Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Bolsonaro em dia de paz (armada)

Quem o criou que o embale

O de ontem ficará marcado como o dia em que o presidente Jair Messias Bolsonaro, depois de 110 dias de governo, fez seu primeiro aceno de paz à imprensa brasileira, até então alvo preferencial de suas críticas nas redes sociais e em entrevistas a emissoras de televisão simpáticas a ele.

De manhã, em São Paulo, ao celebrar a passagem de mais um Dia do Exército, Bolsonaro pregou: “Em que pesem alguns percalços entre nós, precisamos de vocês (profissionais da imprensa) para que a chama da democracia não se apague”. Disse esperar que “pequenas diferenças fiquem para trás”.

Em seguida foi ainda mais explícito: “Imprensa brasileira, estamos juntos. Pode ter certeza que esse namoro, esse braço estendido aqui, estará sempre à disposição de vocês.” O comentário do presidente causou assombro nas redações e até foi recepcionado com elogios por alguns jornalistas acostumados aos seus ataques.

Por sinal, na última terça-feira, a propósito da censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro já havia dito que “a liberdade de expressão” é um “direito legítimo e inviolável”. Na tarde de ontem, exaltou a revogação da censura pelo ministro Alexandre de Moraes.

Poderia ter ficado por aí. Estava de bom tamanho. Mas Bolsonaro não seria o Bolsonaro que de fato é se, horas mais tarde, não voltasse a empunhar o tacape para dar novas bordoadas na imprensa. Foi quando fez mais uma transmissão ao vivo na conta da presidência da República no Facebook. (No ar, a TV Bolsonaro!)

Então afirmou, sem explicar direito o que queria dizer, que é melhor ter uma imprensa “capengando” do que não ter imprensa. (Capengando quer dizer fraca?) Acusou mais uma vez o que chamou de “nossa querida” Folha de São Paulo de ter mentido em reportagem sobre as despesas do governo com propaganda.

Quanto à maneira como o governo gastará sua verba de publicidade, negou qualquer intenção de perseguir veículos de comunicação, para em seguida advertir: “Mas vamos usar um critério técnico. Não vai ser mais aquela televisão conseguindo 85% da propaganda e os demais 15%. Vai ser técnico.” (Touché, Rede Globo!)

No resto de sua fala de 25 minutos, Bolsonaro ocupou-se em atirar em várias direções. Atirou no ex-presidente Fernando Collor, a quem culpou de ter dado início a “uma verdadeira indústria de demarcação de terras indígenas”. Atirou na Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ameaçando demitir sua diretoria.

Atirou na Justiça Federal que suspendeu os efeitos de portaria que havia garantido a concessão de passaporte diplomático ao líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, e à sua mulher. Garantiu que a portaria voltará a valer em breve porque ele tem poder para isso como tiveram seus antecessores.

Para variar, atirou na Lei Rouanet de incentivos fiscais à cultura. Chamou-a de “desgraça” usada pelos governos do PT para cooptar os artistas. “Quantas vezes você não viu figurões defendendo ‘Lula Livre’, ‘Viva Che Guevara’, ‘o socialismo é o que interessa’, em troca da Lei Rouanet?”, perguntou.

Por fim, disse que se depender dele, invasão de terras será tipificado como ato de terrorismo. E defendeu outra vez que donos de imóveis possam se defender atirando em eventuais invasores. “Se o outro lado decidir morrer, será problema dele”, decretou Bolsonaro em um dia de muita paz e de refinado bom humor.

Quem criou Bolsonaro, o original, ou Bolsonaro Paz e Amor, o defensor intransigente da liberdade de expressão, que o compre e embale.

Fake news da toga

A zorra do Supremo
Durante sete dias, o site O Antagonista e a revista eletrônica Crusué ficaram sob censura, acusados pelo ministro Alexandre de Moraes de publicarem uma notícia falsa que teria atingido a honra de José Antonio Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, e, por tabela, a imagem dos seus pares e da justiça brasileira.

Site e revista haviam publicado que um documento anexado aos autos da Lava Jato identificara Toffoli como “o amigo do amigo” do pai de Marcelo Odebrecht. O pai, Emílio, fora amigo de Lula. Toffoli, amigo de Lula, era o Advogado Geral da União à época em que a Odebrecht superfaturou contratos com o governo.

A pedido de Toffoli, Alexandre de Moraes investigou o caso e concluiu que não havia documento algum. Daí a decisão de restabelecer no país a censura à imprensa, algo que contraria frontalmente o que está escrito na Constituição. Revogou sua decisão ontem ao descobrir que o documento existia, sim senhor.

Há três dias sabia-se que o documento existe. Pode não ter chegado à Procuradoria Geral da República, mas chegara aos autos da Lava Jato. Foi um juiz federal que mais tarde mandou retirá-lo dos autos. Alexandre de Moraes só se deu por vencido depois de ter sido criticado por alguns dos seus colegas.

Foi mal, muito mal! Dito de outra maneira: se alguém produziu uma fake news foi o ministro. De fato, Alexandre de Moraes passará à história do Supremo como o primeiro ministro, ali, a tomar uma decisão fake. Enquanto durou, ela causou sério prejuízo à reputação de um site e de uma revista. Quem pagará por isso?

O Supremo virou uma zorra e não é de hoje. No ano passado, um juiz federal proibiu a Folha de São Paulo de entrevistar Lula. O ministro Ricardo Lewandowski deu razão ao jornal e permitiu a entrevista. O ministro Luiz Fux derrubou a permissão dada por Lewandowski. Ontem, Toffoli derrubou a de Fux.

Não será surpresa se qualquer dia desses um ministro do Supremo acorde de mau humor e resolva acabar com a Lava Jato a pretexto de que ela instituiu a República dos Procuradores. É o medo, somente o medo da reação das ruas que impediu até agora que isso ou algo parecido acontecesse.

Um anão chamado Toffoli

Apequenou-se e apequenou o tribunal
“Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Simples assim”, decretou o ministro Dias Toffoli, presidente faz menos de um ano do Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista ao jornal VALOR, ele disse que só havia acionado seu colega Alexandre de Moraes para investigar o que publicaram o site O Antagonista e a revista eletrônica Crusoé porque, “ao atacar o presidente, estão atacando a instituição” – no caso, a mais alta Corte de Justiça do país.

Poucas horas depois de o jornal ter circulado com a entrevista, Alexandre de Moraes deixou Toffoli pendurado na brocha. Revogou a decisão tomada de censurar o site e a revista. Reconheceu que nada do que ali fora publicado era mentira. Foi amargar em casa o seu açodamento.

De resto, a reportagem do site e da revista não chamou Toffoli de criminoso. Nem o acusou de ter participado de esquema algum. Limitou-se a dizer que ele era “o amigo do amigo do meu pai”, alcunha a Toffoli reservada em e-mails trocados por executivos da construtora Odebrecht.

Antes de publicar a reportagem, o site e a revista procuraram Toffoli para ouvi-lo a respeito. Informado sobre o que se tratava, ele recusou-se a dar explicações. Cobriu-se com a toga a que tem direito. Imaginou que contaria também com a proteção das togas vestidas por seus colegas de tribunal.

Para quem se apresentara como aquele que retiraria o Supremo na boca do palco da política nacional, Toffoli só fez empurrá-lo para além da boca do palco. Apequenou-se – logo ele que jamais fora um gigante. Apequenou o Supremo.


Ricardo Noblat: Bolsonaro é tóxico

Foi só um mal entendido...

Cada absurdo protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro desde que tomou posse não se limita a produzir estragos apenas à imagem dele, o que já não seria pouco. Estraga também a imagem dos que o socorrem para impedir que o mal se alastre.

Foi o que voltou a acontecer depois que Bolsonaro suspendeu o reajuste do preço do diesel anunciado pela Petrobras. Ao fazê-lo, metendo-se em um assunto que desconhece, Bolsonaro deixou em maus lençóis o ministro da Economia e o presidente da Petrobras.

Paulo “Posto Ipiranga” Guedes censurou com elegância a decisão do presidente da República e disse que se dará um jeito no estrago. Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras, preferiu fazer de conta que nada simplesmente aconteceu.

Que história é essa de que Bolsonaro suspendeu o aumento anunciado pela Petrobras? Coisa nenhuma. Foi a empresa que suspendeu porque quis, segundo seu presidente. “A Petrobras é livre para tomar suas decisões”, disse ele. “Petrobras é uma coisa. Outra é o governo”.

A suspensão do reajuste custou à empresa uma perda de R$ 32 bilhões em valor de mercado na última sexta-feira com a queda de 8,5% no preço das ações. Ontem, o preço continuou caindo. Castelo Branco foi incapaz de explicar por quê.

Toffoli, uma caricatura de ditador

A censura voltou!
De duas uma. Ou falta conhecimento jurídico ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ou sobra vocação para ditador. Há uma terceira hipótese: à ignorância jurídica e à vocação para ditador alia-se o medo de ser flagrado em ato ilícito.

Está na Constituição: “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social”. Está lá também: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

E como se não bastasse, outro artigo da Constituição determina: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Seria preciso dizer algo mais a respeito? Por desnecessário, não.

Pois bem: Toffoli pediu e seu colega Alexandre de Moraes ordenou à revista eletrônica Crusoé e ao site O Antagonista a retirada do ar de uma reportagem onde o empresário Marcelo Odebrecht revela quem era o dono do codinome “amigo do amigo do meu pai”.

O pai de Marcelo se chama Emílio. O amigo de Emílio era Lula. O amigo de Lula era Toffoli. Foi o que Marcelo contou em depoimento à Lava Jato. Toffoli foi o advogado-geral da União entre 2007 e 2009 enquanto Lula presidia o país e a Odebrecht ganhava dinheiro.

Ganhou muito nos dois mandatos de Lula, inclusive superfaturando o preço para a construção de uma hidrelétrica no Rio Madeira. A Odebrecht pagou propina no contrato firmado com o governo. Marcelo disse não saber a quem a propina foi paga.

O mais escandaloso nisso tudo, para além da censura, foi que o depoimento de Marcelo, uma vez tornado público, acabou retirado dos autos da Lava Jato depois que juiz da 13ª Vara, Luiz Antonio Bonat, pediu informações a respeito. Quem retirou? Por ordem de quem?

Em resumo: a Lava Jato quis saber quem era “o amigo do amigo do meu pai”, fato; Marcelo respondeu que era Toffoli, fato; a Crusoé e O Antagonista limitaram-se a contar o que havia ocorrido, fato. Então a censura proibida pela Constituição foi restabelecida no país, fato.

Uma aberração deu origem a outra. A censura é filha da portaria baixada por Toffoli para apurar “notícias fraudulentas, denunciações caluniosas e infrações revestidas de animus caluniador, difamador e injurioso que possam atingir a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e familiares”.

Alexandre de Moraes foi designado por Toffoli para presidir o inquérito aberto. Ele pode convocar juízes para auxiliá-lo – e já o fez. E acionar a Polícia Federal, e já acionou. Alexandre é quem dirá se uma notícia é fake, caluniosa, e se põe em risco a segurança do STF enquanto instituição, ou dos seus ministros e parentes.

A portaria de Toffoli envergonhou vários dos seus pares, a maioria deles, contudo, sem coragem suficiente para declarar que ela é simplesmente bizarra e deve ser revogada o mais rápido possível. Se não for, melhor que se reconheça que no país da jabuticaba brotou mais uma – a ditadura da toga.


Ricardo Noblat: A ambição do garoto Carlos

O troféu é a prefeitura do Rio

A eleição para prefeito do Rio no próximo ano poderá mais uma vez pôr em rota de colisão dois dos garotos do presidente Jair Bolsonaro – Carlos, o 02, e o mais ligado ao pai, e Flávio, o 01.

Carlos é vereador no Rio pela quarta vez consecutiva. Flávio se elegeu senador no ano passado. Antes se elegera quatro vezes seguidas deputado estadual.

É o vereador que quer ser candidato a prefeito. É o senador que poderá acabar sendo. Naturalmente, caberá ao pai decidir o destino de cada um. Tem sido assim, mas nem sempre.

Carlos foi candidato a vereador pela primeira vez porque Flávio se recusou a ser. Bolsonaro decidira impedir a reeleição da vereadora Rogéria, sua ex-mulher, mãe do 01, 02 e 03.

Rogéria era vereadora há oito anos, eleita com o apoio de Bolsonaro. Mas se tornara independente demais para o gosto dele. Flávio recusou-se a enfrentar a mãe. Carlos topou.

Como tinha apenas 17 anos, o pai teve de emancipá-lo para que pudesse concorrer. O plano de Bolsonaro foi bem-sucedido. Carlos derrotou a própria mãe em 2000.

Em 2016, Carlos quis ser candidato a prefeito do Rio. Bolsonaro preferiu que fosse Flávio, que ficou em quarto lugar. Estava em meio a mais um mandato de deputado. Não ficaria assim sem mandato.

O pai estava certo. Apesar da derrota, Flávio ajudou Carlos a se reeleger vereador. Foi o vereador mais votado naquele ano. No ano passado, Carlos dedicou-se a ajudar o pai a se eleger presidente.

Esperava como compensação um cargo de ministro do governo, ou pelo menos de assessor especial. O próprio Bolsonaro, mais de uma vez, disse que Carlos tinha tudo para ser ministro.

Não foi porque trombou com Gustavo Bebianno. Carlos queria o lugar dele de ministro da Secretaria-Geral da Presidência. Aí intrigou o pai com Bebianno, que acabou demitido pelo Twitter.

Só que Bebianno deu o troco e saiu atirando nele e no pai. O barraco desgastou pai e filho e barrou a pretensão de Carlos. Ele espera que sua vez chegue com a eleição para prefeito do Rio.

Caso Flávio escape do escândalo desatado por seu ex-assessor Queiroz, o candidato a prefeito poderá ser ele. Com oito anos de mandato como senador, não ficará sem nada se perder. Carlos ficaria.

Enquanto isso, Eduardo, o 03, deputado federal reeleito em São Paulo, navega em mar de almirante. À sombra do pai, é de fato seu ministro das Relações Exteriores, e cada vez mais influente.

A razão da fúria

Confiança abalada
O que irritou mesmo o presidente Jair Bolsonaro quando soube do aumento do diesel não foi o percentual de 5,47%, mas a coincidência do anúncio do reajuste com a comemoração dos cem dias de governo.

A aposta na Esplanada dos Ministérios é que hoje ou amanhã Bolsonaro concorde com o aumento. A informação é da TAG REPORT, das jornalistas Helena Chagas (@helenachagas) e Lydia Medeiros (@lydiamed).

A suspensão do reajuste fez a Petrobras perder R$ 32 bilhões em valor de mercado. E abalou a confiança dos investidores no governo.


Ricardo Noblat: Te perdoo por te trair

Te perdoo porque choras quando eu choro de rir (Chico Buarque)

Deve haver algum método, e também algum objetivo a ser alcançado, na desordem provocada dentro do governo pelo presidente Jair Bolsonaro a cada semana, e ultimamente a quase cada dia. É impossível que não haja.

A mais recente desordem, quando um telefonema dele obrigou o presidente da Petrobras a suspender o reajuste já anunciado no preço do diesel, surpreendeu o ministro Paulo Guedes, da Economia, em visita aos Estados Unidos.

Deu ensejo então a uma curiosa situação onde não é um presidente da República que sai em socorro de um ministro que derrapou numa casca de banana, mas o ministro que sai em socorro do presidente. Foi o que aconteceu quando Guedes disse ontem:

“Acho que o presidente tem muitas virtudes, fez muita coisa acertada e ele já disse que não conhece muito economia. Então se ele, eventualmente, fizer alguma coisa que não seja muito razoável, tenho certeza que conseguimos consertar”.

Espantoso! Em que país um ministro da Economia chama em público uma decisão presidencial de “não muito razoável” e é mantido no cargo? Ou afirma que o presidente “não conhece muito do assunto” em que resolveu se meter?
E que acrescenta ainda como se fosse uma espécie de avalista do presidente que se ele fizer alguma coisa não razoável, tem certeza que dará para consertar? Onde será possível que uma coisa dessas fique por isso mesmo?

Ora, aqui, desde que Bolsonaro se elegeu enganando o mercado com a história de que Guedes seria o seu Posto Ipiranga. Título igual não deu ao ministro Sérgio Moro, da Justiça, mas ficou parecendo que sim. Já atropelou Moro antes, e agora Guedes.

Acreditou quem quis que Bolsonaro, um estatizante de carteirinha, vestiria a fantasia de liberal uma vez que se elegesse. O importante era derrotar o PT. E embora houvesse muitos candidatos, o capitão seria de longe o mais fácil de ser cavalgado.

Pode faltar cultura, preparo e sofisticação ao presidente, mas uma toupeira ele não é. Bolsonaro joga a favor dele e dos filhos. No que dará tudo isso, nem ele sabe. Se não se der certo irá para casa com várias aposentarias e benefícios concedidos a um ex-presidente.

De bom tamanho para quem já admitiu que sua eleição foi um milagre.

Vexame!

As agruras do capitão
O presidente Jair Bolsonaro provocou a ira de Israel por ter dito a líderes evangélicos na última quinta-feira que os crimes do Holocausto são perdoáveis.

“Podemos perdoar. Mas não podemos esquecer”, disse Bolsonaro. Para em seguida acrescentar uma de suas frases preferidas: “Aqueles que esquecem seu passado estão condenados a não ter futuro”.

Só tem houve um probleminha: para Israel, o Holocausto que provocou a morte de 6 milhões de judeus na 2ª Guerra Mundial não pode ser perdoado nem esquecido jamais.

Então Bolsonaro, que antes de se eleger fez questão de ser batizado nas águas do rio Jordão, foi criticado pelos presidentes Reuven Rivlin, de Israel, e Yad Vashem, do Memorial do Holocausto.

Ao visitar Israel, Bolsonaro deu uma passadinha no Memorial do Holocausto, em Telavive, onde está escrito que o nazismo foi de direita. Bolsonaro saiu de lá dizendo que o nazismo foi de esquerda.

Por duas vezes nos últimos três dias, o Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque, manifestou-se sobre a homenagem que a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos prestará a Bolsonaro.

Está marcada para 14 de maio, nas dependências do próprio museu. Mas a direção do museu diz que o local foi alugado antes que a Câmara revelasse o nome do homenageado.

Agora que se sabe, o Museu está sob a pressão dos seus contribuintes e visitantes assíduos para que negue o local. O próprio prefeito da cidade, do Partido Democrata, é contra a homenagem ali.


Ricardo Noblat: O pagador de promessas

O capitão e suas circunstâncias

Diga-se o que quiser do presidente Jair Bolsonaro a propósito dos seus primeiros cem dias de governo, menos que seja um mal pagador de promessas. Ou menos que sua eleição foi um estelionato eleitoral assim como a de tantos outros que o antecederam no cargo.

Bolsonaro está simplesmente fazendo o que prometeu fazer e o que resumiu assim durante a campanha do ano passado: “Eu sou o candidato contra o sistema. Eu vou quebrar o sistema”. Pode até não quebrar, mas se empenha para isso, sim.

Fracassaram todas as tentativas até aqui de normalizá-lo. O que significaria: pô-lo sob as rédeas curtas do sistema político, partidário e econômico. Antes de tudo, Bolsonaro é ele e as suas circunstâncias, e não é de todo mal que assim seja. Só aprendemos votando.

Mal seria se ele decepcionasse os milhões de eleitores que o puseram na presidência. Os que já começaram a abandoná-lo são apenas aqueles que o cavalgaram na esperança de derrotar o PT. Os demais seguem acreditando nele.

Bolsonaro sempre defendeu um Estado forte, regulador, capaz de intervir em quase tudo em nome do bem dos brasileiros. O Brasil acima de todos e só abaixo de Deus. Não foi de graça que como deputado tanto votou no Congresso alinhado com o PT.

Nada mais justo, pois, que resista a vestir a fantasia de liberal. Não é. Jamais será um liberal por sua própria formação. Nada entende de economia como já disse e repete. Mas não foi só por ignorância que decidiu meter-se na política de preços da Petrobras.

Foi por duas razões pelo menos: para pagar a dívida com os caminhoneiros que paralisaram o país há menos de um ano e que em seguida votaram em peso nele, e porque é mínima sua adesão às chamadas regras do mercado. Se preciso, que o mercado exploda.

Novamente Bolsonaro e o PT acabam por juntar os trapinhos. Lula e Dilma manipularam os preços dos combustíveis por achar que o mercado não pode tudo todo o tempo. Bolsonaro não pensa diferente deles, embora se negue a admitir.

No caso de Lula e Dilma havia uma razão a mais: a manipulação dos preços tinha a ver também com o seu desejo de se eternizarem no poder. Oito anos de Lula, oito ou quatro de Dilma, mais quatro ou oito de Lula, quem sabe mais oito de um aliado… Quase deu certo.

Bolsonaro, não. Ele foi candidato a presidente para reeleger os filhos e arrumar a vida da família. Aí o maluco do Adélio Bispo mudou seus planos esfaqueando-o em Juiz de Fora às vésperas da passeata do 7 de setembro. Acertou até na data.

Bolsonaro reconhece que sua vida foi salva por milagre, e que outro milagre salvou-o da derrota previsível. Suas recentes manifestações a respeito indicam que ele não estava pronto para governar. Que não gostaria de governar. Que governa de má vontade.

Mas uma vez que governa, não está disposto a renunciar ao que pensa, isso não. Ao cargo, muito menos porque seus filhos não deixariam, nem seu orgulho. Mas não é desejo dele ir além do atual mandato desde que possa exercê-lo naturalmente ao seu modo.

Rio, terra sem lei

Uma esculhambação
É possível que a prefeitura do Rio não soubesse que milicianos haviam construído em área de proteção ambiental e sem autorização dos órgãos competentes os dois prédios que desabaram, ontem, na Zona Oeste da cidade matando cinco ou mais pessoas e deixando outras tantas feridas?

O prefeito Marcelo Crivella disse que tentou interditar a construção de prédios ali, mas que não conseguiu. Não conseguiu por quê? A Justiça negou-se a interditar? A polícia preferiu cruzar os braços a cumprir a ordem? Os encarregados do serviço de demolição recusaram-se a cumprir a tarefa?

A resposta à primeira pergunta é sim. A prefeitura sabia que milicianos construíam prédios, lucravam com a venda dos apartamentos e lucravam com a cobrança de taxas de proteção aos seus ocupantes. A resposta à segunda pergunta também é sim. Ele tentou interditar, mas não conseguiu.

A resposta às perguntas seguintes ficou faltando. Nem o prefeito, nem a justiça, muito menos os compradores e moradores da área querem se arriscar ao revide dos milicianos. Eles mandam ali. Eles mandam em outras áreas da cidade. O Rio virou “uma grande “esculhambação”, como já disse Crivella. Uma cidade sem lei.

Ou para ser preciso: uma cidade onde impera a lei dos milicianos, de um lado, e a lei do tráfico, do outro. Milicianos e traficantes são bandidos e se enfrentam para ver quem manda mais e em mais gente. Quando não se enfrentam, se associam. A intervenção federal do ano passado na segurança pública de pouco ou nada adiantou.

Os cariocas são bons de gogó e muito criativos. Sabem cantar as belezas do Rio e sabem protestar quando lhes convém. Dá gosto ver. Mas há muito tempo que são ruins de voto para vereador, prefeito, deputado, senador e governador. Que Estado tem tantos políticos outrora graduados gravemente encrencados com a justiça?

Somente os cariocas darão ou não um jeito no seu Estado. Somos todos cariocas – como seríamos mineiros, paulistas, gaúchos – quando ocorrem tragédias do porte das últimas que assolaram o Rio. Inclua-se entre elas a que reduziu a cinzas o Museu Nacional. Mas as tragédias só voltam a ser lembradas quando outras se sucedem.

Só pelo voto a realidade do Rio poderá ser transformada, e isso é com os cariocas.


Ricardo Noblat: Gentili e Bolsonaro no país da piada

Comediantes, crianças e índios

Se pouco lhe importa ser alvo de notícias e comentários negativos, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu mais uma vez, e logo no dia em que comemorou com pompa os primeiros cem dias do seu governo.

A dizer qualquer coisa sobre a morte no Rio do músico Edvaldo Costa, 51 anos, fuzilado com 80 tiros disparados por nove militares, Bolsonaro preferiu o silêncio ignominioso que já dura cinco dias.

Entretanto, foi rápido no Twitter ao prestar solidariedade ao apresentador e comediante Danilo Gentili condenado à cadeia por ter ofendido a honra da deputada Maria do Rosário (PT-RS).

Sim, a deputada é a mesma que Bolsonaro ameaçou bater na Câmara. Ao dizer também que, por ser feia, ela sequer merecia ser estuprada, Bolsonaro foi denunciado e está sendo processado.

Bolsonaro escreveu que Gentili apenas exerceu “seu direito de livre expressão”, e que ele, Bolsonaro, já foi objeto de piadas. Para o garoto Flávio, piadas “fazem parte do jogo democrático”.

Gentili foi condenado porque publicou uma sequência de tweetes em que chamou a deputada de “falsa” e “nojenta”. Maria do Rosário pediu por escrito que ele apagasse as mensagens.

Em resposta, Gentili gravou um vídeo em que aparece rasgando o documento, esfregando o papel nas partes íntimas e dizendo à deputada:

“Sendo assim, Maria do Rosário, chegando a minha cartinha, abre ela, sinta aquele cheirinho do meu saco e abra a bunda e enfie no meio dela tudo isso aí que estou mandando para você. Tchau”.

Ao sentenciar Gentili a seis meses e 28 dias de prisão, a juíza federal Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, justificou:

“A ideia de gravar o deplorável vídeo doméstico teve caráter de resposta em retaliação contra a manifestação da vítima, não devendo jamais ser confundido como uma simples peça humorística espontaneamente criada independente do intuito de injuriar”.

Embora repudiem o que fez Gentili, comediantes o defenderam. Fábio Porchat considerou “autoritário” o fato de ele poder ser preso “só por ter mandado uma pessoa enfiar um papel no cu”.

A liberdade de expressão é direito assegurado na Constituição. Mas ela também sofre as restrições estipuladas em lei. Não fosse assim, os comediantes se juntariam às crianças e aos índios na categoria das pessoas inimputáveis, e tudo viraria uma grande piada.


Ricardo Noblat: Bye, bye, ministro!

Mudança na Educação

É com um travo na alma que o presidente Jair Bolsonaro deverá demitir, hoje, o ministro da Educação, Ricardo Veléz Rodrigues. Não porque goste particularmente dele. Gosta de suas ideias. Reprova seu desempenho. O ministério está uma zorra e não pode continuar assim.

O travo tem a ver com a cobrança feita pela mídia para que o ministro seja dispensado. Bolsonaro detesta a mídia. Ou melhor: grande parte dela. E não gostaria de lhe dar esse gostinho. Se ele pudesse – ou se puder – adiaria a demissão outra vez.

Será o segundo ministro a cair em menos de 100 dias de governo – ou de desgoverno, como preferirem. Gustavo Bebiano, da Secretária-geral da Presidência da República, foi demitido primeiro pelo vereador Carlos Bolsonaro, e só depois pelo pai dele.

Veléz Rodrigues foi indicado pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro e de milhares de devotos do presidente. Mas desde a semana passada que Olavo largou de mão o ministro. Só não quer que seus discípulos percam os empregos.

Em troca de alguma recompensa, do tipo uma vaga em outro lugar qualquer do governo com um salário bastante razoável, o ministro irá embora sem se queixar. Ele nunca imaginara ser ministro. Foi surpreendido com o convite. Vida que segue.

Por enquanto, a vida do ministro do Turismo, Marcelo Antônio, também irá adiante. Ele está enrolado até o talo no escândalo das candidaturas falsas do PSL de Bolsonaro em Minas Gerais. Dinheiro público foi desviado, e isso é crime. Mas Bolsonaro o protege.

Afinal, o ministro foi escolha dele e de mais ninguém. Estava ao seu lado em Juiz de Fora quando Bolsonaro acabou esfaqueado. Ajudou a transportar seu corpo para o hospital. Dali só saiu quando soube que o então candidato a presidente havia sobrevivido.

Não se abandona um amigo no meio do caminho. Para Bolsonaro, ex-paraquedista, confiança é essencial. Quem está atrás confia em quem está na frente na hora de saltar. E quem está na frente confia em que está mais à frente. O primeiro da fila confia nele mesmo.

Sobre isso Bolsonaro dissertou em Israel para uma atenta e perplexa plateia de empresários, todos interessados em saber o que ele queria dizer com tudo aquilo. Foram embora sem entender direito, mas tudo bem. Culpa da tradutora que tampouco entendeu.

O show de Mourão em Harvard

Aplaudido de pé
Foi o contraponto da visita recente do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos. Enquanto Bolsonaro fez questão de se apresentar aos americanos como um líder belicoso e de extrema direita, o vice-presidente Hamilton Mourão fez o inverso.

Talvez tenha sido por isso que acabou sendo aplaudido de pé pela plateia da Brazil Conference, evento organizado pelos estudantes brasileiros das universidades Harvard e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Quando fala dos problemas da segurança pública, Bolsonaro dá ênfase às medidas duras contra o crime e à necessidade de armar a população para que se defenda. Mourão não foi por aí quando perguntado como encara a questão.

Defendeu que o governo faça um trabalho “persistente” na área social para resolver a criminalidade. “Com as pessoas vivendo amontoadas em favela, sem acesso a água e luz” e a mercê dos traficantes, ele disse, “nós não vamos resolver o problema”.

Fez questão de separar as Forças Armadas do governo. Disse que elas continuarão cumprindo seu papel tal como definido pela Constituição. Alegou que os militares empregados no governo deixaram a farda. E que Bolsonaro é político há mais de 30 anos.

Mas admitiu, sim, que a imagem das Forças Armadas será afetada caso o governo fracasse. “Se o nosso governo errar, errar muito, não entregar o que prometeu, a conta acabará sendo paga pelas Forças Armadas”, afirmou sem tergiversar.

Um professor de Harvard manifestou sua preocupação com a excessiva vinculação dos militares ao governo. E lembrou que o ex-presidente Ernesto Geisel concluíra no final do seu governo que os militares deveriam devolver o poder aos civis.

Resposta de Mourão: “Geisel não foi eleito. Eu fui”. De certa forma, Mourão contrariou a história oficial contada pelas Forças Armadas de que os generais presidentes do ciclo de 64 foram eleitos pelo Congresso, o que garantiria a legitimidade dos seus mandatos.

Mourão reconheceu que não deu certa a ideia inicial de Bolsonaro de desprezar os partidos e negociar o apoio das bancadas temáticas dentro do Congresso. E que ele agora tentará montar “maiorias transitórias” para aprovar cada projeto do governo.

Mas para que a “nova estratégia” possa ser bem sucedida haverá que se ter “muita paciência e diálogo”. Mourão espera que Bolsonaro, hoje, resolva o que fazer com o ministro da Educação. “Não vou negar: estamos com um problema na Educação”, disse.

Só houve um momento durante o debate com professores e estudantes de Harvard em que Mourão pareceu embaraçado. Foi quando lhe perguntaram o que teria feito de diferente nesses primeiros 100 dias de governo se fosse ele o presidente.

– Escolheria, talvez, outras pessoas para governar comigo – respondeu.


Ricardo Noblat: Um presidente e o seu abacaxi

Sério, sorrindo ou em tom de piada

Sempre que Lula dizia inconveniências, os assessores dele na presidência da República saíam imediatamente em seu socorro. Chamavam os jornalistas e diziam assim: “Não levem a sério. Foi brincadeira dele, só brincadeira.”

A diferença de Lula para o presidente Jair Bolsonaro é que o capitão dispara inconveniências sorrindo, e às vezes acompanhadas de um “taokey”. E aí os jornalistas se sentem obrigados a escrever: “Sorrindo…”

Ou então eles escrevem: “Em tom de piada…” Porque para os jornalistas, mas não somente para eles, muitas vezes soam como piadas certas coisas ditas por Bolsonaro, sorrindo ou sério.

Entre tantos disparates cometidos ontem por ele em três ocasiões distintas, vale a pena destacar as que seguem. Elas parecem trair o visíver desconforto de Bolsonaro com suas novas funções.

“Desculpem as caneladas, não nasci para ser presidente, nasci para ser militar, mas no momento estou nessa condição de presidente e, junto com vocês, nós podemos mudar o destino do Brasil”.

“Não tenho qualquer ambição, não me sobe à cabeça o fato de ser presidente. Eu me pergunto, olho pra Deus e pergunto: Meu Deus, o que eu fiz para merecer isso? É só problema.”

“Confesso que nunca esperava chegar à situação que me encontro. Primeiro porque sobrevivi a um atentado, um milagre. Depois, o outro milagre foi a eleição. A gente estava contra tudo, né? Imprensa, fakenews, tempo de televisão, recurso de campanha… Mas Deus estava do nosso lado”.

“Na campanha, eu disse que em janeiro ou estaria aqui nessa cadeira ou na de praia. Me dei mal. Pode assumir a cadeira, Moro!”

No meio desta semana, em visita a Israel, Bolsonaro afirmou que governar era um abacaxi. Talvez por isso ele seja o único presidente desde a redemocratização do país que já faltou ao expediente no Palácio do Planalto para ir pela manhã ao cinema com a mulher.

Sim, de outra vez ele faltou a parte do expediente da tarde para ir rezar com amigos. Bolsonaro está muito bem de saúde. Não é por causa dela que volta cedo para o Palácio da Alvorada onde mora. Antes de ir dormir, confere se o revolver está ao alcance da mão.

Seu compromisso com o que diz é quase sempre ralo. Em café da manhã com os jornalistas, ele deu todas as indicações de que na próxima segunda-feira demitirá do cargo o desastroso ministro da Educação. No final da tarde, admitiu que ele poderá fica.

Por sinal, ao referir-se à sua equipe de governo, Bolsonaro o fez em tom de queixa: “A maioria dos ministros não tem nenhuma habilidade política. Vivência política. Ontem, alguns (presidentes de partido) reclamaram de ministros, de bancos oficiais”.

Para desespero do seu ministro da Economia, Paulo Guedes, ao falar sobre a reforma da Previdência, Bolsonaro reconheceu que o Congresso não irá aprová-la do jeito que foi proposta. Isso até Guedes sabe. Mas não é assim que se negocia, ora.

Se a reforma for mais esquálida do que se anuncia, parte da culpa por isso caberá a Bolsonaro. E se for esquálida a um ponto que desagrade Guedes, ele simplesmente irá embora.


Ricardo Noblat: A solidão de Paulo Guedes

Reforma meia boca

Esqueceram de avisar a Paulo Guedes que a ida de um ministro à Câmara para debater matérias de interesse do governo é antes de tudo um espetáculo, e não necessariamente uma oportunidade de convencer os deputados sobre qualquer coisa.

Como tal, todo cuidado é pouco com as provocações dos mais enfezados e com as pegadinhas dos mais espertos. Cabe ao expositor defender suas ideias, mas sem estridência. Não cair na tentação de ser irônico. E ser afável até com os mais duros oponentes.

Essa seria tarefa para uma Madre Teresa de Calcutá? Nem tanto. De resto, na intimidade, Teresa de Calcutá era impaciente. Mas Antonio Palocci, quando ministro da Fazenda do governo Lula, saiu-se bem em quase todas as batalhas que travou na Câmara e no Senado.

Falta a Guedes experiência no trato com políticos. Sobra inteligência que o torna arrogante. De resto, deve estar se sentindo cada vez mais só na luta para que o Congresso aprove a reforma da Previdência. Daí o que ocorreu na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Dizer, por exemplo, que Lula fez por merecer governar duas vezes pode ter sido um ato de justiça, mas não angariou um único voto para o que Guedes deseja, e irritou não só o presidente Jair Bolsonaro como seus devotos mais desvairados.

Sugerir ou desafiar os deputados a rejeitar o modelo proposto de reforma da Previdência para os militares soou mal entre os que vestem ou que vestiram farda, esses em número que não para de crescer na ocupação de cargos em todos os escalões do governo.

Reconhecer que caberá aos deputados e senadores aprovar ou não a reforma, além de redundante, deixa a impressão de que para ele, Guedes, não fará grande diferença, porque hoje ele é ministro, mas amanhã poderá não ser, e só quem perderá de verdade será o país.

Um dos garotos do capitão, Flávio Bolsonaro, viajou com o pai a Israel. O outro, Carlos, é vereador no Rio, e por lá estava ontem. O deputado federal Eduardo Bolsonaro poderia ter comparecido à sessão da Comissão para dar uma força a Guedes. Não o fez.

De que adianta o PSL de Bolsonaro ser dono da segunda maior bancada da Câmara (a primeira é do PT) se não é capaz de dar cobertura ao principal ministro do governo na hora em que ele mais precisa? Mas não deu. Largou-o às feras.

De Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil e um dos articuladores políticos do governo, Guedes ganhou um abraço à chegada, e foi só. O outro articulador, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria do Governo, não é de frequentar o Congresso.

Se não mudar de ideia, se não preferir ir ao cinema com a mulher, ou à reza com amigos, Bolsonaro deverá a partir de hoje reunir-se com líderes de partidos para conversar sobre a reforma. Os líderes irão ao seu encontro para ouvir o que ele tem a dizer.

Não lhe darão a chance de se queixar mais tarde de que ouviu pedidos de empregos ou de outras sinecuras. Não lhe prometerão os votos dos seus partidos para aprovar a reforma. Não confiam nele, nem em sua eventual disposição para compartilhar o poder.

Se Bolsonaro, que carece de votos para aprovar a reforma, hoje procede tão mal com os partidos, por que procederá melhor mais tarde quando já não mais precisar deles? A reforma da Previdência possível de ser aprovada ficará muito aquém do que a imaginada.

Deverá ser suficiente para que o país atravesse sem maiores convulsões os próximos trepidantes anos do governo do capitão, e só. Tudo recomeçará depois da eleição de 2022.

Ladeira a baixo

Bolsonaro não liga
Os primeiros números de pesquisas que ainda não foram fechadas chegaram ao conhecimento de algumas cabeças coroadas da República, e eles não são nada bons para o capitão e o governo.

Bolsonaro já foi informado a respeito, mas não deu bola. Disse que não confia em pesquisas e, que se confiasse, não teria sido eleito. Confia no seu taco – e na resposta das redes sociais.


Ricardo Noblat: Em busca do passado perfeito

O medo do futuro

O que a viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel tem em comum com a celebração do aniversário do golpe militar de 64 que ele insiste em dizer que não foi um golpe, mas uma revolução?

Uma palavra responde: retropia. Que significa uma volta ao passado mistificado. A utopia é um lugar inexistente, perfeito. A retropia é um passado perfeito ou quase, e que jamais existiu.

Zygmunt Bauman, filósofo polonês, filho de pais judeus, que viveu os horrores da 2ª Guerra Mundial, destacou-se pelo estudo da retropia e de suas causas. Ele a explica assim:

“O futuro, outrora a aposta segura para o investimento de esperanças, tem cada vez mais sabor de perigos indescritíveis. Então, a esperança, desprovida de futuro, procura abrigo num passado outrora ridicularizado e condenado, morada de equívocos e superstições”.

Bolsonaro foi a Israel para agradar os evangélicos que o apoiam. Parte deles acredita no mito de que cristãos e judeus se unirão um dia. Quando isso acontecer, Jesus voltará para salvar os convertidos.

Uma revolução democrática ao invés de um golpe que deu origem a uma ditadura que torturou e matou, é também um mito que agrada os militares, aliados de Bolsonaro, e a ele mesmo.

É retorno a um passado que se quer reescrever e idealizar para se contrapor a um presente indesejável e a um futuro que se teme. Não se lava dinheiro? Lava-se também o passado.

Daí porque menino deve vestir azul, e menina rosa. Cabe à mulher ser bonita, limpinha e cuidar da casa e dos filhos, e ao homem prover o sustento da família. Salário igual para os dois? Não.

Todo o mal deve ser atribuído aos que pensam e procedem de maneira inversa. O nazismo foi um mal? O nazismo, portanto, foi um movimento de esquerda, e a esquerda deve ser dizimada.

Globalismo tem a ver com comunismo. Resgate-se, pois, a ideia de Estados fortes. A imprensa é coisa do demônio, que é vermelho. As redes sociais são o paraíso e, ali, se travará o bom combate.

Brasil acima de tudo. Deus acima de todos – e estamos conversados.

General corrige o capitão

E chama guru de “personalidade histérica”
Sempre que o presidente Jair Bolsonaro dispara idiotices ou faz afirmações temerárias, um dos generais do seu governo é destacado para reparar o estrago.

Desta vez foi o general Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo. Ele negou que o regime instaurado no país em 1964 foi um golpe de Estado, mas reconheceu que deu origem a uma ditadura.

“Foi uma ditadura com algumas características. Nem todas são iguais”, disse em entrevista, ontem, à GloboNews, na contramão do que repete Bolsonaro desde que foi obrigado a deixar o Exército.

Santos Cruz virou o alvo preferencial das críticas feitas aos militares no Twitter pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru de Bolsonaro, dos seus filhos e de legiões de energúmenos.

“É necessário tomar muito cuidado quando se está lidando com uma personalidade histérica”, comentou o general. Que defendeu a negociação com os partidos para aprovar a reforma da Previdência.

De Israel, Bolsonaro mandou dizer que na volta ao país reservará meio expediente por dia para receber deputados e senadores que queiram conversar com ele.

Faria bem se desse um chega para lá no seu guru. Os militares não o suportam. E já não aguentam mais ser ofendidos por ele.

Pergunta ao capitão

Tempo desperdiçado
Com quase 100 dias de governo, quando o capitão Jair Messias Bolsonaro começará a governar?

Por ora, ele só atrapalha, tuíta, alimenta falsas polêmicas e passeia para aqui e acolá.


Ricardo Noblat: Meninos, eu vi!

Resistir é preciso

Sem entender direito o significado da cena, vi uma tropa do Exército cercar o Palácio do Campo das Princesas, no Recife, para depor e prender o governador Miguel Arraes na tarde do dia 31 de março de 1964. Eu tinha apenas 15 anos de idade e era aluno do Colégio Salesiano.

Quatro anos depois, vi 300 soldados da Força Pública de São Paulo prenderem pouco mais de setecentos jovens reunidos em um sítio ermo de Ibiúna durante mais um congresso da proscrita União Nacional dos Estudantes. Eu estava entre eles na condição de aluno do curso de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco. Chovia muito e fazia frio.

Como repórter da revista “Manchete”, vi o líder comunista Gregório Bezerra ser libertado no Recife no dia seis de setembro de 1969 para ser trocado pelo embaixador norte-americano sequestrado no Rio de Janeiro. Gregório e mais 15 presos políticos foram deportados para o México. No mesmo dia fui preso. O embaixador foi solto no dia seguinte.

Vi ser preso em 1981 o líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva. Ele foi trancafiado em uma sala do DOPS paulista onde 13 anos antes eu fora interrogado e fichado como subversivo. Escrevi sobre a prisão de Lula já como editor assistente da revista “Veja”. E um ano mais tarde, cobri seu julgamento na Auditoria Militar.

Ainda estava na “Veja” quando o último general-presidente do ciclo de 64, João Figueiredo, acovardou-se diante do terrorismo de direita que tentava minar o processo de abertura política do país. Mas foi como chefe de Redação do “Jornal do Brasil” em Brasília que o vi abandonar o Palácio do Planalto pelas portas dos fundos.

Assustei-me ao saber na noite de 14 de março de 1985 que o primeiro presidente civil eleito pelo Congresso, Tancredo Neves, baixara ao hospital a doze horas de tomar posse. Sete vezes operado em menos de um mês, morreu sem ter governado um único dia. Velei seu corpo na madrugada mais triste da história do Palácio do Planalto. E no dia seguinte o segui para o enterro em São João Del Rey.

No final de fevereiro de 1986, testemunhei o entusiasmo das pessoas convocadas por um político de direita, o presidente José Sarney, para vigiar o congelamento de preços lacrando, se necessário fosse, supermercados, e dando voz de prisão a gerentes. Estava no Rio um ano depois no dia em que Sarney foi ali vaiado e apedrejado porque seu plano econômico fracassara.

Assisti ao espetáculo do crescimento de Fernando Collor nos corações e mentes dos brasileiros. Escrevi algumas dezenas de vezes no “Jornal do Brasil” que ele era uma fraude e um perigo para a incipiente democracia do país. Não vi seu governo agonizar e morrer porque trabalhava em Angola no intervalo de uma das mais cruéis guerras do mundo. Fora demitido do jornal cinco dias depois que Collor se elegeu.

Em 1994, vi uma preciosa fonte de informações que sempre cultivara virar presidente da República e deixar de ser fonte. Nem por isso Fernando Henrique Cardoso se tornou refratário a jornalistas. Meus oito anos como Diretor de Redação do “Correio Braziliense” coincidiram com os oito dele como presidente. Ele perdeu o emprego dois meses depois que perdi o meu.

Da Bahia, como Diretor de Redação do jornal “A Tarde”, acompanhei à distância a estreia na função de presidente da República do ex-líder metalúrgico que um dia eu vira preso no DOPS a fumar, nervoso, um cigarro atrás do outro. Voltei a Brasília depois de 11 meses interessado em não perder um único lance da experiência de um governo eleito pela esquerda governar pela direita. E eu que pensava que já vira tudo!

Ainda veria Lula eleger e reeleger sua sucessora, Dilma Rousseff; Dilma acabar cassada pelo Congresso antes de concluir o segundo mandato; seu vice, Michel Temer, assumir o cargo e escapar de duas denúncias de corrupção para só mais tarde ser preso e solto quatro dias depois; Lula mofar numa cela de Curitiba condenado por corrupção e impedido de se candidatar a presidente pela sexta vez; e por fim, ou por ora, um capitão tosco chegar à presidência da República cercado por militares.

Vi o eclipse da liberdade que durou 21 anos. Vi a democracia ser finalmente restaurada. Faço votos para que ela resista aos anos que estão por vir.

A verdade de cada um

Fatos são fatos
A verdade do deputado Eduardo Bolsonaro ensina que não houve golpe militar em março de 1964. E que a ascensão ao poder do marechal Castelo Branco, o primeiro presidente da ditadura, equivale à eleição 21 anos depois do presidente Tancredo Neves.

A verdade do embaixador Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores indicado pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, dá conta de que o nazismo na Alemanha de Hitler foi um movimento que nasceu na esquerda e que por ela alimentado.

Não percamos tempo com a idiotice de Araújo. Centenas de livros já foram publicados sobre o nazismo, e eles são unânimes em afirmar que o regime responsável pela dizimação de 6 milhões de judeus nasceu do ventre da direita. Fatos são fatos, goste-se deles ou não.

O que escreveu, ontem, no Twitter o garoto Bolsonaro é Fake News. Salvo publicações sob o selo das Forças Armadas, não há um único livro digno de respeito que defenda a ideia de que o golpe de 64 não foi golpe, mas uma revolução democrática.

Quando compara as eleições pelo Congresso de Castelo Branco e de Tancredo Neves, Eduardo o faz para dizer que ambos chegaram ao poder pelo mesmo meio legítimo, o consentimento dos parlamentares. E nas mesmas condições. Mentira!

O Congresso que elegeu Castelo estava sob a ameaça de sofrer uma intervenção militar. Àquela altura, adversários do novo regime haviam sido presos e até mortos. Foi um Congresso emasculado que elegeu Castelo na esperança de livrar-se em breve da tutela militar.

Em janeiro de 1985, com a ditadura fazendo água por todos os lados e comandada por um general que sairia do Palácio do Planalto pelas portas dos fundos, foi um Congresso rebelado que elegeu Tancredo para restaurar a democracia no país.

A tarefa coube a José Sarney, o vice de Tancredo, porque o presidente eleito não tomou posse. Operado sete vezes, morreu. Foi vítima de sua própria falta de cuidado com a saúde e de sucessivos erros médicos. Seu corpo subiu dentro do caixão a rampa do Palácio do Planalto.

Eduardo não sabe de nada, só o que aprendeu com seu pai, com o guru Olavo e nas rodas da direita. Por ignorância, o mais provável é que de fato acredite no que escreveu para delírio de devotos do capitão igualmente ignorantes e pouco afeitos ao estudo.

Parte dos devotos ainda imagina que a Terra é plana e que o Sol só nasce para os eleitos por Deus.


Ricardo Noblat: Tiro em Bolsonaro

O grito de independência do Congresso

Poucas vezes se viu algo parecido com o que aconteceu ontem à noite na Câmara dos Deputados. Foi a maior traulitada que um governo levou em poucas horas, e por esmagadora maioria de votos.

Uma vez que o presidente Jair Bolsonaro se recusa a ir atrás de apoio para aprovar os principais projetos do seu governo, a Câmara deu-lhe o troco – e que troco.

Primeiro por 448 votos a 3, e depois por 453 a 6, a Câmara aprovou em dois turnos a proposta de emenda à Constituição que torna impositivo o Orçamento da União.

Pelos próximos quatro anos o governo ficará obrigado a executar o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias com uma estreita margem de manobra.

Os parlamentares elevaram o percentual de suas emendas ao Orçamento de 0,65 da receita corrente líquida para 1%. Emendas apresentadas por bancadas estaduais deverão ser cumpridas.

Tudo na contramão do que desejava o governo, especialmente o ministro Paulo Guedes, da Economia. Ele queria um Orçamento sem tantas amarras, de modo a que pudesse remanejar despesas.

A decisão da Câmara foi uma resposta aos ataques sofridos pelo presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia virou o alvo preferido de Bolsonaro e dos seus garotos nas redes sociais.

O atrito entre eles se deveu ao fato de Bolsonaro ter lavado as mãos quanto ao futuro da reforma da Previdência Social. Maia retaliou declinando da posição de articulador da aprovação da reforma.

O Congresso aprovará, sim, a reforma, mas necessariamente o texto para ali despachado pelo governo. Quer pôr suas impressões digitais na reforma. E, doravante, em tudo mais que o governo lhe proponha.

O Orçamento impositivo aprovado na Câmara será votado em seguida pelo Senado. Só depois entrará em vigor. Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, disse que ali ele também será aprovado.

Bolsonaro poderá vetar no todo ou em parte o que receber do Congresso. Mas o Congresso poderá derrubar o veto de Bolsonaro, impondo sua própria vontade.

Por que o capitão foi ao cinema

O poder é inebriante
O ex-presidente Bill Clinton, que escapou por pouco de perder o cargo de presidente dos Estados Unidos, justificou assim seu envolvimento sexual com Monica Lewinski, estagiária da Casa Branca:

– Fiz porque podia.

Clinton explicou arrependido: seu cargo lhe conferia tantos poderes, mas tantos poderes que ele se deixou encantar por eles, pensou que tudo lhe seria permitido e quase foi ao chão.

Por que o presidente Jair Bolsonaro matou, ontem, parte do expediente da manhã no Palácio do Planalto para ir ao cinema com sua mulher, Michelle?
Ora, simplesmente porque deve ter avaliado que podia fazer isso. Podia por ser quem é, o presidente da República recém-eleito e autor da proeza de ter varrido a esquerda do poder depois de 13 anos.

Não se deu conta que é justamente dele como presidente que se espera o melhor exemplo. E que é sua obrigação dar o melhor exemplo, seja pelo bem do país, seja pelo seu próprio bem.

Se o servidor público número 1 é capaz de faltar ao trabalho para ir ao cinema com a patroa, os demais servidores deverão se sentir à vontade para fazer a mesmo, e também sem o risco de ser punidos.

Tivesse sido esse o único passo em falso dado por Bolsonaro em menos de 90 dias no cargo, a reclamação poderia soar excessiva. Mas não. A cada dia ele dá mais um.