Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Bolsonaro e os apagadores de incêndios

Chamem o Mourão!

Repetiu-se ontem o que já se tornou corriqueiro nos últimos dois meses: o presidente Bolsonaro ateia mais um fogo e autoridades do governo e líderes de partidos aliados se apressam imediatamente em tentar apagá-lo. Muitas vezes funciona. Das vezes que não, ficam restos em brasa do estrago provocado. É um perigo.

Em seu primeiro café da manhã no Palácio do Planalto com jornalistas selecionados por ele mesmo, Bolsonaro precipitou-se em identificar vários pontos da proposta de reforma da Previdência que poderiam ser modificados – entre eles, o teto de 62 anos para aposentadoria das mulheres. Admitiu baixá-lo para 60 anos.

Foi um alvoroço dentro da equipe econômica comandada por Paulo “Posto Ipiranga” Guedes, e entre os militares que cercam de perto Bolsonaro. Se logo de saída, sem que tenha começado a negociação com o Congresso para aprovação da reforma, o presidente começa a fazer concessões, como será mais tarde? O que sobrará dela?

O chefe da brigada dos apagadores de incêndio correu a apagar o fogo que ameaçava se alastrar. Acostumado à tarefa, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que Bolsonaro foi mal interpretado. E ofereceu a interpretação que julga correta:

– O presidente mostrou que tem coisas que o Congresso poderá negociar ou mudar. Só isso. Não que ele concorde.

O que disse Mourão havia sido antecipado pelo líder do governo na Câmara, major Vitor Hugo (PSL-GO), outro brigadista. Segundo o major, Bolsonaro limitou-se a demonstrar a disposição do governo de negociar” a reforma. Calado estava, e calado permaneceu o ministro de tudo o que tem a ver com a economia, inclusive os penduricalhos.

No mesmo café da manhã com jornalistas, sentindo-se em ambiente seguro e amigável, Bolsonaro afirmou que não descarta a hipótese de conversar com o ditador Nicolás Maduro sobre a crise na Venezuela, assim como o presidente Donald Trump tem conversado com Kim Jong-um, o ditador da Coreia do Norte. É diferente, mas que fazer?

Mourão foi novamente chamado ao palco. Informou que o Brasil não procurou representantes do regime de Maduro para estabelecer qualquer tipo de diálogo com o governo da Venezuela. E que o comentário feito por Bolsonaro decorreu de uma “pergunta hipotética”. O comentário pode ter sido hipotético, a pergunta não foi.

E assim o país viverá os próximos quatro anos – ou exatos três anos, 9 meses e 28 dias. Um governo biruta, que oscila ao sabor dos ventos, sujeito a incidentes de percurso e a intervenções nem sempre felizes de um chefe de família com seus garotos, precisa de bombeiros eficientes e dispostos a socorrê-lo. Ainda bem que eles existem.


Ricardo Noblat: O preço de uma vida

Flamengo barganha para pagar menos pela morte dos seus 10 garotos

Para a direção do Flamengo, a vida de cada um dos 10 garotos torrados vivos no alojamento clandestino do seu Centro de Treinamento vale alguma coisa entre R$ 300 mil e R$ 400 mil. É quanto o clube está disposto a pagar às famílias deles.

Mais do que isso, seria um absurdo, segundo Rodolfo Landim, presidente do Flamengo. O Ministério Público do Rio de Janeiro propôs o pagamento de R$ 2 milhões a título de indenização. Landim respondeu: nem pensar.

O que seriam R$ 20 milhões para um clube cuja receita prevista para este ano é de R$ 750 milhões? Só para reforçar o time, o Flamengo está disposto a gastar até 100 milhões. Gastou R$ 55 milhões para ter Arrascaeta, e R$ 21 milhões por Rodrigo Caio.

Dito de outra maneira: o que o Flamengo desembolsou para contratar Rodrigo Caio seria o suficiente para indenizar as famílias dos 10 garotos incendiados. O Flamengo, afinal, era responsável por eles. Foi aos seus cuidados que eles morreram tragicamente.

Landim considera uma fatalidade o que ocorreu. Fatalidade coisa nenhuma. Fatalidade significa um destino que não pode ser evitado. O destino dos 10 garotos foi selado pela irresponsabilidade das direções anteriores do clube.
O Centro de Treinamento do Flamengo está interditado pela prefeitura do Rio desde outubro de 2017. Não poderia servir sequer para treinamento dos atletas do time principal. Mas continua servindo. E o clube, mês a mês, é multado por isso.

Já pagou 10 multas. As demais ainda deve. O alojamento dos garotos não existia na planta do Centro de Treinamento entregue à prefeitura e ao Corpo de Bombeiros. O espaço, ali previsto, era para estacionamento de veículos.

Não havia extintores de incêndio no alojamento, nem os garotos haviam sido instruídos sobre como lidar com fogo. Havia um extintor do lado de fora. Os aparelhos de ar condicionado careciam de dispositivo que impedisse a passagem do fogo entre eles.

Landim e seus colegas de diretoria deram um show de insensibilidade e de arrogância ao se recusaram por 15 dias a responder a qualquer pergunta sobre o que acontecera. Somente ontem Landim o fez, e para reclamar do valor da indenização.

O estrago na imagem do Flamengo é incalculável – assim como o preço da dor sofrida por cada garoto antes de morrer, e de suas famílias desde então. Mas o preço da dor foi fixado pelo Ministério Público e aceito pelas famílias. O Flamengo recusa-se a pagar.

João de Deus põe justiça em xeque

Quem se habilita?
A mais alta corte de justiça do país tem um problema: quem, ali, se dispõe a ser o relator do pedido de habeas corpus que poderia libertar o líder religioso João Teixeira de Faria, vulgo João de Deus, acusado de abusar sexualmente de dezenas de mulheres no seu templo em Abadiânia, Goiás?

O ministro Gilmar Mendes, sorteado para ser o relator, abdicou da tarefa. Declarou-se suspeito por “problema de foro íntimo”. Gilmar consultou-se várias vezes com João de Deus, tornou-se seu amigo, aproximou-o de figuras importantes da República e do mundo empresarial. Considerava-o capaz de operar milagres.

Fora Gilmar, há mais 10 ministros no Supremo Tribunal Federal, em tese todos aptos a relatarem o pedido de habeas corpus. Mas pelo menos 8 deles também frequentaram o consultório de João de Deus. O ministro Luiz Roberto Barroso foi lá se tratar de um câncer. Por curiosidade, foram lá os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux.

Se o exemplo de Gilmar for seguido pelos ministros atendidos por João de Deus, só restarão dois para se encarregar do caso. Por ora, desconhece-se a identidade deles.


Ricardo Noblat: Vexame na fronteira

Segue o baile

Em nota divulgada, ontem, no início da noite, a Presidência da República classificou como “exitosa” a “participação do governo brasileiro” em “reunir e transportar as doações” de alimentos “até o destino de distribuição” aos venezuelanos famintos em luta contra o governo do ditador Nicolás Maduro.

Sem mais detalhes, a nota informa que se inicia “uma segunda fase da operação com os últimos preparativos de logística para a entrega dos produtos que se encontram armazenados na capital do Estado, Boa Vista.” Como comunicado oficial, a nota é primorosa na ocultação dos fatos e na manipulação do que o mundo todo viu.

Pela televisão, viu-se a chegada à fronteira entre os dois países de dois caminhões pequenos com uma fração de duzentas toneladas de alimentos. O pneu de um dos caminhões furou. Uma vez lá, e diante da decisão do governo Maduro de impedir sua entrada no país, os caminhões recuaram para um local seguro.

Foi só isso o que aconteceu e que o governo celebrou como “êxito”. Repórteres de O Estado de S. Paulo, que estavam lá escreveram que os caminhões “ficaram apenas na linha de fronteira: uma rua com uma bandeira do Brasil e outra da Venezuela”. A linha fica a 800 metros das barreiras militares venezuelanas.

O chefe da operação de ajuda, coronel José Jacaúna, queixou-se dos efeitos sobre o território brasileiro do que se passou a pouca distância dele no lado venezuelano: “Recebemos uma chuva de gás lacrimogêneo vindo do território venezuelano e esperamos que isso não fique assim”. E concluiu exaltado:

– Quem vai dizer que foi uma agressão ao País é o presidente (Jair Bolsonaro), nosso comandante. Não reconhecemos o governo Maduro. A diplomacia já disse isso e é quem deve se manifestar.

Não poderia ter havido desfecho mais à altura de episódio tão canhestro. Dele participou também o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que voou à Colômbia só para ser fotografado ao lado do autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó e de um diplomata americano de terceiro escalão.

E assim o governo do capitão fez sua estreia ruidosa no campo das relações internacionais. Desprezou a opinião dos generais que emprega, contrários a que o Brasil se metesse na crise venezuelana e ainda mais a reboque dos Estados Unidos. Desprezou tudo o que nossa diplomacia havia construído até agora.


Ricardo Noblat: Ajuda de mentirinha à Venezuela

Ameaçada a entrega de alimentos

A não ser que mude o que estava planejado até ontem, não passará de mentirinha a ajuda do governo brasileiro aos venezuelanos famintos e vítimas da ditadura instalada naquele país.

Havia 200 toneladas de alimentos a serem despachadas para um lugar na fronteira entre os dois países. E lá, apenas um caminhão para transportá-la.

A decisão do governo brasileiro era de esperar que venezuelanos fossem buscá-la. Se não forem ficará por isso mesmo. O governo de Nicolás Maduro fechou a fronteira do país com o Brasil.

Será difícil que algum caminhão consiga passar de um lado para o outro. De resto, o governo brasileiro não quer se meter numa encrenca que só renderia dividendos políticos ao governo de Donald Trump.

PT de ouvidos moucos

Algemado a Lula em Curitiba
Vez por outra, algum petista de alto coturno cobra do partido que admita os erros que cometeu, liberte-se de sua dependência doentia e infantil de Lula, e que se reinvente.

Foi o que fez ontem, por exemplo, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), reeleito no ano passado com quase 80% dos votos.

“Lula sofre uma grande injustiça, deu uma grande contribuição ao país, mas precisam vir novas pessoas, novos quadros”, defendeu Santana, aliado também de Ciro Gomes (PDT-CE).

A corrente majoritária dentro do PT não quer mudanças, a não ser cosméticas. Lula já indicou que se depender dele, a deputada Gleisy Hoffman continuará no comando do partido. É de sua confiança.

Mesmo líderes do PT favoráveis a um passo à frente do partido temem que ele se fragmente durante esse processo. A aparente unidade só se mantém por causa da força de Lula.

Dará em nada a sugestão de Santana. O PT jaz algemado ao seu mentor em um cárcere de Curitiba. Faz o papel de uma pálida e triste figura. Apostará no fracasso do governo Bolsonaro. E é só.


Ricardo Noblat: Motivos ocultos

Exército e governo, tudo a ver

Quando se quer demitir alguém, qualquer fato ou coleção de fatos serve. E se os fatos em estado puro não prestam, é sempre possível distorcê-los ao gosto do dono da caneta.

Foi o que fez “o nosso presidente”, como o chama seu porta-voz, o general Rego Barros. Ou o “capitão”, como insiste em chamá-lo o demitido ministro Gustavo Bebianno.

A verdadeira, ou as verdadeiras razões do presidente Jair Bolsonaro para despachar aquele que foi seu faz tudo desde o início da campanha do ano passado, essas permanecem ocultas.

É claro que Bebianno não foi demitido porque iria receber no Palácio do Planalto um diretor da Rede Globo, por mais que Bolsonaro a trate como inimiga do seu governo.

Nem porque teria vazado para o site Antagonista o que já fora publicado pelo jornal Folha de S. Paulo. Muito menos porque viajaria à Amazônia na companhia de mais dois ministros.

Para quem, como diz Bolsonaro, nada tem a ver com o escândalo das falsas candidaturas do PSL, a menção que ele faz ao episódio pode ser uma pista razoável da causa de saída de Bebianno.

Melhor dizendo: de uma das causas, mas não a determinante. Carlos envenenou o pai com a suspeita de que Bebianno vazara informações sobre as ligações da família com milicianos no Rio.

Envenenara-o também com a suspeita de que Bebianno queria derrubar Flávio com os rolos de Queiroz para pôr no lugar o seu suplente, o empresário Paulo Marinho, amigo do ex-ministro.

Doses tão reforçadas de veneno injetadas num cérebro tão pouco privilegiado como o do capitão produziram lá o seu efeito, admita-se. Mas ainda parece faltarem mais coisas.

Quem ganhou com a deposição de Bebianno – fora Carlos, o paranoico, o protetor número um do pai ao invés de limitar-se a ser o protegido número um por ele?

Com certeza, a ala militar do governo ganhou. Sim, ela mesma, que nos últimos dias pareceu ter ficado ao lado de Bebianno com receio de que a saída precoce dele desgastasse o governo.

A demissão de Bebianno reforçou a turma da caserna com a ascensão de mais um general de pijama ao posto de ministro. Agora são 8 os ministros que um dia vestiram farda.

Nunca antes na história do país tantos militares ocuparam funções antes destinadas a civis. Nos três últimos governos militares do ciclo de 64 foram apenas sete ministros.

Está tudo muito bom, está tudo muito bem para os que sonhavam com o retorno ao poder desta vez por meio do voto, mas o futuro a Deus pertence. E se ele não for róseo para o governo…

Se não for será um desastre para as Forças Armadas, principalmente para o Exército, que ajudaram um ex-capitão sem brilho a se eleger e, em seguida, a governar.

Não dá para separar mais o Exército do governo como disse desejar o general Vilas Bôas que o comandou até há pouco. Villas Bôas, hoje, serve no Palácio do Planalto e obedece ao capitão.

A jogada dos generais foi arriscada. A imagem do Exército está indissoluvelmente atada à do governo Bolsonaro. Para o bem ou para o mal. Tomara que seja para o bem.

Brasil acima de tudo. O Deus de cada um acima de todos.


Ricardo Noblat: Humilhação com humilhação se paga

O troco de Bebianno

Fala-se muito, e com, razão, da humilhação imposta pelo presidente Jair Bolsonaro, com a cumplicidade do seu filho Carlos, ao ex-ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da presidência da República, antes seu motorista, advogado e coordenador de campanha.

Bebianno ficou cinco dias insepulto entre o momento em que foi chamado de mentiroso pelo pai e o filho, e o momento em que o porta-voz de Bolsonaro, à falta do que realmente portar, anunciou sua demissão. O motivo? Ora, questão de foro íntimo do “nosso presidente”.

Mandam os fatos que se diga, porém, que a humilhação foi recíproca. Nem todo esse tempo transcorreu unicamente devido ao desejo perverso do capitão de ver Bebianno se decompondo. O ex-ministro fez Bolsonaro suar de raiva.

Uma vez que Bebianno recusou-se a pedir demissão como desejava Bolsonaro, e disse não ao convite para ser diretor de Itaipu ou embaixador do Brasil em Roma, começou a procura para uma saída menos desonrosa para ele. E aí foi Bebianno que estava no controle.

Exigiu que Bolsonaro gravasse um vídeo pedindo desculpas. E fez inúmeros reparos ao texto a ser lido pelo presidente. O texto final só ficou pronto depois de muitas idas e vindas, intermediadas pelo ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil.

Por último, Bolsonaro fez uma molecagem com seu ministro: prometeu que postaria o vídeo em sua página no Twitter, mas faltou com a palavra. Mandou que vazassem o vídeo para a imprensa. Missão dada, missão cumprida. Foi ela que o divulgou.

Nas redes sociais, ouviu-se o brado dos devotos exultantes: O capitão é fogo! Bolsonaro espera que Bebianno não cometa a molecagem de falar como havia insinuado.

A milícia ganhou mais uma

Onde Bebianno foi se meter...

A demissão relâmpago de um ministro com direito a gabinete no Palácio do Planalto e assento nas reuniões diárias do presidente da República foi creditada a uma decisão de foro íntimo de quem pode mais.

Ou seja: o presidente não reconhece o direito dos seus governados de saber os motivos que o levaram a chamar de mentiroso um dos seus principais ministros, demitindo-o cinco dias depois.

Uma questão de Estado foi reduzida a uma questão de foro íntimo – do presidente que preferiu não dar explicações, e do ex-ministro que prometeu falar grosso, mas que acabou mudo.

Que o presidente não se queixe, pois, de informações de boas fontes que tentam iluminar uma crise política que ainda não tem data para acabar e que poderá comprometer o destino do seu governo.

Bolsonaro e sua prole há muito desconfiavam da lealdade de Gustavo Bebianno. A ele atribuíam vazamentos sobre as ligações da família com grupos de milicianos no Rio de Janeiro.

A luz vermelha do clã acendeu quando Bebianno, no último dia 6, reuniu-se no Rio com o diretor interino do Hospital Federal de Bonsucesso, Paulo Roberto Cotrim de Souza.

Cotrim de Souza ouviu de Bebianno:

– Eu gostaria de dizer ao senhor que há duas formas de fazer as coisas: uma pelo amor e uma pela dor. A nossa campanha, do presidente eleito, teve facada, sangue, suor e lágrimas. Nós não vamos nos intimidar com ameaças veladas.

Uma equipe do governo federal havia antes visitado o hospital e fora ameaçada de morte. Ao blog da jornalista Andrea Sadi, da GloboNews, Bebianno diria depois que há não só suspeitas “como fortes indícios” de envolvimento da direção do hospital com milícias.

Milícia é um assunto delicado para a família Bolsonaro. Policiais e ex-policiais que fizeram ou que fazem parte de milícias sempre deram cobertura às atividades políticas dos Bolsonaros e receberam em troca homenagens, condecorações e sabe-se lá mais o quê.

Foi Bolsonaro, o pai, por exemplo, quem empregou Queiroz e parte da família dele no gabinete do seu filho Flávio, na época deputado estadual. Por sua vez, Queiroz empregou ali parentes de um ex-chefe de polícia, por ora foragido, acusado de mais de 100 assassinatos.

Quando se soube que parte dos salários pagos a assessores de Flávio foi parar na conta de Queiroz, e que por sua vez um cheque de Queiroz foi parar na conta da mulher de Bolsonaro, onde Queiroz se escondeu? Bingo! Em área sob o controle de milícias.

De sorte que Bebianno, o responsável pela indicação do empresário Paulo Marinho para suplente de Flávio que se elegera senador, meteu-se, querendo ou não, em terreno pantanoso, do qual é muito difícil escapar com vida.

Conservou a vida. Perdeu o emprego. O sistema é foda, parceiro.


Ricardo Noblat: Aumentem a crise, senhores!

Suicídio à vista

Ele sabe muito. E se contar um terço do que insinuou nas últimas 48 horas que possa contar, de fato o advogado Gustavo Bebianno, a essa altura possivelmente já demitido do cargo de ministro da Secretaria-Geral da presidência da República, causará severo estrago à imagem do presidente Jair Bolsonaro e do seu governo mal iniciado.

Mas nada capaz de antecipar o seu desfecho, e nem mesmo de comprometer o seu êxito no longo prazo. O que de fato poderá contribuir para o fim precoce da Era Bolsonaro é a ideia de jerico em exame pelo capitão e seus aguerridos garotos de largarem o PSL e irem se abrigar em outro partido de aluguel, a UDN.

A União Democrática Nacional (UDN) foi um partido fundado em abril de 1945 para fazer oposição às políticas e à figura de Getúlio Vargas. Era de orientação conservadora. Adotou como lema uma frase apócrifa de Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.

O golpe militar de 1964 extinguiu todos os partidos – inclusive a UDN que o apoiou. Mas há uma UDN fake em formação, com CNPJ e pedido de registro no Tribunal Superior Eleitoral. Ela já tem diretórios em nove Estados e espera obter seu registro definitivo em breve. É um dos 75 partidos em fase de criação.

Um dos seus principais dirigentes é o advogado Marco Vicenzo, que lidera o Movimento Direita Unida. Vicenzo mudou-se de Vitória para Brasília e está à caça de parlamentares dispostos a trocar de partido. A lei permite que um parlamentar eleito por um partido possa se transferir para outro – desde que seja uma legenda nova.

Para quem, como Bolsonaro, que não confere a mínima importância a partidos, e que já foi filiado a sete deles (PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP e PSC) em 30 anos de vida pública, sair do PSL onde está e aderir à UDN fake seria tão simples como mudar de sapato – isso quando não se exibe de sandálias para fotos oficiais no Alvorada.

É aí que o bicho pode pegar. Quem está no PSL se elegeu pegando carona na boleia de Bolsonaro e com a promessa de apoiá-lo sem condições. Natural que essa gente se sinta abandonada. A relação de confiança entre o líder e os liderados será rompida. A maioria talvez não o acompanhe e se sinta liberada para votar como quiser.

E o dia seguinte? E como ficará a reforma da Previdência, a joia da coroa que Bolsonaro por enquanto lustra para apresentá-la ao Congresso? Ali, na Câmara dos Deputados, ele precisará de três quintos de um total de 513 votos para aprovar a reforma e tudo mais que implique em mudança na Constituição.

Confiança é a base dos compromissos na política. A demissão de Bebianno era a prova que faltava para demonstrar que Bolsonaro só tem compromisso com seus garotos. No passado, ele foi capaz de eleger e reeleger vereadora no Rio sua primeira mulher. Para depois lançar Carlos como candidato só para derrotar a própria mãe.

Que ele experimente fugir do PSL para fazer de conta que nada teve a ver com os rolos do partido! Aí a crise não terá mais fim.


Ricardo Noblat: Bye, bye, Bebianno

A crise fica

Se Gustavo Bebianno ficasse no governo seria porque Jair Bolsonaro teria se demitido de suas funções. Onde já se viu um presidente da República chamar de mentiroso um dos seus ministros e depois deixar tudo por isso mesmo, inclusive o ministro?

E Bebbiano não é qualquer ministro. É o secretário-geral da presidência da República. Tem gabinete no Palácio do Planalto, a poucos metros de distância do gabinete de Bolsonaro, e assento garantido nas reuniões diárias do presidente.

Como é possível que Bebianno, por mentiroso, não sirva para permanecer ministro, mas sirva para ser diretor de uma empresa estatal? Pois esse foi o prêmio de consolação que lhe foi oferecido. Se tiver juízo, Bebianno voltará ao escritório de advocacia onde trabalhava no Rio.

É fato que o governo está prestes a despachar para o Congresso a proposta da reforma da Previdência. E que o mercado e seus satélites, inclusive grande parte dos políticos, estão dispostos a tolerar todas as suas fraquezas desde que se consiga aprovar a reforma.

Mas não dá para seguir fingindo que tudo vai bem, que tudo parece normal, quando bem não vai, e de normal há quase nada ou muito pouco. Certa balbúrdia é compreensível em todo início de governo. Leva algum tempo para que se comece a conhecer e a dominar a máquina.

A balbúrdia seria maior no caso de um governo cuja maioria dos seus titulares nunca passou pela administração pública. São pessoas inexperientes, a começar do presidente. Não foram selecionadas levando-se em conta um projeto de governo porque faltava um.

Bolsonaro se surpreendeu ao pressentir que poderia se eleger. Seu plano era ser candidato para ajudar os filhos a se reelegerem. Depois, outra vez casado com uma mulher jovem, e pai de uma menina, iria desfrutar a vida com a gorda aposentadoria de quem fora deputado por 28 anos.

Aí veio a facada de Juiz de Fora. O louco do Adélio Bispo, que se sentia perseguido pela Maçonaria, quis matar Bolsonaro e acabou por empurrá-lo para o alto das pesquisas de intenção de voto. A vida tem desses imprevistos, e Bolsonaro soube dar a volta por cima.

Decorridos 47 dias desde a posse, seu governo mal está montado. Há vagas à beça a serem preenchidas, e falta quase tudo. Falta coordenação e também comando. De sobra, só amadorismo e desencontros. O principal responsável por isso é o presidente.

Uma vez, na segunda metade dos anos 80, o então senador Fernando Henrique Cardoso disse a propósito do presidente José Sarney que estava no exterior: “A crise viajou”. Sarney nunca o perdoou por essa e outras mais. De Bolsonaro, por ora, pode-se dizer que ele é a crise onde estiver.


Ricardo Noblat: Pai e filho entregam cabeça de Bebianno

República em estado de choque

Quando o jornal O Estado de São Paulo, em dezembro último, publicou que Fabrício Queiroz, ex-motorista do então deputado Flávio Bolsonaro, estava sendo investigado por ter movimentado em sua conta mais de R$ 1 milhão sem ter renda para tal, o presidente eleito Jair Bolsonaro apressou-se em se meter no assunto.

Amigo há mais de 40 anos de Queiroz, defendeu-o sugerindo que parte do dinheiro deveria ser proveniente da família dele. Em seguida, quando se soube que um cheque de Queiroz fora depositado na conta de Michelle, a futura primeira-dama, Bolsonaro logo explicou que era parte de um dinheiro que ele lhe devia.

Não demorou muito para que os rolos de Queiroz respingassem em Flávio. E então o que fez Bolsonaro? Correu também a defender um dos seus garotos. Flávio era inocente, garantiu o pai. Quem o atacasse na verdade queria atacar o presidente da República – ou seja, ele, Jair. Dali para frente, esse virou o mote da defesa de Flávio.

Com Gustavo Bebianno, nomeado por ele ministro da Secretaria-Geral da presidência da República, o comportamento de Bolsonaro foi o oposto. Menos de dois dias depois de Bebianno ser atingido pela suspeita de que patrocinou um laranjal de falsos candidatos quando presidiu o PSL, Bolsonaro entregou-o às feras sem piedade.

Nesse caso ainda está por ser decifrado se foi o filho, Carlos, vereador no Rio, que usou o pai para demitir Bebianno, de quem nunca gostou, ou se foi o pai que usou o filho para forçar Bebianno a pedir demissão. Pelo menos até o início da madrugada de hoje, Bebianno repetia que não pediria demissão. Só sairia demitido.

Foi Carlos que explodiu a bomba na sua página no Twitter. Ao jornal O Globo, Bebianno dissera que via WhatsApp falara três vezes com Bolsonaro sobre o laranjal do PSL quando o presidente esperava receber alta do hospital Alberto Einstein. Carlos chamou Bebianno de mentiroso. Afirmou que ele não falara uma única vez com o pai.

E para provar que dizia verdade, postou um áudio onde se ouve a voz de Bolsonaro dizendo a Bebianno: “Gustavo, está complicado ainda. Não vou conversar, não vou conversar com ninguém.” Por mais ousado que fosse, Carlos seria capaz de divulgar uma mensagem de voz do presidente da República sem a prévia autorização dele?

Militares de bom coração que ocupam postos importantes do governo chegaram a pensar que Carlos divulgara o áudio à revelia do pai, e ficaram perplexos com isso. Até que no Twitter, Bolsonaro compartilhou a mensagem postada pelo filho, e em entrevista ao Jornal da Record, confirmou o que o filho escrevera.

A demissão do ministro interessa ao pai e ao filho. Carlos jamais se conformou em não ser o secretário-geral da presidência da República. Ameaçado por um novo rolo que pode lhe tomar de vez a bandeira da luta contra a corrupção, Bolsonaro escolheu entregar a cabeça de Bebianno para manter a sua. Os poderosos agem assim.

Não foi isso que fez Lula com o então ministro José Dirceu para escapar do mensalão do PT? Jurou que fora traído. Demitiu o ministro, que ainda por cima perdeu o mandato de deputado federal. A chamada Nova Política é um espelho da Velha.

A última dos garotos

Boletim sujeito a atualização diária
Carlos Bolsonaro, o vereador, foi o grande protagonista, no dia de ontem, da República dos Garotos.

Não satisfeito em detonar Bebianno, exaltou o ministro do Meio Ambiente que insultara a memória do seringueiro Chico Mendes.

Flávio, o senador, foi apresentado ao projeto de reforma da Previdência pelo ministro Paulo Guedes, da Fazenda.

Eduardo, o deputado, posou para selfies. E telefonou para alguns ministros interessado em medir a temperatura do ar em Brasília.

À noite, o ar estava irrespirável.


Ricardo Noblat: Bispo dá chega pra lá no general

Sarna para se coçar

Dois passos à frente e eventualmente um atrás, ensinou Máo Tsé-Tung, histórico líder comunista da China que hoje ainda se diz comunista, embora que disso só preserve o governo totalitário.

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, de comunista não tem nada, muito pelo contrário, mas com Mao aprendeu alguma coisa.

Deu dois passos à frente ao admitir ao jornal O Estado de S. Paulo que o “clero progressista” da Igreja Católica era uma ameaça ao governo que tudo faria para barrar suas ações na Amazônia.

Deu um passo atrás ao negar, ontem, que o governo monitore padres, bispos e até cardeais convocados pelo Papa Francisco para debater em Roma os problemas daquela região.

“Ninguém está espionando a Igreja”, afirmou o general. Mas voltou a repetir: “Quem cuida da Amazônia brasileira é o Brasil, não tem que ter palpite de ONG estrangeira, de chefe de Estado estrangeiro”.

O recuo nada sutil do general tem a ver com o suave, mas certeiro chega pra lá que levou do secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Steiner.

“É um evento, uma celebração da Igreja para a Igreja”, disse o bispo sobre o Sínodo da Amazônia, marcado para outubro próximo. Noutras palavras: o governo não deve se meter com isso.

O medo de Heleno, que reflete o medo dos seus ex-colegas de farda e do presidente Jair Bolsonaro, é que o sínodo acabe servindo de palco para críticas às ideias pouco ou nada ambientais do governo.

A tese do general de que a Amazônia é “um problema interno” do Brasil não resiste a um supro. A pressão para que a Igreja suavize sua retórica em defesa do meio ambiente não dará em nada.

São tantos os desafios que o governo Bolsonaro tem pela frente que não deveria querer arranjar mais um.

Mourão, o bombeiro

O colaborador desprezado
Os admiradores recentes do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, o vem como o contraponto do presidente Jair Bolsonaro, sempre disposto a corrigi-lo ou a antagonizá-lo.

Os devotos de Bolsonaro, e gente do tipo os filhos dele e o que se diz filósofo Olavo de Carvalho, enxergam Mourão como uma grave ameaça à República da Nova Política. Um conspirador nato.

Há outra maneira de ver Mourão: uma vez despido da farda de general de quatro estrelas quando foi para a reserva, à falta de outra, ele vestiu a de bombeiro, sempre disponível para apagar incêndios.

Se visto assim, Mourão tem feito mais bem do que mal a Bolsonaro, ao seu governo e à tropa improvisada de última hora que ascendeu ao poder na ausência de coisa melhor.

Mourão ajuda mais o capitão do que atrapalha. E não é retribuído. Bolsonaro pouco o consulta. Os dois mal se falam. E os garotos do capitão não lhe dão sossego.
Ontem, Mourão sacou do seu extintor de incêndios – desta vez para salvar o ministro do Meio Ambiente de grossa e merecida pancadaria por ter atacado o ex-seringueiro Chico Mendes. Disse:

– O Chico Mendes faz parte da defesa do Brasil na defesa do meio ambiente. É história. Assim como outros vultos passaram por nossa história.

Fosse menos presa dos garotos, e menos inseguro do que verdadeiramente parece, Bolsonaro poderia ter em Mourão um parceiro não só confiável, mas útil para a condução do governo.


Ricardo Noblat: A falta que fará Boechat

Jornalismo honesto e contundente
O jornalismo contundente, capaz de expor os fatos com rigor e transparência, e de refletir sobre eles sem ódio e sem medo, é invenção antiga, mas que não data necessariamente do seu começo.

Aqui, digamos, é algo recente, do final dos anos 50 do século passado para cá. Antes disso, o jornalismo era antes de tudo partidário, tomava partido de grupos e lhes prestava fiel vassalagem.

Entre o golpe militar de 64, e o momento quatro anos depois em que a ditadura tirou a máscara, houve ensaios isolados, pontuais, do jornalismo que Ricardo Boechat fez tão bem até ontem.

Com uma grande diferença: esse tipo de jornalismo só tinha lugar no papel, em jornais e pequenas revistas. Creio que não exagero se disser que foi Boechat que deu voz e imagem ao jornalismo crítico.

No rádio e na televisão, foi ele que rompeu os limites do jornalismo bem comportado que até há pouco ainda tentava se apresentar como equidistante e imparcial como se isso fosse possível.

Uma coisa são os fatos, que devem ser expostos como se passaram, dando-se espaço aos seus protagonistas para que ofereçam suas versões por mais contraditórias que elas sejam.

Outra bem diferente é a interpretação, a análise que se faz dos fatos. A interpretação decorre de um ponto de vista do seu autor a propósito dos fatos levados ao exame do distinto público.

Aí não há como ser imparcial, uma quimera tão cultivada em nosso meio e fora dele, e tão distante da realidade. Cobre-se do jornalista, isto sim, que seja honesto ao ir além da simples oferta de fatos.

Boechat foi um jornalista honesto. Era capaz de chafurdar na lama, rolar pelas sarjetas e desfilar pelos salões mais nobres à cata de notícias – de preferência em primeira mão.

Mas ao servi-las, não se negava a dizer o que pensava a seu respeito. Mais no rádio do que na televisão, mas também nessa, com frequência ia adiante, permitindo que sua indignação explodisse.

Como não se indignar diante do muito que testemunhamos ou ficamos sabendo? Balela essa história que só nos cabe dar notícias! Balela, não, um truque velho usado para nos tornar complacentes.

Bóris Casoy chocou os jornalistas de terno e gravata quando começou a usar a expressão “vergonha” para sublinhar o seu espanto diante de certos fatos. Foi um pioneiro.

Boechat elevou o jornalismo contundente à sua máxima potência. Jamais lhe faltou coragem para tal. Sua recompensa foi a adesão de milhões de pessoas que o viam e o escutavam diariamente.

Partiu logo quando o jornalismo brasileiro mais precisava de sua ousadia e do seu talento. Fica o seu exemplo.

Sobre o jornalismo

Para que serve
A democracia depende de cidadãos bem informados. O jornalismo depende da confiança pública.

Antes de ser um negócio, o jornalismo deve ser visto como um serviço público.

O jornalismo existe para servir ao conjunto de valores mais ou menos consensuais que regem o aperfeiçoamento da sociedade. Valores como a liberdade, a igualdade social e o respeito aos direitos fundamentais do ser humano.

Mais do que informações e conhecimentos, o jornalismo deve transmitir entendimento. Porque é do entendimento que deriva o poder. E em uma democracia, o poder é dos cidadãos.

O dever número um dos jornalistas é com a verdade – mesmo que a verdade não seja algo claramente identificável, como de fato não é. Mas haverá que se persegui-la mesmo assim.

O dever número dois dos jornalistas é com o jornalismo independente. Porque se independente não for, para nada servirá.

O dever número três é com os cidadãos. Não se deve jamais ter vergonha de tomar partido deles.

O quarto dever dos jornalistas é com sua própria consciência.


Ricardo Noblat: O risco de um Estado repressor

Sinais de que a democracia pode ser minada

O esforço bem intencionado de muitos em tentar normalizar o presidente Jair Bolsonaro e seu governo de extrema direita sofreu um duro golpe com a revelação de que a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), sob o controle do general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, está de olho nas atividades do que chama de clero de esquerda da Igreja Católica.

E não só a ABIN, com escritórios em Manaus, Belém, Marabá e Boa Vista, já acionados. Relatórios a respeito também foram produzidos pelo Comando Militar da Amazônia, com sede em Manaus, e o Comando Militar do Norte, sediado em Belém. Trata-se, pois, de uma operação abrangente de inteligência que permite ao governo monitorar os passos de autoridades religiosas e de ONGs.

Em outubro próximo, sob a presidência do Papa Francisco, cerca de 250 bispos do Brasil, Peru, Venezuela e de outros países do continente se reunirão em Roma para discutir os principais problemas da Amazônia e dos povos que a habitam. O governo acha que isso representará encrenca certa para sua imagem lá fora e para a política ambiental que defende.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, no entendimento de generais que cercam Bolsonaro, a Igreja Católica por aqui sempre foi “um braço do PT” e, agora, com a derrota eleitoral colhida pelo partido no ano passado, ela imagina assumir de vez a liderança da oposição ao governo. O encontro em Roma é visto pelo general Heleno como uma clara “interferência em assunto interno do Brasil”.

O Ministério das Relações Exteriores pressionará o governo italiano para que interfira junto ao Papa em favor dos interesses do governo brasileiro. A embaixada do Brasil no Vaticano foi avisada de que deverá fazer o mesmo. Planeja-se a realização em Roma de um simpósio para divulgar as ideias ambientais de Bolsonaro na mesma data da reunião dos bispos com o Papa Francisco.

Onde no mundo das redes sociais, da economia globalizada, pode-se ainda falar em “assunto interno” ou exclusivo de um país? Nos Estados Unidos de Donald Trump, sob a suspeita de ter sido eleito com a colaboração do governo russo? Na Venezuela do ditador Nicolás Maduro, ameaçado de ser deposto por um movimento também apoiado pelo governo de Bolsonaro?

O mais ridículo da ofensiva contra a Igreja é que os generais de Bolsonaro parecem nada ter aprendido com seus colegas da ditadura de 64 que perseguiram o que chamavam de “ala progressista” do clero e se deram mal. A expressão “ala progressista”, tão comum naquela época, por sinal foi ressuscitada pelo general Heleno. Ele parece ignorar que a Igreja Católica mudou desde então.

João Paulo II, o terceiro Papa mais longevo da história da Igreja, aproveitou seu reinado de quase 26 anos e meio para liquidar com a “ala progressista” em toda parte onde ela existia. Seu sucessor, Bento XVI, foi um implacável adversário da Teologia da Libertação que tantas dores de cabeça deu a governos conservadores ou simplesmente de direita mundo a fora.

Se comparado com seus antecessores, o Papa Francisco estaria à esquerda deles no enfrentamento dos problemas sociais e de outros temas contemporâneos como a globalização, por exemplo, e a questão ambiental. O governo Bolsonaro conceber que Francisco será sensível aos seus apelos e pressões é não conhecê-lo nem um pouco. É também dar-se uma importância que não tem.

É no laboratório do general Heleno que estão sendo manipuladas as primeiras e mais escandalosas restrições ao pleno Estado de Direito. Envolver comandos militares na espionagem à Igreja e a movimentos sociais a ela ligados pode ser a mais explosiva, mas a única não é. Foi do laboratório de Heleno que saiu o Decreto 9.690 que desfigurou a Lei da Transparência.

Há poucos dias, Heleno disse que mandou investigar como vazou para a imprensa a minuta do projeto de reforma da Previdência. Com isso o que ele quer não é necessariamente descobrir o responsável pelo vazamento, mas sim intimidar funcionários que possam colaborar com os jornalistas para tornar públicas informações que o governo prefere manter escondidas.

Tudo que atente contra a liberdade e os direitos dos cidadãos serve para minar a democracia. Bolsonaro e seus devotos, fardados ou não, sempre foram partidários de um Estado autoritário. Uma vez no poder, convenhamos, estão sendo apenas coerentes com o que pensam e pregaram durante a campanha. De estelionato eleitoral, não serão jamais acusados.

À queima roupa (3)

Curto e seco
+ Com vocês, a Nova Política: 1. Governo espiona a Igreja Católica com a ajuda do Exército; 2. PSL, o partido do presidente, desviou dinheiro público por meio de laranjas; 3. Ministério Público espera há meses que filho do presidente vá depor sobre rolos; (Acabou o espaço)

+ O que o ministro Gilmar Mendes acha de uma agência de inteligência que investiga padres, bispos e cardeais? Seria algo, por exemplo, parecido com a Gestapo da época do nazismo?

+ Não sei onde está escrito que ministro do Supremo Tribunal Federal pode virar consultor do governo para projetos a serem submetidos ao Congresso. Mas de uns tempos para cá eles podem tudo, desde que não sejam investigados.

+ Quando estourou o caso do mensalão do PT em 2005, teve ministro do Supremo que procurou líderes de partidos para que desistissem da ideia de derrubar Lula. Mais recentemente, um ministro foi grampeado em conversa com senador que pedia sua ajuda. O sistema é foda, parceiro.

+ Roga-se a quem saiba informar onde podem ser encontrados os 8 funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro que depositaram parte dos seus salários na conta de Queiroz. Eles desapareceram de suas casas e empregos. Familiares e amigos se recusam a informar onde eles se esconderam.

+ “Quem foram os responsáveis por determinar que o Adélio praticasse aquele crime em Juiz de Fora?” – pergunta com razão o presidente Jair Bolsonaro em sua página no Twitter. Quem sabe não foram os mesmos que mandaram matar Marielle Franco? Por que ele não manda investigar os dois casos com o mesmo rigor?

+ Pelo visto, 2018, como 1968, é também no Brasil um ano que não terminou por aqui.