bolsonaro foi eleito…
Pois é. Hoje, estamos falando que poderia ter um médico na Presidência (Geraldo Alckmin/PSDB-SP). Mas, quando o médico falou que precisava fazer um acordo com o Centrão para fazer reforma, perdeu a eleição. Agora, Bolsonaro se aliou ao Centrão e ninguém achou nada demais. Acho que, exatamente pelos erros na eleição de 2018 e com a derrota de Trump e a vitória de Biden, que é um conciliador dentro do Partido Democrata, que não tem propostas radicais, há um ensinamento para nós. Depende da sociedade brasileira encontrar esse nome.


Claudia Safatle: Não é hora de relaxar

A redução da dívida bruta/PIB se deu por razões conjunturais

Três fatores contribuíram para a primeira queda da dívida bruta do governo geral como proporção do PIB desde 2013. Foram eles: o crescimento da economia (de algo em torno de 1,2% em 2019), que reduziu a dívida em 3,9% do PIB; a venda de reservas cambiais pelo Banco Central, que contribuiu com uma queda de 2% do PIB; e a antecipação de pagamentos dos empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES, no valor de R$ 123 bilhões, que abateu mais 1,4% do PIB da dívida bruta.

O BNDES ainda tem cerca de R$ 165 bilhões de empréstimos do Tesouro e parte desses recursos vai entrar no caixa da União neste ano. A retração da dívida bruta como proporção do PIB no ano passado dá um grande alívio ao governo, mas, segundo o secretário Especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, não pode ser vista como uma redução estrutural.

Se nos próximos oito anos o governo geral apresentasse um superávit primário de 0,5% do PIB, na média do período, a dívida bruta cairia dos atuais 75,8% do PIB para a faixa de 65% do PIB, explicou ele.

Seria uma queda importante, de dez pontos percentuais do PIB, mas ainda assim o endividamento do setor público consolidado estaria muito alto comparado aos outros países emergentes e ao próprio país, que, em 2012, tinha uma dívida bruta correspondente a 52% do PIB.

“Se relaxarmos na área fiscal, achando que a queda da dívida decorreu de fatores estruturais, tudo pode ser desfeito em relativamente pouco tempo”, alertou Waldery.

“Não existe na história do país - apesar de as estatísticas antes de 1994 serem contaminadas pela elevada inflação - um período de sete anos de déficit primário [de 2014 até hoje]. Isso é muito forte”, salientou o secretário.

Na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) consta a projeção de um déficit primário de R$ 31,2 bilhões, equivalente a 0,2% do PIB, para 2022, último ano do governo Bolsonaro. Com um pouco mais de esforço seria possível praticamente zerar a série de anos deficitários, se a política fiscal for restritiva.

A dívida bruta do setor público é o principal indicador de solvência do país. Waldery contou que em dezembro de 2018, quando ainda estava no governo de transição, os vários relatórios do setor público indicavam que a dívida/PIB avançaria para um patamar muito próximo de 80%. Havia algumas projeções que “furavam” os 80%. Mas o fato é que “a dívida não só não subiu, mas caiu”, disse.

O significado dessa nova trajetória da dívida é se distanciar um pouco mais do risco de insolvência, de um “calote” na dívida pública. Para este ano a expectativa é de ter mais uma pequena queda desse indicador, “na primeira casa decimal”, citou o secretário. Assim, ela será menor do que o resultado do ano passado, de 75,8% do PIB, que já foi menor do que os 76,5% do PIB de 2018.

Os governos passados bem que tentaram resolver o buraco nas contas públicas com atalhos. Primeiro, houve a hiperinflação. Depois, a elevação da carga tributária e, por fim, o aumento do endividamento.
“Esgotaram-se as alternativas”, segundo o secretário. Hoje 14 Estados estão em situação de emergência fiscal - com a despesa corrente absorvendo mais de 95% das receitas correntes - e mais da metade dos 5.570 municípios também.

“A comemoração de um resultado fiscal melhor do que achávamos não nos permite relaxar. Precisamos continuar com a política de zelo fiscal e de aprovação das reformas estruturais”.

A queda da taxa básica de juros (Selic), hoje em 4,25% ao ano, o menor nível da história, deu uma importante ajuda para a redução do pagamento de juros da dívida. “Pagamos R$ 69 bilhões a menos de juros em 2019 do que esperávamos em dezembro de 2018.”
Para este ano as projeções indicam que serão gastos R$ 120 bilhões a menos com juros do que a equipe calculava na transição de governo. Em 2021 serão menos R$ 126 bilhões e, em 2022, menos R$ 102 bilhões.

Isso resultará em R$ 417 bilhões a menos de gastos com o pagamento de juros da dívida no governo Bolsonaro.

Com a despesa primária equivalente a 19,4% do PIB e uma receita total de 17,5% do PIB, sobra, para este ano, um rombo de 1,9% do PIB, que equivale ao déficit primário, segundo o orçamento para o exercício. Isso não significa, porém, que o déficit vai se realizar nessa proporção.

Do total das despesas, três lideram de longe: 8,6,% do PIB corresponde aos gastos com a Previdência Social, que, mesmo com a aprovação da reforma, continuará deficitária. A reforma foi suficiente para frear uma trajetória explosiva. Outra grande despesa é com juros da dívida, que a queda da Selic vai reduzir em R$ 104 bilhões por ano, na média dos quatro anos do governo de Bolsonaro. Pessoal e custeio são uma despesa de 4,3% do PIB. Essa não é crescente no tempo, mas estacionou em um patamar elevado, segundo Waldery. Uma comparação internacional indica que a massa salarial do setor público do Brasil corresponde ao que é gasto com o funcionalismo da França.

A ideia do governo é enfrentar o elevado gasto com a folha de salários com a proposta de reforma administrativa.

Foi com receitas não recorrentes que o governo fechou as contas do ano passado com um déficit bem menor do que autorizado pela lei orçamentária. Isso significa que há um longo trabalho para resolver os buracos nas contas públicas. O secretário de Fazenda disse que “não fizemos metade do que precisa ser feito”. Seu foco, agora, está na aprovação das três PECs - a do pacto federativo, a da emergência fiscal e a dos fundos.

*Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação


Ribamar Oliveira: Regra de ouro será cumprida com sobra

Lucro contábil do BC e devolução do BNDES salvam o governo

Contrariando todas as expectativas e depois da celeuma criada no ano passado, o governo vai cumprir neste ano, com sobra, a chamada "regra de ouro" das finanças públicas. Tudo indica que haverá um substancial saldo positivo. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro encaminhou ao Congresso, na semana passada, um projeto de lei pedindo autorização para emitir R$ 248,9 bilhões em títulos públicos para cumprir a regra.

A reviravolta na expectativa do governo foi provocada pelos mesmos fatores que permitiram o cumprimento da "regra de ouro" nos últimos anos: a transferência para o Tesouro do lucro contábil do Banco Central nas operações com as reservas cambiais e o pagamento antecipado dos empréstimos que o BNDES recebeu do Tesouro.

O lucro do BC nas operações com as reservas é contábil porque não resulta de venda de moeda estrangeira, mas apenas da desvalorização do real frente ao dólar. Como as reservas em moedas estrangeiras são contabilizadas em reais, toda vez que a moeda brasileira sofre uma desvalorização em relação ao dólar, o valor em reais da reserva aumenta. O aumento é considerado "lucro" e transferido em dinheiro ao Tesouro.

A "regra de ouro" proíbe o governo de se endividar em valor superior à despesa de capital (investimentos, inversões financeiras e amortizações de débitos). Ou seja, a regra busca evitar que o Estado aumente sua dívida para pagar despesas correntes.

O Orçamento de 2019 foi elaborado com a previsão de uma insuficiência de R$ 248,9 bilhões para cumprir a "regra de ouro". Ou seja, a proposta orçamentária não cumpria a regra", pois as operações de crédito neste ano iriam superar em R$ 248,9 bilhões as despesas de capital, com o objetivo de pagar despesas correntes.

A solução encontrada foi incluir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um artigo permitindo que o Orçamento fosse elaborado com despesas correntes condicionadas a uma autorização futura do Congresso para a emissão de R$ 248,9 bilhões em títulos públicos. O entendimento do governo foi que o inciso III do artigo 167 prevê essa saída desde que o projeto de lei seja aprovado pela maioria absoluta do Senado e da Câmara. O Congresso concordou com essa interpretação.

O projeto de lei enviado por Bolsonaro na semana passada cumpriu a determinação da lei orçamentária. A questão agora é que não há mais necessidade da emissão dos títulos porque não existirá insuficiência para cumprir a "regra de ouro".

O imbróglio em que o governo se meteu é que despesas com benefícios previdenciários e com o programa Bolsa Família neste ano estão condicionadas à aprovação da emissão dos títulos. Assim, do ponto de vista da contabilidade pública, as despesas só poderão ser executadas se a operação de crédito for aprovada, de acordo com especialistas consultados pelo Valor. Dito de forma direta, o Congresso terá que aprovar a emissão de títulos se quiser que um montante considerável de despesas na área social (R$ 248,9 bilhões) seja executado.

Ao divulgar o seu resultado de janeiro, o Tesouro Nacional estimou a insuficiência da "regra de ouro" neste ano um pouco menor do que está previsto no Orçamento: em R$ 247,8 bilhões. A insuficiência de R$ 247,8 bilhões será resolvida com o uso de R$ 141,2 bilhões do resultado do Banco Central registrado no primeiro semestre de 2018. Além disso, o governo vai utilizar também o lucro de R$ 25 bilhões obtido pelo BC no segundo semestre do ano passado. Com isso, a insuficiência cairia para R$ 81,6 bilhões (R$ 247,8 bilhões menos R$ 141,2 bilhões menos R$ 25 bilhões).

O governo também decidiu instruir o BNDES a antecipar o pagamento de mais R$ 100 bilhões, além dos R$ 26 bilhões negociados anteriormente, dos créditos que o banco obteve junto ao Tesouro. Com isso, a insuficiência seria transformada em um saldo positivo de R$ 18,4 bilhões. (R$ 100 bilhões menos R$ 81,6 bilhões).

A conta não acaba aí. O ministro da Economia, Paulo Guedes, está decidido a realizar o megaleilão do excedente de petróleo na área da cessão onerosa da Petrobras. A receita do leilão poderá superar R$ 120 bilhões, de acordo com avaliações feitas pelo próprio governo. Depois de dividir parte dos recursos com os Estados e municípios e pagar o devido à Petrobras, no contexto da revisão do contrato da cessão onerosa, é possível que a União fique com algo em torno de R$ 60 bilhões.

O dinheiro do leilão reduzirá o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) neste ano, ajudando a aumentar ainda mais o saldo positivo da "regra de ouro". Além disso, em meados do ano passado, o governo alterou as regras de inscrição e cancelamento de restos a pagar. Com as mudanças, o Tesouro estimou que seria possível cancelar até R$ 42,7 bilhões de restos a pagar não processados no fim deste ano. O cancelamento também elevará o saldo da "regra de ouro".

Resolvido o problema deste ano, ele permanecerá, no entanto, nos próximos. Principalmente porque a antecipação do pagamento dos empréstimos pelo BNDES não vai durar muito. E a transferência do lucro contábil do BC ao Tesouro deverá acabar neste ano.

Parado na CCJ
Está parado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados o projeto de lei 9.283/2017, que muda a relação financeira entre o Tesouro e o Banco Central. Aprovado em 20 de dezembro do ano passado, o projeto aguarda apenas que a CCJC elabore a sua redação final.

A paralisia é explicada por causa de uma emenda de redação que foi feita ao projeto. O texto original não especificava o período de apuração do balanço do BC. A emenda determinou que o período de apuração seja semestral.

Vários consultores da Câmara entendem que a emenda mudou o conteúdo do projeto, pois o período de apuração do balanço do BC tem variado ao longo do tempo (anual e semestral) e, portanto, deve ser definido em lei. Outros entendem que, mesmo que a emenda tenha alterado o conteúdo, já é matéria vencida.

O projeto 9.283/2017 determina que o lucro do BC com a administração das reservas e nas operações de swap cambial não será mais transferido ao Tesouro, mas mantido em uma "reserva de resultado" no próprio balanço da instituição. A "reserva" será usada apenas para cobrir os prejuízos do Banco Central.


Luiz Carlos Azedo: O enredo esquecido

A Beija-flor, a grande campeã do carnaval, criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado, mas pouco falou da Lava-Jato

O carnaval no Rio de Janeiro teve dois vilões, o prefeito Marcelo Crivela, o que era bola cantada, porque o alcaide da cidade fez tudo o que poderia para agradar aos evangélicos e contrariar os foliões, e o presidente Michel Temer, cuja imagem desgastada pela crise ética e política foi demonizada no desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti. Os grandes responsáveis pela situação calamitosa em que o estado se encontra, porém, foram esquecidos pelos carnavalescos. Nem o ex-governador Sérgio Cabral, que está preso em Curitiba, nem a ex-presidente Dilma Rousseff, afastada do poder pelo impeachment, muito menos o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora um “ficha suja” condenado a 12 anos e 1 mês de prisão, foram objetos de alegorias.

Talvez haja um misto de gratidão e malandragem dos chefões do jogo do bicho, que mandam na Liga das Escolas de Samba (Liesa), a dona dos desfiles da Sapucaí, em relação a isso. Mas a verdade precisa ser dita: a situação em que se encontra o Rio de Janeiro é fruto da lambança feita nos tempos de bonança dos grandes patrocínios de estatais e das “campeãs nacionais” anabolizadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ou seja, dos anos de gastança generalizada e de muitos desvios de recursos públicos, particularmente da Petrobras e dos grandes eventos e projetos dos governos federal e fluminense. Falou-se de quase tudo nos enredos das escolas de samba, muito pouco dos grandes personagens da Operação Lava-Jato, sejam os políticos, executivos, doleiros e empreiteiros envolvidos no escândalo da Petrobras, sejam juízes, procuradores e delegados que há quatro anos vêm protagonizando a maior devassa na roubalheira dos políticos e empresários que mamam nas tetas dos cofres públicos.

Entretanto, os cariocas que glamorizam as malandragens também pagam o preço da violência nas ruas. O outro lado das áreas conflagradas é o medo do morador do asfalto. Nos bairros mais nobres, como Ipanema e Leblon, é um risco sair às ruas com qualquer objeto que possa chamar a atenção dos assaltantes; os turistas, menos precavidos, são vítimas ainda mais fáceis de roubos e furtos. A polícia não dá conta do recado, uma parte está comprometida com o crime organizado; outra não dá conta da escala das ocorrências policiais. Enquanto o “Fora, Temer!” e o “Fora, Crivela!” são entoados nos blocos de rua mais politizados, como se isso fosse solução para tudo, a maioria da população paga o preço do descalabro administrativo e do colapso econômico do estado.

Ouro negro

Com exceção da Beija-flor, a grande campeã do carnaval, que criticou sem “fulanizar” os descalabros da política nacional e as mazelas sociais do estado (seu grande patrono é o “banqueiro” de bicho Anísio Abraão), pouco se falou de bandidos e mocinhos da Lava-Jato. Muito menos da Petrobras e do colapso da economia do pré-sal. Há certa hipocrisia em tudo isso. Mas funciona quando se trata de pôr a culpa nos outros. Os cariocas, com perdão da generalização, gostam de falar mal de Brasília e cantar as belezas naturais do Rio de Janeiro, mas precisam também assumir a sua parcela de culpa na situação em que se encontram o estado e o país.

A maioria despejou milhões de votos na reeleição de Lula, após o mensalão, e na eleição e reeleição de Dilma Rousseff, nas quais endossou por duas vezes a presença de Michel Temer como vice da chapa. Sérgio Cabral foi eleito, reeleito e ainda fez o seu sucessor, o atual governador, Luiz Fernando Pezão, que passou o carnaval na cidade onde foi prefeito, Piraí, no interior fluminense. Agora, muitos entram na onda do PT e põem a culpa de tudo no Temer e no Crivela.

O colapso da economia fluminense foi provocado por duas exigências que interromperam o fluxo de investimentos no estado: os 51% de componentes nacionais, para adensar a cadeia produtiva nacional; e a obrigatoriedade de participação da Petrobras na exploração de todos os poços de petróleo, o que provocou a interrupção dos leilões, porque a estatal não tinha mais recursos para bancar sua participação nos investimentos. A mudança do regime de concessão para o regime de partilha, com essas exigências, foi um desastre anunciado. Houve ainda a corrupção monstruosa, que provocou enormes prejuízos à empresa, para financiar e perpetuar o projeto de poder e enriquecer seus operadores. E o inchaço da máquina pública, que presta péssimos serviços.

Qual será o futuro do Rio de Janeiro? Em parte dependerá de seu ajuste fiscal, que está sendo feito a fórceps; em parte, da retomada da economia do pré-sal, que se inicia graças a medidas recentemente aprovadas pelo Congresso e que são criticadas como se fossem ações de lesa-pátria. O estado, porém, caminha para eleições nas quais ninguém sabe o que vai acontecer, exceto que, depois da Lava-Jato, nada será como antes.


Roberto Freire: A desfaçatez criminosa do PT

O roubo aos cofres públicos praticado pelos petistas e seus aliados é gravíssimo e indignou a sociedade brasileira, mas a audácia e o descaramento de se colocarem como vítimas é algo tão ou ainda mais revoltante

- Blog do Noblat

Como se não bastassem todo o desmantelo moral e a corrupção desenfreada que marcaram os governos de Lula e Dilma Rousseff, o lulopetismo tem como algumas de suas principais características a desfaçatez e o cinismo utilizados para a construção de narrativas falaciosas que distorcem a realidade e pretendem confundir a opinião pública. Isso se deu mais uma vez a partir do momento em que a Petrobras – vítima da roubalheira perpetrada nos 13 anos em que o PT governou o país – anunciou um acordo judicial com acionistas norte-americanos que investiram na empresa brasileira e tiveram perdas milionárias decorrentes do petrolão, o maior esquema de corrupção já praticado no Brasil e, talvez, no mundo.

O acordo foi feito justamente para que se encerrasse a ação coletiva movida pelos investidores americanos lesados pela patifaria petista. Ao todo, a estatal pagará US$ 2,95 bilhões (o equivalente a quase R$ 10 bilhões) em três parcelas, que terão início após a aprovação preliminar do juízo da Corte Federal de Nova York, onde tramita o processo. É evidente que se trata de um montante significativo, mas o acordo talvez possa ser até benéfico para a Petrobras diante da possibilidade de que um júri popular nos Estados Unidos arbitrasse uma soma ainda maior como indenização. Nesse caso, o prejuízo aos cofres da empresa, que já foi tão vilipendiada pela quadrilha que a assaltou nos últimos anos, certamente seria ainda maior.

O mais estupefaciente é a reação indecorosa e cínica de alguns próceres do lulopetismo, como a presidente nacional do PT e o líder do partido na Câmara dos Deputados, que vieram a público para atacar o acordo firmado pela Petrobras nos EUA e acusaram a Operação Lava Jato, vejam só, de praticar “o maior assalto da história da humanidade”. Seria cômico se não fosse trágico. Foi durante os governos petistas que a nossa maior empresa sofreu nas mãos de criminosos que a saquearam para atender aos objetivos políticos do PT e partidos aliados. Sob o comando de Pedro Parente, atual presidente da empresa, a Petrobras iniciou um caminho virtuoso de recuperação econômica, moral e da credibilidade perdida. Justamente aqueles que foram responsáveis por tamanho desmantelo agora vituperam contra as medidas necessárias levadas a cabo pela administração da estatal no sentido de superar o desastre provocado nos tempos de Lula.

O assalto ao patrimônio público e a série de escândalos de corrupção que permearam, sobretudo, os governos de Lula e prosseguiram sob Dilma indicam o grau de promiscuidade e a complexidade da cadeia criminosa enredada pelo PT em nome de um projeto de perpetuação no poder. As negociatas que envolveram inúmeros financiamentos suspeitos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), por exemplo, chegaram a vários outros países, especialmente da América Latina, expandindo os tentáculos do esquema delituoso para além de nossas fronteiras. Basta acompanharmos o que tem acontecido em alguns países da região, com ex-presidentes presos e tantos outros processados e acusados de atos de corrupção. A delicada e constrangedora situação criminal de Lula, condenado em primeira instância a 9 anos e 6 meses de prisão, não é um fato isolado.

Também não podemos nos esquecer de casos como a famigerada compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), em 2006, o que levou ao recente bloqueio dos bens de Dilma Rousseff determinado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). À época, a então presidente fazia parte do Conselho de Administração da Petrobras, que aprovou a aquisição da unidade – houve um prejuízo aos cofres da estatal de mais de US$ 580 milhões. O TCU também bloqueou os bens do ex-ministro Antonio Palocci (hoje preso) e de José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da estatal. Além disso, em dezembro do ano passado, a força-tarefa da Lava Jato denunciou uma dezena de pessoas, entre políticos e ex-funcionários da empresa, por corrupção e lavagem de dinheiro nesse episódio de triste memória.

Diante de tanta corrupção e das mais variadas e abrangentes denúncias e investigações em curso, é inconcebível que os áulicos do lulopetismo e defensores dos governos de Lula e Dilma tenham a coragem de se manifestar contra o necessário acordo da Petrobras com os investidores americanos. O roubo aos cofres públicos praticado pelos petistas e seus aliados é gravíssimo e indignou a sociedade brasileira, mas a audácia e o descaramento de se colocarem como vítimas é algo tão ou ainda mais revoltante. Que fiquem bem longe e não voltem a pôr as mãos na Petrobras. O Brasil não suporta mais tamanha imoralidade.


Hubert Alquéres: O condestável de Temer

Reza o folclore político que, ao passar a faixa presidencial para seu sucessor, Hermes da Fonseca teria dito a Venceslau Brás: “olha Venceslau, Pinheiro Machado é tão bom amigo que governa pela gente”. O mesmo pode-se dizer de Rodrigo Maia. Ele está tão próximo de Michel Temer que governa pelo presidente. Nomeou o novo ministro das Cidades, definiu como será a repartição do butim da pasta entre o “Centrão ampliado” e vai fazer o presidente do BNDES. Ai do ministro que não cair em sua graça. É tombo certo.

O fortalecimento do condestável de Temer foi uma decorrência natural do papel que jogou na votação das duas denúncias contra o presidente. Ainda que tenha sobrevivido ao seu Waterloo, Michel Temer saiu da refrega extremamente enfraquecido. Sua base de sustentação, antes estimada em 80% dos parlamentares, desidratou.

Sem votos para aprovar um mínimo de uma reforma da Previdência para chamar de sua, passou a depender dos parlamentares que sabem jogar o jogo do toma lá, dá cá. Deu-se a repetição de uma velha lei da política: presidente fraco, parlamentares vorazes. Mesmo se submetendo a essa lógica, ficou sem a garantia de que levaria adiante seu programa de reformas.

O jeito foi apelar para a figura emergente do presidente da Câmara, estabelecendo com ele um governo de coabitação, uma espécie de “parlamentarismo a lá Temer”, com Maia exercendo, de fato, o papel de primeiro ministro. Nada de substancial importância será implementado pelo governo sem o seu nhil obstat. É dele a responsabilidade de viabilizar qualquer votação, incluindo as mudanças na Previdência.

A assunção de Maia é produto da conjunção de uma série de fatores. A começar da mudança de perfil do governo Temer. Inicialmente o governo se sustentava em um tripé: o seu núcleo duro formado por velhos camaradas do PMDB, pela equipe econômica e pelo PSDB, que lhe emprestava credibilidade junto ao mercado e à sociedade.

Esse suporte ruiu. Não só porque alguns dos membros do núcleo duro foram abatidos pela Lava Jato, mas também porque a crise levou de roldão o PSDB, com os tucanos perdendo credibilidade e densidade. Reféns da dúvida existencial de ser ou não ser governo, os tucanos deixaram de ser um parceiro confiável. De fininho, estão saindo do governo.

Como em política não há tempo para o vácuo, o DEM ocupou o espaço, avançando na ampliação do Centrão com seu partido e mesmo com parlamentares do PMDB. O papel de Maia foi o de ser a argamassa desse novo pacto, transformando-se na liderança natural do chamado “Centrão ampliado”.

A dúvida é se é um movimento de fôlego curto ou se é de longo alcance, com vistas a 2018. O “Pinheiro Machado” de Temer pensa grande. De imediato quer turbinar seu partido, ampliando sua bancada de 29 para 45 deputados. Por sua vez, o presidente sonha em ter alguém na urna eletrônica que defenda o seu legado.

Com o PSDB perdendo protagonismo -- por enquanto não oferece expectativa de poder --, potencializa-se a centrifugação do centro, com os partidos deste campo buscando outras alternativas. Nesse quadro, a confluência dos interesses de Temer e Maia poderia desembocar em uma candidatura de centro-direita, com nome, RG e CPF: Henrique Meirelles.

Qual o grau de competitividade dessa candidatura, difícil prever. Teria, claro, o handicap de um tempo televisivo mastodôntico, o que em uma campanha eleitoral não é pouco. A certeza deste trunfo estaria na aliança do DEM, PMDB e as siglas do Centrão - PP, PR, PSD, entre outros.

Os estrategistas do Palácio do Planalto incensam a candidatura Meirelles confiantes na recuperação da economia e no seu impacto na população até as eleições. Temer seria, portanto, um cabo eleitoral não desprezível. Na hipótese de tudo dar certo, Rodrigo Maia se reelegeria presidente da Câmara em 2019 e continuaria como o condestável do novo governo, assim como Pinheiro Machado foi em vários governos da República Velha.

Sonhar não custa. Mas a vida costuma contrariar os sonhos. Além de Meirelles ser um andor pesado de se carregar, dada principalmente à sua falta de carisma, o grau de rejeição do governo Temer é de tal envergadura que seria suicídio político alguém disputar eleição como seu candidato.

Mais: o ritmo lento da recuperação da economia não justifica projeções triunfalistas para o horizonte de 2018. Se a economia crescer 2% no próximo ano, como estima a equipe econômica, não será nenhuma Brastemp. Dificilmente a melhora terá impacto profundo no humor dos brasileiros.

O governo de coabitação implica em riscos para o próprio Rodrigo Maia. Se a reforma da Previdência não for aprovada, será responsabilizado pelo fracasso. Dada a inanição do governo em matéria de popularidade, seu próprio partido pode pressioná-lo para descolar de Temer para não sofrer uma hecatombe eleitoral. Sem falar que terá de administrar a ciumeira do Senado e as armadilhas montadas por caciques peemedebistas.

Na linha fina em que terá de se equilibrar, convém ao condestável de Temer levar em conta o velho conselho de Pinheiro Machado: “nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação”.

* Hubert Alquéres é professor e membro do Conselho Estadual de Educação (SP). Lecionou na Escola Politécnica da USP e no Colégio Bandeirantes e foi secretário-adjunto de Educação do Governo do Estado de São Paulo

 


Míriam Leitão: O buraco de R$ 800 bilhões

A principal emergência para o ajuste das contas é o governo olhar exatamente quanto está gastando com os mais ricos e eliminar esse custo

 O país está acumulando um buraco de R$ 815 bilhões de 2014 a 2020. Houve 16 anos de superávit, de 1998 a 2013. O primeiro déficit foi em 2014, e o governo prevê contas no negativo até 2020. Sair de um buraco desse tamanho é um dilema do país para além desta administração. O governo prevê que as empresas estatais continuarão dando déficit todos os anos.

Com o anúncio de terça-feira, o governo Temer admitiu que não colocará o país nos trilhos, como havia prometido. A promessa não era mesmo de se acreditar, ninguém achava que seria uma ponte sobre o mar vermelho, mas havia uma expectativa de que fosse possível reduzir ano a ano o tamanho do rombo. Agora já se sabe que nem isso acontecerá e será um bom resultado ficar nesses R$ 159 bilhões de déficit este ano e no próximo.

No anúncio, os ministros mostraram a dura realidade dos números de um país em crise fiscal aguda, mas os políticos do centrão não entenderam. E se preparam para retaliar na Comissão de Orçamento. O governo não incorporou, por boas razões, várias propostas que eles fizeram à LDO, que inclusive invadiam atribuições do executivo. Esses vetos, e mais as medidas que impactam o funcionalismo, estão alimentando a reação dos deputados, que alegam também razões políticas para a rebeldia velada. Acham que não foram “prestigiados”. Por isso vão atacar onde for possível: no Refis, que o governo tenta salvar de alguma forma, e na proposta de criação da TLP. Isso sem falar na ameaça que fazem de não votarem a favor da revisão da meta. O Congresso continua não entendendo em que momento estamos. A proposta do deputado Vicente Cândido (PTSP) de volta da doação oculta é suficiente para mostrar que alguns representantes se mudaram para Marte. Menos transparência a esta altura só pode ser piada.

Se o país nada fizer para mudar a maneira como arrecada e gasta, vai revisitar perigos que já havia superado, como o de que a dívida não seja paga. O Brasil viveu esse temor ao fim dos anos 1980 e, de fato, começou a década seguinte com o calote do governo Collor. Tudo terá que ser olhado agora com mais cuidado para o país sair da armadilha em que entrou. A recessão é uma das causas do déficit, mas não só. O superávit primário começou a ser dilapidado nos bons anos, em que houve crescimento com a criação de despesas que se eternizaram.

Será necessário fazer muito para voltar a ter equilíbrio nas contas. Medidas difíceis, como fechar ministérios, eliminar autarquias e vender empresas estatais. O Brasil tem quase 200 empresas estatais. E a maioria é deficitária. Nas previsões do governo divulgadas esta semana, as estatais federais darão prejuízo acumulado de R$ 13,4 bilhões até 2020. Muita gente acha que vender não resolve o problema porque o governo cria apenas receita extraordinária. É verdade, porém, a privatização faz com que sejam eliminadas despesas correntes permanentes. O ganho mais importante é a despesa que não será feita.

As contas apresentadas pelo governo na revisão da meta são até excessivamente otimistas em alguns pontos. Um exemplo é a previsão de que os estados e municípios passarão a ter superávit primário já no ano que vem, de R$ 1,2 bi. E isso apesar de receberem em 2018 menos R$ 8,5 bilhões de transferências federais. Os ministérios da Fazenda e Planejamento preveem novo superávit de R$ 4,7 bilhões em 2019, para estados e municípios, e outro de R$ 16,6 bilhões em 2020. Como conseguirão a façanha na situação falimentar em que se encontram é um mistério que o governo não explicou.

A principal emergência para o ajuste das contas é o governo olhar exatamente quanto está gastando com os mais ricos e eliminar esse custo. Dentro desse projeto é que está a TLP, contra a qual alguns economistas têm se insurgido, estimulando os parlamentares que querem um bom motivo para ficar contra um projeto que prejudica os empresários. O objetivo da nova taxa de juros de longo prazo do BNDES é ir eliminando aos poucos os absurdos, injustos e, por que não dizer, bizarros subsídios às grandes empresas no país. É insensato continuar gastando tanto com os ricos num país que tem tantas carências e tão grave desequilíbrio fiscal. Depois de 15 anos de superavit, governo vai acumular um déficit de R$ 815 bilhões de 2014 a 2020 Empresas estatais darão prejuízo todos os anos, com um rombo de R$ 13,4 bilhões até 2020. É preciso encarar a realidade, cortar gastos, vender empresas e eliminar subsídios aos ricos


Samuel Pessôa: Os subsídios do BNDES

Há dois tipos de subsídio do BNDES. Os explícitos e os implícitos.

A Constituição estabelece que 40% da receita do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador) seja depositada no BNDES. O banco de fomento remunera esses recursos à TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que é bem menor do que a taxa de captação do Tesouro Nacional.

As operações de empréstimos do BNDES têm como baliza a TJLP. Em geral, o banco cobra em seus empréstimos TJLP e um spread associado ao custo e ao risco de inadimplência da operação.

Muitas vezes o BNDES repassa esses recursos aos demais bancos, inclusive da rede privada. Esses bancos remuneram o BNDES pela TJLP e um spread e cobram do tomador do empréstimo TJLP e um spread ainda maior, que cobre o custo da operação e o risco.

No final das contas, o BNDES tem lucro, pois a taxa que ele paga ao FAT, TJLP, é menor do que a cobrada do tomador final ou do banco que fará o repasse dos recursos.

No entanto, não é verdade que a operação dá lucro para o Tesouro Nacional. O motivo é que os recursos tributários do FAT poderiam ser empregados na redução da dívida pública.

Nesse caso, o Tesouro ganharia (isto é, economizaria) a taxa de juros de captação do Tesouro, bem maior do que a TJLP.

Ou seja, o custo de oportunidade dos recursos do FAT é a taxa de juros de captação do Tesouro Nacional.

A diferença entre as duas taxas é o subsídio implícito na operação.

O fato de a Constituição estabelecer que 40% dos recursos do FAT devem ser direcionados ao BNDES e remunerados à TJLP não altera o fato de que o custo de oportunidade do Tesouro é maior.

A legislação consegue estabelecer um destino para os recursos do FAT e a sua remuneração, mas não consegue alterar o conceito econômico de custo de oportunidade.

Algumas vezes a formulação da política econômica decide que o BNDES deve emprestar, em determinadas linhas, a taxas ainda mais baixas.

Nesse caso, a diferença entre a taxa à qual o banco empresta e a TJLP será paga pelo Tesouro Nacional. O subsídio, portanto, é explícito.

Finalmente, algumas vezes os formuladores de política econômica decidem que 40% dos recursos do FAT por ano em adição à rolagem natural da carteira de empréstimos do BNDES não são suficientes para as necessidades da economia.

Nesse caso, o Tesouro capta recursos no mercado e os empresta ao BNDES, cobrando TJLP.

Entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou R$ 400 bilhões ao BNDES nessas condições.

Alega-se que o BNDES dá lucro. Se a contabilidade das operações do banco levasse em consideração que o custo dos seus recursos é dado pelo custo de oportunidade do Tesouro, saberíamos que o BNDES não dá lucro para o contribuinte.

É por esse motivo que a medida provisória 777 precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.

A MP estabelece que em cinco anos, e para os novos empréstimos, a taxa de referência dos créditos concedidos pelo BNDES será a inflação realizada ao longo do contrato mais a taxa real de juros dada pela nota do Tesouro Nacional Série B com vencimento de cinco anos (a NTN-B de cinco anos), emitida no mês da concessão do empréstimo.

Ou seja, o juro real da operação será equivalente ao custo de captação do Tesouro para períodos equivalentes ao prazo médio dos empréstimos do banco.

Elimina-se assim o subsídio implícito e sobra o explícito. A transparência agradece.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.

 


Samuel Pessôa: O poder das corporações empresariais

No fim de abril, o Executivo enviou ao Legislativo a medida provisória 777, que redesenha o papel do setor público no financiamento do investimento. O objetivo era retirar da concessão de crédito do BNDES o subsídio público.

A TLP (Taxa de Longo Prazo), que balizará o juro da concessão de empréstimos, será, para o mês de liberação do crédito, a remuneração da nota do Tesouro Nacional série B, a famosa NTN-B, de cinco anos. Ou seja, o BNDES cobrará pelo empréstimo o custo de captação do Tesouro.

Isso não significa que não poderá haver subsídio. Somente que o subsídio será definido pelo Congresso Nacional e será custeado diretamente pelo Tesouro, tornando a política de subsídios transparente no Orçamento, como as demais políticas públicas.

Segundo cálculos de Manoel Pires, somente em 2015 os subsídios do BNDES custaram R$ 57 bilhões aos contribuintes! A bagatela de dois programas Bolsa Família.

A TLP trata-se de uma verdadeira revolução nas nossas instituições. O modelo anterior supunha que os elevados juros por aqui justificavam o subsídio público na concessão de crédito ao investimento em capital físico.

Essa conclusão está errada. Os empresários argumentam que precisam competir com países cuja taxa de juros é menor. Se não houver o subsídio público, o negócio não se viabiliza. A suposição desse argumento é que um produtor de fogão, por exemplo, compete com os produtores de fogões do resto do mundo. Muito intuitivo, mas errado.

Se nós somente produzíssemos fogões e, em razão dos juros mais elevados, nosso produto fosse caro no mercado internacional, ocorreria a desvalorização do câmbio, que restituiria a rentabilidade da indústria de fogões.

O produtor nacional de fogões compete com todos os demais produtores aqui localizados em todos os setores. A competitividade média da economia brasileira em comparação ao resto do mundo é ajustada pelo câmbio. E, em um regime de câmbio flexível, esse ajuste é mais simples.

Evidentemente, é natural que os setores mais intensivos em capital apresentem no Brasil menor desenvolvimento em razão do maior custo de capital. Não há justificativa para o subsídio: se algo é mais caro por aqui, tem que ser menos empregado. Qual é a surpresa?

O subsídio somente se justifica para aqueles investimentos que apresentam retorno para a sociedade maior do que o retorno privado. Exemplos: infraestrutura de mobilidade urbana, saneamento básico, investimento em inovação tecnológica, entre outros.

Nelson Barbosa, ex-ministro da presidente Dilma e agora meu colega neste espaço às sextas-feiras alternadas, notou que o atual governo ainda não pautou o tema da elevação da progressividade dos impostos.

Segundo Nelson, o silêncio da equipe econômica sobre o tema da progressividade dos impostos "é revelador de quem ela representa". Dado que, em 13 anos à frente do Executivo nacional, o governo anterior nunca pautou o tema, sou forçado a considerar que o atual governo representa, segundo Nelson, os mesmos interesses que o governo petista representava. De qualquer forma, Nelson poderia ter um pouco mais de paciência antes de tirar suas conclusões: um ano é bem menos tempo do que 13.

Vale lembrar que a MP 777 elimina mecanismo histórico de concentração de renda no Brasil. Surpreende que Nelson Barbosa não a apoie. Que interesses ele representa?

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.

 

 


Samuel Pessôa: Sangue-frio

O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) tem revisto o cenário de crescimento para pior, apesar de não ter havido grandes revisões para o crescimento em 2017 em comparação a 2016.

Há um ano prevíamos crescimento de 0,5% em 2017, com aceleração contínua ao longo do ano. A economia fecharia o ano crescendo 0,8% no último trimestre, ou 3,2% considerando a taxa anualizada.

Hoje, prevemos crescimento de 0,2% em 2017, com expansão de 1% no primeiro trimestre (já conhecida e fruto de um choque positivo de oferta de produção agrícola), seguida pela estagnação da economia –respectivamente, crescimento de -0,4%, 0,1% e 0% nos segundo, terceiro e quarto trimestres.

Há uma tendência entre os formuladores de política econômica de achar que crescimento sempre pode ser estimulado. Assim, agora que o cenário de menor expansão se consolida, principalmente em seguida ao agravamento da crise política que acomete o governo Temer, há a tentação de produzir crescimento a qualquer custo. Discutem-se no Congresso e no Executivo vários puxadinhos de Nova Matriz Econômica.

Como exemplos, temos:

a) reajustes nas faixas de renda e de financiamento dos instrumentos públicos de financiamento (financiamentos do FGTS para compra de imóvel, faixas de renda elegíveis ao Minha Casa, Minha Vida);

b) ampliação do volume de crédito direcionado subsidiado;

c) não devolução antecipada de empréstimos do BNDES ao Tesouro, para aumentar o funding de créditos subsidiados do banco;

d) subsídio para a renovação da frota de veículos (a pretexto de tirar veículos antigos e poluentes das ruas, o governo subsidiaria a troca de carro usado por novo);

e) novo modelo de subsídio à indústria automobilística para substituir o Inovar-Auto, com alguns penduricalhos para disfarçar os subsídios, tipo estimular indústria 4.0 e reduzir impacto ambiental;

f) medidas de compensação à indústria nacional fornecedora da cadeia de petróleo, a pretexto de perdas geradas pela redução do conteúdo local etc. A criatividade vai longe.

Como vimos de 2009 a 2014, essas medidas geram pouco crescimento e, por outro lado, criam inúmeros problemas a médio prazo. Adicionalmente, essas medidas impedem que o Banco Central alongue de forma sustentável o ciclo de queda dos juros.

Ou seja, com exceção de uma vitória de Pirro contra o baixo crescimento, puxadinhos de "Nova Velha Matriz Econômica" só produzem tristeza.

A economia brasileira tem um seriíssimo problema de baixa produtividade. A dificuldade da recuperação é consequência do estrago que a desastrosa condução da política econômica, principalmente entre 2009 e 2014, promoveu na economia real.

Os únicos antídotos são sangue-frio, a aprovação das reformas - para alongar o horizonte do cálculo empresarial- e deixar que as seguidas surpresas desinflacionárias coloquem a Selic em mínimas históricas de forma sustentável.

Novamente houve, na sexta (9), surpresa positiva na inflação, no IPCA de maio. O número de 0,31% foi 0,18 ponto percentual abaixo do que se esperava. Sem puxadinhos e solucionando a crise política, podemos divisar Selic muito baixa, e de forma sustentável, à frente.

* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.