Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Acuado pelo vírus, Bolsonaro assiste Lula atrair velhos aliados

Versão Lulinha paz e amor de volta à cena

De Guilherme Boulos a Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda na ditadura entre 1967 e 1974, passando por José Sarney (MDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), todos admitem votar em Lula se ele disputar com Bolsonaro o segundo turno da eleição do próximo ano. É o tal “arco da sociedade” de antigamente.

Boulos e Delfim são os mais entusiasmados. O primeiro ainda não explicitou seu apoio a Lula porque tem antes de convencer o seu partido. A tarefa de Delfim é mais hercúlea – abrir trincas no paredão do mercado financeiro que resiste a Lula e ainda põe um resto de fé em Bolsonaro à espera das reformas.

Na eleição de 2018, quando o candidato do PSDB a presidente obteve no primeiro turno apenas 5% dos votos válidos, Fernando Henrique, embora amigo de Fernando Haddad (PT), preferiu não votar em ninguém no segundo turno. Arrependeu-se, como admitiu ontem em entrevista a Tales Faria, do UOL:

– Se ficar Lula e Bolsonaro, faço minha culpa, minha culpa e voto no menos ruim.

Fernando Henrique ainda espera que seu partido escolha um nome com chances de derrotar Bolsonaro, mas já avisa: “Se não se opuser a Bolsonaro com firmeza, fracassará”. João Doria (PSDB), governador de São Paulo, recuou do seu propósito de enfrentar Bolsonaro, embora tope enfrentar se seu partido quiser.

João Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, persevera na intenção de bater-se contra o atual presidente. Até aqui, pelo menos, seu nome parece encontrar menor oposição dentro do partido. Na eleição de 2018, o Rio Grande do Sul deu 63% dos seus votos a Bolsonaro no segundo turno.

O MDB de Sarney é também o MDB de Michel Temer que, por enquanto, permanece calado. Em segredo, Temer deu conselhos a Bolsonaro na esperança de que seu governo se ajeitasse. Pouco escutado, retraiu-se. Ele e Lula sempre se deram bem. Dilma não quer conversa com Temer, mas ela está fora do jogo.

Bolsonaro é quem deve se preocupar com sua permanência no jogo. Começou a colher os resultados desastrosos de sua omissão no combate à pandemia. Ou melhor: da sua parceria com a Covid no estrago que ela provoca no país. Sucessivas e recentes pesquisas de opinião pública atestam que ele está ladeira a baixo.

No dia em que o número de mortes alcançou o recorde de 2.798, quase duas por minuto, e a Fundação Oswaldo Cruz anunciou que o país enfrenta o maior colapso hospitalar de sua história, o Datafolha conferiu que a atuação de Bolsonaro na guerra contra o vírus é considerada ruim ou péssima por 54% dos brasileiros.

Na pesquisa Datafolha realizada em 20 e 21 de janeiro último, 48% reprovaram o desempenho dele. Na rodada atual, para 43%, ele é o principal culpado pela fase aguda da pandemia, seguido pelos governadores (17%) e os prefeitos (9%). O índice dos que nunca acreditam no que ele diz oscilou de 41% para 45%.

No ocaso da gestão do general Eduardo Pazuello, substituído no cargo pelo médico bolsonarista Marcelo Queiroga, a avaliação positiva do Ministério da Saúde, de janeiro para cá,  caiu de 35% para 28%, o menor índice desde a chegada do novo coronavírus. A avaliação negativa subiu de 30% para 39%.

Em sua primeira fala como ministro, Queiroga disse a que veio. Recomendou o uso de máscara e a lavagem das mãos, solidarizou-se com as vítimas da Covid e repetiu que dará continuidade ao trabalho de Pazuello e seguirá as orientações de Bolsonaro. É uma nova versão do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Hamilton Mourão, vice-presidente da República, deu razão a Queiroga: “A função do ministro, quem define é o presidente. O ministro é um executor das decisões do presidente. Até por isso, o presidente é o responsável por tudo o que aconteça ou deixe de acontecer, essa é a realidade”. (Maldade com Bolsonaro!!!)

Na célebre e barulhenta reunião ministerial de abril do ano passado, o ministro do Meio Ambiente sugeriu a Bolsonaro “passar a manada” da desregulamentação do setor enquanto a mídia estivesse ocupada com a pandemia. Acuado pelo vírus, Bolsonaro assiste Lula aparar suas eventuais diferenças com antigos aliados.

O futuro assegura um emprego bem pago ao general Pazuello

A quarta estrela será difícil

Se quiser retornar ao quartel, tudo bem. O general Eduardo Pazuello, de saída do Ministério da Saúde, deixou ali grandes amigos. Só não deve contar necessariamente com a quarta estrela que lhe falta no ombro. Doublé de general e de ministro de um governo turbulento, ele desgastou-se no Exército.

Mas o provável é que ganhe uma embaixada para não ficar ao desamparo, e ainda por cima sob o risco de ser chamado a depor diante de um juiz da primeira instância e de ouvir voz de prisão, acusado de improbidade administrativa. Embaixada quer dizer: um emprego bem pago que lhe confira visibilidade.

Pode ser dentro do Palácio do Planalto, a relativa distância do gabinete do presidente Jair Bolsonaro, ou fora, no comando de alguma empresa estatal. Ou como conselheiro de uma dessas empresas. Desabrigado não ficará para não sujeitar-se a vexames e em reconhecimento aos serviços prestados ao ex-capitão.


Ricardo Noblat: Queiroga, o novo testa de ferro de Bolsonaro na Saúde

Os filhos zero ajudaram o pai a ganhar mais uma vez

Despenca o grau de segurança dos ministros e demais auxiliares de Jair Bolsonaro quanto à permanência de cada um deles no governo. E por uma simples razão: se você faz algo no cargo que desagrada a Bolsonaro, pode ser demitido a qualquer momento. Se você obedece a todas as ordens dele, arrisca-se a ser demitido.

Tem mais: se você cair na mira de fogo de alguns dos filhos zero do presidente, seu emprego não vale nada. Foi assim que Gustavo Bebianno, então ministro da Secretaria-Geral da presidência, acabou dispensado. Carlos Bolsonaro, o Zero Três, sentia ciúmes de sua aproximação excessiva com o pai. Daí…

Outro ministro, esse tido como poderoso porque amigo há mais de 40 anos de Bolsonaro, também desagradou a Carlos e dançou. O filho convenceu o pai de que o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria do Governo, conspirava para derrubá-lo. Valeu-se para isso de uma notícia falsa.

A insegurança dos que servem a Bolsonaro aumentou depois que ele demitiu o ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, cujo erro foi ter cumprido todas as vontades do presidente sem nem pestanejar. A ponto de humilhar-se certa vez ao dizer com um sorriso amarelo: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Não bastou para Pazuello ter juízo. Ele foi obrigado a ceder o lugar a um cardiologista que nunca ocupou um cargo público e que deve sua indicação a Flávio Bolsonaro (Republicanos), conhecido como Zero Um e às voltas com a justiça desde que foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Pazuello caiu, pois, por excesso de obediência, além do fato de que o Centrão pediu a Bolsonaro a cabeça dele, e para manter a sua, o presidente entregou. Marcelo Queiroga será o quarto ministro da Saúde em pouco mais de um ano. Henrique Mandetta foi demitido porque não quis obedecer. Nelson Teich, pelo mesmo motivo.

Os filhos zero deram mais uma inegável demonstração de força junto ao pai quando pareciam enfraquecidos. Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, participou do interrogatório da médica Ludhmila Hajjar, cardiologista famosa, cujo nome era apoiado pelo Centrão, o presidente da Câmara e ministros do Supremo Tribunal.

Convocada a Brasília, ela compareceu pensando que se tratava de coisa séria. Estava disposta a aceitar o convite. Pediu autonomia para montar sua equipe e mais vacinas. Mas era uma farsa. Foi recebida por Bolsonaro, Eduardo e Pazuello, que admitiu estar de saída porque carecia de apoio político. Imaginem a cena…

Eduardo quis saber a opinião dela sobre aborto e armas para a população – Ludhmila espantou-se e desconversou. Bolsonaro foi logo dizendo que ela não poderia decretar lockdown no Nordeste para não “foder” a reeleição dele. Antes que o encontro terminasse, a médica já estava sendo achincalhada nas redes sociais.

De volta ao hotel, ficou sabendo que o número do seu celular havia sido divulgado em grupos de WhatsApp e que estava sendo ameaçada de morte. Ainda passou pelo susto de três tentativas frustradas de invasão do seu apartamento. No dia seguinte, procurou Bolsonaro, agradeceu o chamado e despediu-se.

Antes de embarcar para São Paulo, onde trabalha no Instituto do Coração, leu em sites que o ministro das Comunicações, Fábio Faria, negou que ela fora convidada para suceder Pazuello. Só então se deu conta da armadilha em que se deixou aprisionar. Decência é um atributo que falta à família presidencial brasileira.

Era previsível o desfecho do episódio. Bolsonaro nunca quis rever sua posição em relação ao combate à pandemia que, segundo Ludhmila, poderá matar de 500 mil a 600 mil pessoas. Está perto das 300 mil. É para que morram os que tiverem de morrer da “gripezinha” que, em dezembro, estava no seu “finalzinho”.

Então que venha Queiroga, um ilustre desconhecido, curtidor dos comentários do presidente e amigo da família. Boa sorte! Porque da próxima vez, como observa irritado um dos líderes do Centrão, não estará em foco a troca de mais um ministro da Saúde caso Queiroga fracasse, mas sim a troca do presidente da República.

A semente da violência política se espalha pelo país

O mau exemplo vem do alto

Um repórter do jornal O Estado de Minas foi agredido, ontem, em Belo Horizonte por manifestantes bolsonaristas que protestavam contra as medidas de isolamento, pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e defendiam a ditadura militar de 64.

O cardápio, pois, era o de sempre, apresentado há um ano em Brasília diante do Quartel-General do Exército com a presença do presidente Jair Bolsonaro. O Supremo abriu inquérito para apurar quem financia manifestações hostis à democracia.

Mas, como se vê, elas voltaram a se repetir, e, agora, com o emprego de violência contra jornalistas obrigados a cobri-las. O resultado da parceria de Bolsonaro com a Covid está deixando os bolsonaristas cada vez mais nervosos, e aí mora o perigo.

O governador João Doria registrou queixa na polícia contra os que o ameaçam de morte. Em vídeo gravado no último dia 13, em São Paulo, um homem dá tiros em alvos improvisados e chama Lula de “filho da puta”. Depois, vira-se para a câmera e vocifera:

“Presta atenção no recado que eu vou dar para você, seu vagabundo: se você não devolver os R$ 84 bilhões que você roubou do fundo de pensão dos trabalhadores, você vai ter problema, hein, cara? Você vai ter problema”.

A segurança de Lula será reforçada em breve. E os que no momento fazem parte dela receberão novos treinamentos. A direção nacional do PT pedirá a abertura de processo contra o homem do vídeo. Avisado, Doria tomará suas providências.

O governo federal não dá sinais de preocupação com nada disso. Pelo contrário: sempre que pode, como ocorreu na semana passada, Bolsonaro fala em Estado de Sítio, afirma que é muito fácil implantar uma ditadura no país e diz que o ditador seria ele.

Não levar a sério o que o presidente da República propaga nas redes sociais lembra o comportamento de milhões de brasileiros que apenas o viam como um candidato dado a falas exageradas. Não havia exagero. Era Bolsonaro em estado bruto tal como é.


Ricardo Noblat: Efeito Lula pode custar a cabeça do general Eduardo Pazuello

Acuado, Bolsonaro procura saídas

Que condições impôs a cardiologista Ludhmila Hajjar para aceitar substituir o general Eduardo Pazuello como ministra da Saúde? Ao presidente Jair Bolsonaro, com quem se reuniu, ontem, no Palácio da Alvorada, o que ela pediu equivale ao feijão com arroz.

Em resumo, pediu autonomia para formar sua equipe e adotar à frente do ministério a política que achar adequada para, de saída, deter o agravamento da pandemia que bate recordes diários em número de mortos. Autonomia e vacina, vacina, vacina.

Mais adiante, se os resultados forem bons, se pensará no resto. Mas com o sistema público e privado de atendimento médico às vésperas de um colapso, com pacientes internados até em banheiros de hospitais, não há outra prioridade. Simples assim.

Simples para quem é do ramo, e simples de ser entendido por quem tem amor à vida alheia. Bolsonaro provou que esse não é o seu caso. Mortes não lhe importam se o preço a ser pago para diminuí-las prejudica a economia e seu projeto de reeleição.

Antes, durante e depois de conversar com a médica, Bolsonaro recebeu dos seus correspondentes ideológicos por toda parte mensagens e vídeos com declarações de Hajjar a respeito da pandemia que a desqualificam para a tarefa.

Em um dos vídeos ela aparece dizendo que até aqui o governo só tem errado no combate ao vírus. Errou por não tê-lo levado a sério desde o início, errou ao recomendar o uso de remédios sem eficácia comprovada e errou ao defender tratamento precoce.

Naturalmente, seu maior erro foi não correr cedo atrás de vacinas como outros governos fizeram. Quer dizer: Hajjar pensa o oposto de Bolsonaro. Pazuello pode pensar também, mas ele considera que manda quem pode, obedece quem tem juízo.

A médica tem juízo, mas quer obedecer ao que aprendeu ao longo de uma trajetória elogiada por todos os seus pares. Aí mora a diferença. Bolsonaro estará pronto para nomear ministro da Saúde ou de qualquer outra pasta quem pense diferente dele?

Logo se saberá. O que se sabe desde o final da tarde de ontem é que Pazuello está bem de saúde como mandou dizer, e que não pediu para sair. Se o presidente, que o convocou para o lugar, quiser removê-lo, Pazuello lhe baterá continência e irá embora.

Mas aparentemente quer ficar. Menos porque esteja convencido de que realizou um grande trabalho ou de que poderá realizá-lo apesar de tudo. O general está sendo investigado e receia ter que responder a dezenas de processos se for demitido.

Uma coisa seria respondê-los no exercício do cargo, o que lhe garante o direito de só ser processado pelo Supremo Tribunal Federal. Fora do cargo, os processos irão para a primeira instância e qualquer juiz, no limite, poderá prendê-lo.

Um general de quatro estrelas, da ativa, preso? No Brasil, só os generais prendem generais. Em outros países do continente, autoridades civis puseram generais atrás das grades, embora com todo conforto. E presidentes depostos. E ex-presidentes.

A desaprovação a Bolsonaro e ao seu governo está em alta. Sempre que se sente acuado, ele entrega cabeças para salvar a sua e a dos três filhos zero. Entrou em cena o quarto zero – Jair Renan Bolsonaro, lobista. É mais uma cabeça a ser preservada.

Sequer passou uma semana da estreia de Lula livre das condenações que o impediam de ser candidato, e Bolsonaro está em lençóis encharcados de suor. Não seria exagero concluir que Lula aos pouquinhos já começa a governar.

Centrão dá as cartas e o governo Bolsonaro obedece

Pelo bem do país...

Quando enxerga algo que possa render bons dividendos para o país, o senador Ciro Nogueira (PI), presidente do PP e um dos líderes mais destacados do Centrão que sustenta o governo Bolsonaro, não resiste e acaba se metendo. É o jeito dele.

Segundo a Folha, na semana passada apareceu na agenda de Tarcísio Freitas, ministro da Infraestrutura, que ele receberia o presidente da Federação Brasileira de Bancos para tratar da desburocratização do mercado de financiamento de veículos.

Nogueira foi relator do Código Nacional de Trânsito que tramitou durante dois anos no Senado. Tem especial apreço por financiamento de veículos, um mercado bilionário. Seu apreço só é maior pelas prerrogativas do Poder Legislativo.

Pois ele viu na reunião a intenção oculta do presidente da Federação de Bancos em atropelar o Legislativo, tanto mais na semana em que seria votada a emenda à Constituição que garantiria o pagamento do auxílio emergencial aos mais pobres.

O que uma coisa teria a ver com a outra não se sabe, talvez só Nogueira. Sua reclamação acabou por cancelar a reunião. O Centrão está cada vez mais poderoso, e o governo, refém dele.


Cristovam Buarque: Lula Taí

A história do Brasil já está marcada por ele

Quando Arraes voltou do exílio, não havia TV a cabo, internet, WhatsApp, mas logo se espalhou o cochicho de “Arraes Taí”. Lembrei disto ao assistir a fala do Lula na manhã da quarta-feira, depois que o Supremo Tribunal Federal anulou seu julgamento pela Lava-Jato de Curitiba. Foi como anistia de condenação que está passando a ideia de ter sido motivada politicamente. Muitos dos que se indignam e condenam a comprovada avassaladora corrupção na Petrobras, durante seu governo, desconfiavam das provas contra o Lula nos casos que o envolviam pessoalmente. Sobretudo depois de o juiz dos casos abandonar a toga para assumir um ministério. Mais ainda, ao tomarem conhecimento dos diálogos entre juiz e procuradores, durante o processo.

Por isto esperei a fala de Lula com temor de que voltasse ao discurso desagregador de quando foi solto em 2019, e com esperança de um discurso agregador, como fez em 2002 e durante seus dois governos. Colocando-se à disposição das forças políticas para encontrar o candidato com mais chance de impedir a reeleição do atual presidente. Seu discurso não teve a mensagem desagregadora, nem foi suficientemente esperançoso. Não passou a arrogância do isolamento, nem deixou clara mensagem de que “Lula Taí” para ser um dos líderes, não o monopolizador, de uma aliança pela democracia, olhando o futuro com responsabilidade econômica e empatia social. Mas deixou aberta a possibilidade dele e o PT participarem da construção de uma aliança de todos que desejam superar a atual tragédia que o Brasil enfrenta na epidemia, na incompetência gerencial, nas ameaças à democracia, no obscurantismo e no isolamento internacional.

Quem gosta e quem não gosta do Lula tem de reconhecer que a história do Brasil já está marcada por ele: ao demonstrar que um operário retirante nordestino é capaz de ser um presidente que representou bem ao país no Exterior, que manteve compromisso com a estabilidade monetária durante seus dois mandatos e atendia demandas sociais.

Mas talvez a maior contribuição de Lula ao Brasil, sua “melhor hora”, será a partir de agora: ajudar o Brasil a eleger um novo presidente, seja ele próprio ou não. Para isto, seu discurso precisa afirmar sua abertura a participar da aliança em um bloco maior do que apenas a esquerda tradicional. Abrir-se à realidade do mundo da globalização, dos limites ecológicos ao crescimento, da inexorável modernização tecnológica, deve reconhecer as dificuldades fiscais, éticas e gerenciais da máquina do Estado. Ele tem argumentos para afirmar que sua condenação foi anulada e que sua consciência está em paz, mas precisa assumir que houve corrupção avassaladora em instâncias de seu governo, devido ao aparelhamento pelos partidos que o apoiavam no Congresso. Deve se colocar à disposição de todos os candidatos já lançados e se propor a participar na escolha do candidato que terá mais chance de barrar a monstruosidade do atual governo, seja ou não de seu partido.

“Lula Taí” e tem diante dele a tarefa maior e mais difícil do que se eleger pessoalmente em 2002, a tarefa de ser um dos líderes, não o único, a retomar a democracia plena, com empatia pelos problemas do povo, com rumo para o Brasil.

Se o STF não voltar a surpreender, “Lula Taí”: esperemos que os outros líderes reconheçam sua força política e que ele entenda que o Brasil é maior do que qualquer um de nós e de nossos partidos.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador


Ricardo Noblat: Doria admite deixar a boca do palco para depois voltar

Assim como é cedo para Lula admitir que será candidato a presidente da República no ano que vem, é cedo também para qualquer outro nome – salvo Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro em campanha contínua desde que um foi derrotado pela terceira vez consecutiva e o outro acabou eleito para surpresa dele mesmo.

João Doria (PSDB) disse, ontem, ao jornal O Estado de São Paulo que não descarta a possibilidade de abrir mão de uma eventual candidatura à vaga de Bolsonaro, resignando-se a tentar se reeleger governador de São Paulo. Pouco importa que ele tenha dito ao se eleger que não disputaria o mesmo cargo em seguida.

Quando candidato a prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB) registrou em cartório a promessa de que cumpriria o mandato, negando a hipótese de concorrer ao governo do Estado dali a dois anos. Concorreu e ganhou. Eleito presidente com uma votação estrondosa, Jânio Quadros renunciou seis meses depois.

Nada é mais perecível do que palavra de político. Em certos casos porque eles não se envergonham de mentir. Em outros, porque a conjuntura muda e são obrigados a mudar com ela. É o natural instinto de sobrevivência do ser humano. Da política já se disse que é como uma nuvem, assumindo nova forma a cada instante.

No momento, de fato, o formato da nuvem para Doria não lhe parece o mais favorável. Como político que mais bateu de frente com Bolsonaro para que o país importasse vacina com a urgência requerida pelo combate a Covid, era para ele estar vendo sua popularidade ganhar altura a uma velocidade maior.

Não aconteceu ainda. Doria patina nas pesquisas de intenção de voto. É reconhecido por seu esforço e elogiado pela compra da vacina chinesa, aqui produzida pelo Instituto Butantan. Mas por ora é só. Apesar de bem-sucedido, Doria ainda não domina a refinada arte da política e tem fama de não respeitar a fila.

Isso pode agradar aos paulistas, mas em outros lugares pesa contra ele. Especialmente no Nordeste, Doria é visto como paulista demais. Nordestino gosta de correr para São Paulo atrás de emprego. Uma vez por lá, aprende a gostar. Mas tem birra com político paulista. Pior se aparecer com chapéu de vaqueiro.

É mais tático do que qualquer outra coisa o aparente recuo de Doria. Ao estancar ou dar meia volta, ele quer criar um ambiente mais favorável às suas pretensões e ganhar tempo para que possa dar a volta por cima. Pela importância de São Paulo, tudo passa e sempre passará por lá, e Doria será o grande anfitrião das tramas.


Ricardo Noblat: Bolsonaro está nas mãos do Supremo

No meio do caminho tem duas pedras – Lula e Moro

O ministro Edson Fachin diz que sua decisão de anular as condenações do ex-presidente Lula pela Justiça Federal de Curitiba segue o entendimento adotado pela maioria do Supremo Tribunal Federal há muito tempo. A estar certo, o plenário do tribunal, possivelmente ainda este mês, deverá confirmá-la.

Lula então deixará de ser ficha suja e poderá disputar a eleição presidencial do ano que vem. Um juiz federal de Brasília herdará os processos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia e poderá recomeçá-los aceitando as provas ali reunidas, pedir novas investigações ou simplesmente arquivá-los.

Por outro lado, se os resultados das pesquisas de intenção de voto divulgadas nos últimos dias coincidirem com os resultados das pesquisas que o presidente Jair Bolsonaro encomenda para consumo pessoal, são grandes as chances de o ex-juiz Sérgio Moro ter sua suspeição aprovada pela Segunda Turma do tribunal.

A defesa de Lula pediu que Moro seja considerado suspeito porque teria sido parcial no julgamento do ex-presidente. Por enquanto, o placar na Segunda Turma está em 2 votos contra 2. Falta votar o ministro Kássio Nunes, indicado por Bolsonaro para o Supremo. Seu voto levará em conta o que Bolsonaro deseja para Moro.

O ex-juiz e o presidente romperam relações quando Moro acusou Bolsonaro de interferir na Polícia Federal para blindar sua família contra rolos judiciais. É por causa disso que Bolsonaro responde a inquérito. Desde que saiu do governo, Moro evitou comentar se poderá ou não ser candidato à vaga do seu ex-patrão.

Na primeira pesquisa XP/Ipespe aplicada depois que Lula se tornou elegível, ele e Bolsonaro estão empatados na simulação do primeiro turno e Moro aparece em terceiro lugar. Lula e Bolsonaro voltam a empatar na simulação do segundo turno. Mas quando o cenário é Bolsonaro x Moro, o ex-juiz vence. E aí? Vai encarar?

Mas esqueça as intenções de voto a 20 meses das urnas. A eleição de 2022 será um plebiscito sobre o presidente, segundo o sociólogo Antonio Lavareda, que comanda o Ipespe. E os indicadores, hoje, são muito ruins para Bolsonaro, e só têm feito piorar desde janeiro com  o agravamento da pandemia da Covid. Falta vacina.

63% dos brasileiros veem a economia no rumo errado, contra 27% que dizem que ela está no rumo certo. O saldo negativo passou de 27% em fevereiro para 36% agora. 61% avaliam como ruim ou péssima a atuação de Bolsonaro na pandemia, só 18% como ótima ou boa. O saldo negativo saltou de 30% para 43%.

45% avaliam como ruim ou péssimo o governo em geral – o maior percentual da série de pesquisas de junho para cá. Ótimo e bom, 30%. O saldo recuou neste mês de – 11% para – 15%. Por fim, 52% querem que o futuro presidente mude totalmente a forma como o Brasil está sendo administrado, e 15% que dê continuidade.

Enfrentar Lula já não será moleza para Bolsonaro. Enfrentar Lula pela esquerda e Moro pela centro-direita será desastre quase certo.


Ricardo Noblat: O que o futuro pode reservar para Lula e Bolsonaro

O presidente e seu labirinto

O que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal não é se há provas ou não de que Lula roubou e deixou que roubassem enquanto foi presidente da República. Isso já foi julgado na primeira, na segunda e na terceira instâncias da justiça que concluíram que sim.

Está em julgamento se na primeira instância, mais especificamente na 13ª Vara Federal de Curitiba, à época comandada pelo juiz Sergio Moro, houve dolo no recolhimento das provas. E se Moro e os procuradores da República prevaricaram.

Edson Fachin, ministro relator da Lava Jato no Supremo, entende que o juízo natural dos processos sobre o tríplex do Guarujá e o sítio de Atibaia não era a 13ª Vara Federal de Curitiba – de resto, como sempre advogou a defesa de Lula sem jamais ter sido ouvida.

Por isso, Fachin anulou as condenações de Lula nos dois processos, remetendo-os a um juiz federal do Distrito Federal ainda não designado. Caberá ao juiz aceitar ou não as provas coletadas em Curitiba, pedir novas investigações ou arquivar os processos.

O plenário do Supremo, em breve, se debruçará sobre a decisão de Fachin para confirmá-la, reformá-la ou revogá-la. Deverá fazê-lo também sobre o que vier a decidir a Segunda Turma do tribunal que julga um pedido de Lula para que declare Moro suspeito.

O ministro Kássio Nunes, membro da Segundo Turma, pediu vista do processo e o julgamento foi suspenso. Dos cinco ministros da Segunda Turma, dois (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) votaram pela suspeição de Moro. Fachin votou contra.

A ministra Cármen Lúcia, que estava com seu voto pronto, preferiu esperar que Nunes devolva o processo e revele seu voto. Ela quer votar por último. Os pais de Nunes estão internados em um hospital com a Covid. Faltou-lhe tempo para preparar seu voto.

Em resumo, esses são os fatos. Uma vez que Fachin anulou as condenações de Lula, o ex-presidente deixou de ser ficha suja, recuperou seus direitos políticos e pode ser candidato no ano que vem. Aqui entram em cena as considerações políticas.

Se chegar às vésperas das próximas eleições sem ter sido condenado outra vez na primeira instância e na segunda, Lula é o candidato favorito a enfrentar o presidente Bolsonaro no segundo turno. Hoje, pelo menos, são eles que detêm maior capital político.

O PT teve um dos dois candidatos mais votados em todas as eleições presidenciais desde o fim da ditadura. Lula disputou e perdeu no segundo turno em 1989, 1994 e 1998. Ganhou em 2002 e 2006. Elegeu Dilma em 2010 e 2014. Haddad perdeu em 2018.

Naquele ano, preso em Curitiba, Lula liderou com algo como 40% as pesquisas de intenção de voto até um mês e meio antes da eleição. Bolsonaro estava na faixa dos 20%. Haddad teve pouco tempo para fazer campanha, mas foi para o segundo turno.

Se Lula for candidato em 2022, até lá a política se encarregará de apresentá-lo como o presidente que deixou o cargo com mais de 80% da aprovação – o que é verdade. E para que não voltasse ao poder, foi vítima de um juiz e de procuradores mal intencionados.

Um juiz convidado para ministro da Justiça antes que Bolsonaro, o maior beneficiado com a condenação de Lula, tivesse sequer sido eleito. Mensagens trocadas pelo juiz com os procuradores revelariam mais tarde que houve conluio entre eles.

Lula lembrará os bons tempos dos seus governos para compará-los com os maus tempos do governo Bolsonaro. É possível que tente se portar como capaz de reconciliar o país radicalmente dividido desde a deposição de Dilma e a eleição do atual presidente.

Bolsonaro deve estar preocupado a essa altura. Já não é mais tão popular como foi, e sabe que daqui para frente será só pedreira para ele – pandemia em alta, vacinas por ora em baixa, auxílio emergencial por poucos meses, governo sem dinheiro, quebrado.

Apesar de tudo isso, navegava sem enxergar quem ameaçasse sua reeleição. Agora, enxerga. E não terá facada a seu favor nem horário de propaganda gratuita só para ele. Para manter a imagem de político destemido, terá que debater suas escassas ideias.

Convenhamos: não será fácil para ele. E poderá ser fácil para quem o enfrente.

PSDB apressa-se a definir seu candidato a presidente

A mesma receita insossa

Se para nada tivesse servido, a possível candidatura de Lula à sucessão do presidente Jair Bolsonaro obrigou o PSDB a se apressar, na tentativa de encontrar um nome que possa uni-lo e – quem sabe? – unir a centro-direita. Aqui ainda é assim: a direita tem medo de se apresentar como tal.

O candidato do PSDB será escolhido em prévias já marcadas para outubro próximo. Elas deverão ser disputadas pelos governadores João Doria (São Paulo) e Eduardo Leite (Rio Grande do Sul). Até lá poderá surgir um novo nome, mas não é provável. Sonha o PSDB em atrair o apoio de outros partidos, como o DEM.

Sua aposta é que uma eleição como a de 2018 jamais se repetirá por sua atipicidade. Terá mais chances o candidato com maior apoio de partidos, maior tempo de propaganda no rádio e na televisão, que melhor saiba usar as redes sociais e que tenha o discurso certo na hora certa.

É o feijão com arroz que Bolsonaro estragou.

As prévias sempre poderão ser adiadas, a depender da pandemia.


Ricardo Noblat: Para estancar a sangria da Lava Jato, Fachin reabilita Lula

De volta à pergunta que não cala há dois anos

Salvo se recuar do que disse na última sexta-feira ao jornal El País, logo mais, a partir das 14h, quando concederá uma entrevista coletiva à imprensa na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Lula repetirá que só será candidato à sucessão de Bolsonaro se os brasileiros quiserem, mas que está disposto a isso e que fará política até seu último dia de vida.

Em outubro de 2022, ele completará 77 anos de idade. Joe Biden, presidente dos Estados Unidos, estará com 78. Considera-se em boa forma para enfrentar mais uma campanha e afirma sentir-se como se tivesse apenas 30 anos – um exagero, por suposto, mas político costuma exagerar quando a seu favor. Tomará a primeira dose de vacina contra a Covid na próxima semana.

Tão logo tome a segunda dose e seja liberado pelos médicos, começará a viajar para fazer o que mais gosta – conversar. Falar mais do que ouvir. Relembrar as realizações dos seus governos. E bater duro em Bolsonaro, que ele considera um acidente na história do Brasil, um perigo à democracia, e responsável em parte pelas mortes da pandemia que deixou correr solta.

Em telefonemas, ontem à noite, trocados com amigos, Lula, que se emociona facilmente, pareceu chorar ou ter chorado. Não esperava a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de anular suas condenações. Espantou-se com ela. Punha mais fé, mesmo assim duvidando, que a Segundo Turma do tribunal aceitasse o pedido de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.

O ex-presidente não se cansa de dizer que não alimenta rancores, que ser refém de rancores faz mal a às pessoas, mas que abre uma exceção quando se trata de Moro. Vê-lo considerado suspeito pela mais alta corte de justiça do país lhe daria uma satisfação indescritível.  Talvez fosse a única maneira de recobrar a paz interior e de doravante limitar-se a olhar para frente.

A Segunda Turma do tribunal, presidida pelo ministro Gilmar Mendes, poderá presenteá-lo com isso. Talvez hoje mesmo ao voltar a se reunir. Se não, em breve, muito breve. Fachin pode ter reabilitado Lula com o propósito de estancar a sangria da Lava Jato que ele defende acima de tudo, Gilmar, porém, está disposto a enterrar a Lava Jato com desonra.

Dado à pandemia, 2020 foi mais um ano que não terminou. Com a decisão de Fachin, 2022 chegou mais cedo para os políticos e os que giram em torno da política. Apague tudo o que você já leu sobre a próxima eleição presidencial – possíveis candidatos, eventuais chances de cada um, como os principais partidos deverão se comportar até lá, o efeito do coronavírus…

Recomecemos. Dificilmente, até meados de 2022, haverá tempo para que o juiz federal que herdará os processos contra Lula o condene em algum deles, a instância seguinte da justiça avalize a condenação, de forma que o ex-presidente seja alçado novamente à condição de ficha suja, o que o impossibilitaria de ser candidato. Às vezes, a justiça aprende com seus próprios erros.

No PT não tem espaço para mais ninguém – o candidato será Lula. Não acabou, mas sofreu um duro golpe o sonho de partidos da esquerda de disputarem a eleição com outro nome, apartando-se do PT e atraindo partidos do centro. Ciro Gomes será candidato a presidente pela quarta vez – a última, caso perca. Se não viajar a Paris, apoiará quem for para o segundo turno, menos Bolsonaro.

A retroescavadeira usada por Fachin para desfigurar o que estava em construção fortaleceu a candidatura do apresentador Luciano Huck à sucessão de… Faustão, de saída da telinha da Rede Globo de Televisão. Dinheiro nunca é demais para ninguém, e a proposta que a emissora lhe fez é tentadora. Faz parte do pacote de benefícios um programa para Angélica, cobiçada pela Record.

Pela direita que se apresenta como centro para não ser confundida com o Centrão, quem se afirmará como candidato? João Doria (PSDB), governador de São Paulo, que por mais que vacine brasileiros continua sem decolar nas pesquisas de intenção de voto? Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde? Surgirá um novo nome? O tempo escasseia, o tempo urge.

A extrema direita já tem dono – Bolsonaro, que retomou os ataques a Lula e ao PT e incluiu Fachin entre seus alvos. O auxílio emergencial vem por aí para que ele reconquiste uma fatia da popularidade perdida. Bolsonaro foi visto negociando a compra de vacinas da Pfizer e despachou para Israel uma comitiva atrás de um milagroso spray nasal em fase de testes por lá.

À primeira vista, e enquanto a terra ainda treme, daqui a 19 meses poderá ganhar, enfim, uma resposta a pergunta que teima em não calar: Lula, que preso liderava todas as pesquisas, teria vencido ou sido derrotado por Bolsonaro em 2018? Nos seus cálculos, deixem a facada de fora, um ato insano e covarde do seu autor e de quem dele valeu-se para fugir aos debates.

Bolsonaro ofende a honra do governador do Rio Grande do Sul

Um presidente obsceno

O presidente Jair Bolsonaro descontrolou-se ao saber da decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, de anular as condenações de Lula, devolvendo-lhe as condições para que dispute as próximas eleições.

Seus auxiliares mais próximos não queriam que ele, por enquanto, comentasse a decisão. Achavam que nada teria a ganhar com isso. Ofereceram-se para plantar informações na imprensa dando conta de que a decisão o beneficiaria, e assim foi feito.

Mas Bolsonaro é Bolsonaro, fala quando quer e só dá ouvido a quem pensa como ele. Passou recibo partindo para cima do PT e de Lula, e não poupou sequer Fachin, acusando-o de ter sempre militado na esquerda, e atingindo assim, por tabela, o tribunal.

A falta de vacina tirou Bolsonaro do sério, se é que um presidente bem composto ele já foi um dia. Bolsonaro aproveitou também o embalo para fazer insinuações obscenas contra Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, em entrevista à BAND:

Onde o governador, que fala muito manso, educadamente, uma pessoa até simpática, mas é um péssimo administrador. Onde ele enfiou a grana [das vacinas]? Não vou responder pra ele, mas acho que sei onde colocou a grana toda, não colocou na saúde”.


Ricardo Noblat: Bolsonaro, o arquiteto bem-sucedido do caos que o país vive

Criadas as condições para a tempestade perfeita

Na noite de 17 de março de 2019, em sua primeira viagem aos Estados Unidos como presidente da República, Jair Bolsonaro ofereceu um jantar na embaixada do Brasil em Washington para oito expoentes da direita americana, e mais o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru dos seus filhos e dele também.

Bolsonaro apresentou-se aos seus convidados como o brasileiro ungido pela “vontade de Deus” para estancar a suposta caminhada do Brasil para “o socialismo, o comunismo”. Reiterou o lema bíblico de sua campanha eleitoral: “Conheças a verdade e a verdade te libertará”, do capítulo 8 do Evangelho de São João.

E, em seguida, antecipou o que pretendia fazer ao longo do seu primeiro mandato, porque desde já, embora não tenha dito isso na ocasião, já pensava no segundo: “Nós temos de desconstruir muita coisa, de desfazer muita coisa para depois começarmos a fazer”. Destruir “o sistema” era seu principal objetivo, diria mais tarde.

Dois anos e três meses depois, o sistema continua de pé. Bolsonaro a ele aderiu com medo de combatê-lo e de ser derrubado. Concentrou sua força destruidora em setores com menor capacidade de resistência – saúde, meio ambiente, educação, cultura, direitos humanos e relações exteriores.

A pandemia da Covid veio em boa hora para ele. Serviu para que demonstrasse sua compulsão pela morte. O caos que toma conta do país onde morreram 10 mil pessoas nos últimos sete dias e quase 265 mil de um ano para cá, tende a se agravar nas próximas semanas com o apocalipse sanitário mais do que anunciado.

Sem a chegada de mais doses de vacinas não haverá como impedi-lo. Acontece que furou a previsão oficial de novas doses. Nos últimos três dias, o Ministério da Saúde diminuiu em quase 35% o número de doses de vacina disponíveis em março. Em três dias, a estimativa inicial de 46 milhões de doses caiu para 30 milhões.

Até este sábado, dia 6, pouco mais de 8.130.000 de pessoas receberam a primeira dose da vacina. Isso equivale a 3,84% da população. A segunda dose foi aplicada em 2.686.500 pessoas – ou seja: apenas 1,27% da população. Má vontade com o Brasil dos fabricantes das 11 vacinas em circulação no mundo?

Não. Falta de interesse do governo brasileiro em comprá-las a tempo. Um ministro da Saúde foi demitido em meio a pandemia, e outro preferiu pedir demissão por discordar da orientação de Bolsonaro de conceder passe livre ao vírus. Uma vez que o vírus infectasse 70% das pessoas, acabaria derrotado.

Esse é o entendimento de Bolsonaro desde o início, e por isso ele sabotou e sabota a compra e a aplicação de vacinas. A história está repleta de exemplos de governantes autoritários com compulsão pela morte, o que os tornava indiferentes à sorte alheia – Hitler, Stalin, Mussolini, Mao Tsé-Tung, Pol Pot, ditador do Cambodja.

Em mais um encontro com seus devotos nos jardins do Palácio da Alvorada, depois de despachar para Israel uma comitiva do governo atrás de um spray contra a Covid sequer ainda bem testado por lá, Bolsonaro declarou como se fizesse uma grande e generosa concessão:

– O que é a vacina? Não é um vírus morto? Eu já tive o vírus vivo. Estou imunizado. Lá na frente, depois que todo mundo tomar, se eu resolver tomar, porque no que depender de mim é voluntário, então tomarei.

A vacina deve ser tomada mesmo por quem já contraiu o vírus – Bolsonaro sabe. Como sabe que estão criadas as condições para uma tempestade perfeita que poderá desabar a qualquer momento. Espera salvar-se politicamente, pouco importa o número dos que venham a ser sepultados. Covas também estão em falta.


Ricardo Noblat: Compra de mansão por Flávio Bolsonaro vira um negócio tarja preta

Informações escondidas em cartório

Pode ser considerado sério, muito menos transparente, um negócio de R$ 6 milhões registrado em cartório em que 18 trechos estão cobertos com tarjas de cor preta que omitem informações tais como os números dos documentos de identidade, CPF e CNPJ de partes envolvidas, bem como a renda de uma das partes?

O jornal O Estado de S. Paulo obteve cópia da escritura da compra de uma mansão em Brasília pelo senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e sua mulher. A dentista Fernanda Antunes Figueiredo Bolsonaro. A renda declarada pelo casal é um dos trechos cobertos por tarja.

O ato, do 4.º Ofício de Notas do Distrito Federal, contraria a prática adotada em todo o país e representa tratamento especial conferido ao filho do presidente Bolsonaro. A escritura da compra e venda de um imóvel, pela lei, deve ser acessível a qualquer pessoa. Leis que tratam da atividade cartorial não preveem sigilo.

O cartório fica em Brazlândia, a 45 km de Brasília. Seu titular, Allan Guerra Nunes, disse ao jornal que usou a tarja para proteger os dados pessoais do senador e da sua mulher. Duas outras escrituras de imóveis em nome da família Bolsonaro, obtidas pelo jornal em dois outros cartórios, foram fornecidas sem tarjas.

“Ele (Flávio) não me pediu nada. Quem decidiu colocar a tarja fui eu. Quando fui analisar o conteúdo da escritura, acidentalmente tem essa informação da renda”, justificou Nunes. Para comprar o imóvel, o senador financiou R$ 3,1 milhões no Banco de Brasília (BRB), com parcelas mensais de R$ 18,7 mil.

As prestações representam 70% do salário líquido de Flávio – R$ 24,7 mil. Nos 299 artigos da Lei de Registro Público, não há previsão de sigilo de informação, seja pessoal, bancária ou fiscal. Flávio disse que o negócio foi “transparente” e que usou “recursos próprios” e um financiamento para comprar a mansão.


Ricardo Noblat: Mansão de Flávio Bolsonaro vira dor de cabeça para seu pai

Rapaz treloso

É estranho que Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) tenha comprado uma mansão em Brasília no valor de 6 milhões de reais se tem, como senador, a custo quase zero, o direito a um amplo apartamento em área nobre de Brasília e mais perto do seu local de trabalho da Praça dos Três Poderes?

Sim, seria estranho se recuarmos no tempo algo como 36 anos. Enquanto durou a ditadura militar de 64, apenas os mais destacados servidores do Estado moravam em casas luxuosas da chamada Península dos Ministros, no Lago Sul da cidade, com direito a todo tipo de mordomia. O acesso ali era controlado.

Havia quadras nas Asas Sul e Norte do Plano Piloto, como ainda há, destinadas a deputados, senadores e ministros de tribunais superiores. Mansões eram para os ricos do Distrito Federal que as construíam, ou para representantes de empresas que atuavam como lobistas, ainda poucos para os padrões atuais.

Ostentar riqueza pegaria mal para um parlamentar, era simplesmente inconcebível. A política ainda não tinha virado um grande negócio capaz de encher os bolsos dos mais ousados. A corrupção existia, embora não fosse admitida nos vastos salões, corredores e gabinetes do Congresso.

Um deputado ou senador comemorava quando conseguia emplacar um afilhado político em algum cargo de escalões inferiores do governo. No máximo, o afilhado retribuía mais adiante indicando fornecedores de serviços públicos que poderiam ajudar seu padrinho a pagar despesas das próximas eleições.

Àquela época, uma Lava Jato não teria feito o menor sucesso. O último presidente da ditadura, o general João Figueiredo, deixou o poder com alguns cavalos de raça a mais, presentes que recebeu de bom grado. E teve depois seu Sítio do Dragão, na região serrana do Rio, reformado de graça por empreiteiras.

O presidente Jair Bolsonaro conhece muito bem essas histórias, mas não as admite. Disse que criou os filhos para que comessem filé mignon, não carnes inferiores. Uma vez assim criados, com o pai a empregar na Câmara funcionários fantasmas, natural que eles queiram desfrutar das coisas boas da vida.

Nesse ramo, dos três primeiros filhos de Bolsonaro, Flávio é o que mais sabe aproveitar. Acusado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, demonstrou estar convencido de que ficará impune a ponto de comprar um dos melhores e mais caros imóveis do exclusivo Setor de Mansões de Brasília.

Além do conforto, a casa oferece discrição. Fica num condomínio onde só entram os donos e seus convidados. Nada do que acontece por lá é visto de fora. Quem chega de avião a Brasília não precisa passar por nenhum ponto da cidade se quiser se reunir com Flávio. O aeroporto fica a 15 minutos de distância.

O senador consultou o presidente sobre a transação selada em dezembro passado e ele deu seu ok. Aconselhou-o, porém, a ser discreto. Flávio teve esse cuidado. A escritura de compra e venda foi assinada em um cartório de Brazlândia, cidade a 45 quilômetros de Brasília. O vendedor é um dos devotos do seu pai.

Mas aí deu ruim. Como, com a renda mensal que ele tem, pôde comprá-la? Mais uma pergunta a juntar-se a tantas outras que incomodam o presidente. Exemplo: por que Fabrício Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle, a primeira dama?

Em 7 vídeos, como Bolsonaro sabotou a vacinação contra o vírus

O apocalipse sanitário está logo ali

Os vídeos abaixo, aqui oferecidos em ordem cronológica, são uma pequena amostra do que disse o presidente Jair Bolsonaro de outubro último para cá a respeito da vacinação em massa contra a Covid. Todos estão postados no Youtube.

Eles indicam com clareza que Bolsonaro sempre teve duas preocupações: pôr em dúvida a eficácia das vacinas e livrar-se de qualquer culpa pelo número de mortos que nas últimas 24 horas bateu um novo recorde, o terceiro em uma semana: 1.840.

1 Bolsonaro diz que vacina contra covid-19 “não será obrigatória, e ponto final” (19/10/2020)

Não seria mais fácil investir na cura do que na vacina?”, perguntou Bolsonaro (28/10/2020)

Bolsonaro diz que não vai tomar a vacina (18/12/2020)

4 Bolsonaro questiona ‘pressa’ para acessar vacina (20/12/2020)

5 Bolsonaro diz que fabricantes de vacinas contra covid-19 deveriam procurar o Brasil (28/12/2020)

6 Bolsonaro afirma que apenas 50% da população brasileira pretende tomar vacina contra a Covid-19 (7/1/2021)

7 Enquanto Mourão vê vacina como saída para crise, Bolsonaro volta a defender tratamento precoce(2/3/2021)


Ricardo Noblat: Brasil, um país à deriva e com o apocalipse sanitário à vista

Fala, Bolsonaro!

Quem diria… Há dois anos, a maioria dos que se preparavam para votar em Jair Bolsonaro, o Mito, como era chamado, dizia que uma vez eleito, ele combateria a corrupção como nenhum presidente havia feito antes, defenderia os sacros valores da família brasileira e ofereceria uma vida melhor aos brasileiros.

Como essa gente estará se sentindo depois de ver Sergio Moro fora do governo, a Lava Jato sendo enterrada, o senador Flãvio Bolsonaro envolvido no escândalo da rachadinha e obrigado a justificar a compra de uma mansão de 6 milhões de reais em Brasília, e o novo recorde de mortes provocadas pela Covid?

Nas redes sociais, por enquanto, é de desânimo o estado de espírito dos defensores do ex-capitão. Os fatos se sucedem a uma velocidade alarmante e eles mal têm tempo para respirar, quanto mais agarrar-se a bóia de uma narrativa que pareça convincente. Não significa que ficarão órfãos. Há quem sempre pense por eles.

O próprio Bolsonaro ensaiou uma explicação ao reunir-se com devotos nos jardins do Palácio da Alvorada. “Querem me culpar pelas 200 e tantas mil mortes”, disse ele. “O Brasil é o 20º país do mundo em mortes por milhão de habitantes. A gente lamenta? Lamentamos. Mas tem outros países [em pior situação]”.

As famílias e os amigos dos 1.726 mortos pela Covid nas últimas 24 horas aceitarão de bom grado a desculpa oferecida pelo presidente? Morreram até ontem 257.562 pessoas, e 10.647.845 foram contaminadas. A média de mortes por dia é 23% maior do que a registrada há duas semanas.

Em média, são 55.318 novos casos por dia, 22% a mais do que 14 dias atrás. Portanto, a tendência é de alta nos casos e também nos óbitos. São 15 Estados e mais o Distrito Federal com alta na média de mortes. Com queda, três. Apenas 3,36% da população receberam a primeira dose de vacina, e 1,02% a segunda dose.

Acendeu a luz vermelha em todo o país com o agravamento da pandemia – menos, naturalmente, no Palácio do Planalto e no Ministério da Saúde do general Eduardo Pazuello. No palácio, a preocupação com o filho mais velho de Bolsonaro ocupou quase todas as rodas de conversa e os despachos de rotina.

Entre si, assessores presidenciais chegaram a sugerir que Bolsonaro repreendesse publicamente Flávio como fez no caso da rachadinha em janeiro de 2019. Naquela ocasião, o presidente afirmou em resposta à pergunta de um jornalista:

– Se, por acaso, ele errou e isso ficar provado, eu lamento como pai, mas ele vai ter que pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar.

Resposta civilizada, não foi? Um ano depois, Bolsonaro começou a mandar jornalista calar a boca. Com mais alguns meses, ameaçou encher de porrada a boca de um jornalista. Há dias, indagado por um jornalista do Acre sobre uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que beneficiou Flávio, Bolsonaro encerrou a entrevista.

Flávio é um aplicado agente imobiliário. Desde que se elegeu pela primeira vez deputado estadual pelo Rio de Janeiro, já comprou e vendeu 20 imóveis, saindo sempre no lucro. Parte da compra dos imóveis foi feita com dinheiro vivo, hábito compartilhado com seus irmãos, pai, mãe e ex-madrastas. É mais fácil assim, sabe?

Era para Bolsonaro ter falado ontem ao país em rede nacional de rádio e televisão. Estava tudo pronto para a gravação quando ele achou melhor transferi-la para hoje. Temia ser recepcionado por um panelaço no dia em que só se falava da história da mansão milionária do filho dono de renda modesta.

Ainda muito se falará. Dado o momento que o país atravessa, dia de panelaço é todo dia.

Com Ciro e Haddad como coveiros, frente de esquerda é enterrada

Poderá ou não ressuscitar no segundo turno

Cada um culpará o outro e explicará o fato de acordo com suas conveniências. Mas se parte da esquerda ainda alimentava o sonho de uma frente ampla para enfrentar Jair Bolsonaro no primeiro turno da eleição do ano que vem, o sonho acabou.

Na semana passada, Ciro Gomes (PDT), derrotado três vezes para presidente da República, jogou uma pá de cal na proposta de unir a esquerda:

 “Quem for contra o Bolsonaro no segundo turno tem a tendência de ganhar a eleição. O menos capaz disso é o PT. Por isso, a minha tarefa é necessariamente derrotar o PT no primeiro turno”.

Fernando Haddad (PT), autorizado por Lula a viajar em campanha pelo país, jogou, ontem, a segunda pá de cal:

“A direita tem o Ciro, Moro, Mandetta, Huck, Dória, qual é o problema? Isso tudo tem um ano e meio para se discutir. Não faz sentido inibir uma pessoa de se apresentar e conversar com a sociedade”.

Ciro antecipou que não conversará com o PT porque sua tarefa é impedir que ele dispute o segundo turno com Bolsonaro. Haddad respondeu excluindo Ciro, por ser de direita, de qualquer conversa sobre a construção de uma frente ampla de esquerda.

A esperança de Haddad é que ele seja o candidato do PT e do resto da esquerda no primeiro turno. A de Ciro, que ele vire o candidato da direita não bolsonarista e de uma parte da esquerda que prefira distanciar-se do PT.

Não haverá frente de esquerda, muito menos ampla. Haverá mais de um candidato. Quanto ao segundo turno, é cedo para especular a respeito. Por ora, a esquerda de todos os matizes diz que apoiará o nome que possa derrotar Bolsonaro, não importa qual.

A ver, a ver.