Blog do Noblat

Ricardo Noblat: O capitão e seu aprendizado

A Constituição e a Bíblia

Louvado seja o esforço do presidente eleito Jair Bolsonaro em reescrever o que possa ter dito de pior, de mais chocante, de mais bárbaro ao longo dos últimos anos – e, especialmente, nos meses mais recentes. Tudo para que o desafio de governar um país dividido se torne menos incerto do que será para ele. Compreensível.

Foi assim com o discurso que lhe deram para ler no domingo à noite tão logo acabou a apuração dos votos. E novamente foi assim na série de entrevistas que concedeu ontem a diversas emissoras de televisão. Na Record, ele pareceu em casa. Disse o que quis sem se preocupar em ouvir o que não desejaria. Esteve menos à vontade na Globo.

Notável o esforço de William Bonner e de Renata Vasconcelos no Jornal Nacional em tentar “normalizar” Bolsonaro. Trataram-no com o devido respeito a um presidente da República. E deram-lhe todas as chances para retificar o que quisesse e sair-se da melhor maneira possível. Bolsonaro desperdiçou algumas. Ou não quis aproveitá-las.

Insistiu com a fake news do kit gay, por exemplo, e ameaçou cortar as verbas de publicidade do governo destinadas ao jornal Folha de S. Paulo. O kit gay foi a sacada que teve e que mais o beneficiou durante a campanha. A sacada não foi dele. Bolsonaro ouviu falar a respeito há mais de um ano em uma escola de Copacabana. Gostou.

Por nada neste mundo abrirá mão de repeti-la sempre que achar conveniente. Quanto à sua mágoa com a Folha, ela poderá ser reduzida a depender da cobertura que o jornal faça do seu governo. Como a maioria dos políticos, Bolsonaro defende a liberdade de imprensa desde que não seja alvo dela.

Lula disse um dia que gostava de publicidade, de notícia não. Publicidade é sempre a favor de quem a contrata. Notícia é quase tudo que os poderosos gostariam de esconder. Liberdade de imprensa não é um direito dos jornalistas, mas da sociedade, que sem informações livres e honestas não tem como tomar decisões justas.

Até janeiro, Bolsonaro terá tempo para aprender que um presidente pode muito, mas não pode tudo, e que a Constituição não é apenas mais um livro que se exibe em meio a outros, mesmo quando um deles é a Bíblia. O Estado brasileiro é laico. Ninguém é obrigado a ler a Bíblia. Mas todos são obrigados a respeitar a Constituição.

A queda da fortaleza do PT
Uma surra para jamais ser esquecida

Caiu a fortaleza do PT que por 20 anos pareceu inexpugnável – o Acre dos irmãos Viana. Foi ali que Bolsonaro teve seu melhor desempenho nas eleições do último domingo – 77% dos votos válidos.

O PP elegeu o governador com quase 54% dos votos contra 34,5% do candidato do PT. Os dois senadores eleitos são do PSD e MDB. Juntos somaram 54% dos votos. Os dois candidatos do PT, pouco menos de 30%.

Dos 8 deputados federais eleitos, nenhum foi do PT. O PC do B e o PDT elegeram dois dos 8. Dos 24 deputados estaduais, o PT elegeu somente 2.


Ricardo Noblat: Em cena, o Bolsonaro democrata

Todo cuidado com o outro é pouco

O que você prefere – seja para conviver, exaltar ou se opor? O Bolsonaro que no último domingo dia 21 dizia que os “vermelhos” seriam varridos do país para a cadeia ou o exílio?

Ou o Bolsonaro que sete dias depois, uma vez eleito presidente da República, jurou invocando Deus que será um defensor incondicional da Constituição, da democracia e da liberdade?

Essa pergunta não deve ser feita a um bolsonarista da gema. Primeiro porque ele só tem tempo para celebrar a vitória. Segundo porque continua disposto a justificar tudo o que o Mito faça ou diga.

E assim será até que as ações do futuro governante comecem a afetar sua vida para o mal em nome do bem futuro. Finalmente cairá a ficha. E o coração cederá a vez ao bolso.

Bolsonaro fez dois discursos depois de eleito. O primeiro por meio das redes sociais para os acostumados a vê-lo ali. O segundo transmitido por redes de emissoras de rádio e de televisão.

Foi de improviso o primeiro. O segundo foi lido. Importa o segundo. Ele marca a migração do Bolsonaro extremista velho conhecido para o Bolsonaro democrático novinho em folha que agora se apresenta.

De um total de 955 palavras distribuídas em 36 parágrafos, Bolsonaro usou 14 delas para referir-se diretamente à liberdade e seus derivativos. E mais 6 à democracia. E mais 2 à Constituição.

Os dois parágrafos a seguir resumem sua mensagem e não deixam de ser o inverso do que ele sempre disse, sugeriu ou insinuou:

“Liberdade é um princípio fundamental. Liberdade de ir e vir, andar nas ruas, em todos os lugares deste país. Liberdade de empreender. Liberdade política e religiosa. Liberdade de informar e ter opinião. Liberdade de fazer escolhas e ser respeitado por elas.

Este é um país de todos nós, brasileiros natos ou de coração. Um Brasil de diversas opiniões, cores e orientações.”

Estamos a um passo – quem sabe? – de sermos obrigados a reconhecer que Bolsonaro é um democrata de berço. Ou de admitirmos que se fantasiou de ditador tão somente para se eleger.

A verdade talvez esteja no meio. Numa democracia, um autocrata pode vencer, mas só governa se aplicar um golpe ou se acomodar-se às regras do jogo. Adiante, poderá até tentar mudá-las.

Seja bem-vindo, pois, o Bolsonaro recém-convertido à democracia. Quanto ao outro, em vias de ser apagado, recomenda-se cuidado e eterna vigilância.


Ricardo Noblat: À espera da fumaça branca

O PT já está no lucro

Existem chances, sim, de uma virada que por gigantesca e surpreendente seria chamada de histórica. Mas o mais provável ainda é que ela não aconteça, e que Jair Bolsonaro (PSL) vá dormir esta noite na condição de eleito presidente da República do Brasil.

Se o segundo turno não fosse hoje, talvez daqui a uma semana – quem sabe? Ou se Lula tivesse liberado mais cedo Fernando Haddad (PT) para concorrer no seu lugar… Se o louco de Juiz de Fora não tivesse esfaqueado Bolsonaro… Ou se, se, se…

O país sairá rachado desta eleição, mas isso não será nenhuma novidade, ora. Saiu rachado da eleição presidencial de 2014 quando Dilma Rousseff, que se negou a abdicar em favor de Lula, por pouco não foi derrotada por Aécio Neves (PSDB).

Não foi por isso que ela caiu. O racha poderá ser bom ou ruim a depender do comportamento futuro do vencedor. Em 2002, depois de três derrotas consecutivas, Lua ganhou com 62% dos votos. Ninguém superou a marca desde então.

Poderia ter se valido da expressiva vitória para tentar impor todas as suas vontades, mas não o fez. Jogou o jogo, até mesmo no que o jogo sempre teve de mais sórdido e reprovável. Reelegeu-se. Elegeu Dilma e a ajudou a se reeleger.

O temor, que a essa altura parece dissipado, era de Bolsonaro se eleger com grande folga, estabelecer um novo recorde de votos e imaginar que o país acabara lhe dando um cheque em branco para pôr em prática todas as loucuras com as quais acenara.

Por natureza, formação e retórica autoritárias, Bolsonaro assusta, assusta muito o país que o rejeita e que continuará a rejeitá-lo. Ganhar de menos não fará dele um cordeiro. Nem operará o milagre de transformá-lo em um estadista. Mas poderá pôr freios nele.

Dada as circunstâncias adversas, Haddad já foi longe demais, e perigosamente longe para o próprio PT que jamais acreditou em sua vitória e nem a desejou. A levar-se em conta que seu candidato de fato está preso, o desempenho do PT superou as expectativas.

Por 5 milhões de votos
O tamanho da virada

A levar-se em conta as pesquisas Ibope e Datafolha divulgadas ontem à noite, Fernando Haddad (PT) precisará tomar de Jair Bolsonaro (PSL) ao longo do dia de hoje algo como 5 milhões de votos para se eleger presidente. Que tal?

Tudo indica que Bolsonaro já atingiu seu teto, e Haddad não. Mas um só poderá crescer se o outro cair. De todo modo, uma eleição que parecia terminada ainda não terminou.


Ricardo Noblat: O dia que só mal começou

A toga repressora

A sexta-feira 26 de outubro de 2018 poderá passar à história como o dia em que o Brasil, escandalizado, descobriu que a Justiça criara uma nova arma de repressão à liberdade – a Polícia do Pensamento Acadêmico (PPA).

A nova sigla poderá juntar-se a outras de triste memória – entre elas, DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), SNI (Serviço Nacional de Informações) e DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social).

Sem falar de siglas horrendas e criminosas como DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) e CENIMAR (Centro de Informações da Marinha).

Entre quinta-feira e ontem, a polícia bateu às portas das universidades e não foi para estudar. Mais de 40 delas foram alvo de operações da Justiça Eleitoral e da Polícia a pretexto de impedir atos políticos a favor de candidatos.

Desde o fim da ditadura militar de 64 nada de parecido jamais se vira. Na Universidade Federal da Paraíba, por exemplo, foi apreendida uma faixa onde estava escrito simplesmente: “Mais livros, menos armas”.

O prédio da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF) amanheceu com uma faixa em que se lia “Censurado”. Ali, até a véspera, havia uma bandeira com as inscrições “Direito UFF” e “Antifascista”.

A bandeira havia sido retirada a mando do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio de Janeiro que ameaçara prender o reitor se sua ordem fosse desrespeitada. Estudantes protestaram diante do prédio do tribunal.

“Não é permitida a propaganda eleitoral partidária em bens de uso comum”, disse o tribunal em nota. Por que, diabos, uma bandeira contra o fascismo, sem alusão a candidato algum, pode ser considerada propaganda?

“A Justiça está consagrando o entendimento de que há uma candidatura fascista e de que quem é contra o fascismo está praticando algum tipo de desobediência”, comentou Wilson Machado, diretor da faculdade.

Uma nota oficial da Universidade Federal de São João Del-Rei “a favor dos princípios democráticos” foi proibida pela Justiça Eleitoral de Minas Gerais. Ela também não mencionava nomes de candidatos.

Tão absurdo quanto essas coisas foi a notificação pelo Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco ao bispo auxiliar de Olinda e Recife, dom Limacêdo, para que não falasse de política em missas que celebre hoje ou amanhã.

Há exatos 50 anos, a casa de dom Hélder Câmara, então arcebispo de Olinda e Recife, foi metralhada e pichada com os dizeres “Comando de Caça aos Comunistas”. Por nove anos, a imprensa não pôde falar sobre dom Hélder.

Quem a Justiça Eleitoral pretendeu beneficiar com suas incursões policiais às universidades? Onde está escrito que o debate político foi interditado dentro das universidades e fora delas, antes ou depois de eleições?

Um Juiz de Petrópolis, Rio de Janeiro, mandou apreender a lista de estudantes inscritos para participar naquela cidade de um congresso sobre Direito. Por que ele quis conhecer os nomes dos inscritos? Para fazer o quê depois?

A maior fake news destas eleições não foi produzida por ninguém, mas pela Justiça quando somente em cima de hora decidiu que Lula não poderia ser candidato a presidente porque fora condenado e estava preso.

Lula foi condenado em segunda instância em janeiro último. E preso em abril. Desde então, ministros dos tribunais superiores diziam que ele não poderia ser candidato porque se tornara um ficha suja e a lei quanto a isso era clara.

Mas só na madrugada de 1º de setembro foi que a Justiça recusou o pedido de registro da candidatura de Lula. Tamanha demora prejudicou os demais candidatos, confundiu os eleitores e afetou o destino das eleições.

Quando se imaginou que a Justiça poderia ter aprendido alguma coisa com seus próprios erros, resta provado que não. Seu alforje de erros é inesgotável, e os próximos turbulentos anos se encarregarão de demonstrar.


Ricardo Noblat: A intervenção desarmada

O risco de tutelar o governo

Celebrem os comandantes militares se suas fardas saírem apenas levemente manchadas das eleições prestes a terminar. E se acautelem para que o pior não esteja por vir.

Pode ter colado até um dia desses a história de que o entusiasmo pela candidatura do capitão Jair Bolsonaro era coisa da tropa rude e ignara, jamais de oficiais com patente elevada.

Não cola mais. Oficiais da reserva de alto coturno assessoram Bolsonaro e participarão do governo caso ele se eleja. E às sombras, oficiais da ativa colaboraram com o candidato e torcem pelo seu sucesso.

O bolsonarismo infiltrou-se nas Forças Armadas como se fosse um vírus poderoso, e é. O sonho de um governo tutelado discretamente pela farda deixou de ser um sonho e está à vista de quem sabe enxergar.

Relatórios de inteligência produzidos por órgãos do governo e das três armas ajudam Bolsonaro a planejar seus movimentos de campanha e a selecionar futuros auxiliares. Nada de parecido havia acontecido até hoje.

A intervenção desarmada só servirá para enfraquecer a democracia submetida por aqui a estresses tão duros desde que foi restaurada há somente 33 anos.

Mesmo que ela resista a mais um teste, o eventual fracasso de um governo como o que se anuncia poderá causar estragos à imagem dos seus patrocinadores ocultos, dissimulados ou assumidos.

As Forças Armadas são a instituição de maior prestígio no país ao lado de outras poucas. Não há por que correr o risco de jogar fora o que conquistou com tanto empenho e sacrifício.

Cala a boca, Bolsonaro!
Um pouco de emoção faz bem

Quem se limitava a contar sem disfarçar o tédio os dias que faltavam para que o deputado Jair Bolsonaro (PSL) se elegesse presidente da República agora não poderá mais se queixar. Pelo menos até sábado, quando o Ibope divulgará sua última pesquisa de intenção de votos, haverá espaço para alguma emoção. Menos mal.

A pesquisa Ibope conhecida ontem só trouxe más notícias para o candidato que tinha a faixa presidencial ao alcance da mão. Sua vantagem sobre Fernando Haddad (PT) caiu quatro pontos percentuais. Aumentou a rejeição de Bolsonaro. E diminuiu o percentual dos que com certeza diziam que votariam. Não é nada, não é nada, mas pode ser.

Eleição só acaba quando acaba, cansam de repetir os que já acompanharam de perto muitas delas. Livros contam histórias de eleições que foram tratadas como decididas de véspera e que tiveram um desfecho surpreendente. Mas isso não quer dizer que Bolsonaro possa estar perto de perder seu favoritismo. Longe disso.

Bolsonaro tem tudo para vencer no próximo domingo, e com folga. Que ninguém se surpreenda se ele bater o recorde de Lula que em 2002 se elegeu com 62% dos votos válidos. Todos os fatores que impulsionaram sua candidatura ladeira acima permanecem vivos e em bom estado. Só o acaso poderia aprontar uma surpresa.

O acaso – ou melhor: a imprevidência – pode explicar o eventual freio na trajetória ascendente de Bolsonaro. Teve a denúncia de que notícias falsas poderão tê-lo beneficiado no esforço de se eleger direto no primeiro turno. Teve o vídeo de um dos filhos sobre como fechar o Supremo Tribunal Federal. E teve a fuga de Bolsonaro aos debates.

É impossível medir o efeito de cada um desses episódios sobre o desempenho do candidato. Mas algo de negativo aconteceu para que ele parasse de crescer. Certamente não foi nada que se possa atribuir a Haddad, um candidato de pouco brilho e, ainda por cima, sabotado dentro do próprio partido por aqueles que preferiam outro nome.

O mais recomendável seria que Bolsonaro fechasse a sua e a boca dos que o cercam para que nada saia dali de impróprio até o início da noite de domingo. A essa altura, Bolsonaro só perderá para Bolsonaro, ou para os filhos intrépidos, ou para os Mourões da vida. Por falar nisso, quando será preso o coronel que no YouTube prega o golpe?


Ricardo Noblat: PT vira-casaca

Salve a delação premiada

O que dizia o PT quando um dos seus membros ou parceiros era preso por suspeita de corrupção e poderia delatar?

Que a prisão fora feita justamente para isso – para que delatasse, comprometendo o partido. E que por isso era absurda.

Quando a delação se consumava, o PT dizia que era mentirosa, que fora negociada em troca de menos tempo na cadeia.

A considerar-se que Fernando Haddad, pelo menos até o domingo dia 28, fala pelo partido, o PT mudou de ideia.

Sobre a suspeita de que empresários financiaram campanha via WhatsApp para favorecer Jair Bolsonaro, ensinou Haddad

– Se você prender um empresário desses, ele vai fazer delação premiada. Basta prender um que vai ter delação premiada e vão entregar a quadrilha toda.

Alô! Alô! Mudou Haddad ou mudou o PT? Mudaram os dois? E não explicarão por que mudaram? Ainda dá tempo.

Prisão só é admissível depois que se investiga, recolhem-se provas mínimas e se monta uma base que a justifique.

E não se faz isso às pressas. Há ritos a serem respeitados. Prazos que não se pode atropelar. Todo cuidado é pouco.

De todo modo, é bom saber que o PT avançou e já não desqualifica mais as prisões que possam resultar na confissão de crimes.


Ricardo Noblat: Torcida contra Doria

E a favor de França

Entre deputados e senadores que frequentaram Brasília nas últimas 48 horas, há uma forte torcida suprapartidária para que João Doria, candidato do PSDB ao governo de São Paulo, seja derrotado por Márcio França (PSB).

Políticos em geral desprezam os que julgam traidores. E Doria é visto por muitos como um traidor de Geraldo Alckmin, que o acolheu no PSDB e o ajudou a se eleger prefeito de São Paulo.

Caso Marielle Franco ficará para Bolsonaro resolver
A ideologização do crime

Michel Temer pretendia passar a faixa presidencial ao seu sucessor com o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) esclarecido: quem matou, quem mandou matar e por que. Mas isso parece cada vez mais distante.

O provável é que o desfecho do caso fique para a próxima administração – ao que tudo indica a de Jair Bolsonaro (PSL). Há muitos indícios e até provas de como tudo ocorreu, menos uma confissão. É aqui que mora o perigo.

Generais da reserva que assessoram Bolsonaro enxergam a morte de Marielle por outro ângulo. Admitem que foram milicianos que a mataram, sim, mas por conta da quebra de um suposto acordo tácito que haveria entre eles e o PSOL.

O acordo: o partido poderia correr atrás de votos em áreas controladas pelas milícias, mas não atrapalhar depois os seus negócios. Marielle tornou-se um incômodo com sua pregação em defesa dos favelados e, por isso, acabou eliminada.


Ricardo Noblat: Tudo pode acontecer, inclusive nada

Faltam 17 dias para o segundo turno da eleição presidencial. A campanha sequer recomeçou. Dez dias antes da eleição em primeiro turno, quem seria capaz de prever mesmo com base nas pesquisas de intenção de voto que um tsunami político varreria o país como de fato varreu no último domingo?

Dilma Rousseff (PT) era tratada como a provável senadora mais votada em Minas Gerais. No Rio, o juiz Wilson Witzel (PSL) corria atrás de Eduardo Paes (DEM) e de Romário (PSB). Paulo Skaf (PMDB) e João Doria (PSDB) apareciam empatados na disputa pelo governo paulista. E Fernando Haddad (PT) temia ser atropelado por Ciro Gomes (PDT).

Dilma ficou em quarto lugar. Despediu-se de Minas. Witzel deixou Paes comendo poeira e agora ameaça prendê-lo se for alvo de notícias falsas que afetem sua honra. Skaf anunciou apoio a Márcio França (PSB) que enfrentará Doria na condição de favorito. E caberá a Haddad enfrentar Bolsonaro com o apoio de Ciro, mas sem sua presença na televisão.

Bolsonaro derrotou Haddad no primeiro turno com 17 pontos percentuais na soma dos votos válidos, descontados os nulos e brancos. Na primeira pesquisa Datafolha de intenção de votos no segundo turno, 16 pontos percentuais separam Bolsonaro de Haddad. Eleição acaba quando acaba, ensinam os sábios. Mas não será fácil para Haddad virar esta a seu favor.

No primeiro turno, ele teve 29,28% dos votos válidos. Bolsonaro, 46,03%. Os demais candidatos, 53,77%. Para se eleger, Haddad, hoje, não poderia perder um só voto dos que teve e atrair todos os votos que tiveram Ciro, Geraldo Alckmin (PSDB), Amoedo (PARTIDO NOVO) e Cabo Daciolo (PATRIOTA). E Bolsonaro não poderia ganhar um único voto a mais.

Nas duas primeiras pesquisas de intenção de voto do Datafolha no segundo turno da eleição de 2014, Aécio Neves saiu na frente de Dilma que tentava se reeleger e que tivera mais votos do que ele no primeiro turno. Foi só nos últimos dez dias de campanha que Dilma ultrapassou Aécio nas pesquisas. Elegeu-se com 51,6% dos votos na eleição mais apertada desde o fim da ditadura militar de 64.

Haddad imaginava reduzir a vantagem de Bolsonaro por meio dos debates já marcados entre os candidatos, mas debates não haverá tão cedo. Bolsonaro alega que ainda não foi liberado para tal pelos médicos. E mesmo que seja liberado, ainda avaliará se os debates poderão ajudá-lo ou não. Se concluir o contrário, não irá a nenhum. A facada que levou é o álibi perfeito para fugir ao confronto.

Só quem perde com o cancelamento dos debates é Haddad.

Haddad não é mais Lula
Movimento tardio

Onde antes você lia: “Haddad é Lula e Lula é Haddad”; agora leia: “Presidente Haddad, vice Manuela”. Onde antes havia vermelho, agora há azul, amarelo e verde. Lula sumiu.

A mudança no visual das peças de campanha de Fernando Haddad (PT) poderá não lhe garantir mais votos, mas é possível que diminua a resistência ao seu nome.

O candidato do PT quer se transformar no candidato de uma frente democrática onde caberá quem queira entrar. A mudança chega tarde quando são mínimas as condições de ele se dar bem.


Ricardo Noblat: A conversão de Bolsonaro à democracia

O que a barbárie produz

Jair Bolsonaro (PSL) prometeu respeitar a Constituição caso se eleja presidente da República. Fernando Haddad (PT), também.

O vice de Bolsonaro, o general Hamilton Mourão, disse que uma nova Constituição poderia ser escrita por um grupo de sábios.

Consta do programa de governo do PT a convocação de uma Assembleia Constituinte para a redação de uma nova Constituição.

Bolsonaro desautorizou Mourão. “Ele é general, eu sou o capitão, mas eu sou o presidente”, afirmou. O capitão bateu duro no general.

Haddad anunciou que o PT desistiu da ideia de reformar a Constituição por meio de uma assembleia. O Congresso será o único meio.

Vez por outra o PT vê-se tentado a conspirar contra a democracia tal qual a conhecemos, mas nunca de fato cedeu à tentação. Sempre segurou seus radicais.

Bolsonaro conspira contra a democracia desde que trocou a farda de capitão pelo terno de deputado Seu vice a paisano parece uma dama se comparado a ele.

Não basta a Bolsonaro dar por não dito o que sempre disse. Seu discurso belicoso despertou os instintos primitivos de muita gente que votou nele e que votará.

Se quer que se acredite em sua conversão recente à democracia poderia começar ensinando aos seus que não se trata adversários como inimigos fossem.

Sequer a campanha eleitoral foi reiniciada e já se multiplicam os episódios de agressões de partidários de Bolsonaro aos que não pensam como eles.

Barbárie só produz barbárie.


Ricardo Noblat: Resta ao PT torcer por Alckmin

O preço da arrogância e da incúria

Seria ingenuidade pedir ao PT ou a qualquer outro partido que admitisse seus erros passados em plena campanha eleitoral ou às vésperas dela. Mas o PT teve tempo suficiente para pedir desculpas bem antes, e não pediu.

Deixou o eleitor sem saída: ou ele engolia a seco os erros não confessados e votava no PT ou simplesmente negava seu voto ao partido. É o que acontece, segundo as pesquisas de intenção de voto para presidente.

O transplante de votos de Lula para Fernando Haddad se deu a uma velocidade que surpreendeu os adversários. É possível que tenha acabado. O transplante da rejeição a Lula e ao PT ainda está em curso.

A quatro dias da eleição, resta ao PT acender velas para que Geraldo Alckmin (PSDB) cresça ou se mantenha como está, represando preciosos votos que poderiam eleger Jair Bolsonaro (PSL) direto no primeiro turno.

Alckmin ainda se mexe, embora respire por meio de aparelhos. Conforme-se o PT em apanhar dele hoje e amanhã, quando acaba no rádio e na televisão a propaganda eleitoral. Até torça para apanhar.

Por fim, cuide-se o PT para que Haddad não proceda mal no debate entre os candidatos nesta quinta-feira, o último e o mais decisivo da atual temporada. Fora isso, não terá muito mais o que fazer.

O medo de apanhar ao vivo e a cores

O dilema do capitão

Se ouvir o conselho dos amigos mais próximos e atender à recomendação dos médicos que o trataram no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, o deputado Jair Bolsonaro não irá ao debate entre candidatos a presidente promovido pela TV Globo nesta quinta-feira.

A apanhar de corpo presente, escolherá apanhar de longe, acompanhando tudo pela televisão instalada no quarto de sua casa, no Rio, onde se recupera da facada que levou em Juiz de Fora. Em 2006, quando Lula fugiu ao debate da Globo no primeiro turno, o lugar dele ficou vago.

Não se sabe se no caso de Bolsonaro ficaria. A situação dele é outra. De casa, Bolsonaro sempre poderá responder aos ataques por meio das redes sociais. É seu ambiente preferido. É onde se sente seguro, protegido. De todo modo, seria tentador para ele comparecer ao debate em uma maca e ligado a aparelhos.


Ricardo Noblat: Toffoli faltou à aula

De volta aos bancos escolares

Se tem cara de gato, pelos de gato, mia como um gato e bebe leite como um gato, pode apostar sem receio: gato é.

Ditadura é um regime onde todos os poderes do Estado estão concentrados em um indivíduo, um grupo ou um partido.

Ditadura militar é uma forma de governo onde o poder é controlado por militares. Aqui existiu uma entre 1964 e 1985.

O ministro José Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, nasceu em novembro de 1967. Completará 51 anos.

Tinha apenas 18 quando a ditadura acabou. Não deve ter sofrido na pele as marcas brutais deixadas por ela em muita gente.

Talvez não soubesse que a ditadura torturou e matou adversários do regime e que nos seus estertores ainda quis manter-se de pé.

Mas isso está longe de explicar por que preferiu referir-se a ela tanto tempo depois apenas como “movimento”.

É de supor que o jovem Toffoli tenha lido alguma coisa antes de se formar em Direito. De fato, jamais foi um aluno brilhante.

Empregado do PT, assessorou o ex-ministro José Dirceu de Oliveira no primeiro governo Lula. Alguma coisa aprendeu.

Uma vez Advogado Geral da União foi nomeado ministro da mais alta Corte de Justiça do país.

Carecia de melhor currículo para a função, mas dispunha de amigos influentes e poderosos. Deu-se bem.

A explicação oferecida para chamar de “movimento” o que foi uma ditadura é rasa como um pires e revela grande ignorância.

“Se algum erro os militares cometeram foi que resolveram ficar [no governo”], disse Toffoli, ontem, em aula sobre a Constituição de 1988. Se algum erro?

Quer dizer: os militares não erraram ao rasgar a Constituição da época e depor um presidente legítimo, eleito pelo voto.

Também não erraram ao instituir um Estado de Exceção que durou tristes e duros 21 anos, e produziu tantas vítimas.

Em que país mesmo viveu Toffoli durante todos esses anos?

Em que país é possível a um ministro encarregado de zelar pela boa aplicação da lei desconhecer o mínimo de História?

O dono da conta
Debite-se na conta do PT uma eventual eleição do deputado Jair Bolsonaro (PSL). Se ela ocorrer se deverá ao que o PT fez ou deixou de fazer em quase 14 anos de governos.


Ricardo Noblat: Eleição só acaba quando acaba

Emoção na veia

De amanhã até domingo, o Instituto Datafolha divulgará o resultado de novas pesquisas de intenção de voto para presidente da República. O Ibope também.

O último debate entre os candidatos será travado na quinta-feira e transmitido pela TV Globo. Candidato à reeleição em 2006, Lula faltou ao debate e os demais candidatos ganharam com isso.

Se respeitar a recomendação médica, Jair Bolsonaro (PSL) não irá ao debate, embora diga que irá ou que pretende ir. Se não for, estará presente na memória e nas palavras dos seus adversários.

Bolsonaro só tem duas opções: apanhar e responder ao vivo, ou apanhar e responder nas redes sociais como fez nesta madrugada ao fim do debate promovido pela TV Record.

Com ele ou sem, o script será o mesmo: todos contra Bolsonaro e o PT. E Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (REDE) com mais chances do que os outros.

A encruzilhada de Alckmin
Qual teria sido a melhor escolha de Geraldo Alckmin (PSDB) para credenciar-se a disputar o segundo turno?

Esperar que o cenário ficasse mais claro? Logo de saída, bater em Bolsonaro para evitar que ele crescesse? Ou bater no PT?

Alckmin escolheu bater em Bolsonaro que lhe tomava votos. Só recentemente deu-se conta de que seu adversário era o PT.

Ganha eleição quem comete menos erros. Foi sempre assim, e sempre será.