Blog do Noblat

Ricardo Noblat: General censura Bolsonaro

O caso do garoto embaixador

Pegou tão mal por toda parte, mas tão mal a possível indicação de Eduardo Bolsonaro, o Zero Dois, para embaixador do Brasil em Washington, que o general Luiz Eduardo Ramos, que mal esquentou a cadeira de ministro da Secretaria de Governo, censurou seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro.

Durante café da manhã com jornalistas, ontem, ele disse que Bolsonaro “se apressou” ao anunciar a indicação. O rompante do presidente foi classificado pelo general como “momentos”. Admitiu que a divulgação da notícia em meio à votação da reforma da Previdência não caiu bem e reforçou as críticas da oposição.

Palavras do general: “Deu polêmica, reconheço, saiu na imprensa. Agora vamos aguardar. Poderia ter anunciado na semana que vem? Talvez, durante o recesso parlamentar. Vários deputados citaram essa nomeação, podia ter evitado”. O general relativizou o anúncio, como se Bolsonaro estivesse sob pressão para recuar da ideia.

Eduardo não será necessariamente embaixador. O general citou outros recuos do presidente após uma enxurrada de críticas. Lembrou a proposta de transferir a embaixada do Brasil em Israel de Telavive para Jerusalém. Os países árabes ameaçaram suspender a compra de produtos brasileiros se isso acontecesse.

“Meu amigo Bolsonaro tem esses momentos”, concedeu o general que mais se empenhou dentro do Alto Comando do Exército para que seus colegas de farda apoiassem a candidatura do capitão. “Vou citar a famosa ‘vou levar embaixada pra Jerusalém’. Eu pergunto: hoje está onde? Em Telavive.”

Naturalmente, o general elogiou Eduardo. Chamou-o de “um jovem preparado”, sem dizer no quê. E afirmou que sua possível nomeação para embaixador “não contraria a lei”. Há controvérsia.

Amordaçaram Mourão

Ordem do presidente
E aí? Tem sentido falta das declarações quase sempre sensatas do general Hamilton Mourão, vice-presidente da República? Declarações que às vezes foram na contramão dos rompantes do presidente Jair Bolsonaro?

Pois ele, Mourão, recebeu ordem superior para calar a boca, ou falar o mínimo, e jamais para contestar direta ou indiretamente o que Bolsonaro diz. Tiraram-lhe seu assessor de imprensa, o jornalista André Gustavo Stumpf, e no lugar dele puseram um militar.

Bolsonaro tem agora como vigiar os passos de Mourão. Nomeou um delegado da Polícia Federal de sua inteira confiança para a direção da Agência Brasileira de Informações (ABIN), o Serviço Secreto do governo. A ABIN não é lá nenhuma CIA, mas dá para o gasto.

Segue o baile.


Ricardo Noblat; Passa a reforma, ficam os privilégios

A avalanche que ninguém esperava

Foi discurso de candidato – a presidente da República, a vice, ou na pior das hipóteses, a governador do Rio de Janeiro, o seu Estado. Ao celebrar a aprovação do texto-base da reforma da Previdência, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, fez questão de dirigir-se ao país, não somente a seus colegas. E chorou – antes e depois de falar.

Maia é um chorão. De uma família de chorões. Para superar a tensão, chora e às vezes sai chutando seus adversários. Diz-se acostumado a viver sob intensa pressão desde quando dividia o útero da mãe com sua irmã gêmea. Sabe guardar ressentimentos. Mas é pragmático o bastante para esquecê-los se for o caso.

Por ora, não foi o caso de desprezar os ataques que sofreu do presidente Jair Bolsonaro, e dos devotos dele em recentes manifestações de rua encomendadas. Maia virou boneco inflável gigante alvo de insultos. Sua vingança foi não mencionar o nome de Bolsonaro no discurso aplaudido de pé por seus pares.

Um discurso redondo, de improviso, mas pensado de véspera, embora sob a emoção de um resultado surpreendente até para ele. Na semana passada, quando admitiu haver votos suficientes para aprovar a reforma, Maia não tinha certeza disso. Pelo contrário: temia que faltassem votos, algo como uns 30 dos 308 necessários.

Desembarcou, ontem, na Câmara seguro de que contaria com 330 votos em um total possível de 513. Mesmo assim seria uma vitória expressiva. No governo de Fernando Henrique Cardoso, a reforma da Previdência foi derrotada porque faltou um único voto. Os governos seguintes preferiram bancar arremedos de reforma.

Então ocorreu a avalanche que deixou todo mundo perplexo, a começar por Maia e a terminar por Bolsonaro que nunca suou a camisa para aprovar a reforma. Suou para livrar os policiais militares da reforma. Votaram 510 deputados – 379 a favor, 131 contra. Maia viu o resultado no placar eletrônico e não acreditou.

O que aconteceu? Ao invés de dar ao governo a reforma que ele pedira, os deputados decidiram fazer a sua. Convenceram-se de que não dava mais para ignorar que o país caminharia para o buraco se não reformasse a Previdência. A estarem certas as pesquisas, a maioria dos brasileiros pensa a mesma coisa.

Fez-se a reforma – ou melhor: foi dado o passo mais difícil na direção de fazê-la. Hoje, a Câmara votará pontos da reforma destacados e ela poderá ficar menor. Em seguida, a bola será chutada para o Senado. Ali, se tentará incluir Estados e municípios no momento excluídos da reforma.

Uma reforma concebida para acabar com os privilégios manteve vários deles e aumentou outros. Mas como o mundo gira, a Lusitana roda e as pessoas vivem mais, é assunto para ser resolvido na discussão da próxima reforma.

Esquerda em estado de choque

Feridas abertas
Nem nos seus piores pesadelos, os partidos de esquerda sonharam com uma derrota tão acachapante como a que colheram na Câmara dos Deputados com a votação da reforma da Previdência.

Seus líderes sabiam que o texto seria aprovado, mas por uma margem apertada de votos. Admitiam poucas deserções em suas fileiras, mas jamais o que acabou por acontecer.

Somente o PT, PSOL e PC do B votaram em bloco contra a reforma. O PSB, que fechara questão contra a reforma, rachou e feio. Dos seus 32 deputados, 11 votaram a favor.

Dos 27 deputados do PDT, 8 desobedeceram à orientação do partido e votaram a favor da reforma – inclusive a estrela da bancada, Tabata Amaral, cogitada para disputar a prefeitura de São Paulo.

Ciro Gomes, ex-candidato do PDT a presidente da República, anunciou que pedirá a expulsão dos infiéis. A direção do PSB pensa em promover o expurgo dos seus desobedientes.

É difícil que tais ameaçam se concretizem dado ao pequeno tamanho da esquerda na Câmara. Em jogo, a sobrevivência das legendas. O barulho interno cessará com o passar do tempo.

A fatia mais à esquerda da esquerda é que pode sair eleitoralmente fortalecida. Entregou pelo menos o que prometera – todos os seus votos para derrotar a reforma.


Ricardo Noblat: A desculpa esfarrapada do capitão

Pagou porque quis pagar

Empenhado em manter de pé a enganação de que uma Nova Política subiu a rampa do Palácio do Planalto e por lá ficou desde que ele tomou posse há seis meses, o presidente Jair Bolsonaro apressou-se a postar no Twitter a mensagem que segue aqui:

“Por conta do orçamento impositivo, o governo é obrigado a liberar anualmente recursos previstos no orçamento da União aos parlamentares e a aplicação destas emendas é indicada pelos mesmos. Estamos apenas cumprindo o que a lei determina”.

É verdade que a lei determina. Cumpra-se, portanto. Mas o governo só libera dinheiro para o pagamento das emendas quando quer. E, de preferência, para quem atender aos seus desejos. Todo governo procede assim. E o de Bolsonaro não fugiu à regra.

Deixou para soltar a grana às vésperas da votação da reforma da Previdência. E premiou os que se comprometeram a votar a favor. Na base do toma lá, me dá cá. Tome lá grana para pequenas obras em suas bases eleitorais. Em troca, dê-me seu voto.

Foi assim, por exemplo, que o ex-presidente Temer evitou por três vezes que a Câmara aprovasse pedidos do Supremo Tribunal Federal para processá-lo por corrupção. Bolsonaro mandou os escrúpulos às favas – e, com eles, a lorota da Nova Política.

Salve, Maia!

O grande pai da reforma
Se o presidente Jair Bolsonaro não atrapalhar, e ele ainda poderá fazê-lo, a proposta de reforma da Previdência será aprovada pela Câmara dos Deputados entre hoje e amanhã em primeira votação. No que isso acontecer, a segunda votação será meramente simbólica para confirmar a primeira como mandam as regras.

Bolsonaro ainda teima em de deixar de fora da proposta a aposentadoria dos policiais militares para decisão futura por meio de um projeto do governo a ser encaminhado ao Congresso. Isso daria margem a que outras categorias pressionassem para obter o mesmo tratamento privilegiado.

A sorte da reforma da Previdência foi selada já tarde da noite quando Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, pôs em votação um dos cinco requerimentos da oposição que pedia o adiamento de qualquer decisão. O requerimento foi derrotado por 331 votos contra 117. Igual destino terão os demais, hoje.

O placar deixou claro que a reforma taokey. Para isso, bastam 308 votos. Maia imagina que contará com pouco mais de 350 votos em um total possível de 513. A confirmar-se o que ele espera, a proposta de reforma irá para votação no Senado. E, ali, deverá ser aprovada em agosto, depois das férias do meio de ano.

Vitória costuma ter vários pais. A derrota é órfã. O principal pai da reforma que fracassou em governos anteriores é Maia. Foi sua capacidade de articulação política que tornou possível o que está prestes a se consumar. A reforma chegou ao Congresso com as digitais do governo. Sairá de lá com as da Câmara e do Senado.


Ricardo Noblat: Bretas para a vaga de Moro

O que está por vir

Por ora, Marcelo Bretas, juiz da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, encarregado, ali, da Operação Lava Jato, é o nome do coração do presidente Jair Bolsonaro para preencher a vaga a ser aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria do ministro Celso de Mello em 2019. Seria o primeiro ministro evangélico.

Bolsonaro está convencido de que o Senado não aprovará a nomeação do ex-juiz Sérgio Moro depois que sua reputação foi gravemente abalada com o vazamento a conta gotas de mensagens trocadas por ele com procuradores da Lava Jato, em Curitiba. De resto, o ambiente no STF tornou-se tóxico para Moro.

Mas Bretas é também o nome do coração de Bolsonaro para substituir Moro no Ministério da Justiça, caso o ex-juiz não mais se sustente por lá. O presidente entende que ministro, qualquer um, é como fusível: queimou, joga-se no lixo e providencia-se outro. A chapa de Mouro está esquentando e ele não tem muito que fazer.

Sua saída do cargo para uma curta temporada de férias com a família poderá coincidir com a publicação de novas mensagens que o comprometem. O procurador Deltan Dallagnol recusou convite para depor a respeito na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Esqueceu que poderá ser convocado, e, nesse caso, obrigado a ir.

Se não for, será levado coercitivamente. Como aconteceu com Lula quando a Polícia Federal foi buscá-lo em São Bernardo do Campo para ser ouvido por procuradores em uma sala do aeroporto de Congonhas. Com uma diferença: Lula não havia sido convidado para depor. Nem intimado. Foi mais um espetáculo da Lava Jato.

Mudar para que tudo permaneça igual

Sobre a velha e a nova política

Era assim no tempo da Velha Política: às vésperas da votação no Congresso de algum projeto de interesse do governo, o presidente da República autorizava o pagamento de emendas parlamentares ao Orçamento destinadas à construção de obras na base eleitoral de deputados e senadores. Os que votassem como o governo queria eram contemplados, os outros não. Ficavam para a próxima vez.

No tempo da Nova Política, inaugurada pelo presidente Jair Bolsonaro há apenas seis meses, é assim: às vésperas da votação no Congresso da reforma da Previdência, só nos primeiros cinco dias de julho o governo empenhou R$ 2,551 bilhões para o pagamento de emendas parlamentares. De janeiro a junho último, foi R$ 1,77 bilhão. Os dados são da ONG Contas Abertas.Notou a diferença? Não? De fato, não há diferença. Assim agiram os governos anteriores ao do capitão. Sempre se dirá, e com justa razão, que é obrigatório o pagamento das emendas parlamentares, embora o governo possa protelá-lo a seu gosto. Só não se diga que a Nova Política é diferente da Velha. Porque não é. Se ela pretendeu ser, envelheceu precocemente.


Ricardo Noblat: Logo com quem o capitão foi arranjar encrenca

Fechou o tempo

Quem disse?

“A situação da Amazônia é um triste paradigma do que está acontecendo em muitas partes do planeta: uma mentalidade cega e destruidora que favorece o lucro à justiça; coloca em evidência a conduta predatória com a qual o homem se relaciona com a natureza.”

E quem respondeu?

“O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer”.

Quem disse foi o Papa Francisco, na manhã de ontem, durante o do 2º Fórum das Comunidades Laudato que acontece em Amatrice, cidade italiana do Lácio, na mesma região de Roma. Quem respondeu à noite, em Brasília, de saída do Palácio da Alvoras para uma recepção no Clube da Marinha, foi o presidente Jair Bolsonaro, quando abordado por jornalistas a respeito do que o Papa dissera.

Francisco lamentou a retirada de povos indígenas de suas terras nativas e afirmou: “O homem não pode permanecer um espectador indiferente diante dessa destruição, nem a Igreja deve ficar em silêncio”. Sem citar o Papa, Bolsonaro devolveu: “Você sabe o que é Triplo A? Andes, Amazônia, Atlântico. São 136 milhões de hectares. O primeiro mundo quer para eles a administração dessa área.”

Na semana passada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais detectou aumento de 88% no desmatamento da Amazônia comparando junho de 2019 com junho de 2018. São 920 quilômetros quadrados de florestas a menos. Em recente viagem ao Japão, Bolsonaro garantiu que entre Boa Vista e Manaus não há um só quilômetro quadrado desmatado. E desafiou o presidente francês a sobrevoar a região para conferir.

Pois foi exatamente no trecho citado por Bolsonaro que o MapBiomas identificou sérios problemas. Ali, foram mais de 2,1 mil alertas ou focos de desmatamento nos últimos seis meses (janeiro a junho). Cada ponto equivale a uma área de 213 quilômetros quadrados. Segundo os pesquisadores, mais de 95% foram desmatamentos ilegais.


Ricardo Noblat: A semente de um estado policial

A Polícia Federal não é mais aquela...

Ainda pode faltar a bala de prata capaz de abater a reputação do ex-juiz Sérgio Moro, embora o conjunto da obra, ou melhor, das conversas dele com os procuradores durante a condução da Lava Jato, talvez na verdade seja a bala de prata que tantos cobram.

Mas a bala de prata para abater a reputação do ministro Sérgio Moro já não falta. E foi disparada pelo franco atirador Jair Bolsonaro ao revelar, sem que ninguém tivesse perguntado, que recebera de Moro um relatório que não lhe cabia receber.

Em entrevista coletiva no Japão, no último dia 28, Bolsonaro disse que o Sergio Moro lhe dera acesso privilegiado a dados do inquérito sobre os “laranjas” do PSL. “Ele [Moro] mandou a cópia do que foi investigado pela Polícia Federal”, revelou Bolsonaro.

Alô, alô, como é mesmo? O ministro da Justiça, ao qual se subordina a Polícia Federal, mandou para o presidente da República relatório sobre uma investigação que tramita sob segredo de Justiça na 26ª Zona Eleitoral de Minas Gerais?

Nem a Federal poderia informar Moro a respeito do que apurara e do que falta apurar, nem Moro poderia informar a Bolsonaro sobre o que ficara sabendo. A Polícia Federal é um órgão de Estado, não de governo. No caso, estava a serviço da Justiça.

Em sua perversa ignorância, Bolsonaro comentou que determinara a Moro que a Polícia Federal investigasse “todos os partidos” com problemas semelhantes ao PSL. Por quê? Porque segundo ele “tem que valer para todo mundo” e não só para seu partido.

Bolsonaro também não poderia ter feito tal encomenda. A prerrogativa seria da Justiça. Ele quer usar a Polícia Federal como se fosse um puxadinho do seu gabinete. Isso só seria possível se vivêssemos em um Estado policial. Será isso o que ele pretende?

Quanto a Moro… Quem se acocora mostra os fundilhos. É o que Moro tem feito depois de descobrir que Bolsonaro não está disposto a ser um dependente dele como pareceu a princípio. A mão se inverteu. Hoje, é Moro que depende de Bolsonaro.

Triste fim para quem ambicionava uma vaga de ministro do Supremo Tribunal da Justiça na pior das hipóteses. Na melhor, eleger-se presidente da República nas próximas eleições. Se muito, Moro poderá sonhar com a vaga de vice na chapa de Bolsonaro.

O teste de Moro no Maracanã

Nasce um novo líder populista
O ex-juiz Sérgio Moro chama de “sensacionalismo” o que faz a imprensa ao divulgar suas comprometedoras conversas com procuradores durante a condução da Operação Lava Jato.

Ora, “sensacionalismo” ele faz ao sugerir que uma eventual anulação do processo que condenou Lula no caso do tríplex abrirá a porta da cadeia para os demais presos pela Lava Jato.

Divulgar material de irrecusável interesse público, não importa por qual meio tenha sido obtido, é obrigação da imprensa. O contrário disso seria subtrair ao povo o que ele tem direito de saber.

Por sinal, esse sempre foi o argumento de ouro usado por Moro e os procuradores seus parceiros para justificar o vazamento de informações que alimentaram a imprensa nos últimos anos.

Não foi assim, por exemplo, quando Moro liberou para publicação um diálogo entre a ex-presidente Dilma e o ex-presidente Lula grampeado depois do prazo estipulado por ele mesmo?

“Sensacionalismo” é também o que ele faz quando se apresenta como vítima de um complô para destruir o legado da Lava Jato, a maior e mais bem-sucedida operação de combate à corrupção.

O site The Intercept e seus jornalistas defenderam a Lava Jato em diversas ocasiões. A Folha de S. Paulo e a VEJA também, e continuam a defendê-la.

O combate à corrupção é uma unanimidade entre todos os veículos de comunicação do país, e também fora daqui. O que se começou a conhecer sobre as entranhas da Lava Jato é que deixou de ser.

Quer maior “sensacionalismo” do que Moro proclamar que será julgado pelo povo quando desfilar amanhã pelo gramado do Maracanã na companhia de Bolsonaro?

Até aqui só havia um líder populista no alto escalão da República – o capitão. O ex-juiz se oferece como o segundo. Aprendeu rápido com pouco tempo de Brasília. Mas ainda não aprendeu tudo.

Se forem aplaudidos no Maracanã que no passado já vaiou minuto de silêncio, quem faturará com isso será Bolsonaro. Se forem vaiados, quem amargará com isso será Moro. Elementar, caros.


Ricardo Noblat: Bolsonaro planta e colhe outra derrota

De messias a traidor

Era irresistível para um presidente acidental como ele. Distante nos últimos seis meses da proposta de reforma da Previdência, agora quando parecia que ela caminhava muito bem, o capitão Jair Bolsonaro resolveu meter-se onde não era mais chamado. Ao fazê-lo, poderá ter contribuído para que a reforma fique para ser votada no Congresso só a partir de agosto.

A interferência súbita e, como sempre, atabalhoada, se deu porque o capitão foi vaiado e acusado de traidor por policiais civis e militares insatisfeitos com o preço a pagar pela reforma. Eles cobram o tratamento especial que Bolsonaro lhes prometera antes e depois de eleito. E Bolsonaro, sem consulta ao ministro Paulo Guedes, seu ex-Posto Ipiranga, decidiu atendê-los.

“Vou resolver o caso de vocês, viu?” – anunciou Bolsonaro a um grupo de PMs. Bem que tentou. Disparou ligações para o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), relator da reforma na Câmara, e para líderes de partidos até concluir que seu desejo não seria satisfeito. Para variar, colheu mais uma derrota e deu munição aos interessados em torpedear a aprovação da reforma.

Como uma reforma que acabará com os privilégios, a acreditar-se nos seus patrocinadores, poderia conviver com mais um privilégio a ser mantido? Por que só os que vestem ou vestiram fardas merecem ser premiados na hora em que se exigem sacrifícios de todo mundo? Já não basta a desidratação da reforma que deixará de fora Estados e Municípios? Corre-se o risco de a montanha parir mais um rato.

Para Bolsonaro, pouco se lhe dá. Seu negócio é tentar segurar ao seu lado os que o elegeram, não importa o quanto isso possa custar ao país. O inferno para ele são os outros, os que lhe negaram o voto. Quando candidato, disse que apresentaria proposta de emenda à Constituição para acabar com a reeleição de presidente, governadores e prefeitos. Eleito, lançou-se candidato à reeleição.

Segue o baile, sob o comando do presidente mais desconexo que o país já conheceu.

Taokey?

Pense bem

Um juiz não pode atuar em parceria com acusação ou defesa. Os livros de Direito ensinam que não pode. A Constituição diz que não pode. Juiz deve ser neutro. É assim nos países democráticos.

Agora, releia as conversas do ex-juiz Sérgio Moro com procuradores da Lava Jato publicadas pelo site The Intercept. Faça de conta que ele conversava com os advogados de Lula.

E aí? Sinceramente, estaria tudo bem? Nada a reclamar?

Você viu Juan Guaidó por aí?

E a ditadura de Maduro não caiu de podre

Entre janeiro e abril só deu Juan Guaidó. O autoproclamado presidente da Venezuela ocupou grande parte do noticiário internacional aqui, na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa como o homem que seria capaz de pôr a baixo sem disparar um único tiro a ditadura de Nicolás Maduro, o infeliz herdeiro do coronel Hugo Chávez.

Se fosse preciso atirar, ele também seria capaz de realizar tal façanha com o apoio dos governos de Donald Trump e de Jair Messias Bolsonaro. Era o que se dizia. Foi o que o próprio Guaidó admitiu. Dizia-se ainda que a ditadura de Maduro tinha seus dias contados porque o Exército venezuelano acabaria por abandoná-la. Quem vivesse haveria de ver.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) chegou a anunciar seu deslocamento para a fronteira do Brasil com a Venezuela porque desejava assistir de perto o que estava prestes a acontecer. Nem mesmo a patuscada do envio frustrado de duas camionetes com alimentos para socorrer venezuelanos famintos demoveu o Zero Três do seu propósito bélico.

Tudo deu em nada como se vê. Trump, agora, acusa seu assessor especial John Bolson de tê-lo enganado na condução da crise venezuelana. Bolson é aquele bigodudo que tomou café da manhã com Bolsonaro no Rio e que se encantou por ele. O governo brasileiro simplesmente esqueceu o assunto. E os militares tupiniquins, enfim, suspiraram aliviados.

Reconheça-se: eles jamais acreditaram que só faltasse um sopro para que Maduro desabasse. E jamais defenderam uma intervenção armada na Venezuela. Sabiam muito bem que nossas Forças Armadas carecem de poderio suficiente para arriscar-se numa aventura de tamanho porte. O assunto está vencido, e vencido permanecerá. Até que… E sabe-se lá até quando…

Talvez até quando Trump concluir que mais uma prensa na ditadura venezuelana reforçará outra vez suas chances de se reeleger. Então acionará Bolsonaro que o venera só abaixo de Deus e do Brasil. E tudo recomeçará. Ontem à noite, na embaixada americana, durante a cerimônia de celebração da independência dos Estados Unidos, Bolsonaro voltou a falar sobre a Venezuela:

– Temos um problema aqui ao norte do Brasil e não queremos que outros países enveredem para esse lado.

Trump e Bolsonaro são políticos que só sobrevivem à custa de conflitos.


Ricardo Noblat: Moro abriu a guarda

Ex juiz em julgamento

No princípio foi o verbo reconhecer, precedido pelo advérbio não. Disse Sérgio Moro: não reconheço como minhas as mensagens trocadas com procuradores da Lava Jato e publicadas pelo site The Intercept. Poderia tê-las apontado como falsas, mas não o fez.

Depois, sem desprezar o verbo e o advérbio, passou a acrescentar que as mensagens poderiam ter sido adulteradas no todo ou em parte. A fase seguinte foi a de apontar que nada havia de ilegal nas mensagens que lhe atribuíam, embora ele não as reconhecesse.

E, finalmente, Moro derrapou pela primeira vez. Foi quando gravou um vídeo para desculpar-se com integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) chamados por ele de “tontos” em uma de suas conversas com o procurador Deltan Dellagnol.

Ora, ora, ora. Desculpar-se pelo que não disse, pelo que possa ter sido adulterado, pelo que insistia em não reconhecer? Ou Moro, afinal, começara a reconhecer a autenticidade das mensagens? Ou pelo menos de algumas delas?

No longo depoimento de mais de sete horas que prestou, ontem, na Câmara dos Deputados, Moro acabou por abrir mais brechas no seu discurso de defesa. Referindo-se ao conjunto das mensagens, comentou a certa altura:

– São coisas absolutamente triviais dentro do cenário jurídico.

Mais adiante, novamente a respeito das mensagens, observou: “Podem ter elementos verdadeiros ali e elementos adulterados.” E em relação especificamente a uma mensagem enviada a Dallagnol às vésperas de interrogar Lula, cometeu seu erro mais grave.

A mensagem:

Moro – 12:32:39. – Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.

Dallagnol – 12:42:34. – Ok, manterei sim, obrigado!

Tessler foi trocada por dois outros procuradores que representaram o Ministério Público na audiência com Lula. O fato levou Moro, ontem, a negar que tivesse pedido a substituição de Tessler, e a dizer que sugerira apenas que ela fosse mais bem treinada.

Isso significa que Moro reconheceu como sua mais uma das mensagens reveladas pelo The Intercept. Ao fazê-lo, dá razão à crítica de que de fato orientou uma das partes no processo que condenou Lula a 12 anos e 1 mês de prisão.

Juiz não pode orientar nem a acusação nem a defesa em processo algum. Dele cobra-se neutralidade absoluta. A lei prevê punições para um juiz que não se comporte assim. É por isso que Moro está sentado na cadeira de réu do grande tribunal da opinião pública.

Ameaça ao jornalismo

Escândalo e crime
que a Polícia Federal pedira ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) do Ministério da Fazenda um relatório sobre as atividades financeiras do jornalista Gleen Greenwald, editor do site The Intercept e autor das reportagens sobre a troca de mensagens entre o ex-juiz e procuradores da Lava Jato.

A Polícia Federal é subordinada ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública comandado por Moro. O ex-juiz poderia ter confirmado ou negado que o relatório fora pedido. À sua maneira cada vez mais esquiva e arrogante de dar explicações sobre o que lhe compete, Moro limitou-se a responder assim:

– A questão da investigação está com a Polícia Federal. Não há qualquer perseguição a jornalista e qualquer questionamento a esse respeito tem que ser feito à PF. Respeitamos a liberdade de imprensa.

O jornal Folha de S.Paulo procurou a Polícia Federal como Moro havia sugerido. A Polícia Federal disse que não confirma se pediu ao COAF relatório sobre as atividades financeiras de Greenwald.

Se não pediu poderia ter negado. Se pediu, estamos diante de uma grave ameaça à liberdade de informação. Autores de reportagens que causem embaraços a figuras públicas poderão doravante ter sua vida financeira devassada por órgãos do governo e sem prévia autorização judicial.

Em qualquer país democrático, isso seria tratado como escândalo e denunciado como crime.


Ricardo Noblat: Governo da balbúrdia

Sem norte, movido a espasmos

O governo respeitará o que a Câmara decidir sobre os decretos que expandem o acesso à compra e à posse de armas, prometeu o presidente Jair Bolosonaro na semana passada. Como se houvesse alternativa…

O governo, portanto, não revogará os decretos, anunciou, ontem, perto do meio dia, o porta-voz da presidência da República, general Rêgo Barros, pressionado por jornalistas ávidos por notícias, qualquer uma desde que valesse a pena.

O governo revoga os decretos antes derrubados pelo Senado, prestes a ser também pela Câmara dos Deputados, e que o Supremo Tribunal Federal se preparava para considerar, hoje, inconstitucionais. Era por volta das 15 horas.

Menos de uma hora depois soube-se que uma edição extraordinária do Diário Oficial publicara três novos decretos a respeito do mesmo assunto, um deles que repetia os pontos principais de um dos decretos que se deu por revogado.

Acabou por aí? Não senhor. No final do dia, sob pressão de deputados, o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, admitiu que o governo revogará hoje ou amanhã o novo decreto que repete os pontos principais de um dos decretos revogados.

Quer exemplo melhor de governo mais confuso, mais tatibitate, mais inconfiável, mais improvisado, que só funciona à base de espasmos, de ideias colhidas a cada instante aqui e acolá, sem rumo e, portanto, surpreendente?

Tudo é possível, e sempre será num governo de tal natureza. Do erro (o mais comum) ao acerto (o mais raro). E note-se que estava em questão a promessa mais cara de campanha do presidente da República, aquela que lhe rendeu milhões de votos.

Está para nascer um governo tão desnorteado que ao final seja bem-sucedido.

Lula livre nem tão cedo

Uma segunda condenação assombra o ex-presidente

Por excesso de provas, o ministro Gilmar Mendes, há dois anos, absolveu a chapa Dilma-Temer do crime de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2016.

Desta vez, por carência de provas, Gilmar sugeriu que Lula ficasse solto enquanto o Supremo não concluísse o julgamento do seu segundo pedido de habeas corpus. O primeiro fora negado.

O pedido de progressão de pena levará Lula para o regime semiaberto de prisão, como defende o Ministério Público. Assim ele dormiria na cadeia e sairia para trabalhar durante o dia.

Mas um novo fantasma ameaça o ex-presidente: a possibilidade de ele ser condenado em segunda instância da Justiça no processo do sítio de Atibaia. Já foi condenado na primeira.

Se tal ocorrer, Lula continuará preso. À primeira condenação se somará a segunda. E ele mofará atrás das grades como desejam o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, mas não só.

A chance maior de Lula ir para casa é se a 2ª. Turma do Supremo, ao concluir em agosto o julgamento do pedido de habeas corpus, considerar que Sérgio Moro foi parcial na condução da Lava Jato.

Então a condenação de Lula no processo do tríplex será anulada. Ele será solto. E outros condenados pela Lava Jato poderão ser também.

Esqueceram de avisar ao general

Pendurado na broxa

Anda sem sorte o general Otávio Rego Barros, porta-voz da presidência da República, aplicado servidor de Jair Bolsonaro a quem só se refere como “o nosso presidente”.Não foi a primeira e certamente não será a última vez que o governo o deixa pendurado no pincel. Ficou, ontem, ao dizer que não seriam revogados os decretos das armas. Foram.

O ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, tentou justificar. Admitiu que Rego Barros não fora avisado a tempo de que os decretos deixariam de valer. O general, pois, não teve culpa.

E daí? O porta-voz acabou desautorizado pelo próprio governo. Como crer no que ele diz, anuncia, revela, se de um momento para outro poderá ser contrariado pelos fatos?

Há poucos dias, Rego Barros amargou a notícia de que não fora promovido a general de divisão como desejava. Não se sabe se concluiu que a proximidade com Bolsonaro é tóxica.


Ricardo Noblat: O que fazer com Lula

Um abacaxi que o Supremo não gostaria de descascar

Se puder, o Supremo Tribunal Federal (STF) deixará para julgar no próximo semestre o pedido de habeas corpus para que o ex-presidente Luiz Inácio da Silva seja solto. Caso sinta-se forçado pelas circunstâncias a julgá-lo hoje, deverá negá-lo.

A defesa alega uma série de motivos para que o pedido seja deferido – o mais recente, o fato de o ex-juiz Sérgio Moro que condenou Lula em 2017 ser hoje ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Isso provaria que ele agiu com parcialidade àquela época.

O argumento é fraco. Há dois anos, Bolsonaro não era candidato a presidente. A sentença de Moro foi confirmada e até expandida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Tribunais superiores negaram todos os recursos contra a condenação. É jogo jogado, pois.

Por jogar, o pedido da defesa para a progressão da pena de Lula. Quer dizer: para que ele possa ser transferido para o regime de prisão semiaberto uma vez que está preso há 443 dias. No semiaberto, dormirá na cadeia, mas poderá trabalhar durante o dia.

Caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir sobre a progressão da pena. E, ali, ainda não há uma data marcada para isso. O STJ é considerado um tribunal mais duro do que o STF. E aparentemente menos permeável a pressões.

No futuro haverá outro jogo a ser jogado: Moro prevaricou ou não quando conduziu a Operação Lava Jato? O conteúdo das conversas com procuradores da República prova ou não que ele faltou com o cumprimento do dever por interesse ou má fé?

Se prevaricou, o julgamento de Lula deverá ser anulado e ele posto em liberdade de imediato. O processo então recomeçaria sob o comando de outro juiz. O novo jogo só terá início quando o site The Intercept Brasil der conta do arquivo que recebeu de presente.

Justiça para Dilma

Não é pelo dinheiro, mas pelo reconhecimento

Está marcada para logo mais, sob o comando da ministra Damares Alves, dos Direitos Humanos, a reunião da Comissão de Anistia que concederá ou não indenização à ex-presidente Dilma Rousseff que alega ter sido demitida de uma fundação pública em 1977 por perseguição política.

Solitariamente, de janeiro último para cá, Damares já rejeitou mais de mil pedidos de indenização. A não ser que o alegado por Dilma seja uma fraude, a indenização deveria ser concedida por uma questão de justiça. O contrário seria mesquinhez e certamente perseguição política.

A demissão da fundação pública não foi o único nem o principal dano causado a Dilma pela ditadura militar de 1964, ainda tanto festejada pelo presidente Bolsonaro. Dilma ficou presa durante anos. E foi barbaramente torturada. Nada será capaz de um dia curar suas feridas. Ela as carregará para sempre.

O pagamento de indenização significará tão somente que o Estado reconhece o crime que cometeu


Ricardo Noblat: O tamanho do desafio da Justiça

E o destino de Lula

A Justiça brasileira está diante do seu maior desafio desde os anos de chumbo da ditadura militar de 64. Em breve, quando se esgotar o estoque de munições do site The Intercept contra o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato, ela terá que decidir se tudo que ao final restará conhecido constitui crime ou não.

Porque é isso que estará posto. Moro e os procuradores agiram como uma organização criminosa na condução do processo que resultou na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Teriam procedido da mesma forma em outros processos da Lava Jato ou só nesse? Se a resposta for sim, o que fazer?

Se reconhecesse a existência de um conluio entre Moro e os procuradores no processo do tríplex, a condenação de Lula seria naturalmente anulada e ele solto. Mas se tal acontecesse, o que se dirá da legitimidade da eleição presidencial do ano passado? Por condenado e preso, Lula não pôde ser candidato.

Liderou as pesquisas de intenção de voto até que seu nome sumisse delas. E se tivesse conseguido ser candidato? E se mesmo preso, mas não impedido a tempo de candidatar-se, seu nome tivesse constado da cédula eleitoral como ele e seus advogados imaginaram até o último instante que assim poderia ser?

A chapa Dilma-Temer, acusada de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2014, acabou absolvida pela Justiça não por falta de provas, mas por excesso delas. Era preciso manter a estabilidade política do país, como disse um dos juízes ao dar seu voto. Novas eleições àquela altura? Seria impensável.

À época, o clima de radicalização política não era tão assombroso como se tornaria depois e como permanece. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, chegou a dizer que o fogo se alastraria pelo país se Lula fosse preso. Não se alastrou. Mas seria capaz de se alastrar se a eleição do capitão perdesse a validade.

A saída talvez esteja no meio. Manda-se Lula para casa, seja porque sua condenação foi viciada, seja porque terá cumprido parte da pena como prevê a lei. Na primeira hipótese, abre-se um processo contra Moro e sua turma. Na segunda, que Moro e sua turma rolem na lama e se expliquem pelo resto da vida.

Quando a vítima pede desculpas

Atos falhos
O ex-juiz Sérgio Moro teima em dizer que não reconhece o que disse em conversas com procuradores da Laja Lavo, conforme vem sendo publicado pelo site The Intercept Brasil, agora em dobradinha com o jornal Folha de São Paulo e a Rádio Band.

Mas em sua defesa ele já cometeu dois atos falhos. O primeiro, ao depor no Senado, quando admitiu renunciar ao cargo de ministro da Justiça se ficasse provado que disse o que nega, não reconhece, não e lembra, ou o que pode ter sido adulterado.

O segundo ato falho: uma vez que a Folha revelou que ele chamara de “tontos” integrantes do Movimento Brasil Livre, Moro apressou-se a gravar um vídeo onde pede desculpas pelo que lhe atribuem. Oi! Como desculpar-se pelo que não disse ou não reconhece?

Sob pressão, mesmo que não confesse seus pecados, Moro se arrisca a cumprir penitência.


Ricardo Noblat: Moro ladeira a baixo

Não sei, não lembro, não reconheço

O que foi revelado de grave pelo site The Intercept até a semana passada a respeito das conversas do ex-juiz Sérgio Moro com procuradores da Lava Jato, e hoje pelo site em dobradinha com a Folha de São Paulo, não é nada se comparado com o que está por vir.

Imagine só se fosse dado a conhecer o teor das conversas de Moro com os procuradores no dia em que um juiz de plantão mandou soltar o ex-presidente Luiz Inácio da Silva… Ou parte do que disse Moro em telefonemas para impedir que a ordem fosse cumprida…

Por sinal, naquele dia, o PT já havia se preparado para recepcionar Lula em liberdade. Ele seria levado para um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. E dali seguiria em caravana para São Bernardo do Campo, em São Paulo.

Tropas do Exército entraram em prontidão tão logo a ordem do juiz tornou-se pública. Se Lula fosse de fato libertado, mas a ordem do juiz suspensa em seguida, o Exército daria suporte às forças policiais destacadas para prendê-lo outra vez.

Mas essa história será mais bem contada no futuro. De volta a mais um capítulo das trocas de mensagens entre Moro e os procuradores. As publicadas, hoje, pela Folha só reforçam a suspeita de que era Moro quem de fato comandava a Lava Jato.

Juiz pode pedir investigações. Mas não pode atuar em parceria com a acusação ou com a defesa quando lhe cabe julgar um processo. Evidente por tudo que foi mostrado, e pelo que resta a ser, que Moro privilegiou, sim, a acusação em prejuízo da defesa.

Em outro país onde a Justiça se leva a sério e a sério também é levada, o que vem sendo revelado a conta gotas seria razão mais do que suficiente para anular a condenação de Lula. Que tudo ou quase tudo fosse refeito, e o caso repassado a outro juiz.

Contra Moro então se abriria um processo no Conselho Nacional de Justiça. Mas não estamos em outro país. Estamos no único com nome de árvore. Quando nada, isso deveria servir para que as florestas fossem preservadas. Infelizmente, não serve.

Aqui, dá-se como razoável que um juiz empenhado em combater a corrupção possa atropelar as leis – tanto mais se for para meter na cadeia um ex-presidente processado por vários crimes e que poderia até se eleger caso fosse novamente candidato.

Aqui, dá-se como razoável que o juiz que tira de cena o líder das pesquisas eleitorais largue a toga para virar ministro do presidente que se elegeu favorecido por sua decisão. E uma vez acusado de ter dito o disse, responda que não reconhece o que disse.

Por sinal, trata-se do mesmo juiz que cobrou com afinco e desassombro de delatores e testemunhas de fatos ocorridos há muitos anos que lembrassem exatamente o que viram, ouviram e disseram. Ai daqueles que não o atendessem.