Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Governo da família

General cede lugar a major

A ala militar do governo levou mais uma lapada do presidente Jair Bolsonaro com a escolha do major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal Jorge Antônio de Oliveira Francisco para a Secretaria-Geral da Presidência, em substituição ao general da reserva Floriano Peixoto.

O que credenciou o major a ser promovido a ministro foi sua estreita ligação com a família Bolsonaro há muito tempo. O pai dele serviu por 20 anos ao então deputado Jair Bolsonaro. E Jorge Antônio de Oliveira Francisco ao deputado Eduardo Bolsonaro, o Zero 3, durante os últimos 10 anos.

O novo presidente do BNDES morou no mesmo prédio de Bolsonaro, pai, e é amigo dos seus filhos. Contou com o apoio deles para chegar aonde chegou. Carlos, o Zero 3, é o mais feliz com sua ascensão. É Carlos o que mais cobra uma devassa nas contas do banco para provar que o PT se beneficiou dele.

A nomeação do major é mais um sinal inquestionável de que os garotos e o seu guru, o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, arrombaram a porta do governo derrotando todos os que a eles se opunham.

Vem mais bala por aí

Alerta geral
O site The Intercept guarda munição a ser disparada contra outros portadores de togas, e também procuradores da República para além do primeiro escalão da Operação Lava Jato no Paraná.

O Rio de Janeiro será tratado como um caso especial quando novos documentos forem revelados.


Ricardo Noblat: Moro não é ministro. Está ministro

No aguardo do que possa vir

Mesmo que venha a faltar a bala de prata capaz de atingi-lo mortalmente, o ex-juiz Sérgio Moro nunca mais será o mesmo depois que supostas conversas suas com procuradores da Lava Jato começaram a ser reveladas pelo site The Intercept.

Isso quer dizer: Moro foi ministro durante cinco meses e pouco do governo Bolsonaro. Agora, está ministro da Justiça e da Segurança Pública. Diminuiu de tamanho. Mesmo que não se torne um anão, dificilmente ganhará uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

Será menos difícil para ele sair candidato à sucessão de Bolsonaro do que vestir a toga no final do próximo ano quando se aposentar o ministro Celso de Melo. Abrigo partidário não lhe faltaria. Boa vontade no STF com toda certeza lhe faltará. Mas não só.

Para atravessar parte da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, e aboletar-se no prédio do STF, Moro teria de contar com a aprovação do seu nome pelo Senado como manda a Constituição. Uma fatia expressiva dos senadores lhe negará o voto.

Por ora, Moro continuará sangrando no cargo. Seu futuro não mais lhe pertence. Está nas mãos dos editores do Intercept.

Dança das cadeiras no Planalto

Onyx é esvaziado. General ganha força
Depois de demitir três ministros em pouco menos de seis meses, e o presidente do maior banco de investimentos do país, o capitão Jair Bolsonaro esvaziou os poderes do chefe da Casa Civil da presidência da República, o deputado Onyx Lorenzoni.

Onyx perdeu a condição de responsável pela articulação política do governo que lhe garantia grande visibilidade. Passará a cuidar do Plano de Parceria de Investimentos, programa responsável pelas concessões de infraestrutura e por tocar as privatizações.

Se antes Onyx dependia dele mesmo, na nova função dependerá de um conselho de ministros responsável pelas decisões estratégicas do programa. Não bastasse, Onyx perdeu também o comando da subsecretaria de assuntos jurídicos.

Quem ganha com tudo isso é Luiz Eduardo Ramos, general da ativa nomeado por Bolsonaro para suceder ao general Santos Cruz na Secretaria do Governo. O general será o novo coordenador político do governo. Experiência para tanto não lhe falta.

No passado, Luiz Eduardo Ramos cuidou das relações das Forças Armadas com o Congresso. Fez amigos em todos os partidos. Tem fácil trânsito ali. É considerado um boa praça. De resto, foi o maior cabo eleitoral de Bolsonaro entre seus colegas de farda.

Bolsonaro cansou de colher derrotas no Congresso. E acha que Onyx foi o maior responsável por elas. Na verdade, Onyx fez o que podia. Bolsonaro é que sempre foi uma pedra no meio do seu caminho.


Ricardo Noblat: O show de Moro

Abrem-se as cortinas do espetáculo

O ex-juiz Sérgio Moro, ministro da Justiça e da Segurança Pública, tem tudo para dar um show, esta manhã, na sessão da Comissão de Justiça do Senado onde responderá a perguntas sobre suas conversas gravadas com procuradores da Lava Jato.

Ele treinou para isso. Com a ajuda de assessores, simulou que estava sendo interrogado e respondeu a perguntas que imagina que lhe serão feitas. Está orientado em não sair do script: não reconhece os diálogos ou mensagens que lhe atribuem; foi vítima de um crime.

Por sua vez, nenhum senador deu-se ao trabalho de preparar-se para valer. Todos receberam perguntas formuladas por assessores às quais poderão acrescentar outras. Os partidos não se entenderam para agir em bloco – seja a favor ou contra.

A maioria dos senadores que comparecerá à sessão está disposta a defender Moro. Mas a minoria tentará acuá-lo, com o cuidado de não transformá-lo em vítima. Circulou, ontem à noite, a ideia da oposição faltar à sessão. A ideia morreu antes do amanhecer.

Se não atravessar a rua para pisar numa casca de banana, Moro deverá se dar bem. Poderia aproveitar a ocasião para ser mais assertivo. Por que não diz com todas as letras que foram forjados os diálogos e as mensagens publicadas pelo site The Intercept?

Eu posso não lembrar exatamente o que disse ontem a respeito de alguma coisa, quanto mais há três anos. Mas sei exatamente o que não disse. Imagino que seja mais ou menos assim com todo mundo. Por que não seria com Moro?

No meu caso, por exemplo, nunca disse nem escrevi que achava Lula inocente dos crimes que lhe imputam. Mas em meados de 2015 manifestei dúvidas quanto a se abrir um processo de impeachment contra Dilma. Depois me convenci de que deveria ser aberto.

Moro sabe, sim, se conversou ou não sobre a citação do nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na delação da Lava Jato. E claro que sabe se disse ou não que ele não deveria ser “melindrado” porque era um apoio importante à Lava Jato.

O que o Inthercept divulgou até aqui não será capaz de provocar a anulação do julgamento de Lula no processo do tríplex do Guarujá. Mas aos olhos de quem sabe ver, bastou para corromper a imagem de um juiz que parecia isento e à caça unicamente da verdade.

Ratinho rói a verdade

Fake news na tv
Na entrevista louvação com Sérgio Moro a quem chamou de “um herói sem capa, o único herói brasileiro no momento”, Ratinho, apresentador de programa no SBT, disse que recebera informações de que o vazamento de conversas entre Moro e procuradores da Lava Jato estaria “vinculado a um milionário russo que deu dinheiro a um jornalista famoso internacionalmente, que é namorado de um deputado e que comprou o mandato do Jean Willys”.

Referia-se ao jornalista americano Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, autor das reportagens que tanto embaraço tem causado a Moro. E ao marido de Greenwald, o deputado Davi Miranda (PSOL-RJ), do mesmo partido de Willys. Ratinho observou a propósito: “Pode ser fake news, deve ser fake news. Mas se for isso é muito maior do que imaginamos, porque envolve outro país”.

Sordidez de Ratinho. Desonestidade. Ele sabe que tudo não passou de uma fake news. Se não sabia deveria saber. Para disseminá-la, criou-se no Twitter uma página com o nome de “O Pavão”. Devotos do presidente Jair Bolsonaro se encarregaram então de reproduzir o que ali fora publicado. Uma vez cumprida sua função, a página saiu do ar 48 horas depois. Poderá voltar a qualquer momento para defender os interesses de quem a financia.


Ricardo Noblat: Um mata, o outro esfola Levy

Demitir não basta. Tem que fritar antes
Espera-se para hoje, no máximo amanhã, a carta de demissão de Joaquim Levy do cargo de presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). É só o que lhe resta fazer depois de ter sido humilhado publicamente pelo presidente Jair Bolsonaro com a ajuda do ministro Paulo Guedes, da Economia.

O motivo fantasia da demissão é este: Bolsonaro ficou furioso ao saber por meio de um amigo que um antigo servidor do governo Lula, Marcos Barbosa Pinto, fora nomeado diretor de Mercado de Capitais do banco. O motivo real da demissão: Levy não atendeu a ordem de Bolsonaro para “abrir a caixa preta” do BNDES.

Quando candidato, Bolsonaro garantiu que promoveria uma devassa no banco para identificar as operações irregulares feitas ali durante os quase 14 anos de governos do PT. Mandar embora petista era o mínimo que ele queria. Esperava mostrar para o Brasil e o mundo a roubalheira de que fora capaz um partido de esquerda.

Como nada disso aconteceu até agora, atirou na cabeça de Barbosa Pinto para na verdade acertar na cabeça de Levy. Barbosa Pinto, um economista de renome, que já foi sócio de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central nos governos de Fernando Henrique Cardoso, pediu demissão ontem mesmo. Falta Levy pedir.

Como Barbosa Pinto, Levy serviu a governo do PT, no caso o segundo da ex-presidente Dilma Rousseff como ministro da Fazenda. Nem por isso o ministro da Economia, Paulo Guedes, deixou de convidá-lo para presidir o BNDES. A mão que afagou Levi foi a mesma que o esfolou tão logo Bolsonaro anunciou que poderia demiti-lo.

“O grande problema é que Levy não resolveu o passado nem encaminhou uma solução para o futuro”, disse Guedes ao jogar a última pá de cal no seu ex-protegido. Mais uma vez, a dupla Bolsonaro-Guedes deu razão a Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, que chama o governo deles de “usina de crises”.

Tal como se dá, a demissão de Levy é mais um produto do modelo adotado por Bolsonaro para livrar-se daqueles que aos seus olhos caíram em desgraça. O modelo foi descrito pelo próprio Bolsonaro durante o café da manhã que tomou com um grupo de jornalistas na última sexta-feira, no Palácio do Planalto.

“O Carlos é mais imediatista”, explicou Bolsonaro. Referia-se ao Zero Dois que cobra do pai decisões rápidas. E continuou: “Tem que dar um tempo para, ao dar o cartão vermelho para essa pessoa, não ter dúvidas. E tem que deixar a pessoa se enrolar um pouco mais”. Assim ele procedeu para demitir três ministros em menos de seis meses.

Cuide-se o ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública. Cuide-se também Guedes, se não de imediato pelo menos a partir do momento em que o Congresso aprovar a reforma da Previdência. Perguntaram a Bolsonaro se ele confiava plenamente em Moro. Resposta: “Só mãe e pai merecem 100% de confiança”.

Todo cuidado é pouco, Moro!

Ex-juiz na mira do capitão
Ultimamente, a mais de um amigo, Jair Bolsonaro tem dito como imagina que se dará a eleição presidencial de 2022: “Serei eu contra o João Dória, com Rodrigo Maia como vice dele, e contra também Sérgio Moro apoiado pela Globo”.

Por ora, ele ainda acha que só tem a ganhar mantendo Moro no governo. Além de popular, o ex-juiz é o queridinho dos militares. Mas uma vez que Moro acabe atingido por alguma bala de prata, Bolsonaro o mandará embora sem verter uma lágrima.


Ricardo Noblat: Do que Bolsonaro tem medo

Quem sustenta quem

Foi duro arrancar do presidente Jair Bolsonaro pelo menos uma frase em defesa do ex-juiz Sérgio Moro, seu ministro da Justiça e da Segurança Pública, enrolado em conversas com o procurador Deltan Dallagnol. Por fim, ele disse por meio de um assessor: “Nós confiamos irrestritamente no ministro Moro”. Mas foi só.

Bolsonaro e o ministro conversaram ontem pela manhã no Palácio da Alvorada e foram juntos de lancha para o Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília onde a Marinha comemorou o 154º Aniversário da Batalha Naval do Riachuelo. Ali, em uma espécie de palanque, Moro foi posto do lado direito de Bolsonaro.

No início desta madrugada, 91 fotos oficiais da cerimônia estavam disponíveis no site da presidência da República. Em todas, Bolsonaro dedica a Moro um tratamento protocolar. Em nenhuma aparece sorrindo para ele. Sorri para os demais ministros.

Mais tarde, em São Paulo, Bolsonaro decretou bruscamente o fim de uma entrevista coletiva quando um repórter perguntou sobre a situação de Moro. Irritado, Bolsonaro bateu a palma de uma mão contra a outra, fechou a cara e foi embora.

Diante de uma plateia de mais de mil pessoas no auditório da Federação das Indústrias de São Paulo, Bolsonaro, ao discursar, destacou como de praxe a natureza técnica da equipe que montou para governar. Citou vários dos seus ministros. Não citou Moro

Bons tempos para Moro aqueles onde era apontado como uma das duas principais colunas de sustentação do governo. A outra seria o ministro Paulo Guedes, da Economia. Hoje, é Bolsonaro que sustenta Moro embora ainda se sustente em Guedes.

Se o tempo fechar de vez para o ex-juiz, Bolsonaro não verterá uma lágrima por ele. Bolsonaro só não quer ser contaminado pelo desgaste que Moro começa a amargar. Imagine se restar provado que os dois já haviam se acertado bem antes de Bolsonaro se eleger.

Para que Moro ficasse bem na foto

Assim é se lhe parece...
Servida como foi ao cair da noite e comprada sem muito apuro dado ao adiantado da hora, ficou parecendo verdade a versão de que o ex-juiz Sérgio Moro ofereceu-se espontaneamente para depor na Comissão de Constituição e Justiça do Senado sobre as conversas travadas com o procurador Daltan Dellangnol e reveladas pelo site The Intercept Brasil no último domingo.

De espontâneo nada houve. A Comissão estava pronta para convocá-lo a depor. Havia para isso maioria de votos. Para evitar que a notícia fosse “Comissão convoca Moro para depor”, Fernando Bezerra Coelho (PMDM-PE), líder do governo no Senado, telefonou para o ex-juiz e o convenceu a se antecipar à convocação. Ficaria melhor para ele no noticiário.

Moro topou sem oferecer resistência. Então Bezerra Coelho reuniu-se com Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, e contou-lhe o que se passava. Alcomumbre avalizou a manobra, pedindo-lhe, porém, que o informasse a respeito por meio de um ofício. E assim se fez. A Comissão, portanto, foi dispensada de votar a convocação de Moro.

O Senado é um clube para 81 sócios. Todos ali costumam dar-se bem apesar das diferenças partidárias e de ocasionais discursos inflamados. Não se comportam como inquisidores duros. Primam por certa elegância. A maioria já governou seus Estados, ocupou ministérios e tem muitos anos de política.

Moro não deverá passar por nenhuma saia justa quando for depor. O problema será quando for depor na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Essa comissão dará mais tempo a Moro para que ele continue sangrando. Só o convocará depois da divulgação do próximo lote de conversas, o que poderá acontecer a qualquer momento. O Brasil virou refém de um site.

Operação Fecha a Boca de Lula

Todo cuidado é pouco
Aberta a porteira para que Lula possa conceder entrevistas como é possível a qualquer preso, mas a ele não era, o ex-presidente coleciona cerca de 30 pedidos para que fale.

Ocorre que a direção nacional do PT concluiu que o melhor neste momento é que Lula fique de boca fechada. Melhor que fique quieto só a observar o que possa acontecer.

O ex-juiz Sérgio Moro, o algoz de Lula, está na berlinda desde a revelação de suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol. A Lava Jato, em xeque. Um novo lote de conversas está para sair.

Até o fim do mês, o Supremo Tribunal Federal decidirá a sorte de Lula em duas ocasiões: quando deliberar sobre prisão em segunda instância e quando julgar um pedido de habeas corpus para ele.

Nada de marola ou de marolinha, pois. Todo cuidado é pouco para que uma frase, uma palavra mal colocada não se volte contra ele. O PT acha que Lula nunca esteve tão perto de poder respirar melhor.

Quer dizer: de sair da prisão para trabalhar durante o dia, retornando à noite. Ou de cumprir o resto da pena dentro de casa com ou sem tornozeleira eletrônica.


Ricardo Noblat: Militares saem em defesa de Moro

Não se abandona um soldado ferido no campo de batalha

Não se sabe quem bateu o bombo. É possível que tenha sido o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, lotado no Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da presidência da República, e apontado por seus colegas de farda como a voz mais influente da ala militar do governo do capitão Jair Bolsonaro.

Mas uma vez que o som do bombo ecoou, a tropa obedeceu sem vacilar à ordem de marchar unida em defesa do ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, atingido em sua reputação pelo vazamento das mensagens trocadas com o procurador Deltan Dallagnol quando os dois comandavam a Operação Lava Jato.

O que primeiro se pronunciou foi o general e vice-presidente Hamilton Mourão Filho. Hierarquia é hierarquia, afinal, e ninguém mais a respeita que os militares. Mourão disse que não viu “nada demais” no que foi revelado pelo site The Intercept Brasil. Repetiu a mesma cantilena tocada por Moro desde o último domingo.

A Mourão seguiu-se o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, que raramente aborda em público assuntos estranhos à sua pasta. O general afirmou que Moro continua a merecer a confiança de todos. Não se referiu apenas à sua própria confiança, mas também a das Forças Armadas pelas quais fala.

O general Augusto Heleno, ministro do GSI, engrossou o coro com a declaração mais política entre todas que foram feitas: “O desespero dos que dominaram o cenário econômico e político do Brasil nas últimas décadas levou seus integrantes a usar meios ilícitos para tentar provar que a Justiça os puniu injustamente”.

Ou o general já sabe onde irá bater a investigação da Polícia Federal sobre os responsáveis pelo vazamento do material publicado no The Intercept Brasil, ou cedeu ao viés ideológico que marca o discurso do seu chefe imediato. Augusto Heleno chamou para brigar o PT e seus aliados que não deixam Moro em paz e que jamais deixarão.

Embora presidente, Bolsonaro não pode ser excluído da ala militar do seu governo. No início da noite, seu porta-voz havia dito que ele nada diria por ora a respeito das vicissitudes de Moro e Dallagnol. Mas Bolsonaro acabou dizendo e bem ao seu estilo econômico de falar: “Nós confiamos irrestritamente no ministro Moro”. Táokey?

Está nos dicionários: irrestritamente quer dizer de maneira irrestrita; sem restrição nem limitações. Da Constituição se diz que deve ser “irrestritamente respeitada”, apesar de nem sempre ser. Ela manda, por exemplo, que juiz se comporte com total isenção no ato de julgar. Nada de favorecer parte alguma. Mas… Sabe como é…

Enquanto esteve à frente da Lava Jato, Moro recebeu todas as comendas que o Exército, a Marinha e a Força Aérea poderiam lhe conceder àquela altura. Era preciso pôr um freio à corrupção que crescera exponencialmente durante os governos do PT. E se o PT fosse derrotado nas eleições de 2018, tanto melhor. Foi.

É da ética militar que não se abandona um soldado ferido no meio de uma batalha. Moro foi ferido. A operação de socorro está em curso

Civis, por ora, observam tudo calados

À espera do que virá
Salvo os políticos de oposição, os demais preferiram observar em silêncio as primeiras horas do Caso Moro-Dellagnol detonado pelo site The Intercept Brasil. Prudência e caldo de galinha sempre fazem bem – ou não é?

No escurinho dos gabinetes ou dos apartamentos funcionais de Brasília, em sussurros para não serem ouvidos por estranhos, eles trocaram impressões sobre o que poderá acontecer a Moro, mas concluíram: melhor esperar.

Esperar o quê? As próximas revelações prometidas pelo site. Se elas não forem mais comprometedoras para Moro como as que já se conhece, ele deverá ficar ministro mesmo que baleado. Mas se forem mais comprometedoras, aí…

Mesmo assim ele poderá ficar. Bolsonaro pouco terá a perder se o conservar ao seu lado ou à distância segura. Se antes, com todo o gás, Moro rendeu-se a todas as suas vontades, quanto mais fraco. De resto, sua grife não se desvalorizará rapidamente.

O que se dá como certo no Congresso é que, ali, haverá a partir de hoje grande barulho e aumentarão as dificuldades para que se vote qualquer coisa importante. Mau sinal para quem cobra pressa na aprovação da reforma da Previdência.

O ministro Paulo Guedes, da Economia, identificou o perigo quando disse que sempre que uma decisão importante para o país está prestes a ser tomada, o governo é surpreendido “por uma avalanche de eventos” que acabam por paralisá-lo. Deu exemplos:

“Gravaram o presidente Michel Temer. Não vai ter reforma da Previdência. Pronto, acabou. Toda hora tem uma [divulgação]. Uma é o Michel Temer, outra é o filho do Bolsonaro, outra é não sei o que lá, hoje é o do Moro. Não foi por falta de tentativa, toda hora tem uma [bomba].”

Tempos estranhos, esses, onde um político na folha da Câmara dos Deputados há mais de 28 anos se elege presidente da República como se político jamais tivesse sido, e um juiz que condenou seu principal adversário aceita de bom grado o convite para ser seu ministro.

Brilham os olhos do Zero Um

A esperança do garoto
O enfraquecimento temporário ou não do ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, acendeu a esperança do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) de que seus rolos junto com o ex-motorista Fabrício Queiroz acabem não dando em nada.

Flávio limitou-se a postar em sua página no Twitter a nota de defesa de Moro. Seus irmãos Carlos (Zero Dois) e Eduardo (Zero Três) foram enfáticos ao defender Moro. Quem imaginou que Moro um dia precisaria da ajuda dos garotos do capitão?


Gaudêncio Torquato: O estilo Bolsonaro

Há pouca chance de mudar caráter e personalidade

“Le style, c’est l’homme même” (“O estilo é o próprio homem”). O conceito é de autoria de George-Louis Leclerc, conde de Buffon, em discurso na Academia Francesa, em 25 de agosto de 1753. Referência na análise do “gênio” dos homens públicos, tem suscitado críticas e elogios.

A história é farta de exemplos que demonstram a força da assertiva. Gandhi, despojado de ambição, surge como expressão de grandeza moral. Para ele, os conflitos podem ser resolvidos com a sabedoria, não com armas. Hitler, com seu ideário de pureza de raça e domínio pela força, é a síntese do mal. Kennedy, em sua estampa jovem e exuberante, simboliza o ideal de uma América próspera e feliz. De Gaulle, do alto de sua autoridade, tem a imagem de herói da França. Churchill, culto e persistente, emerge como o maior estrategista da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Juscelino Kubitschek, o nosso JK, de sorriso aberto deu ao Brasil a cara de modernidade. O estilo de cada um, com suas atitudes e comportamentos, lhes deu fama e reconhecimento.

Como se traduz o estilo Jair Bolsonaro? No plano estético, sobressai a imagem do capitão fazendo com as mãos o gesto de atirar com arma. Não é um gesto de paz. Na semântica, destaca-se a figura de um radical, cujas expressões ferem os direitos humanos, a partir da posição contrária à igualdade de gêneros.

Não há projetos que abrilhantem a vida parlamentar de 28 anos. Farta é a carga de elogios a envolvidos com a tortura nos tempos de chumbo. Eleito por vestir o manto da moralidade, ganhou a identidade de guerreiro contra o lulopetismo, a bandidagem das ruas e a velha política.

A facada transformou-o em vítima da violência, amaciando a imagem dura. O jeito Bolsonaro de ser é inconfundível. Seu estilo, essa mistura de “inputs” estéticos e semânticos, pode ser lapidada? Difícil. Uma coisa é ser deputado, outra é ser presidente de todos os brasileiros. O axioma é demonstrável. Mas, em se tratando de caráter, personalidade, há pouca chance de mudança.

É o que se infere dos sinais que o presidente emite: conservador em matéria de costumes, armamentista, crítico ao modo de operar do presidencialismo de coalizão (“velha política”), defensor da inserção do Brasil na extremidade do arco ideológico.

Por isso, é razoável apostar na hipótese de Bolsonaro não mudar. Imbui-se da missão de cumprir o ideário com o qual se identifica parcela da sociedade. No xadrez da política, ele joga as pedras que acha necessárias para ganhar o jogo. Nisso está certo. Mas terá de conviver com um país rachado, um apartheid social que tende a aprofundar as bandas que o lulopetismo criou, o “nós e eles”, os bons e os maus.

Governar para todos os brasileiros será praticamente um lema impossível de ser cumprido. Em seu lugar, teremos uma expressão acirrada, insuflando manifestações do “povo” em apoio ao governo.

O amanhã é uma incógnita. Mas as alternativas são claras: o Brasil andará para frente ou para trás. O avanço dependerá das reformas. Recuo significará derrotas do governo no Congresso. A luz no fim do túnel seria a aprovação das reformas e a consequente recuperação da economia.

Pela índole bolsonariana, conviver com a esfera política será um cipoal de difícil travessia. O governo poderá chegar ao final exibindo índices positivos. Mas a ideia de um pacto pelo Brasil —como esse que se anuncia— não resiste a uma análise da “incompatibilidade de gênios” entre o mandatário-mor e os mandatários do Parlamento.

O clima será sempre muito quente. O estilo do capitão deve continuar a execrar o que chama de toma lá, dá cá. Quanto às massas, não se moverão em direção ao abismo. Conservam o instinto de sobrevivência. Apoiarão o presidente até quando os ecos da campanha derem o tom. Sem resultados positivos na economia, o povo mudará seu apoio. Os extremos não se anularão, mas diminuirão de volume. A caminhada para o meio é o trajeto mais viável.

*Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP e consultor político


Ricardo Noblat: Bolsonaro não se leva a sério

Fakenews em versão portenha

O presidente Jair Bolsonaro foi à Argentina por duas razões pelo menos. A primeira: porque a um presidente brasileiro recém-empossado é obrigatório visitar logo de saída seu principal parceiro econômico no continente. Segunda razão: para retribuir a vinda à sua posse do presidente Mauricio Macri.

À falta de uma agenda de acordos a serem fechados, Bolsonaro requentou a ideia da criação de uma nova moeda que chamou de “peso real”. A ideia sequer é dele. Vez por outra reaparece. Mesmo assim, de pronto Bolsonaro acabou desautorizado pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, e pelo Banco Central daqui.

A possibilidade de o “peso real” se materializar a curto ou médio prazo é igual a zero. Por cortesia, o ministro argentino da Fazenda elogiou a ideia, mas disse que nada existe de concreto a respeito. Foi mais uma fakenews de Bolsonaro, desta vez em versão portenha. Serve para que ele continue no centro das discussões.

Não foi a única. Em uma dobradinha com Macri, Bolsonaro admitiu que poderá ser fechado em breve um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. O acordo está sendo estudado desde 1999 pelo menos. Tão cedo sairá do papel. Porta-voz da União Europeia apressou-se em restabelecer a verdade.

Bolsonaro negou que tenha voado a Buenos Aires para ajudar Macri a se reeleger em outubro próximo. Mas foi o que tentou fazer em discursos e entrevistas. Procedeu como Lula e Dilma que na presidência da República se meteram ostensivamente na política de países vizinhos para favorecer seus camaradas.


Ricardo Noblat: Ordem unida

Quem tem juízo obedece

Militares da reserva empregados no governo e insatisfeitos com o desempenho do presidente Jair Bolsonaro no cargo receberam um duro alerta feito pelo general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, agora lotado no Gabinete de Segurança Institucional.

Villas Bôas chamou a atenção deles para o fato de que Bolsonaro não deve ser visto mais como o capitão que um dia foi afastado do Exército por má conduta, mas como o presidente da República legitimamente eleito e comandante das Forças Armadas.

O alerta acalmou a tropa. No caso do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, ele passou a falar e a se expor menos.

As duas lesões de Neymar

Novela longe de um desfecho
Tão logo o prêmio da Mega-Sena volte a acumular, perguntarei ao vice-presidente da CBF, Francisco Noveletto, em quais números deveria jogar. Noveletto é bom de palpite – ou então lhe sopram com antecedência o que está para acontecer.

Há menos de 48 horas, ele afirmou em entrevista ao SBT que apostava todas as suas fichas que Neymar pediria dispensa da Seleção Brasileira em face da má repercussão da denúncia de que estuprara e agredira uma mulher em Paris.

“Ele não tem condições psicológicas para enfrentar uma Copa América e um batalhão de jornalistas”, explicou Noveletto. À lesão na imagem, somou-se a sofrida no tornozelo direito aos 20 minutos de partida contra a Seleção do Qtar, e Neymar está fora da Copa.

Pior para a Seleção Brasileira que perde seu maior craque na hora de disputar o mais importante torneio de futebol do continente. Para Neymar, acostumado a levar pancadas em campo, terá sido só mais uma que o obrigará a se tratar longe dos olhos dos torcedores.

A segunda lesão em menos de 10 dias dará tempo a Neymar para cuidar da primeira, certamente a mais grave. O que Neymar pai tem dito em sua defesa foi novamente posto em xeque pela entrevista dada pela mulher que o acusa, e pelo vídeo que ela divulgou.

Ela não nega que seu sonho fosse transar com o jogador. Não nega que o sexo de início foi consensual. Mas alega que a partir do momento em que Neymar disse não dispor de preservativo, ela pediu que ele não fosse adiante no ato sexual, mas que ele foi.

O trecho do vídeo que viralizou na internet não dá para que se conclua muita coisa. Ele mostra a chegada de Neymar para um segundo encontro com a mulher em um quarto de hotel. Neymar joga-se na cama. Ela também. E depois começa a bater nele.

Grita que foi deixada só desde o dia anterior. Grita que foi agredida por ele. Vale-se de um objeto para machucá-lo. E a gravação é interrompida. Amanhã, Neymar tem um encontro marcado com a polícia do Rio, que também ouvirá a mulher, se é que já não ouviu.

O presidente Jair Bolsonaro antecipou-se à investigação e prestou solidariedade a Neymar. Foi vê-lo jogar contra o Qatar. E depois o visitou na clínica onde ele fez exames na companhia do pai empresário.


Ricardo Noblat: Gleisi, outra vez ela com suas ideias de jerico

PT faz o jogo de Bolsonaro

Haveria melhor notícia para o presidente Jair Bolsonaro do que a intenção anunciada por líderes do PT de pegarem carona nas manifestações estudantis contra o corte de verbas na Educação para retomarem a campanha por “Lula, livre”?

Foi a presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann, que deu a notícia, ontem, nos bastidores do palco montado na Praça da República, em São Paulo, onde artistas se apresentaram para pedir a libertação de Lula, condenado e preso desde abril do ano passado.

“Lula e educação são inseparáveis. Essa moçada está indo às ruas pelo legado que Lula deixou nesse país”, disse Gleisi. E completou Paulo Okamato, presidente do Instituto Lula: “A campanha do Lula Livre se junta à pauta da educação”.

Oportunismo puro. Condenado, por sinal, pelo ex-candidato a presidente da República Fernando Haddad (PT): “O movimento da educação é um movimento da sociedade, independentemente da posição que a pessoa tenha em relação ao PT e ao Lula”.

Haddad teme, e com razão, que a tentativa do PT de tutelar a inciativa de estudantes, professores e pais de alunos acabe por esvaziar o movimento. Isso é tudo que o governo quer. De longe, Bolsonaro agradece e torce pelo sucesso da nova iniciativa do PT.

Rodrigo Maia detona pacto entre poderes

E bate no ministro da Educação
Alvo dos manifestantes que foram às ruas hipotecar apoio ao governo de Jair Bolsonaro, celebrizado por um gigantesco boneco inflável parecido com o Pixuleco que tanto incomodou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, aproveitou entrevista que concedeu, ontem, ao jornal O Globo para dar o troco nos seus desafetos.

Repetiu a crítica de sempre, de que falta a Bolsonaro um plano para governar o país. Disse que a reforma da Previdência, por si só, será incapaz de fazer a economia crescer. Alertou que o Brasil está no rumo “do colapso social”, e que nada está sendo feito para impedir que isso aconteça. E por fim, detonou o pacto entre o Executivo, Legislativo e Judiciário, a menina mais recente dos olhos do presidente da República.

Segundo Maia, o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, fez uma proposta de pacto, mas que era “mais de princípios”. Ai veio “o governo com uma contraproposta mais política, mais ideológica”. O ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, entregou a ele e a Toffoli “um documento” a respeito “que ninguém leu”. Então ficou parecendo que o pacto fora fechado “em cima daquele texto. Zero de verdade nisso”.

De resto, ele só poderia firmar qualquer pacto se “tivesse apoio majoritário” dos partidos, o que dificilmente conseguirá. Aproveitou para descer a lenha no ministro da Educação, Abraham Weintraub que não poderia se comportar como “um ator da Disney”. E decretou: “Ele está errando. E está errando contra o governo. Em ministro da Educação, a cabeça é racional, não é emocional”.


Ricardo Noblat: Deixem o capitão trabalhar!

Nem tudo ainda está perdido

Ao presidente da República deveria ser permitido no fim de semana sair para almoçar na casa de um amigo sem ser importunado pelos jornalistas, sem ter a obrigação quase sempre desagradável de responder a perguntas fora de hora, principalmente as mais incômodas que não quer ou que não saberia responder.

No caso de Bolsonaro, dentro ou fora do expediente de serviço, nada se lhe deveria indagar sobre economia porque ele simplesmente não entende. Quantas vezes ele não disse que de economia entende o ministro Paulo Guedes? Ou que os que diziam entender de economia empurraram o país para o buraco? Referia-se aos petistas, claro.

Mas os jornalistas são uma praga. E ontem, à saída de Bolsonaro da casa de um amigo no Lago Sul, em Brasília, quiseram saber o que ele acha das projeções sobre o crescimento do Produto Interno Bruto do país depois da queda de 0,2% no primeiro trimestre deste ano. Isso é lá coisa que se pergunte a um presidente num sábado luminoso?

“Já falei que não entendia de economia?” – devolveu Bolsonaro. “Quem entendia afundou o Brasil e eu confio 100% na economia do Paulo Guedes”. Ante a pressão de repórteres ansiosos por notícias, o presidente decidiu saciá-los com platitudes do tipo: “A gente quer melhorar os nossos índices, agora passa por questões até externas”.

Das internas preferiu não falar, e com razão. Sempre que tenta demonstrar domínio de alguns temas, é encrenca na certa. Foi assim quando mandou a Petrobras suspender o reajuste do diesel. Ou quando anunciou um milagroso projeto econômico do qual ninguém ouvira falar dentro ou fora do governo. Admoestado, recuou.

Depois de cinco meses de governo Bolsonaro, a economia está ao rés-do-chão e não oferece o mais pálido sinal de que possa levantar-se, nem quando. Guedes e equipe parecem não ter tido tempo de pensar em algo para além da reforma da Previdência que renderia uma economia de 1 trilhão de reais em 10 anos.

Fala-se vagamente de outras reformas, da privatização de empresas estatais, do achatamento do salário pago a determinadas categorias de servidores públicos, e coisas que tais. Mas de medidas pontuais ou de longo prazo que reduza o número de desempregados, neca de pitibiribas. Quem gosta de pobre é o PT, disse Bolsonaro outro dia.

Há presidentes despreparados para governar, mas que mesmo assim acabam aclamados por terem governado bem, e outros apenas despreparados e que ao fim do seu mandato são esquecidos. O segredo do sucesso dos primeiros foi montar boas equipes e não atrapalhar seu trabalho. Os outros se deram mal por fazer o inverso.

Como quem nada aprendeu antes de chegar à presidência e nada esqueceu depois de chegar, Bolsonaro ainda tem a chance de dar-se bem. O primeiro passo seria reconhecer sua abissal ignorância sobre tudo. O segundo, reformar sua equipe. O terceiro, atrapalhar o mínimo possível. Quem sabe assim não se reelegeria? Não duvidem.

Abaixo do Brasil acima de tudo e de Deus acima de todos está o povo. Ou não? Um bom domingo para todos.

Fora com o dançarino

A propósito de peças defeituosas
Os repórteres que, ontem, subtraíram a paz do presidente Jair Bolsonaro cravando-lhe com perguntas quiseram saber o que ele achou da nota do Ministério da Educação proibindo professores e alunos de divulgar e estimular protestos durante o expediente escolar.

Bolsonaro, primeiro, disse que ainda não conversou a respeito com o ministro Abraham Weintraub – sim, aquele que se valeu de chocolates para explicar o corte de verba para a Educação, e que depois dançou no seu gabinete para desmentir uma falsa notícia.

Em seguida, Bolsonaro respondeu assim:

– O que eu sempre recomendo aos ministros é o menos de marola possível. Faz a coisa em silêncio. Há interpretação, muitas vezes, equivocada e isso não é bom para a gente.

Fazer a coisa em silêncio… Ora, mesmo em silêncio depois não se fica sabendo? Mas como o ministro da Educação poderia fazer em silêncio uma nota dirigida a todos os professores e alunos de escolas e universidades do país? Isso esqueceram de perguntar a Bolsonaro.

Weintraub sucedeu no cargo o professor Ricardo Veléz, indicado pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho que o conhecera na internet. Foi Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, que indicou Weintraub para ministro. Trabalhara com ele durante quatro meses, se tanto.

Bolsonaro reconheceu que foi um erro ter nomeado Vélez. Para não ser obrigado a reconhecer um novo erro, insiste em manter Weintraub. O ministro é umas das várias peças defeituosas do governo, assim como seus colegas dos Direitos Humanos e do Meio Ambiente.


Gaudêncio Torquato: Será que vai dar certo?

Como medir a viabilidade de um governo

Pergunta recorrente a este consultor: o governo Bolsonaro chegará ao final? Questão suscitada pelas tensões, idas e vindas desses cinco meses de administração. Em minhas bolas de cristal não vislumbro resposta convincente. No limite, aponto o Senhor Imponderável dos Anjos como assíduo visitante ao nosso roçado político-institucional.

Mas a ciência política ensina como medir a viabilidade de um governo e a possibilidade de se sustentar. Pinço as alavancas que o cientista político chileno Carlos Matus usa em seus ensaios para apontar quatro eixos que balizam respostas à pergunta acima.

São elas: a) a viabilidade política; b) a viabilidade econômica; c) a viabilidade cognitiva e d) a viabilidade organizativa. A primeira diz respeito à índole dos políticos e sua disposição de endossar ou não a agenda do Executivo; isso depende muito da articulação do governo. Imbróglios obscurecem o horizonte político. Ao dizer que não se submete à “velha política”, o presidente Bolsonaro coloca imensa barreira entre o governo e o Parlamento.

Além disso, a articulação do governo é dispersa, com protagonistas múltiplos – general Santos Cruz, Onyx Lorenzoni, o próprio presidente e líderes do governo no Congresso. Afinal, quem é o responsável? A própria base governista é um amontoado sem rumo. O PSL, por exemplo, vive em querelas constantes, enquanto o governo precisa convencer políticos (até da oposição) para aprovar as reformas.

A segunda viabilidade requer dados e contextos econômicos alinhados sob a tese que se quer demonstrar. No caso brasileiro, a recessão já dá sinais de que pode voltar. O PIB encolheu 0,2% no primeiro trimestre e o resultado pode ser medíocre este ano. Sem a reforma da Previdência, não haverá como pagar aposentadorias. Ao contrário, com as reformas, inclusive a tributária, as projeções mudam de rumo. O país cresceria de 2% a 3%, segundo o relator da PEC 293/2004, da reforma tributária, o competente ex-deputado Luiz Carlos Hauly.

Os inputs econômicos se assentam sobre base racional e não emotiva. Sob ameaça de volta da recessão, o risco é que o país volte às brumas do passado.

O terceiro eixo é o cognitivo, área do conhecimento sobre as matérias pautadas. Sem ampla divulgação dos temas, não haverá convencimento do corpo parlamentar. Da mesma forma, a sociedade precisa ser bem informada para que faça pressão sobre seus representantes. Conhecimento se transporta pelos meios de comunicação: interpessoais, grupais ou coletivos, reuniões, debates, rádio, TV, jornais, redes sociais etc.

Mas, como sabe, a comunicação do governo é falha. Há estruturas, um porta-voz general, redes usadas pelo presidente e seus filhos. A dispersão desorienta e gera balbúrdia.

Por último, a viabilidade organizativa, conjunto de meios e instrumentos – ministros, estruturas, articulação política -, que influencia na circulação rápida de ideias. Sem coordenação, o fracasso ocorrerá.

Os quatro eixos devem ser ajustados para alcançar metas e objetivos.

A análise acurada de cada viabilidade abrirá sinais e referências para se construir uma resposta adequada à pergunta que encabeça este texto.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político.