Blog do Noblat

Ricardo Noblat: É fraude!

Bolsonaro está longe de honrar sua palavra

Doravante, o presidente Jair Bolsonaro dirá que cumpriu sua mais polêmica promessa de campanha – a de liberar a posse de armas para os brasileiros, o que poderá tornar sua vida mais segura.

Mas isso não passa de uma fraude. Só uma minoria tem condições econômicas para comprar e habilitar-se a ter uma arma que custa, no mínimo, algo como R$ 4 mil, fora outras despesas.

E o entendimento universal, com base em pesquisas e estudos conhecidos, ensina que a posse de armas por si só não torna a vida mais segura. É justamente o contrário.

A minoria capaz de arcar com os custos de uma arma, e do treinamento para usá-la, não carecia de um decreto presidencial para poder comprá-la. A maioria carente de segurança continuará carente.

Ao entrar em vigor em 2004, o Estatuto do Desarmamento estancou o ritmo de crescimento de homicídios no Brasil – de 8,1% ao ano entre 1980 e 2003, para 2,2% de 2004 a 2014.

Nos anos 2000, nos três Estados onde foi maior a diminuição dos homicídios (SP, RJ e PE), foi também maior a redução na difusão de armas de fogo. O contrário aconteceu onde a difusão foi maior.

Se não reverteu a tendência de crescimento da taxa de homicídios que em 2016 ultrapassou o patamar de 62 mil, o Estatuto reduziu o ritmo de alta. Sem ele, o número de mortes teria sido ainda mais expressivo.

Quanto maior for o número de armas em poder das pessoas, maior será o número delas em poder dos bandidos. Foi o que constatou a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Tráfico de Armas.

Àquela altura, 86% das armas apreendidas nas mãos de bandidos haviam sido adquiridas respeitando-se todas as exigências da lei, e depois simplesmente desviadas para uso criminoso.

A inviolabilidade do direito à vida e à segurança é direito dos brasileiros consagrado na Constituição. Bolsonaro segue devendo sua contribuição para que tal direito seja assegurado.

Bolsonaro, o senhor de Sérgio Moro

A primeira derrota do ex-juiz

O ex-juiz Sérgio Moro passou no primeiro teste desde que trocou a toga pela condição que ele diz ser temporária de ocupante de um cargo político e de servidor de um governo – no caso, titular do Ministério da Justiça do presidente Jair Bolsonaro.

Se dependesse de suas sugestões, o decreto que afrouxou as regras para a posse de armas no país assinado, ontem, pelo presidente, não teria sido tão permissivo quanto foi, mas fazer o quê? Com a toga, Moro era senhor de sua vontade. Sem ela, Moro agora tem um chefe.

Numa prova que já se acostumou com a ideia, que contraria a esperança alimentada por muitos de que ele seria capaz de frear os instintos mais primitivos de Bolsonaro, Moro engoliu a seco o desprezo do presidente por recomendações que lhe fizera.

Uma delas: a de que se limitasse apenas a duas as armas de fogo a serem compradas por quem as quisesse. Poderão ser quatro. Outra recomendação: que não fosse automática a renovação do registro para quem já dispõe de armas registradas. Será automática.

Moro também foi obrigado a ouvir calado como se concordasse com elas afirmações do tipo que se cumpria a vontade dos brasileiros por mais armas – a maioria de fato é contra. Ou de que mais armas nas mãos das pessoas tornam a vida mais segura – é o contrário.

Timidamente, informou que no seu ministério não há nenhum estudo em curso para que se possa também liberar o porte de armas fora de casa ou no ambiente de trabalho – mas há um projeto nesse sentido que foi aprovado na Câmara e que deverá ser votado no Senado.


Ricardo Noblat: Clã Bolsonaro brinca com fogo

Enquanto isso, Queiroz dança e rola

Quanto mais tempo for gasto para que se esclareça a encrenca em que se meteu Fabrício Queiroz, ex-funcionário do gabinete do deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, pior para a reputação do clã do presidente da República empossado há 13 dias.

Queiroz é suspeito de ter embolsado ou repassado a terceiros parte dos salários dos seus colegas de gabinete. Um cheque dele no valor de R$ 24 mil foi passar na conta da primeira dama Michelle Bolsonaro. A crer-se no que disse o presidente, era parte de uma grana que Queiroz lhe devia.

Sim, porque Queiroz e Jair eram amigos há 40 anos. A mulher e duas filhas de Queiroz trabalharam com Flávio no gabinete. Uma das filhas, depois, foi trabalhar no gabinete de deputado federal de Jair. O Ministério Público quer interrogar Queiroz, e já o intimou quatro vezes pelo menos.

Por problemas de saúde, Queiroz faltou aos depoimentos, internou-se em um hospital de São Paulo, um dos mais caros do país, e ali foi operado de um câncer, segundo ele mesmo informou. Intimadas, a mulher e as duas filhas invocaram o estado de saúde de Queiroz para não serem ouvidas.

Dois vídeos protagonizados por Queiroz foram a sensação do último fim de semana nas redes sociais. No primeiro, ele celebra a chegada do Ano Novo em seu quarto de hospital dançando na companhia de familiares. No outro, manifesta sua revolta com a divulgação do vídeo da dança.

Os Bolsonaros dizem que não devem explicações para o que Queiroz fez ou deixou de fazer com o dinheiro movimentado em sua conta sem que ele aparentemente tivesse renda suficiente para isso. Queiroz afirma que em breve dará as explicações pedidas e que elas serão satisfatórias.

E se não forem? Pior para ele, mas também para os Bolsonaros


Ricardo Noblat: A cegueira de Gleisi e do PT

Fatos e opiniões

Na ida para a posse de Nicolás Maduro na presidência da República bolivariana da Venezuela, disse a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT por obra e graça unicamente de Lula, seu mentor:

– Reconhecemos o voto popular pelo qual Nicolas Maduro foi eleito, conforme regras constitucionais vigentes, enfrentando candidaturas legítimas da oposição democrática. Ditaduras são regimes de arbítrio, frutos de golpes contra as instituições, como foi o caso da ditadura militar brasileira, sempre defendida e celebrada pelo senhor Jair Bolsonaro.

Na volta da posse, Gleisi bradou, estridente:

– Nenhuma surpresa as críticas dos que ignoram as razões por eu ter aceitado o convite pra posse na Venezuela. Deixar de ir seria covardia, concessão a direita. O destino da Venezuela está nas mãos do seu povo e de mais ninguém.

Maduro não foi eleito conforme as regras constitucionais vigentes. Ele violou todas as leis, como reconhecem a Organização dos Estados Americanos (OEA), pelo menos 11 países da América Latina, e mais o Canadá, Estados Unidos e a Comunidade Econômica Europeia.

Ditaduras são regimes de arbítrio, frutos de golpes contra as instituições, e nisso Gleisi está certa. Foi o caso da ditadura militar brasileira que durou 21 anos, como ela diz. Mas foi também o caso nos últimos anos da Venezuela de Maduro, como ela faz questão de negar.

Fatos são fatos, e desconhecê-los só produz equívocos, seja por ignorância ou de forma deliberada. Gleisi e seu partido poderão continuar chamando o regime da Venezuela de democrático, mas ele é justamente o inverso disso.


Ricardo Noblat: Por que não te calas, Bolsonaro?

Tropa desautoriza o capitão

Na última quarta-feira, em entrevista à GloboNews, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, já se vira obrigado a desautorizar o capitão Jair Bolsonaro.

Não, ainda não está certa a transferência de Telavive para Jerusalém da embaixada o Brasil em Israel, esclareceu Heleno. Por ora, a ideia está na cabeça de Bolsonaro sem data para passar ao papel.

Ontem, foi o caos. O ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, e o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, foram escalados para apagar os mais recentes incêndios provocados pelo presidente recém-empossado.

Não, não era verdade que Bolsonaro assinara um decreto elevando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para aplicações no exterior como ele mesmo havia anunciado de manhã.

E não, também era falsa a informação dada por Bolsonaro que a alíquota máxima do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas seria reduzida imediatamente de 27,5% para 25%.

Quanto à redução da alíquota, segundo Bolsonaro, o anúncio seria feito à tarde pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, depois de se reunir com a Comissão de Valores Mobiliários. Guedes cancelou a reunião e sumiu.

O decreto que Bolsonaro disse que assinara garantia a continuidade das superintendências de desenvolvimento da Amazônia e do Nordeste, nada tinha a ver com o aumento do IOS, explicou Lorenzoni.

Sobre a redução do teto do IR, Cintra admitiu que o assunto está sendo estudado, mas que não haverá mudança imediata. Uma eventual alteração, concedeu, só será discutida “posteriormente” e “no tempo correto”.

Ensinou em seguida: “Temos uma premissa que é obter o equilíbrio fiscal. Este ano, o déficit primário será de R$ 139 bilhões. Não podemos fazer nenhuma ação que possa resultar em redução da arrecadação”.

Na véspera, Bolsonaro revelara que a reforma da Previdência a ser proposta por seu governo prevê uma idade mínima de aposentadoria de 62 anos para homens e de 57 anos para mulheres. Falso, outra vez.

Bolsonaro, justificou Lorenzoni, quis apenas “passar para as pessoas a tranquilidade de que a transição vai ser humana”. O mercado financeiro respirou aliviado. Até o próximo susto.


Ricardo Noblat: Pela direita, como quis a maioria

Falso assombro

A esquerda começou a estrilar com as primeiras medidas anunciadas pelo governo do capitão Jair Bolsonaro. Como se elas pudessem ser diferentes. Como se fosse possível ao presidente eleito pela direita com larga maioria de votos, governar pela esquerda ou apenas pelo centro.

Em 2002, Lula elegeu-se pela esquerda, e até a queda do ministro Antônio Palocci, da Fazenda, governou pela direita, como o próprio PT, contrariado, reconheceu à época. Dilma reelegeu-se em 2014 pela esquerda e tentou governar pela direita. Caiu, mas não por causa disso.

Lula no primeiro mandato e Dilma no segundo cometeram um estelionato eleitoral, crime comum a governantes por aqui e em vários lugares. José Sarney já o havia cometido com o Plano Cruzado em 1986, e Fernando Henrique Cardoso com o Real ao se reeleger em 1998.

O capitão não dá nenhum sinal de que poderá ser mais um a se eleger prometendo uma coisa para depois fazer o inverso. Ponto para ele. O choro e o assombro dos derrotados não são sinceros. Eles não esperavam nada de original. Reagem assim para manter sua tropa unida.

Quando o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anuncia que irá retirar “de perto da administração pública federal todos aqueles que têm marca ideológica clara”, repete o que fez PT ao chegar ao poder pela primeira vez, com a diferença de que o PT não anunciou o expurgo, executou-o.

Governa-se com os seus à direita ou à esquerda. Isso se chama alternância no poder, um dos princípios do regime democrático. Caberá ao eleitor, na data marcada, confirmar a escolha que fez ou revê-la.

Itamaraty em estado de choque
O ministro maluquinho

Nem entre bolsonaristas de raiz pegou bem o discurso feito pelo embaixador Ernesto Araújo ao assumir, ontem, o cargo de ministro das Relações Exteriores. Foi um desempenho, o dele, capaz de deixar chocados diplomatas tupiniquins e estrangeiros.

Consolida-se a imagem de um homem que leu muito, misturou tudo que conseguiu reter, bateu num liquidificador e oferece agora aos obrigados a ouvi-lo da maneira a mais confusa possível, quase incompreensível. Arrota conhecimentos e colhe perplexidade.

É uma enciclopédia viva com tudo fora do lugar.


Ricardo Noblat: Bolsonaro em dívida com Temer

Para não começar do zero

Por tê-la usado como principal bandeira de sua campanha à presidência da República, seria de imaginar que o presidente eleito Jair Bolsonaro dispusesse de ideias bem concebidas para enfrentar a violência que matou quase 63 mil brasileiros em 2016, quando o país pela primeira vez na história superou o patamar de 30 homicídios por cada 100 mil habitantes. Ou Bolsonaro ou pelo menos quem ele escalasse para cuidar da segurança pública no seu governo.

Não parece ter sido o caso. Não foi o caso. A princípio, Bolsonaro e o ex-juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça e da Segurança Pública, se limitarão a adotar o pacote de segurança pública lançado, ontem, pelo presidente Michel Temer. Foi o que admitiu o general Guilherme Teóphilo de Oliveira, braço direito de Moro: “É. Não podemos pegar agora e querer começar tudo do zero, não. A gente tem que aproveitar isso aí”. Do zero? E nada havia sido pensado?

“Agora é tentar dar continuidade e fazer os aperfeiçoamentos que nós achemos necessários”, explicou o general. O “Plano Nacional de Segurança Pública”, legado por Temer a Bolsonaro e Moro, é o quinto a ser lançado desde 2000 quando Fernando Henrique Cardoso ainda presidia o país. O desafio de Bolsonaro é tirar do papel mais do que o pouco que dele saiu até aqui. O combate à violência e a retomada do crescimento econômico definirão a sorte do próximo governo.

Lição a pais de garotos

Sem privilégios

A caminho do Brasil para assistir à posse do presidente eleito Jair Bolsonaro, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, traz com ele a mulher, Sara, e também Yair, seu filho de 23 anos, estudante da Universidade Habraica de Jerusalém.

Antes de embarcar, Benjamin divulgou uma nota onde afirma que todas as despesas do filho durante a viagem, inclusive a passagem, serão pagas pela família. As despesas de Sara correrão por conta do tesouro de Israel como manda a lei.

Filho de chefe de Estado, por lá, mas não só em Israel, não pode dar-se ao luxo de viajar a custa do contribuinte. De resto, o clã Netanyahu já enfrenta uma série de problemas para ter que arranjar mais um.

Sara responde a processo por uso indevido de fundos do Estado para pagar por refeições. Benjamim, por ter embolsado cerca de 1,018 milhão de reais em presentes de luxo que recebeu, mas não declarou.


Gaudêncio Torquato: O legado de Temer

O País caminha lentamente

Michel Temer deixa o governo desaprovado por um Brasil acostumado a versões fantasiosas. Qualquer analista responsável, ao comparar o país de ontem e o de hoje, enxergará abissal diferença: o de ontem, destroçado pela maior recessão econômica da história, e o da atualidade, com juros e inflação controlada, resgate da confiança, volta dos investimentos, contas sob controle e um conjunto de reformas, como a trabalhista, a do Ensino Médio e a PEC limitando gastos públicos.

O que explica a imagem negativa de Temer? O drible que parte da mídia patrocinou sobre um diálogo gravado no Palácio do Jaburu. O grupo mais poderoso do país bateu forte na interlocução mantida pelo presidente com um empresário. “Tem que manter isso, viu”? A fala anterior do figurante referia-se ao fato de “estar bem” com o então presidente da Câmara. E o que se viu foi a inferência: Temer se referia à entrega de dinheiro, coisa que “deveria ser mantida”. Com essa ilação, o presidente foi massacrado e o Brasil perdeu a chance de avançar nas reformas.

A lama que a Operação Lava Jato jogou na política convergiu para a figura do presidente. Que não se dobrou ao objetivo de tirá-lo da Presidência.

Embora com 13 milhões de desempregados, o País caminha lentamente, aprova pautas de relevo, alarga o acesso às privatizações, se entende com a União Europeia, assume compromissos com o G-20 e com os parceiros dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), reforça vínculos com a União Econômica Euroasiática, debate o clima no Acordo de Paris e valoriza o Mercosul.

Jair Bolsonaro vai comandar um Brasil que saiu do buraco em que foi deixado pelo petismo. Não navega ainda em águas calmas, ante as grandes carências das margens. Programas sociais, mesmo ampliados, como o Bolsa Família, não eliminaram a pobreza. E a violência campeia.

Mas os fundamentos da retomada econômica foram lançados. O empresariado recupera o fôlego para investir. A área de trabalho teve redução de 40% nas reclamações judiciais, graças à reforma trabalhista.

Parlamentar desde os idos de 80, presidente da Câmara por três vezes, Temer colocou em prática sua visão parlamentarista e abriu intensa articulação com o Congresso. Pode-se dizer que governou por meio de um semipresidencialismo. Aproximou-se de parlamentares e lideranças partidárias para aprovar reformas que marcam sua passagem pelo Planalto.

Constitucionalista, Michel Temer também deixa um legado ao Congresso. Trata-se de sua interpretação sistêmica à questão de trancamento de pauta por Medidas Provisórias. Quando presidia a Câmara em 2009, propôs esta solução ímpar na história constitucional: “Na verdade, o constituinte não quis sobrestar absolutamente todas as deliberações legislativas, mas apenas aquelas que também são previstas para Medida Provisória, ou seja, as demais espécies normativas não estão abrangidas na disposição do art. 62, § 6º, CRFB/88”. A tese deu mais autonomia ao Poder Legislativo na sua função primária, a atividade legislativa.

Michel deixará o Palácio do Planalto pela porta da frente.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político


Ruy Fabiano: Um Poder sem moderação alguma

São incontáveis as decisões inusitadas

As cortes supremas, nas democracias, garantem, em regra, um insumo indispensável à ordem institucional: a segurança jurídica.

Como intérpretes da Constituição, firmam a jurisprudência e funcionam como poder moderador – mais ou menos o contrário do que tem feito, já há alguns anos, o STF, fator de instabilidade não apenas jurídica, mas sobretudo política e institucional.

São incontáveis as decisões inusitadas, como a desta semana, em que o ministro Marco Aurélio, em decisão monocrática, quis atropelar o próprio plenário da Corte, mandando libertar todos os presos condenados em segunda instância.

Seriam mais de 100 mil, contabilizados, além dos condenados na Lava Jato, criminosos de sangue, perigosos líderes de facções.

Foi uma espécie de Simão Bacamarte, do conto O Alienista, de Machado de Assis, que chegou a prender e, em seguida, soltar toda uma cidade, para no fim internar-se a si mesmo como o único louco das redondezas. Essa sensatez de Simão faltou a Marco Aurélio, que considerou seu ato normal e necessário e estaria pronto a repeti-lo.

O ato insano não se consumou graças ao presidente da Corte, Dias Toffoli, que revogou a liminar. Mas isso não o poupou da suspeita de ter participado de um ato teatral.

Na semana anterior, Toffoli adiou para abril a sessão do plenário que examinaria pela quinta vez (isso mesmo: quinta vez), em dois anos, a jurisprudência a respeito da prisão em segundo grau.

Não houve um motivo objetivo para o adiamento. Diante disso, a canetada de Marco Aurélio pode ter sido – e não falta quem disso suspeite – um balão de ensaio para avaliar a reação social à soltura de Lula. Absurdo? A tanto chegou o conceito do STF.

Jamais um tribunal mobilizou-se tanto em torno de um único personagem – no caso, Lula, condenado em segundo grau, prestes a ter nova condenação em primeiro grau e tornado réu pela sétima vez há duas semanas. Não bastasse, teve ainda seus pedidos de habeas corpus negados nas terceira (STJ) e quarta instâncias (STF).

O ex-ministro e ex-presidente do STF, Carlos Ayres Brito, diz que a Corte Suprema “é uma porta que só se abre por dentro”; ou seja, nem tudo que lá chega deve mobilizá-la. Isso, porém, não funciona para Lula e alguns de seus aliados.

Ter poupado, por exemplo, a ex-presidente Dilma Roussef, quando de seu impeachment, da perda de direitos políticos por oito anos, foi um ato de lesa-Constituição. E foi praticado por ninguém menos que o então presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.

Em circunstâncias normais (que inexistem), seu ato seria considerado nulo de pleno direito pela própria Corte, que, no entanto, até hoje não se manifestou a respeito.

O próprio Toffoli até hoje não explicou por que mandou soltar seu ex-patrão, José Dirceu (que, em face de suas relações pessoais, deveria considerar-se suspeito para julgar), condenado em segunda instância a 41 anos de prisão. Dirceu está solto e sem tornezeleira eletrônica, em condições de inclusive deixar o país.

Se é benevolente com esses personagens, o STF não o foi em relação ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, aceitando denúncia de uma procuradora filiada ao PT de que teria incitado o estupro, quando é autor de projeto que inversamente agrava a punição daquele crime, estabelecendo castração química para os reincidentes.

Entre as imprevisibilidades que aguardam o novo governo, há ao menos algo bem previsível: a ação desestabilizadora do STF, adversário explícito do maior fator de unidade nacional – a Operação Lava Jato. Esta semana, não por acaso, a história do cabo e do soldado, como meios suficientes para fechá-lo, foi repetida em todo o país. E não como piada.

*Ruy Fabiano é jornalista


Ricardo Noblat: À sombra de Queiroz

O desaparecido vai falar

Quem irá depor, hoje, ao Ministério Público do Rio, é Fabrício Queiroz, ex-funcionário da Assembleia Legislativa do Estado, desaparecido há mais de 10 dias desde que a ele se atribuiu a movimentação suspeita de uma dinheirama para muito além do que sua renda permitiria.

Mas quem estará em cheque será o objeto oculto do que ele tenha a dizer – o deputado Flávio Bolsonaro, recém-eleito senador e filho de quem é. Queiroz foi assessor de Flávio, e de sua conta bancária saiu um cheque de R$ 24 mil que foi parar na conta de Michele, mulher de Jair.

A depender do depoimento de Queiroz, a reputação dos Bolsonaro estará salva, ou então sofrerá um duro abalo. De indesmentível, o fato de que Queiroz, a mulher e duas filhas prestaram durante anos inestimáveis serviços a Flávio e ao seu pai, sendo recompensados com empregos.

Os encantos do capitão
Bolsonaro diz o que eles querem ouvir

Deputados recebidos em bloco para audiências com o presidente eleito Jair Bolsonaro têm saído encantados com a maneira afável com que são recebidos, e com o que ele lhes diz. Insatisfeitos saem os líderes de partidos que antes falavam sozinhos em nome de todos.

Bolsonaro tem dito que as emendas dos parlamentares ao Orçamento da União serão liberadas com presteza para o devido pagamento. E que o governo não as usará para chantagear ninguém. Trata-se de dinheiro destinado a pequenas obras nas bases eleitorais de cada um deles.

Bolsonaro tem dito também que compreenderá as dificuldades de cada parlamentar para votar de acordo com o governo em assuntos considerados por eles sensíveis ou polêmicos. É o caso da reforma da Previdência, por exemplo. Mas garante que não haverá retaliação por isso.

Assegura Bolsonaro que seu gabinete sempre estará aberto para receber o parlamentar que o procure em busca de ajuda, de orientação ou para uma simples troca de ideias. E se diz disposto a atender pedidos desde que eles não firam “os princípios republicanos”.


Ruy Fabiano: O desafio dos direitos humanos

“Os direitos humanos são basicamente para os humanos direitos”

O tema dos direitos humanos, complexo a partir de sua conceituação, permeia há anos o debate público. A rigor, há séculos, desde que a Revolução Francesa os consignou – e os descumpriu.

Foi um dos carros-chefes da eleição de Jair Bolsonaro, que questiona os termos em que a esquerda o formula, e há de acompanhar, em ambiente controverso, o curso de sua gestão, que tem a segurança pública como um de seus eixos.

Há dias, numa entrevista a um canal de televisão, o general Augusto Heleno, futuro ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, foi instado, mais uma vez, a falar sobre ele.

E reiterou seu ponto de vista de que “os direitos humanos são basicamente para os humanos direitos”. O dito se contrapõe à tendência, ainda dominante, de ver na polícia instituição violadora desses direitos, quando, a rigor, tem como missão garanti-los.

A frase do general, que está longe de ser mero jogo de palavras, pressupõe critério e hierarquia na aplicação desses direitos, a cuja plenitude só pode aspirar quem os respeita. Não é o caso dos bandidos, cujo ofício consiste exatamente em violá-los.

Qualquer direito pressupõe uma instância que os garanta – em regra, o Estado, via polícia. O direito humano fundamental é, por óbvio, o de garantir a vida, já que sem ele nenhum outro subsistirá: o da integridade física, o de ir e vir, o de propriedade etc. Quem os viola submete-se (ou pelo menos deveria) aos rigores da lei.

Mas, se, como quer parte dos militantes da causa, esses direitos são indistintamente para todos os humanos, deve-se, antes de mais nada, revogar o Código Penal, que, mediante determinadas práticas, suprime alguns deles, a começar pelo de ir e vir, podendo chegar ao da própria vida, em caso de legítima defesa.

A visão idealizada do bandido, como vítima da sociedade, e uma espécie de revolucionário em estado bruto, levou o Estado brasileiro, sobretudo no período PT, a nele focar prioritariamente sua ação humanitária. A vítima torna-se persona secundária, alguém no lugar errado, na hora errada. Um azarado, sem qualquer glamour.

Criou-se, entre outros direitos, o bolsa-bandido, que garante, aos delinquentes inscritos na Previdência, repasses de pensão à família, além de benesses como o “saidão” (que libera presos em datas festivas para visitas à família); progressão penal (que, por bom comportamento, reduz o tempo de prisão); e, até (caso do Rio de Janeiro), vale-transporte para que familiares dos presos os visitem.

O Estado garante ainda assistência psicológica à família e ao preso. E, como coroamento, há a audiência de custódia, criada pelo ministro Ricardo Lewandowski, quando na presidência do STF.

Ela obriga o policial a levar o preso em flagrante, 24 horas após a prisão, perante um juiz para que avalie o tratamento que recebeu. O réu passa a ser a autoridade coatora, que pode sofrer processo e ser até demitido, e não o infrator, que será liberado caso o juiz, por razões de ordem subjetiva, não considere o ato grave.

O STF professa a tese do desencarceramento para pequenos delitos (sem defini-los), ecoando princípio programático do PT.

Nesses termos, o banditismo prosperou e o Brasil ostenta o título de um dos mais violentos países do mundo, com mais de 60 mil homicídios anuais (contabilizados aí apenas os que morrem no local do crime), que ultrapassa os índices de países em guerra.

Há quem argumente que a leniência do Estado em relação ao crime decorre do desastre humanitário que é o sistema penitenciário, verdadeira sucursal do inferno. Em vez de humanizá-lo, o Estado opta por evitar o aumento de seus habitantes – não combatendo o crime, mas, inversamente, estimulando-o pela impunidade.

Eis um dos maiores – senão o maior – dos desafios do futuro governo Bolsonaro.

Ruy Fabiano é jornalista


Ricardo Noblat: Cresce o laranjal

Wellington, o onisciente

Como a investigação corre em segredo de justiça, ignoram-se os nomes dos funcionários do gabinete do deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio que abasteciam a conta bancária de Queiroz, solidários com as dificuldades financeiras enfrentadas por ele.

Mas um nome pelo menos foi descoberto – o de Wellington Sérvulo Romano da Silva, 48 anos, autor da proeza de morar em Portugal com a família no período em que se imaginava que por aqui trabalhasse. Não se descarte a hipótese de que estivesse lá e cá ao mesmo tempo.

De toda forma, louve-se o estilo transparente do presidente eleito Jair Bolsonaro que desde a semana passada não se nega a abordar o assunto. Ele voltou a repetir ontem: “Se algo estiver errado, seja comigo, com meu filho, com Queiroz, que paguemos a conta deste erro”.

Não incluiu o nome de Wellington porque certamente desconhecia sua existência até então.


Ricardo Noblat: Rosa espeta o capitão

Aula de democracia para um aluno mal comportado

Quem diz o que quer deve estar pronto para ouvir o que não quer. Seguramente, Jair Bolsonaro não estava preparado para ouvir a longa lição sobre democracia que lhe deu a ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, no ato de sua diplomação em Brasília, ontem, como presidente eleito.

Afinal, pouco antes no seu discurso, Bolsonaro fizera longos elogios à justiça que tanto criticou durante a campanha, e reconhecera a eleição como limpa e justa. Evitou repetir que mesmo assim deseja reformá-la, como avisou aos seus devotos da extrema direita reunidos em convescote no último fim de semana.

O presidente que se ofereceu para governar todos os brasileiros, e não apenas os que lhe deram seu voto, e que se apropriou de um jargão da esquerda para destacar que o “poder popular” dispensa intermediação, ouviu Rosa responder que numa democracia a voz da minoria é tão importante quanto a voz da maioria.

Rosa ensinou: “A democracia é também exercício constante de diálogo e de tolerância, de mútua compreensão das diferenças (…) sem que a vontade da maioria, cuja legitimidade não se contesta, busque suprimir ou abafar a opinião dos grupos minoritários, muito menos tolher ou comprometer seus os direitos”.

E ensinou: “Inquestionável é que o Estado brasileiro se encontra comprometido com a efetivação dos direitos humanos. Isso resulta claro não só dos deveres assumidos perante a comunidade internacional, mas, sobretudo pela Constituição”. Quer dizer: nada dessa história de direitos humanos para humanos direitos.

Se Bolsonaro não passou recibo, preferindo rezar depois junto com um pastor evangélico da igreja de sua mulher, seus fiéis seguidores se apressaram em fazê-lo – é claro, nas redes sociais. Até o início da madrugada de hoje, pelo menos quatro deputados federais do PSL usaram o Twitter para reclamar de Rosa e dos seus espinhos.

Moro diz e se desdiz
Em defesa do chefe

Cobrado por nada ter dito sobre a investigação do laranjal na Assembleia Legislativa do Rio que poderá fazer do deputado Flávio Bolsonaro sua vítima mais ilustre, o ex-juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça do governo do presidente Jair Bolsonaro, resolveu finalmente dizer alguma coisa.

Disse que não será um ministro como os anteriores que se metiam em casos específicos. Considerou tão comportamento “inapropriado”. Explicou: “Vou colocar uma coisa bem simples. Fui nomeado para ministro da Justiça. Não me cabe dar explicações sobre isso.” Antes, havia dado a respeito do laranjal.

“Sobre a movimentação financeira atípica do senhor Queiroz [ex-assessor, motorista e segurança de Flávio], o senhor presidente eleito já esclareceu a parte que lhe cabe no episódio. O restante dos fatos deve ser esclarecido pelas demais pessoas envolvidas, especialmente o ex-assessor, ou por apuração.”