Blog do Noblat

Ricardo Noblat: A João Doria o que é dele

Troca de gerações
Menos à esquerda para em 2022 disputar o voto conservador com o presidente Jair Bolsonaro caso ele tente se reeleger, ou com o candidato apoiado por ele.

Mas não muito à direita para evitar que o eleitor de Bolsonaro acabe pensando assim: ora, se é para trocar seis por meia dúzia, ficarei então com o que já conheço.

Essa é a pretensão do PSDB que emergiu, ontem, da convenção que elegeu seu novo presidente, o ex-deputado federal por Pernambuco Bruno Araújo, apoiado pelo governador João Doria, de São Paulo.

Foi uma eleição de um só candidato. Bem que os velhos caciques do partido tentaram formar uma chapa para enfrentá-lo, mas não conseguiram. A convenção marcou uma troca de gerações.

Saíram de cena nomes tradicionais do PSDB – o ex-presidente Fernando Henrique que nem apareceu por lá, o ex-governador Geraldo Alckmin (SP) e o senador José Serra (SP) que apareceram.

Entraram Dória e os seus garotos. O deputado federal Aécio Neves ainda conseguiu emplacar alguém da sua turma na primeira vice-presidência. Mas foi também Dória que emplacou o tesoureiro.

O sonho do governador de São Paulo é atrair para suas bandas o DEM do deputado Rodrigo Maia e do prefeito de Salvador ACM Neto, assim como o PSD do ex-ministro Gilberto Kassab.

Tentará atrair também algumas siglas que hoje fazem parte do chamado Centrão, como o PP do senador Ciro Nogueira (PI). “O PSDB é um partido de centro”, reafirmou seu novo presidente.

Como tal, não se alinhará ao governo Bolsonaro. Mas poderá compartilhar com ele ideias comuns, tais como a reforma da Previdência e a privatização de mais empresas estatais.

Coube a Alckmin bater em Bolsonaro. E ele surpreendeu pela contundência. Chamou Bolsonaro de “oportunista” e disse que o bolsonarismo não passa de uma “grande mentira”.

Dória foi mais ameno nas críticas a Bolsonaro. “Continuo entendendo que o PSDB não deve fazer este alinhamento [com o governo], mas deve apoiar as boas iniciativas para o país”, disse.

A próxima sucessão presidencial ensaia seus primeiros passos.

Toffoli x Toffoli

Juiz não pode ter vontade
Em palestra, ontem, na Federação da Indústria do Estado de São Paulo, o ministro José Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, ensinou o que ele parece ter esquecido.

A respeito da isenção, atributo obrigatório para quem usa toga, ele disse que onde se faz justiça não há “lugar para paixões, ideologias e vontades”. E repetiu enfático para que não restasse dúvida:

– Juiz não pode ter vontade. Se tiver vontades, sai da magistratura, vai para política, para movimentos associativos, vai para o Executivo, vai ser candidato.

A levar em conta o que ensinou, Toffoli deve estar pronto para abandonar a má ideia que teve de sugerir um pacto dos três poderes da República destinado a tirar o Brasil da crise.

Ninguém ficou mais eufórico com a ideia de Toffoli do que o presidente Jair Bolsonaro. E com razão. Logo Bolsonaro afirmou que era bom ter a justiça ao seu lado, ao lado do certo, do razoável.

Governo e Congresso podem se entender em torno do que quiser. Como lhe cabe examinar os atos dos demais poderes à luz da Constituição, a Justiça não pode meter-se em pactos. Ponto final.


Ricardo Noblat: Surdo de um ouvido

Pacto para salvar o governo

Por aqui, mas não só, governo em dificuldades costuma defender um pacto nacional para que possa tirar o país do buraco. Veja bem: não é para que ele, governo, saia do buraco, mas para que saia o país encalacrado por isso, por aquilo outro ou por um monte de coisas.

Há vezes em que os convocados para o pacto simplesmente dizem não – a história do Brasil está pontilhada de exemplos. Há outras em que dizem sim só para não serem acusados de radicais, intransigentes, refratários ao diálogo. Mas o pacto em nada resulta.

Esta manhã, em Brasília, a convite do presidente Jair Bolsonaro, os presidentes da Câmara e do Supremo Tribunal Federal, respectivamente Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Dias Toffoli, se reunirão para discutir um pacto entre os três poderes. Improvável que dê certo.

Como poderá dar certo se o anfitrião preside o país há cinco meses sem dispor sequer de um programa de governo? Se a cada semana surpreende os brasileiros com ideias sem pé nem cabeça que ele logo abandona ao primeiro sinal de inconsistência ou de encrenca?

De fato, a Bolsonaro não interessa pacto, acordo, entendimento, nem mesmo com os que o cercam de perto (alô, alô, Paulo Guedes, Sérgio Moro e os militares empregados no governo: não é verdade?). Interessa rendição às suas vontades. Rendição. E ponto final.

Foi por isso que estimulou os devotos a saírem às ruas em sua defesa no último domingo. Seu propósito era emparedar o Congresso e a Justiça. Ante o perigo de ser processado por crime de responsabilidade, pediu moderação aos manifestantes. O estrago, porém, já estava feito.

De lá para cá, Bolsonaro trava a batalha para lacrar seus adversários com o discurso de que se fortaleceu politicamente. Mas como, se as manifestações foram bem menores do que as protagonizadas dias antes pelos estudantes contra o corte de verbas para Educação?

Mas como, se as ruas só juntaram os chamados bolsonaristas de raiz ainda dispostos a ir para o céu ou o inferno na companhia do Messias? Mas como, se ele já perdeu até mesmo a confiança dos poderosos que preferiram fechar os olhos ao seu despreparo? Agora, abriram.

O café do pacto se dará depois que um Bolsonaro aparentemente sensato e convertido à democracia pregou que o povo nas ruas deve ser escutado. Que povo? Os chamados por ele de patriotas? Ou também os estudantes chamados por ele que de “idiotas úteis”?

Bolsonaro se elegeu com 58 milhões de votos. Fernando Haddad (PT) perdeu com 47 milhões. Onze milhões de pessoas se negaram a votar tanto num quanto no outro. No seu discurso de posse, Bolsonaro prometeu que governaria para todos os brasileiros. Era sua obrigação.

Não governa nem mesmo para todos os que o elegeram. Governasse e não estaria sangrando nas pesquisas, nem apelando para ilusórios instrumentos testados e reprovados em tempos passados. É o caso do pacto pela salvação do país. Ou melhor: pela salvação do governo.

Garoto em baixa

O que uma foto pode contar
Observe com cuidado a foto acima. O que mais chama sua atenção? Ela foi tirada no último domingo depois do casamento do deputado federal Eduardo Bolsonaro com Heloísa Wolf em um condomínio do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro.

Fotos como essa são tradicionais. Elas reúnem os recém-casados e seus parentes mais próximos. E todos posam sorridentes, felizes. Da esquerda para a direita, o casal Flávio, Michele e Jair Bolsonaro, Eduardo e Heloísa, e Carlos. À frente deles, as daminhas de honra.

E aí? Não, o que mais chama atenção na foto não é a ausência da mãe de Eduardo, de quem o presidente Bolsonaro separou-se há muito tempo. Nem o vestido decotado da mulher do senador Flávio. Nem a elegância desleixada de Carlos, na ponta direita.

Bingo! Acertou quem notou que Carlos é o único adulto da foto que não sorri. Está de cara amarrada como não se sentisse à vontade na cena. Não, nada a ver com o fato de não ter par como os demais. Tudo a ver com a situação incômoda que atravessa no seio da família.

Carlos perdeu o protagonismo que sempre teve entre os garotos do capitão desde que o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, queixou-se dele e do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho em conversa recente com Bolsonaro.

Villas Bôas disse a Bolsonaro que ele poderia perder o apoio da caserna se não pusesse fim aos ataques de Carlos e de Olavo contra os generais empregados no governo. Bolsonaro levou a sério a advertência. Os ataques nas redes sociais foram suspensos.

Olavo passou recibo e anunciou no Twitter que não bateria mais nos fardados. Carlos retraiu-se, e retraído está, desgostoso, aborrecido. Como dono das senhas do pai, posta uma coisa aqui, outra ali, mas evita entrar em bola dividida. Até quando? Quem sabe?

No momento, junto ao pai presidente, o garoto de bola cheia é Eduardo. Flávio está lá com seus rolos sendo investigados pelo Ministério Público do Rio.


Ricardo Noblat: E agora, Jair?

Vai fazer o quê?

Foi uma manifestação fake, a de ontem. Simples de demonstrar. O que disseram a propósito os seus organizadores? E o que disse à noite o presidente Jair Bolsonaro em uma entrevista chapa branca à Rede Record de Televisão?

Organizadores e Bolsonaro disseram que milhares de pessoas foram às ruas de mais de 150 cidades para cobrar a aprovação da reforma da Previdência, do pacote anticrimes do ex-juiz Sérgio Moro, e renovar seu apoio ao governo.

Fosse verdade, não teria havido espaço para bonecos gigantes que ridicularizaram o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Afinal, ninguém mais do que Maia batalha pela aprovação da reforma. E isso todos reconhecem.

Bolsonaro, não, só finge apoiá-la. Faz as declarações de praxe. E vez por outra fraqueja, deixando às claras seu raso compromisso com ela. O ministro Paulo Guedes, o autor da proposta de reforma, até ameaçou ir embora porque o presidente mais atrapalha do que ajuda.

O mercado financeiro dá por seguro que a reforma passará no Congresso e em tempo razoável. Então por que milhares de brasileiros trocariam a praia e o descanso do domingo para suarem a sol a pino em defesa de uma reforma que não inspiraria tantos cuidados?

De resto, em que lugar do mundo multidões se reuniriam alegres e ruidosas para comemorar a supressão de direitos conquistados e menos dinheiro no bolso? Ora, por toda parte, reforma da Previdência é sinônimo de confusão e de gente zangada nas ruas.

É fato que a violência por aqui ultrapassou o limite do tolerável. E que o Congresso faz restrições ao pacote de medidas desembrulhado por Moro. Mas isso está longe de significar que o pacote irá para o lixo. Convenhamos: cabe ao Congresso aperfeiçoá-lo, não o engolir a seco.

E aqui mora o busílis: na verdade, Bolsonaro e seus devotos querem que o Congresso apenas referende os projetos para ali enviados pelo governo. E que a Justiça se comporte como um poder amigável, dócil às suas vontades, e garantidor de suas iniciativas.

Assim, começa a fazer sentido o que se viu e se ouviu, ontem, nas ruas – os bonecos de Maia, faixas e cartazes com duras críticas aos políticos e aos ministros do Supremo Tribunal Federal, palavras de ordem que exaltavam o Mito, o Messias, o presidente, ou simplesmente Jair.

Sem financiamento empresarial, sem incentivo de partidos ou dos movimentos sociais organizados, a estudantada surpreendeu o governo e todo mundo no último dia 15 ocupando as ruas de 220 cidades para protestar contra o corte de verbas para a Educação.

Bolsonaro chamou os jovens de “idiotas úteis”. Pois os “idiotas úteis” obrigaram o governo a devolver parte do dinheiro cortado. Usados por Bolsonaro como massa de manobra contra o Congresso e a Justiça, os “patriotas” do dia 26 não terão o que celebrar.

Congresso e Justiça não recuarão um passo de suas posições. Darão um tempo para só depois retaliar o governo. Conforme-se Bolsonaro com as regras da democracia. Ou então peça para sair.


Gaudêncio Torquato: Os enviados de Deus

Governantes que precisam apelar

Muitos governantes invocam o nome de Deus como escudo, registra a história. Em seu reinado, o ditador Franco, “caudillo da Espanha pela Graça de Deus” referia-se sempre à Providência Divina: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos”. A fascista Falange Espanhola o declarou “responsável perante Deus e a história”.

Monarcas justificam tudo pelo direito divino, independentemente da vontade dos súditos. Hassan II, no Marrocos, se declarava descendente do profeta Maomé: “Não é a Hassan II que se venera, mas ao herdeiro de uma linhagem dos descendentes do profeta Maomé”.

Hirohito, imperador do Japão de 1926 a 1989, era visto como divindade. Criou uma aura, distante da população que viveu guerras e mortes. Vestia-se como um “imperador divino e perfeito”, descendente da deusa do sol, Amaterasu.

O ditador Idi Amin Dada, de Uganda, garantia ao povo que conversava com Deus em sonhos, espécie de aval aos seus atos. Um dia perguntaram: “o senhor conversa com frequência com Deus”? Ele: “Sempre que necessário”. Já em Gana, os eleitores cantavam assim a figura de Nkrumah: “o infalível, o nosso chefe, o nosso Messias, o imortal”.

Aqui se eleva aos céus a figura de Jair Bolsonaro. A quem um pastor evangélico do Congo, Steve Kunda, assim se refere: “Na história da bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo, o imperador da Pérsia, Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de Isaías: ‘Eu escolho meu sérvio Ciro’. E o senhor Bolsonaro é o Ciro do Brasil”.

O nosso Messias jogou o vídeo nas redes sociais. E entoou: “Brasil acima de tudo; Deus acima de todos”.

Para reforçar, o bispo Edir Macedo pede que Deus ‘remova’ quem se opõe a Bolsonaro, acusando políticos de tentarem “impedir o presidente de fazer um excelente governo”.

O fato é que os governantes em países atrasados culturalmente e até desenvolvidos organizam seu próprio culto. Querem a imprensa cultivando sua imagem de herói, Salvador da Pátria, Super-Homem, Pai dos Pobres, Enviado dos Céus. Nietsche já alertava contra tal esperteza: “o super-homem destrói os ídolos, ornando-se com seus atributos. A apoteose da aventura humana é a glorificação do homem-Deus”.

Essa mania do parentesco com Deus ressurge na onda direitista e populista que se espraia pelo planeta, incluindo Hungria, Polônia, Áustria, Itália, Suíça, Noruega, Dinamarca, Filipinas, Turquia e, claro, os Estados Unidos de Donald Trump.

Esses governantes assumem comportamento autoritário, criam estruturas próprias de comunicação, formam alas sociais amigas e inimigas, fustigam a imprensa. Tentam impedir a mídia tradicional de cumprir sua missão de apurar os fatos, vigiar e cobrar dos poderes públicos.

Cortam investimentos publicitários, extinguem empregos e investem no “achismo” das redes sociais. Os efeitos brotam: perda de credibilidade na informação; formação de exércitos na guerra da contrainformação; apartheid social.

No meio do turbilhão, Jair ataca a imprensa e os políticos e, quem sabe, pensa subir ao trono das divindades. Já tem até identidade: afinal, Messias é seu sobrenome.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político


Ricardo Noblat: Bolsonaro nada aprendeu, mas nada esqueceu

Amanhã será outro dia

Dê no que der as manifestações bolsonaristas marcadas para hoje, o Congresso não se deixará abater por elas. Muito menos o Supremo Tribunal Federal, alvos preferenciais dos que desejam governar com braço forte e a salvo das restrições próprias da democracia.

O presidente Jair Bolsonaro pode contar com muito apoio nas redes sociais que o ajudaram a se eleger, mas não foram elas que mais pesaram para o milagre registrado em outubro último. Pesou o efeito facada. E pesou, e muito, a rejeição ao PT e ao seu chefe preso.

As pesquisas de avaliação do governo feitas de janeiro passado para cá mostram que uma parte dos eleitores de Bolsonaro começa a debandar de suas fileiras. Cresce o número daqueles que o culpam pela desalentadora situação econômica do país que só faz se agravar.

Os donos do dinheiro querem as reformas, mas já concluíram que elas dependem pouco de um governo amador, estabanado, sem projeto para o país, e que aposta invariavelmente em conflitos. Elas dependem do Congresso onde o governo carece de maioria.

A parte mais poderosa e influente da mídia é hostil a um governo que lhe devota desprezo e que só deseja manietá-la. Não há sinais no horizonte de que Bolsonaro planeje se reinventar, convertendo-se em um presidente normal e capaz de compartilhar o poder.

Se ele pensa que o eventual fracasso do seu governo causará uma convulsão social que se reverterá ao seu favor, arrisca-se a se frustrar ou a colher um impeachment. Dilma não caiu por causa das pedaladas fiscais, mas porque perdeu as condições para governar.

No parlamentarismo, um governo fracassado é substituído por um governo novo. E segue a vida. No presidencialismo, troca-se de presidente em meio a uma crise de grandes proporções. Dois foram embora assim (Collor e Dilma). Quase foi embora outro (Temer).

Foi Bolsonaro que acendeu o pavio para animar seus seguidores a saírem às ruas em seu socorro. Procedeu como de costume – compartilhando um texto apócrifo nas redes sociais que dizia que o país é ingovernável com o Congresso e a Justiça que tem.

Não se deu conta de que por causa disso poderia ser alvo de um processo de impeachment. É crime de responsabilidade, segundo a Constituição, atentar contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados.

Alertado por assessores, recuou. Passou a dizer que não haveria lugar nas manifestações para os que defendem o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal – é só o que se verá a partir de logo mais. Se antes cogitara de ir para as ruas, desistiu.

Amanhã será outro dia. E os desafios de um governo sem rumo e movido a crises continuarão do mesmo tamanho que têm hoje, se não maiores.


Ricardo Noblat: Ele não sabe o que faz, nem o que diz

Recuo tático

É injusto exigir do ministro da Educação que entenda, por exemplo, de… Educação. E não só porque ele foi um estudante medíocre de contabilidade e um professor opaco.

É injusto porque a maioria dos brasileiros elegeu presidente da República um ex-capitão que entrou para a história do Exército por indisciplina e comportamento antiético.

Que depois como deputado federal limitou-se a fazer parte durante 28 anos do desprestigiado baixo clero da Câmara. E que há cinco meses dá repetidas demonstrações de que não sabe governar.

O ministro Paulo Guedes, da Economia, foi obrigado, ontem, a corrigir Bolsonaro – desta vez porque em cerimônia pública ele deixou claro que não entendeu até hoje a proposta de reforma da Previdência.

Bolsonaro também foi convencido por Guedes a recuar da força que havia dado às manifestações de rua marcadas para o próximo domingo contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

Guedes alegou que era uma insensatez. O eventual sucesso do movimento só servirá para dificultar no Congresso a aprovação da reforma, disse ele ao presidente.

O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, saiu em reforço a Guedes. Acertou-se com os principais partidos para aprovar a Medida Provisória que deu nova estrutura administrativa ao governo.

Tem muita gente trabalhando com discrição para desidratar as manifestações dos devotos de Bolsonaro. Ou melhor: da ala mais ideológica dos devotos de Bolsonaro.

A essa altura, quem poderia ganhar com a tentativa dos desvairados de acirrar os ânimos entre os três poderes da República, de emparedar o Legislativo e o Judiciário acusados de não cooperar com o governo?

Os garotos do capitão continuam acreditando que seu pai sairia ganhando. Bolsonaro até pensa como eles. Mas no momento parece carecer de chão ou de coragem para ir adiante.

Ainda dispõe de muito tempo para voltar à ofensiva contra os que não se curvam às suas vontades.

O capitão é uma mãe!

Aos filhos tudo
Sobre Jair Bolsonaro pode-se dizer muita coisa – menos que seja um pai descuidado. Ainda com cinco anos de idade, os garotos aprenderam com ele a segurar um revólver. Antes dos 10 anos já sabiam atirar.

Adultos, ganharam do pai um mandato – Flávio, de deputado estadual, Carlos, de vereador, Eduardo de deputado federal. Nas eleições passadas, Eduardo renovou seu mandato graças ao pai, e Flávio acabou promovido a senador.

Carlos espera ganhar de presente no próximo ano a prefeitura do Rio, mas isso ainda não é certo.

Como presidente da República, Bolsonaro descobriu outra maneira de mimar os filhos: condecorá-los. Os garotos, mas não só eles dão muita importância a esse tipo de presente. Serve para enriquecer seus currículos e distingui-los aos olhos dos admiradores.

Em menos de um mês, Flávio (o Zero Um) e Eduardo (o Zero Três) já foram condecorados duas vezes.

A primeira com a medalha da Ordem do Rio Branco, conferida pelo Ministério das Relações Exteriores a quem, “por qualquer motivo ou benemerência, se tenha tornado merecedor do reconhecimento do governo brasileiro, servindo para estimular a prática de ações e feitos dignos de honrosa menção, bem como para distinguir serviços meritórios e virtudes cívicas”.

A segunda vez com a Ordem do Mérito Naval, destinada a agraciar “militares da Marinha que se tenham distinguido no exercício de sua profissão e, excepcionalmente, corporações militares e instituições civis, nacionais e estrangeiras, suas bandeiras ou estandartes, assim como personalidades civis e militares, brasileiras ou estrangeiras, que houverem prestado relevantes serviços à Marinha”.

Não seria o caso de pelo menos o governo informar que “serviços meritórios” os garotos prestaram ao Ministério das Relações Exteriores, e os “relevantes serviços” prestados à Marinha? É para não dar margem a suspeita de que foram amedalhados só por serem filhos de quem são.


Ricardo Noblat: E se fosse Lula a chamar o povo às ruas contra o Congresso e a Justiça?

Só um cego não vê o que se desenha

Imagine que o presidente da República fosse Lula. E que, sentindo-se fraco, ele admitisse participar de manifestações de ruas convocadas por seus devotos para apoiá-lo e protestar contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal que o estariam impedindo de governar.

A essa altura, o que os adversários de Lula diriam? No mínimo, que ele quer emparedar os demais poderes da República jogando o povo contra eles. No extremo, que Lula trama um golpe para acabar com a democracia e governar sozinho.

E se os ministros que cercassem Lula em Brasília fossem generais da reserva? E se os comandantes militares calados estivessem e assim permanecessem? A propósito: ameaçada pelo impeachment, Dilma quis decretar o Estado de Emergência. Os militares disseram não.

No ano passado, ao sinal de que Lula poderia ser solto, Eduardo Villas-Bôas, comandante do Exército, postou uma mensagem no Twitter ameaçando o Supremo. Lula segue preso. Villas-Bôas despacha no Planalto. Sérgio Moro, no Ministério da Justiça.

Ou falta inteligência política ao presidente Jair Bolsonaro, ou ele é louco, ou, como disse o ex-presidente José Sarney em entrevista no último fim de semana ao jornal “Correio Braziliense”, Bolsonaro está “no olho de um furacão e joga todas as suas cartas no caos”.

De Sarney se poderá dizer tudo, menos que lhe falte experiência aos 89 anos de idade, 52 dos quais vividos como deputado e senador, fora os quatro anos como governador do Maranhão e os cinco como presidente da República. Já viu tudo que gostaria ou não de ter visto.

O furacão ao qual Sarney se refere foi provocado por Bolsonaro que não governa, que só se aplica em desatar crises, quase uma por semana. A um presidente responsável e bem-intencionado caberia desinflar crises e debelar furacões criados à sua revelia.

Bolsonaro passou 28 longos anos na Câmara dos Deputados e está cabalmente demonstrado até aqui que nada aprendeu. Eleito presidente por “milagre” como ele mesmo reconhece, não se preparou para tal, e não parece interessado em preparar-se. Mas de golpe entende.

Defendeu o golpe de 64. Defendeu a ditadura militar que se arrastou por 21 tenebrosos anos. Defendeu a tortura de opositores do regime. Lamentou que a ditadura tenha matado menos gente do que mata o carnaval. Jamais se penitenciou por ter dito todas essas infâmias.

Mesmo que acabe convencido por seus generais de pijama de que não deve comparecer às manifestações marcadas para o próximo domingo, só ter cogitado de ir é uma prova de sua insanidade ou de sua disposição por ora reprimida de forçar uma ruptura institucional.

De resto, terá estimulado seus seguidores a ocuparem as ruas em sua defesa e em ataque ao Congresso e à Justiça. Por sinal, foi o que fez ontem ao compartilhar no WhatsApp um texto favorável às manifestações e ao dizer que o problema do Brasil “é a classe política”.

Só não enxerga o que se desenha no horizonte quem é cego ou se recusa a ver.

O partido de Bolsonaro

Direita volver
Nas contas dos que dispõem de boas fontes de informação na caserna, de coronel para cima raros são os que apoiam as manifestações convocadas para o próximo domingo a favor do presidente Jair Bolsonaro e contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

De major para baixo, ninguém garante nada. É aí que Bolsonaro deposita a esperança de que as manifestações possam ser grandes. Os filhos dele estão empenhados em atrair o apoio dos caminhoneiros com a ajuda de Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil.

A direção do Clube Militar, no Rio, aposta que os militares da reserva comparecerão em massa.


Ricardo Noblat: O capitão brinca com fogo

O risco que ele corre

Quando presidente, acuado por denúncias de corrupção, Fernando Collor convocou seus apoiadores para ocuparem as ruas com camisas verde amarelas no dia 7 de setembro de 1992, dois anos e meio depois de ter sido empossado.

Poucos o fizeram, talvez por vergonha ou talvez porque tivessem algo melhor a fazer durante o feriado. Em compensação, multidões foram às ruas naquele mesmo dia vestidas com camisetas pretas. Ali, Collor começou a cair. Cairia três meses depois.

Neste momento, a situação do presidente Jair Bolsonaro ainda está longe de poder ser comparada com a de Collor. Por ora, é Flávio, o filho dele, o investigado por ter comprado imóveis no Rio a preços subavaliados para revendê-los a preços superavaliados.

Mas nem isso impediu Bolsonaro de estimular seus devotos a convocarem manifestações a seu favor para o próximo domingo dia 26. Se quisesse, poderia tê-los impedido. Bastaria um post seu no Twitter em sentido contrário para deter o movimento.

E se as manifestações não reunirem tanta gente? E se elas forem menores do que as que aconteceram na semana passada contra o corte de verbas para a Educação? Essas atraíram mais de dois milhões de pessoas em cerca de 220 cidades grandes e pequenas.

E se multidões forem às ruas na mesma data vestidas com camisas pretas? Novas manifestação de opositores do governo estão agendadas para o próximo dia 30. Por que o governo deveria a essa altura submeter-se ao teste das ruas? As pesquisas desaconselham.

Se o teste lhe desfavorecer, não diga Bolsonaro mais tarde que nada teve a ver com isso. Ou que não foi avisado.

Flávio, garoto ingrato!

E se tivesse vazado antes?
O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) queixa-se sem razão do Ministério Público do Rio de Janeiro, a quem acusa de ter quebrado seu sigilo fiscal e bancário antes que a Justiça autorizasse, e vazado os dados que o põem na incômoda situação de investigado por corrupção e lavagem de dinheiro.

Na verdade, Flávio deveria agradecer ao Ministério Público por ter mantido em segredo desde janeiro do ano passado as informações a respeito que recebera do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Imagine se elas tivessem se tornado públicas antes da sua e da eleição do seu pai a presidente da República?

Foi o segredo mais bem guardado pelos promotores. Se quebrado, talvez o resultado da eleição tivesse sido outro. Afinal, o combate à corrupção foi uma das bandeiras do clã dos Bolsonaro à caça de votos. Ela, hoje, está emporcalhada e corre o risco de rasgar-se.

A aliança de Moro com os generais

Perfilados
Depois de derrotas em série no Congresso, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, busca novas alianças para sobreviver no poder. Foi um gesto importante nesse sentido a presença do ex-comandante do Exército, o general Eduardo Villas-Bôas, dias atrás, na Comissão de Segurança da Câmara para prestigiar uma audiência com Moro.

Moro e os generais estão juntos quando o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) volta ao centro das discussões com pedidos de quebra de sigilo de 95 pessoas autorizados pela Justiça, entre eles o do senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente da República e ex-chefe do motorista Fabrício Queiroz.

O Congresso ameaça tirar o COAF do ministério de Moro para devolvê-lo ao Ministério da Educação. Moro não quer perdê-lo. Os militares lhe dão razão. Para o presidente Bolsonaro, tanto faz onde o COAF fique. Essas informações estão no relatório da TAG REPORT, das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros.


Ricardo Noblat: Bolsonaro coloca todas as cartas no caos, diz Sarney

Ex-presidente defende a adoção do parlamentarismo

Aos 89 anos de idade, 52 dos quais vividos dentro do Congresso como deputado federal e senador, o ex-presidente José Sarney disse em entrevista a Ana Dubeux e Denise Rothenberg, repórteres do “Correio Braziliense”, que o país atravessa um “momento imprevisível”.

Foi a primeira vez que Sarney concordou em falar longamente sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro, as causas da crise política que se arrasta há quase cinco meses e os riscos que o país corre. A seguir, os principais trechos da entrevista publicada hoje.

+ “Bolsonaro está no meio de um furacão. Pela primeira vez estamos num momento que é imprevisível. Fratura no Judiciário, no Legislativo e no Executivo. Todas as estruturas estão truncadas”.

+ “A realidade é que o presidente não tem maioria consolidada no Congresso, nem [ali] temos partidos, nem lideranças políticas, e vivemos uma crise muito grande”.

+ “A crise internacional de recessão catalisou a crise brasileira. Temos que lidar com o choque das civilizações, com a pós-verdade, com uma sociedade líquida”.

+ “O Brasil vive uma crise sem partidos, porque quando temos 60 partidos [equivale] a não ter nenhum. Os políticos estão demonizados. E a busca do povo é partir para uma democracia direta, sem representantes. É um risco”.

+ Ao colocar todas as suas cartas no caos, Bolsonaro “aumenta os problemas que vivemos porque desapareceram as utopias e não podemos matar a esperança”.

+ “O que se vê é que todo dia se dá uma solução, uma visão escatológica do fim do mundo em face da reforma da Previdência sem se oferecer outras perspectivas de esperanças”.

+ “A reforma da Previdência é extremamente necessária, mas também a administrativa, a tributária, a fiscal, a política. Mas (tudo está focado) em um único objetivo, sem esquecer que falta maioria ao presidente no Congresso”.

+ Num país com 13 milhões de desempregados, mais 13 milhões que nunca tiveram emprego e mais 20 milhões que vivem na economia informal, “sem crescimento econômico nenhuma reforma que se faça subsistirá”.

+ “Acho que Bolsonaro está sendo vítima de uma leitura errada que fez. [Imaginou que quando ganhasse] iria receber dos americanos e da economia internacional um apoio grande, que imediatamente atrairia investimento para o Brasil. E na verdade Trump não deu nada. Foi ingenuidade dele”.
Sarney citou uma frase do ex-presidente americano Bill Clinton (“Os partidos no mundo atual não são importantes para eleição, mas sem eles é impossível governar”) para em seguida ensinar:

“Ou seja: os partidos precisam estar estruturados. Governa-se por meio dos partidos, senão é uma situação anárquica e niilista a que viveremos”. [Hoje] no Brasil não temos nada. Até a oposição não existe”.

+ “A Constituição de 1988 criou todas as condições para levarmos o Brasil à situação que estamos. Ela é híbrida, parlamentarista e presidencialista. Deu poderes executivos ao Parlamento e poderes parlamentares ao Executivo”.

+ Embora tenha assegurado a estabilidade política até aqui, Sarney lembrou que a Constituição “também nos deu três impeachments, dois que chegaram ao fim (os de Collor e de Dilma) e um que não chegou, mas que foi pedido (o de Temer)”.

+ “Então acho que a solução, a primeira e a mais simples para evitar que o presidente viva essa pressão permanente, seria adotarmos o parlamentarismo”.


Ricardo Noblat: Bolsonaro pede socorro

Fracasso precoce

A que serve o texto de Paulo Portinho, 46 anos, professor de finanças e filiado no Rio de Janeiro ao partido NOVO, compartilhado ontem nas redes sociais pelo presidente Jair Bolsonaro?

Serve para justificar o fracasso do governo Bolsonaro até aqui. E para culpar pelo fracasso as corporações, o Congresso, os partidos políticos e até Supremo Tribunal Federal.

Foi por isso que Bolsonaro o distribuiu aos cuidados de quem pudesse interessar, delegando mais tarde ao seu porta-voz oficial a tarefa de ler uma explicação que ele ofereceu para ter feito o que fez:

“Venho colocando todo o meu esforço para governar o Brasil. Os desafios são inúmeros e a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que no passado se beneficiavam das relações pouco republicanas. Quero contar com a sociedade para juntos revertermos essa situação e colocarmos o país de volta ao trilho do futuro promissor. Que Deus nos ajude”.

Em resumo, Bolsonaro endossa o que Portinho escreveu e pede diretamente à sociedade que o ajude a reverter a situação para pôr o país de “volta ao trilho do futuro promissor”.

É um pedido de socorro justo quando ele está acuado por derrotas colhidas no Congresso, a falta de dinheiro para fazer qualquer coisa, o ronco das ruas insatisfeitas e os rolos do seu filho Flávio.

Como candidato a presidente, Bolsonaro se disse disposto, caso fosse eleito, a quebrar “o sistema”. Como presidente, acusa “o sistema” de querer quebrá-lo, inviabilizando o seu governo.

De fato, o maior responsável por sua desgraça é ele mesmo. Candidatou-se só para ajudar à eleição dos filhos. A facada e a fraqueza dos demais candidatos o empurraram para o alto. E aí…

Aí o resto é história conhecida. Não estava pronto para ser presidente. Não tinha um projeto para o país. Carecia de nomes para compor o governo. E não queria, como não quer, compartilhar o poder.

A política não admite vácuo. Na ausência de um governo que saiba o que fazer, o Congresso se prepara para funcionar como uma espécie de governo paralelo, impondo sua agenda à falta de outra.

No que vai dar tudo isso? Numa crise institucional? Em mais um impeachment? Na renúncia forçada ou voluntária de um presidente sem condições para tocar suas tarefas? Em conflitos de ruas?

Desde antes da posse de Bolsonaro houve um esforço considerável de todas as partes envolvidas no jogo do poder para normalizá-lo como se isso fosse possível. Não deu certo até agora. Dará? Ninguém sabe.

Segue o baile, como costuma repetir o vice-presidente Hamilton Mourão.


Ricardo Noblat: Bolsonaro foi ao Texas falar mal do Brasil

Outro vexame internacional

O ex-capitão Jair Bolsonaro transgrediu uma lei universal respeitada por todos os chefes de Estado desde tempos imemoriais: o representante de uma Nação jamais fala mal dela e do seu povo. Internamente não fala porque, uma vez eleito, é obrigado a governar para todos. Muitos menos fala no exterior para não a desmerecer, nem ao povo que o elegeu.

Em Dallas, no Texas, onde foi receber um prêmio que se recusou a ir buscar em Nova Iorque com medo de ser hostilizado, Bolsonaro criticou seus antecessores, a esquerda, a imprensa e ironizou as manifestações de rua contra o corte de dinheiro para a Educação. Despediu-se com um novo slogan: “Brasil e Estados Unidos acima de tudo, Brasil acima de todos”.

Sobre a imprensa, disse: “Até hoje sofremos com a mídia brasileira. Até venho sempre dizendo à mídia brasileira: ‘Se vocês fossem isentos, já seria um grande sinalizador de que o Brasil poderia, sim, romper obstáculos e ocupar um lugar destaque no mundo’”. Depois insultou uma repórter que lhe perguntou sobre o que ele não queria responder. Lamentou que o jornal a tivesse contratado.

Sobre as manifestações, afirmou: “Ontem, vimos algumas capitais de estado com marchas pela educação, como se ela até o final do ano passado fosse uma maravilha. Temos um potencial humano fantástico, mas a esquerda entrou, infiltrou e tomou não só a imprensa brasileira, mas também grande parte das universidades e das escolas do ensino médio e fundamental “.

Sobre seus antecessores, declarou: “No Brasil, a política até há pouco era de antagonismo a países como Estados Unidos. Os senhores eram tratados como se fossem inimigos nossos. Agora, quem até há pouco ocupava o governo, teve [no passado] suas mãos manchadas de sangue na luta armada”. Referia-se à ex-presidente Dilma Rousseff.

Dilma fez parte de uma organização de esquerda que pegou em armas para derrubar a ditadura militar de 64 que Bolsonaro tanto defende, mas ela não participou de ações armadas, nem manchou suas mãos com sangue. A contrário do que ele disse, o Brasil sempre foi aliado dos Estados Unidos. Nenhum presidente o tratou como se fosse inimigo.

Quanto às manifestações contra o corte de verba para a Educação: elas não ocorreram como ele observou “em algumas capitais”, mas em todas as capitais. E em cidades de médio e pequeno porte no total de pouco mais de 220. Bolsonaro ainda comparou o Brasil a Israel, em desfavor do Brasil naturalmente. E, diante da bandeira americana, como é costume seu, perfilou-se e bateu continência.

Entre as tantas viagens que ele já fez desde que assumiu a presidência da República em janeiro último, esta foi de longe a mais desastrosa, inócua e desnecessária. Puro desperdício de dinheiro. Foi ele que escolheu Dallas como ambiente seguro para receber o prêmio de personalidade do ano conferido pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, uma entidade privada e de pouca relevância.

O prêmio seria dividido com o Secretário de Estado americano Mike Pompeo, que não compareceu à homenagem. Mandou um assessor representá-lo. O prefeito de Dallas arranjou uma desculpa para não pôr os pés no local da cerimônia, uma sala acanhada de um centro comercial da cidade. Para completar, o ex-presidente George Bush Jr. foi constrangido a receber Bolsonaro e a posar para fotos com ele.

Bate-boca entre o capitão e o encarcerado

Sem o PT ele nada seria
O que faltava não falta mais. No Twitter, ontem à noite, o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva bateram boca. Em questão, o corte de verbas para as universidades.

Bolsonaro foi quem provocou. Em sua página, escreveu:

“Lula explica para a esquerda como funciona e quando é preciso o contingenciamento de recursos públicos praticado por todos os governos. Agradeço a explanação.”

E em seguida postou o vídeo de junho de 2010 onde Lula responde a uma pergunta a respeito.

Aí foi a vez do ex-presidente, no perfil “Lula Oficial”, responder a provocação. E o fez com dois posts. No primeiro, escreveu:

“No fim do governo Lula o Brasil tinha 14 novas universidades. Do governo Bolsonaro vão sobrar só tweets.”
O segundo foi uma imagem.

Ao resgatar um vídeo antigo, o que Bolsonaro queria dizer era: se eu corto recursos da Educação, Lula já o fez.

Bolsonaro respira PT. Elegeu-se graças ao PT. Governa em contraponto ao PT. Defende-se invocando o PT. Sem o PT não seria ninguém.


Ricardo Noblat: A fogueira do capitão

As ruas ardem

E assim, 2019 anos depois do nascimento do Senhor, o Rabi de Nazaré, transcorridos apenas 135 dias desde a posse do ex-capitão Jair Messias Bolsonaro na presidência da República Federativa do Brasil, o eixo da política sofreu forte mudança nesta terra onde se plantando corre-se o risco de colher o inesperado.

Se a Era PT no governo se divide entre antes e depois de junho de 2013 quando multidões sem comando ocuparam as ruas para protestar indistintamente contra tudo e contra todos, dê-se por estabelecido que a Era do Mito será no futuro estudada pelos historiadores levando-se em conta o antes e o depois da data de ontem.

A ninguém foi dado o dom de antecipar que as manifestações contra os cortes de verbas para a Educação atrairiam cerca de 1 milhão de pessoas predominantemente jovens às ruas de todas as capitais e grandes cidades do país – nem mesmo à Agência Brasileira de Informações (ABIN), uma espécie de Serviço Secreto do governo.

Estimava-se que elas seriam se tanto de médio porte, concentradas nas capitais, e destinadas a reclamarem por mais dinheiro para a Educação. Pois bem: multidões desfilaram em mais de 200 cidades de todos os Estados. E até em municípios pequenos como Felipe Guerra, no Rio Grande do Norte, com menos de 6 mil habitantes.

A Educação serviu de espoleta para levar às ruas estudantes, professores e pais de alunos não só das universidades públicas como das particulares. Sem falar de estudantes secundaristas preocupados com o que poderá acontecer nos próximos anos. Para o governo, melhor seria que tivesse sido só a Educação o motivo de tudo.

Mas não. Lembra-se de um cartaz de junho de 2013 que dizia “não é somente por 20 centavos”? Referia-se ao aumento no preço das passagens de ônibus no Rio e em São Paulo. Não foi só pelo corte de 30% do dinheiro que banca despesas de custeio das universidades com luz e água, segurança e limpeza que as ruas se encheram de gente.

Foi também por causa da reforma da Previdência, da política de armamento da população, do acesso facilitado ao porte de armas e da falta de reação da economia a todos os estímulos que recebe para que cresça. Políticos e militantes de esquerda tentaram pegar carona nas manifestações. O governo preferiu hostilizar os manifestantes.

Se a presidente Dilma Rousseff, em junho de 2013, saudou, perplexa, o que viu e acenou com providências jamais tomadas para amenizar a insatisfação geral, o presidente Jair Bolsonaro, dos Estados Unidos onde se encontrava atrás de um prêmio, fez justo o contrário. Chamou os manifestantes de imbecis e de “idiotas úteis”.

Aqui, o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, comparou o corte na Educação ao corte do churrasco e da cervejinha do fim de semana pelo chefe de família que perdeu o emprego. E o Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, disse que os manifestantes representavam uma minoria de “baderneiros” e de fumadores de maconha”.

O capitão acendeu a fogueira que pode incinerar o seu governo.

Dia de balbúrdia no governo

Tsunami particular
A crise viajou, mas nem por isso o governo livrou-se dos seus efeitos. Acuado pelas críticas dos bolsonaristas em geral, dos garotos Carlos e Eduardo e do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o general Hamilton Mourão, no exercício da presidência da República, primeiro disse que as manifestações de ontem eram naturais numa democracia, depois acrescentou que elas foram aproveitadas por adversários do capitão.

Por mais que tenham se esforçado, os defensores do governo perderam para a oposição o debate sobre o corte de recursos para a Educação travado na Câmara dos Deputados durante a sabatina do ministro Abraham Weintraub. Os líderes dos partidos do Centrão sumiram do Congresso para não serem constrangidos a defender o governo. E o ministro acabou indo embora dali menor do que havia entrado.

As agruras do titular da crise não foram menores. O prefeito de Dallas, no Texas, recusou-se a recebê-lo. O ex-presidente George Bush Junior o recebeu depois de dizer por meio do seu porta-voz que fora surpreendido pela visita, e que nada fizera para que ela acontecesse. Para completar, a VEJA revelou que o senador Flávio Bolsonaro é suspeito de ter lavado dinheiro mediante a compra e venda de dezenas de imóveis no Rio.

Se comparados com os rolos conhecidos do seu ex-assessor Fabrício Queiroz, os de Flávio configuram um tsunami que atingiu a praia do clã dos Bolsonaros.

A volta da crise está marcada para logo mais à noite.