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Ricardo Noblat: Melhor que Lula já vá se acostumando

Melhor que Lula já vá se acostumando

É pule de dez nos corredores do Supremo Tribunal Federal que Lula não será liberado para cumprir em casa o resto da sua pena no processo do triplex do Guarujá. O governo não quer, os militares também não, o PIB é contra e grande parte da mídia idem.

É pule de dez que o Supremo não atentará contra a reputação do ex-juiz Sérgio Moro. Alguns ministros, individualmente, poderão fazê-lo, mas o coletivo jamais. Primeiro porque pôr Moro em risco significaria abrir a porta da cela para a saída de Lula.

Segundo, porque outras decisões da justiça correriam o risco de ser questionadas. Assim, o melhor é deixá-lo sossegado a lamber suas feridas. Do procurador da República Deltan Dallagnol, encarregue-se o Ministério Público Federal cuja tendência é a de protegê-lo.

De maneira que, salvo graves, contundentes, escandalosas revelações que ainda possam emergir dos arquivos do site The Intercept e provocar uma hecatombe, em nome dos superiores interesses da Nação a Vaza Jato não prevalecerá sobre a Lava Jato.

Agosto, mês do cachorro louco, do ano sem graça de 2019 – ou excessivamente engraçado, descambando para o quase trágico.

Toffoli é gente do capitão!

Tudo pela família
Como de hábito, sem levar em conta o efeito de suas palavras para o bem ou o mal, o presidente Jair Bolsonaro não cansa de dizer e repetir a amigos que o cercam:

“O ministro é gente nossa, gente nossa”.

É assim que se refere com entusiasmo ao ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal. A razão? Simples.

Foi uma liminar concedida por Toffoli que suspendeu as investigações dos rolos do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Por ora, o Ministério Público do Rio deixou o senador em paz e, de quebra, também seu ex-motorista Fabrício Queiroz.

Toffoli assumiu a presidência do tribunal há quase um ano prometendo tirá-lo da boca do palco da política nacional.

Terá mais um ano para entregar o que prometeu.


Gaudêncio Torquato: A cultura individualista

O Estado-Espetáculo abre o palco da visibilidade

São múltiplas as razões para a extensão das redes criminosas nas sombras do Estado. Uma das fontes desse poder oculto é a própria Constituição de 88. Parece uma sandice, pela antinomia: a lei maior ser responsável por mazelas.Há lógica?

Ao abrir o leque de direitos sociais e individuais, a Carta construiu as vigas institucionais, conferindo-lhes autonomia, liberdade e competência funcional. Sistemas e aparelhos se robusteceram. O Estado liberal e o social convergiram em direção ao Estado Democrático de Direito, sob o qual o Poder Judiciário assume posição de relevo, fato que explica seu papel preponderante de hoje.

A judicialização da política, fenômeno dos últimos tempos, tem por base a ausência de legislação infraconstitucional, o que permite ao Judiciário entrar no vácuo e interpretar as normas.

Instituições do Estado de defesa do regime, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais ganharam impulso. O Ministério Público, por exemplo, como instituição essencial à função jurisdicional, incorporou a missão de guardião maior da sociedade. Ganhou respeito, mas passou a ser questionada por seus exageros.

A Polícia Federal se reforçou como encarregada da segurança pública, preservação da ordem e a incolumidade de pessoas e patrimônio, em parceria com instâncias do Judiciário. E assim penetra nos espaços mais obscuros da vida criminosa e nos porões da administração pública.

Contribui para consolidar pilares éticos e morais e a preservar boas práticas políticas. Também ganhou uma legião de adversários por suas operações espetaculosas com nomes simbólicos. Como pano de fundo, a Constituição de 88 propiciou ao aparelho do Estado a competência para organizar estruturas e métodos capazes de garantir segurança e equilíbrio social.

A isso se somam outros sistemas, como o Gabinete de Segurança Institucional, o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da União, além do Parlamento e suas Comissões de Inquérito, máquina suficiente para monitorar pessoas físicas e jurídicas. Aí a coisa desanda, ao abrir imensos vácuos. A política é como a água corrente: preenche os vazios.

Tarefas assemelhadas se repartem e dirigentes são atingidos pelo fogo das vaidades. Se as ferramentas do Estado fossem desprovidas de sentimentos, teríamos gigantesca estrutura comprometida com o bem comum. Coisa difícil.

O bem da coletividade passa pelo personalismo num País que privilegia a marca pessoal. O Estado-Espetáculo abre o palco da visibilidade. Toda ação é precedida pela louvação do dirigente. O ministro Moro é o xerife-mor, mesmo sob tiroteio. Juízes e procuradores dão o tom das orquestras da justiça e da política. Alas e grupos se formam, matizes políticos se expandem e o espetáculo ganha fogo alto.

A querela se espalha, como se vê hoje nos três Poderes. O que fazer com a massa que agita atores e instituições? O óbvio: cumprir o dever nos limites prescritos pela lei, despir a vaidade, usar o bom senso para evitar duplicação de tarefas e profissionalizar estruturas, deixando-as imunes aos partidarismos. Cada Poder com suas funções. Se novo controlador vier para comandar o já existente, o País andará em círculos.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político


Ricardo Noblat: Bolsonaro promete e faz

Governo da morte

Se o presidente da República defende o acesso irrestrito à posse de armas, se para ele bandido bom é bandido morto, e a tortura um método legítimo de se obter informações, por que policiais militares não podem gritar versos pedindo a decapitação de criminosos?

Podem, sim, como fizeram na semana passada diante do governador do Pará Helder Barbalho (PMDB), que a tudo ouviu calado. No caso do Rio, estimulados pelo governador, podem até atirar do alto de helicópteros na cabecinha de bandidos armados com fuzis.

Se o presidente da República defende pelo bem do Brasil que empresas de mineração possam explorar riquezas em áreas indígenas, por que garimpeiros não podem ser os primeiros a chegarem por lá mesmo que à custa da morte dos que oferecerem resistência às invasões?

Há 10 dias, tombou um cacique no interior do Amapá. A Polícia Federal foi investigar e não encontrou marcas de que ele tenha sido morto por invasores de terras. Seu corpo foi exumado com base na informação de que ele levou um tiro e teve os olhos furados. Uma barbaridade.

Se o presidente da República acha que o meio ambiente não está a perigo e que essa história de aquecimento global não passa de uma balela, por que ele haveria de se preocupar com o desmatamento galopante da Amazônia medido em tempo real por satélites?

É tudo mentira! A Amazônia vai bem, obrigado, e tanto que o capitão convidou o presidente da França e a primeira-ministra da Alemanha para sobrevoá-la e conferir. Só não se reuniu para discutir o assunto com o chanceler francês em visita ao país porque tinha que cortar o cabelo.

Por fim, e como o presidente disse antes de se eleger e repete desde que tomou posse: se é necessário destruir tudo que foi feito de errado para só depois se começar a construir, não é exatamente o que faz o seu governo há mais de sete meses? Seja franco!

Temos um governo da morte, como se vê, mas coerente, e que cumpre ao pé da letra o que prometeu. Se não for capaz de em apenas quatro anos derrubar e levantar um novo país, é natural que queira mais quatro. E – quem sabe? – depois mais quatro.


Ricardo Noblat: O semeador de ódio

Uma crueldade para jamais ser esquecida

Cobra-se de Jair Bolsonaro, o ex-capitão afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética, o que ele não tem para dar. Por exemplo: compostura e dignidade para o exercício do cargo de presidente da República, moderação para saber lidar com conflitos e a capacidade de compreender sentimentos e emoções dos outros.

Carente dessas e de outras qualidades que podem fazer de uma pessoa um ser humano melhor, Bolsonaro protagonizou, ontem, mais um episódio de vilania, estupidez e brutalidade que chocou até mesmo seus aliados políticos, calando pelo menos parte da manada de devotos que costuma defendê-lo nas redes sociais.

Ao queixar-se do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Fernando Santa Cruz, que impediu a Polícia Federal de ter acesso a dados confidenciais do advogado de defesa de Adélio Bispo, o esfaqueador de Juiz de Fora, Bolsonaro feriu um dos princípios do mundo civilizado de jamais se ofender a memória dos mortos.

Primeiro porque os mortos não podem se defender. Segundo porque sua descendência vive e não deve ser ofendia. Terceiro porque isso é uma coisa que não se faz e ponto. As religiões compartilham valores comuns como o perdão, a fé, a caridade e a paz. Batizado nas águas do Rio Jordão, Bolsonaro não passa de um religioso de araque.

Que seja levado às barras dos tribunais. A ninguém é dado revelar publicamente que sabe como um crime foi cometido e não se oferecer para depor. Ou não ser chamado a depor. Bolsonaro disse que sabe como o pai de Fernando Santa Cruz foi morto depois de preso por militares no Rio quando tinha 28 anos de idade.

A lei da anistia perdoou os autores de crimes de sangue, e também os que torturaram ou foram responsáveis pelo desaparecimento de corpos. Mas ela não aboliu o esquecimento nem o direito de se procurar saber o que aconteceu, e como aconteceu. É o que a família Santa Cruz tenta sem sucesso desde 1974.

Diante do estupor provocado pelo que disse, Bolsonaro sentiu-se forçado a dar explicações. Então fez mais uma de suas aparições ao vivo no Facebook, desta vez na cadeira de um cabelereiro que aparava suas madeixas, para garantir que o pai de Fernando Santa Cruz foi morto por seus companheiros de organização política.

No passado, ao defender a ditadura militar, seus assassinos e torturadores, Bolsonaro já havia dito que o pai de Santa Cruz deveria ter morrido embriagado em uma rua qualquer do Rio. Um documento secreto da Aeronáutica diz que ele foi morto por militares. Seu corpo, segundo uma testemunha, acabou incinerado.

À época, Marcelo, um irmão do morto, teve cassado o direito de estudar no Brasil. Rosalina, a irmã mais velha, foi presa, torturada à base de choques elétricos e sofreu um aborto provocado pela violência. Pontificava em São Paulo o coronel Brilhante Ulstra, um dos mais cruéis torturadores da ditadura que duraria 21 anos.

Sim, trata-se do mesmo coronel que Bolsonaro tanto faz questão de exaltar, autor de um livro cuja leitura ele recomenda a amigos e companheiros de ideias.

Nós contra ele

Em defesa do Estado de Direito
Os jornalistas, ou uma parte de nós, seremos cobrados no futuro ou desde já por termos aceito como verdade e subscrito tudo o que os procuradores da Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro vazaram nos últimos anos de forma direta ou indireta; e também por termos tratado o presidente Jair Bolsonaro, depois de eleito, como um político que poderia ser, digamos assim, normalizado.

Os fatos descobertos mostram que a corrupção não só existia como ultrapassara limites inimagináveis. Nem por isso o que se alardeou a respeito foi só a verdade. Moro atuou como juiz e assistente de acusação, desprezando as leis. O combate à corrupção deve ser política de Estado, não de governo. Deve obedecer a regras conhecidas por todos. Não pode depender de líderes carismáticos.

No caso de Bolsonaro, acreditamos que uma vez empossado ele se comportaria como o presidente de todos os brasileiros. Que jogaria fora a máscara de homofóbico, misógino, preconceituoso, defensor de torturadores e da ditadura e que apresentaria uma nova face mais aceitável e menos impregnada de ódio. Erramos outra vez. Ele é o que sempre foi e continuará sendo.

Só nos resta pedir perdão e resistir ao autoritarismo que tenta se implantar e que mina os valores de uma democracia tão vulnerável a abusos como a que temos. De volta ao “nós contra eles”. Ou melhor: o “nós contra ele”. Com uma diferença: o “nós” deve reunir todos os que defendam com convicção e destemor o Estado de Direito, confrontado por práticas que ameaçam destruí-lo.

Onde andam os sensatos de farda

Mais um engodo
Para justificar o ingresso em massa de militares no governo, entre eles um general da ativa, vendeu-se a teoria de que, por sensatos, bem preparados e legalistas, eles saberiam controlar o capitão.

Foi um engodo. Ou eles compartilham das mesmas opiniões e ideias bizarras do capitão ou se renderam placidamente às vantagens dos cargos que ocupam. Ou às duas coisas, o que parece o mais provável.


Ricardo Noblat: Hacker ameaça com novas revelações

Um agosto para não pôr defeito

Por que os advogados de Walter Delgatti Neto, vulgo “O Vermelho”, que confessou à Polícia Federal ter invadido os celulares de mil autoridades, entre elas os chefes dos três poderes da República, soltaram uma nota, ontem, onde informam a quem interessar possa que todas as informações obtidas pelo hacker estão guardadas por “féis depositários” tanto no Brasil como no exterior?

Se a advertência não for um blefe, a resposta é simples, segundo pessoas que acompanham de perto as investigações: trata-se de uma ameaça. Delgatti Neto quer dizer com isso que se não for bem tratado poderá revelar informações às quais a Polícia Federal não teve acesso quando apreendeu documentos, celulares e computadores que ele usava até ser preso na semana passada.

O mesmo tipo de advertência foi feita pelo jornalista Glenn Greenwald, um dos editores do site The Intercept Brasil, quando começou a publicar há pouco mais de um mês as mensagens trocadas entre si pelos procuradores da Lava Jato de Curitiba, e as de Deltan Dallagnol com o então juiz Sérgio Moro. É um cuidado natural que se toma em casos como esse.

Moro avisou ao presidente Jair Bolsonaro que ele foi hackeado. Vazou da Polícia Federal a notícia de que também foram hackeados os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, e ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, fora ministros do governo e até jornalistas. Quem pagará para ver se os advogados de Delgatti Neto mentiram em sua nota?

Brasília passou o último fim de semana fervendo. E ferverá ainda mais a partir desta semana quando políticos e ministros de tribunais superiores retornarem das férias do meio de ano do Congresso e do Judiciário. Agosto começará na próxima quinta-feira. E diz a lenda que não existe mês mais aziago para a política brasileira. Duvida? Alguns fatos sustentam a lenda.

Em 13 de agosto, em um acidente aéreo, morreu Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco e então candidato a presidente da República. Em 22 de agosto, o ex-presidente Juscelino Kubistchek morreu em um acidente de carro. Em 24 de agosto, o presidente Getúlio Vargas se suicidou com um tiro no coração. Em 25 de agosto, Jânio Quadros renunciou à presidência da República.

Foi também em agosto que uma trombose cerebral retirou da presidência da República o general Arthur da Costa e Silva, substituído por uma junta militar.

E em agosto foi derrubada a então presidente Dilma Rousseff por meio de um processo de impeachment. Assumiu o vice Michel Temer, que seria alvo de três denúncias de corrupção e preso ao final do seu mandato.

Por enquanto, ninguém se arrisca a especular sobre os possíveis desdobramentos do mais grave episódio de espionagem da história eletrônica do país, mas que haverá, haverá. Em agosto, a Câmara votará em segundo turno a reforma da Previdência; o nome do garoto Eduardo, aspirante a embaixador do Brasil em Washington, será votado na Comissão de Relações Exteriores do Senado.

E o site The Intercept promete revelar algumas das mais comprometedoras informações armazenas nos seus arquivos. Emoção não faltará.

O risco de o país acostumar-se ao capitão

Silêncio cúmplice
Sob o impacto da publicação pelos jornais de segredos de Estado sobre a guerra do Vietnã, o governo americano da época ameaçou com tudo – recursos à justiça para censurar a imprensa, pressão de ordem econômica sobre as empresas de comunicação e seus maiores anunciantes, cassação de credenciais de repórteres que cobriam a Casa Branca, e sabe-se mais lá o quê.

Uma coisa, porém, o governo não fez: ameaçar prender os jornalistas responsáveis pela publicação incômoda. Foi assim também em Porto Rico, onde o governo enfrentou recentemente uma onda de acusações a partir de documentos hackeados. Ali, o povo foi às ruas indignado e só voltou para casa depois que o governo caiu. Os jornalistas foram deixados em paz.

Não espanta a falta de povo nas ruas brasileiras em consequência das conversas que vem sendo reveladas a conta gotas entre os procuradores da Lava Jato e de alguns desses com o então juiz Sérgio Moro. A própria imprensa está dividida a respeito. Moro é o ministro mais popular do governo. E tem contado até aqui com o apoio irrestrito do presidente da República.

Espanta a tímida reação dos meios de comunicação, das entidades de classe e dos partidos das mais variadas cores ao anúncio feito pelo capitão Bolsonaro de que o jornalista Glenn Greenwald, autor das reportagens publicadas pelo site The Intercept Brasil e seus parceiros, possa “tirar uma cana”. Esse seria o desejo do capitão, mas não é ele que detém o poder de prender ninguém.

É conhecida a ojeriza de Bolsonaro à democracia e aos direitos assegurados por sua simples existência – entre eles, o da manifestação de pensamento a salvo de restrições que não sejam as estipuladas em lei. Nem todas as afirmações estridentes e levianas do capitão devem ser levadas a sério como ele quer. Mas algumas certamente não devem ser engolidas em silêncio.

Uma vez que aspira a um novo mandato com apenas sete meses de governo, o capitão parece sentir-se cada vez mais à vontade para resgatar tudo o que dizia antes de se eleger – e por isso tem tudo para tornar-se mais perigoso do que já é.


Ricardo Noblat: Divulga tudo já!

Que país é esse...

Faltava acesso direto à integra do material que vem sendo divulgado a conta gotas pelo site The Intercept Brasil e seus parceiros para que se pudesse afinal conferir a autenticidade das mensagens trocadas pelos procuradores da Lava Jato de Curitiba entre si e com o então juiz Sérgio Moro. Não falta mais.

Por respeito às leis universais do bom jornalismo, o Intercept recusa-se revelar a fonte de suas informações. Mas se foi mais de uma fonte, uma delas atende pelo nome de Walter Delgatti Neto, vulgo “Vermelho”, um dos hackers presos na semana passada. A Polícia Federal já teve acesso ao que ele repassou ao site.

E, a essa altura, sabe se pelo menos as mensagens divulgadas até aqui foram ou não adulteradas, e se não foram, que elas de fato correspondem ao que se conhece. O destino do ex-juiz, portanto, está nas mãos dos agentes federais subordinados a ele. E esse é apenas um dos aspectos bizarros de toda essa história.

Em um país que se leva a sério é inimaginável que uma das partes envolvida em um escândalo comande a apuração do caso que poderá destruir sua reputação e determinar o fim de sua carreira pública. Mas é exatamente o que faz Moro, ministro da Justiça do presidente que se beneficiou de suas decisões ao tempo de juiz.

A não terem sido editadas, as mensagens revelam acima de qualquer margem de dúvida razoável que Moro comportou-se ao mesmo tempo como juiz e assistente de acusação no processo do tríplex do Guarujá que condenou o ex-presidente Lula a 12 anos de cadeia, impedindo-o de disputar as eleições do ano passado.

No caso do escândalo do mensalão do PT, Lula enganou o país com a falsa desculpa de que o dinheiro pago a deputados para que votassem como o governo mandava era produto de caixa 2, um crime considerado menor. O truque foi inventado pelo então ministro da Justiça, o advogado Márcio Thomaz Bastos.

Moro foi um bom aluno do seu antecessor no cargo. Como não podia simplesmente negar os termos das conversas que lhe foram atribuídas, valeu-se do truque de dizer que não poderia validá-las, a não ser que o Intercept abrisse seus arquivos à Polícia Federal. O Intercept jamais faria isso, e Moro sabia. E assim, noves fora nada.

A crise política detonada com a publicação das conversas tinha duas faces, a do Intercept e a de Moro, e estava razoavelmente sob controle até a última sexta-feira. Com a prisão dos hackers da República de Araraquara, bandidos de escalões inferiores do crime, a crise ganhou mil faces e ninguém por ora a controla.

Foi o que percebeu o presidente Jair Bolsonaro, ou o que algum auxiliar lhe soprou aos ouvidos. Por isso, ontem, a pretexto de reafirmar sua confiança em Moro, ele repetiu que não se preocupa com o fato de ter sido hackeado, e garantiu que as provas do crime apreendidas pela Polícia Federal não serão apagadas.

Bolsonaro deu um chega para lá em Moro que acenara com a destruição das provas para proteger os hakeados e, assim, também proteger-se. Ensinou-lhe que só à justiça cabe qualquer decisão a respeito. Por fim, Bolsonaro mostrou novamente que ninguém o tutela, ele é quem tutela os que o rodeiam.

Sem mais lugar no Supremo Tribunal como Bolsonaro lhe havia prometido, Moro é um morto vivo. Entrou no governo como um dos poucos ministros insubstituíveis e perdeu tal condição em menos de sete meses. Sobrevive graças à fé dos seus devotos e à vergonha inconfessa daqueles que sempre o apoiaram.


Ricardo Noblat: E segue o baile das revelações embaraçosas

República de Araraquara

De retorno ao que de fato interessa se finalmente restar provado que o hakcher Walter Delgatti Neto, o cabeça da República de Araraquara, disse a verdade no seu primeiro depoimento à Polícia Federal depois de preso. E o que de fato interessa?

Primeiro, o conteúdo das mensagens trocadas entre si pelos procuradores da Lava Jato, e por Deltan Dallagnol com o então juiz Sérgio Moro. Segundo, a irresponsabilidade de autoridades no uso de meios inseguros para tratar de problemas do Estado.

O hacker disse que descobriu acidentalmente como poderia acessar o conteúdo de mensagens de terceiros – e faz sentido o que contou. Disse que ninguém lhe encomendou o serviço e nem pagou por isso. E que foi ele que forneceu o que saiu publicado.

Quando Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro, confessou que agira sozinho e que ninguém lhe mandara fazer nada, os devotos do capitão não acreditaram – nem o capitão. Talvez não acreditem até hoje. Era preciso faturar politicamente o episódio.

Ao empresário Paulo Marinho, Bolsonaro afirmou ainda hospitalizado, que a facada o elegeria, e que nada mais seria necessário. Estava certo. Bolsonaro extraiu da facada tudo o que ela poderia lhe dar mesmo depois de eleito e empossado.

Então após três inquéritos a Polícia Federal concluiu que Adélio, um desequilibrado mental, agira sozinho e por vontade própria. A justiça decidiu que fora assim e mandou arquivar o caso. E Bolsonaro, podendo recorrer da decisão, não o fez. Aceitou-a.

Melhor já irmos nos acostumando com a ideia de que não foi nenhuma organização internacional de criminosos, capaz de mobilizar sofisticadíssimos recursos tecnológicos e uma grande soma de dinheiro, que hackeou Moro & Cia, limitada ou não.

Quanto ao que foi revelado até aqui pelo site The Intercept Brasil em parceria com a Folha de São Paulo e a VEJA, é isso aí mesmo, taokey? E será muito mais pelo que está previsto. Os fracos que segurem o tranco. A vida continua. Segue o baile.

De volta a era das mordomias

Comportamento idiota
Há momentos, e não são poucos,em que o capitão, travestido de presidente da República por acidente, cede aos seus instintos mais primitivos. No caso do acidente, a facada que levou em Juiz de Fora e que o ajudou a se eleger como ele mesmo reconhece.

A grosseria de Jair Messias Bolsonaro, que trai sua personalidade autoritária, voltou a manifestar-se mais uma vez quando ele desembarcou, ontem à noite, em Goiânia e ouviu de uma repórter da Folha de São Paulo uma pergunta que o enfureceu.

A repórter perguntou sobre o voo recente em helicóptero da presidência da República de parte da família Bolsonaro para o casamento, no Rio, do garoto Eduardo, indicado pelo pai para ser embaixador do Brasil em Washington. Resposta do capitão:

“Com licença, estou numa solenidade militar, tem familiares meus aqui, eu prefiro vê-los do que responder uma pergunta idiota para você. Tá respondido? Próxima pergunta”.

A pergunta seguinte de outro repórter foi sobre o mesmo assunto. Então o capitão encerrou entrevista que durou menos de 20 segundos e deu as costas aos jornalistas. Não foi a primeira vez que procedeu assim, e não será a última.

O inventor do que chama de “Nova Política” restaurou a prática de oferecer mordomias a parentes. Para não viajar 35 minutos de carro, uma dezena de Bolsonaros voou 14 minutos de helicóptero da FAB entre os aeroportos de Jacarepaguá e o Santos Dumont.

Idiota foi o quê? A pergunta feita pela jornalista cuja obrigação é ver e perguntar? Ou o voo familiar autorizado pelo capitão? Ou a reação do capitão à pergunta? O voo foi pago pelos cofres públicos. Como servidor público, Bolsonaro deve satisfações.


Ricardo Noblat: O povo e o direito de saber

Apure-se tudo

Ou se prova a falsidade das mensagens trocadas pelo então juiz Sérgio Moro com procuradores da Lava Jato na condução do processo que condenou Lula, ou elas continuarão valendo, quer os hackers detidos pela Polícia Federal as tenham ou não repassado ao site The Intercept.

O site reafirma a veracidade das mensagens. A Folha de São Paulo e a VEJA que as examinaram e publicaram, também. Senadora citada em uma delas admite a autoria do que escreveu e endereçou a Moro. O ex-juiz já pediu desculpas por referência feita em uma das mensagens.

Não é crime publicar informações obtidas por meios controversos. Os famosos Documentos do Pentágono, que contavam a história da guerra do Vietnã nos anos 60, foram subtraídos por um professor e publicados pelos jornais The New York Times e Washington Post.

O governo americano tentou embargar a publicação. Alegou que eram documentos secretos e que a segurança nacional estava em jogo. A Suprema Corte dos Estados Unidos deu razão aos jornais. Tudo que seja de interesse público pode ser revelado.

Esse é também o entendimento por aqui do Supremo Tribunal Federal com base na Constituição. Liberdade de imprensa não é direito dos jornalistas e dos seus patrões. É direito de cada cidadão em uma democracia. Moro pensava assim ou ainda pensa.

Foi com base nisso que ele vazou uma conversa entre a então presidente Dilma e Lula grampeada depois de esgotado o prazo fixado por ele para tal fim. Na ocasião, duramente censurado pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo, Moro limitou-se a pedir desculpas.

Espera-se que a Polícia Federal vá fundo nas investigações sobre os hackers que copiaram o conteúdo dos celulares de cerca de mil pessoas, segundo Moro, que se apressou em sugerir que possam ter sido eles que forneceram ao Intercept o que vem sendo conhecido a conta gotas.

Temos o direito de saber tudo – por que hackearam? Com qual objetivo? Espontaneamente ou a mando de quem? Ganharam alguma coisa com isso? Se ganharam quem pagou? Se foram pagos para isso como receberam? Aonde?

Temos também o direito de saber quem matou e quem mandou matar a vereadora Marielle Franco. E onde está Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro. E de por que cheques passados por ele foram parar na conta da mulher do presidente da República.

O preço da reforma da Previdência

Sobre a velha e a nova política
Nenhum dos deputados que votou a favor da reforma da Previdência receberá abaixo de R$ 30 milhões em liberação de emendas ao Orçamento da União para a construção de obras em sua base eleitoral.

Em média, o governo prometeu pagar R$ 40 milhões por cada voto. Parte da dinheirama já foi empenhada. Falta a maior parte. A distribuição de cargos não entrou no negócio. Ficou para ser feita em futuras votações.

O pagamento de emendas é obrigatório, quer o parlamentar (deputado ou senador) vote como o governo quer ou não. Mas o governo sempre dá um jeito de beneficiar os que o obedecem em detrimento dos outros.

A Câmara dos Deputados votará a reforma em segundo turno tão logo volte das férias. Depois será a vez do Senado. Há muito jogo ainda pela frente, e muito dinheiro a ser desembolsado.


Ricardo Noblat: Um presidente xiita

Depois dos nordestinos, Bolsonaro ofende os estrangeiros

Uma vez que por aqui se usa o termo xiita para designar um radical de direita e de esquerda, nada demais que Bolsonaro possa ser classificado de xiita. Por que não? Alguma dúvida?

Bolsonaro vê xiitas por toda parte. Em viagem a Vitória da Conquista, na Bahia, atacou os “xiitas ambientais” que, segundo ele, prejudicam o turismo no Brasil e a imagem do país no exterior.

E em mais um rasgo de sinceridade, sem que ninguém lhe tivesse provocado a respeito, declarou para espanto e preocupação dos que o acompanhavam: “Tenho repulsa por quem não é brasileiro”.

A história do Brasil não registra nada de parecido que tenha saído da boca de um presidente da República. Ou mesmo da boca de um líder político de dimensão apenas regional.

O mais nacionalista dos militares da ativa ou da reserva em tempo algum ousou ofender outros povos com a desfaçatez demonstrada por Bolsonaro. E logo por quem…

Jair Messias Bolsonaro, o presidente acidental do Brasil, descende de italianos por parte de pai (Perci Geraldo Bolsonaro) e de mãe (Olinda Boturi). Os primeiros Bolsonaros aqui chegaram em 1889.

O sobrenome (escrito com “z”) é comum na região do Vêneto. O sobrenome Boturi é comum no Vêneto e na região da Toscana. As duas famílias migraram em busca de melhores condições de vida.

A maior colônia de italianos do mundo vive no Brasil. Pelo menos 30 milhões de brasileiros descendem de italianos. Parte da colônia votou com orgulho em um dos seus para presidente.

Até ontem, Bolsonaro só devia explicações aos nordestinos, chamados por ele de “paraíbas”, uma expressão preconceituosa. Passou a dever a todos os povos.

A essa altura, quem mais do que Bolsonaro faz mal à imagem do Brasil lá fora?

É assim que se põe em risco o Estado de Direito

Polícia bate à porta de sindicato
Donde se conclui que práticas típicas de um Estado policial começam a ser adotadas por aqui, como se pôde ver, ontem, no Amazonas.

O presidente Jair Bolsonaro irá a Manaus amanhã. E professores haviam combinado de se encontrar no seu sindicato para preparar manifestações contra a visita.

A reunião estava marcada para as 17h. Meia hora antes irromperam na sede do sindicato três policiais rodoviários federais fardados e armados, um deles com uma metralhadora.

Queriam identificar os organizadores das manifestações. Diziam “cumprir ordem do Exército brasileiro”, contou ao site UOL a professora de história Yann Ivannovick.

Yan é também presidente da Frente Brasil Popular, no Amazonas, ligada ao PT. “Cheguei a pensar que eram do sindicato dos policiais e estavam ali para aderir ao movimento”, disse ela.

Ficaram por meia hora. Queriam saber tudo sobre as manifestações. “Foram cordiais”, admitiu Yan e confirmou outro diretor do sindicato, Gilberto Ferreira.

Os policiais ouviram de professores que aquela ação deles não era normal e que seria noticiada nas redes sociais. Os policiais riram. E foram embora tão logo concluíram o interrogatório.

“Não me recordo de ter visto qualquer coisa parecida desde que a Constituição passou a garantir o direito de reunião”, comentou Yuri Dantas Barroso, professor de Direito da Universidade do Amazonas.

A assessoria de comunicação do Comando Militar da Amazônia negou que tenha determinado a diligência no sindicato. A Polícia Rodoviária Federal não quis se manifestar sobre o assunto.


Ricardo Noblat: O cala boca no capitão

Dona Michelle nada tem a ver com isso

Quem ousaria destratar o intratável presidente Jair Bolsonaro que tem por hábito fritar colaboradores antes de demiti-los com humilhação? Não foi assim com o ex-ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria Geral da Presidência da República? E com Joaquim Levy, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social? Bebianno saiu atirando. Levy, com elegância.

Surgiu um funcionário do governo que, sentindo-se ofendido por Bolsonaro, aplicou-lhe o cala boca mais sonoro jamais ouvido pelo capitão desde que se elegeu. Em entrevista a jornalistas estrangeiros, Bolsonaro pôs em dúvida a correção dos dados sobre o desmatamento da Amazônia coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). E completou ao seu modo equestre:

“Até mandei ver quem é o cara que está à frente do INPEe para vir explicar aqui em Brasília esses dados aí que passaram para a imprensa. No nosso sentimento, isso não condiz com a realidade. Até parece que ele está a serviço de alguma ONG, o que é muito comum.”

Ricardo Magnus Osório Galvão, o tal “cara” citado por Bolsonaro, respondeu sem meias palavras:

“Ele tomou uma atitude pusilânime, covarde, de fazer uma declaração em público talvez esperando que peça demissão, mas eu não vou fazer isso. Eu espero que ele me chame a Brasília para eu explicar o dado e que ele tenha coragem de repetir, olhando frente a frente, nos meus olhos”.

Não será chamado. Será demitido porque chamou o presidente de covarde, e taxou de pusilânime a atitude dele. De resto, a valentia de Bolsonaro tem limite. Ela se manifesta com estridência em tribunas oficiais a salvo de retaliações imediatas. E também no ambiente protegido das redes sociais. Olho no olho, sem revólver ao alcance da mão, Bolsonaro é outra pessoa.

De resto, ele é incapaz de travar o bom combate das ideias sobre qualquer assunto porque não tem ideias. Repete o que lhe dizem, de preferência frases feitas. E sem paciência para ouvir longas explicações ou debruçar-se sobre relatórios, o que repete de ouvir dizer é quase sempre falho, confuso, contraditório. Inteligência não lhe falta, longe disso. Falta-lhe estudo, cultura, preparo.

Preconceito tem de sobra. E ao expressar mais um no último fim de semana ao chamar os nordestinos de “paraíbas”, Bolsonaro está sendo obrigado a se explicar. Desmentiu o que falou e que está gravado. E socorreu-se do mais rasteiro e vulgar dos argumentos ao afirmar que não poderia sentir desprezo pelos nordestinos porque é casado com uma cearense. Pobre da dona Michelle!


Ricardo Noblat: Dia de cão!

Tudo isso em menos de 24 horas

* O presidente Jair Bolsonaro disse que a multa de 40% sobre o saldo do FGTS, em caso de demissão sem justa causa, é um peso para os patrões e dificulta o combate ao desemprego. (Depois, o governo divulgou uma nota negando a extinção da multa, por sinal prevista na Constituição.)

* Em conversa com o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, Bolsonaro chamou os governadores do Nordeste de “aqueles paraíbas”, e disse que o pior deles é o do Maranhão, Flávio Dino (PC do B). Orientou-o a não conceder nada a Dino. Em carta, os governadores nordestinos protestaram.

* “Se não puder ter filtro, vamos extinguir a Ancine (Agência Nacional do Cinema)”, ameaçou Bolsonaro. “Filtro” significa só financiar produções que estejam de acordo com os valores compartilhados pelo presidente com a ala mais extremista dos seus devotos. Doravante, nada de “Bruna surfistinha”.

* Ninguém passa fome no Brasil, disse Bolsonaro durante café da manhã com jornalistas estrangeiros. À tarde, admitiu que alguns passam fome. A 5 quilômetros do Palácio do Planalto, em uma espécie de acampamento, há pessoas com fome. Pelo menos 6 mil brasileiros morrem anualmente por desnutrição.

* Bolsonaro nomeou um delegado da Polícia Federal, ligado a produtores de terra, para a presidência da Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

* Três semanas após o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ter anunciado que o desmatamento na Amazônia aumentou 60% em junho em comparação com junho do ano passado, Bolsonaro disse que o dado deve estar errado. E ameaçou demitir o presidente do instituto que estaria “a serviço de alguma ONG”.

Tudo mentira

Hábito
O pai, Jair Bolsonaro, diz que o filho Eduardo fala inglês muito bem. Mentira!

Eduardo diz que fritou hambúrguer quando trabalhava numa lanchonete no interior dos Estados Unidos. Mentira! A lanchonete nunca vendeu hambúrguer.

Eduardo diz ser pós-graduado em economia. Mentira! Não concluiu o curso.

Essa gente mente sem pudor.

* Bolsonaro criticou a jornalista Míriam Leitão, das Organizações Globo. Acusou-a de ter mentido quando disse que foi torturada pela ditadura militar de 64. E de ter sido presa quando estava a caminho da Guerrilha do Araguaia, montada pelo PC do B no Pará. Bolsonaro mentiu, para variar. Míriam foi torturada, sim. E não foi presa quando ia para o Araguaia.

Em tempo: Bolsonaro foi afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética. Como capitão, planejou explodir bombas em quartéis quando a ditadura militar de 64 estava nos seus estertores, e ele revoltado com isso. Até hoje, justifica a tortura e o assassinato de adversários do regime naquela época.


Ricardo Noblat: Prensa na Lava Jato pelo que ela fez de certo

Pelo que fez de errado, por ora nada...

Havia duas maneiras de dar uma prensa na Lava Jato. Uma, pelo que ela possa ter feito de errado. Outra, pelo que possa ter feito de certo no combate à corrupção.

Na hora em que são revelados erros à luz das conversas vazadas entre o ex-juiz Sérgio Moro e os procuradores de Curitiba, a prensa na Lava Jato se fez por seus acertos.

Estão suspensos processos e investigações em que órgãos administrativos compartilharam informações fiscais com o Ministério Público sem anuência prévia da Justiça.

Segundo o coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Rio, Eduardo El Hage, a exigência de autorização judicial “ignora a forma de atuar dos criminosos e é um retrocesso”.

De fato, é um retrocesso. Em 2016, por 9 votos contra 2, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o compartilhamento de informações fiscais dispensa autorização judicial.

Contudo, o ministro Dias Toffoli, presidente do tribunal, preferiu ignorar a decisão para atender a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro, investigado por corrupção.

Mais do que Flávio, o pai dele contraiu uma dívida com o ministro. O caso Flávio-Queiroz pesa sobre Jair Bolsonaro como uma cruz de ferro. É uma ameaça ao seu mandato.

Em novembro próximo, o plenário do tribunal confirmará ou revogará a decisão de Toffoli. Até lá, Flávio ficará em paz. Os demais nas mesmas condições dele, não obrigatoriamente.

Dará mais trabalho, levará mais tempo, mas o Ministério Público sempre pode pedir a um juiz criminal que autorize investigações. E os juízes quase sempre acatam o pedido.

Sob o anonimato, juristas com trânsito nos tribunais superiores observam que o Ministério Público abusava de suas prerrogativas. A decisão de Toffoli seria um freio de arrumação.

A ser assim, espera-se que haja algum outro tipo de freio – desta vez para punir ou reverter possíveis erros cometidos pela Lava Jato de Curitiba na condução de processos.

Só não ver quem se finge de cego o comportamento parcial do ex-juiz Moro à frente do processo do tríplex do Guarujá que resultou na condenação do ex-presidente Lula.

As relações de Moro com os procuradores foram promíscuas. Ele favoreceu a acusação em detrimento da defesa. O respeito à lei não é opção. Pois bem: ele optou por desrespeitá-la.

Quanto mais novas conversas vêm a público, mais aumenta a indignação dos que ainda são capazes de se indignar – uma parcela decrescente dos brasileiros. Tempos estranhos!

Mas não importa. Nem sempre a manada escolhe o melhor caminho. Com frequência, deixa-se enganar pelos que a lideram. A história está cheia de exemplos disso.

Moro passa recibo pelo sufoco em que vive

Aguente o tranco ou peça para ir embora
Bons tempos para Sérgio Moro quando ele ainda era juiz, e por comandar a Lava Jato, faturava como ninguém os prodígios do combate à corrupção e era uma unanimidade nacional.

Os jornalistas mendigavam sua atenção. Seus patrões o mimavam com prêmios. Os militares o festejavam com as condecorações possíveis. Era Moro acima de tudo, só abaixo de Deus.

Bastou que se tornasse alvo de denúncias para que, de aliado incondicional da imprensa, admirador da sua busca pela verdade, ele se tornasse um crítico azedo da liberdade de informação.

Embora de licença do cargo, em viagem de descanso para os Estados Unidos onde se sente em casa e protegido, Moro deu-se ao trabalho de ir ao Twitter escrever:

“Sou grande defensor da liberdade de imprensa, mas essa campanha contra a Lava Jato e a favor da corrupção está beirando ao ridículo”.

Moro acusou a imprensa de estar em campanha contra a Lava Jato e de ser a favor da corrupção! Mudou o Natal, mudou ele depois que virou ministro de Bolsonaro ou foi a imprensa que mudou?

Apontar eventuais erros cometidos por Moro e procuradores da República na condução da Lava está longe de significar que a imprensa passou para o lado dos corruptos.

Não conheço um único texto de jornal, uma única fala de jornalista no rádio e na televisão que faça a defesa da corrupção. Ou que ignore os retumbantes êxitos da Lava Jato.

Moro quer jogar seus devotos contra a imprensa. E quer enrolar-se na bandeira da Lava Jato para escapar de críticas. É assim que procedem homens públicos em desespero aqui e em toda parte.

Foi um mau negócio o que fez Moro ao trocar a toga pelo terno bem comportado de ministro de quem se elegeu presidente da República surfando nos seus méritos. Aguente o tranco ou peça para sair.

E os garotos, hein?

Carlos é o que mais preocupa Bolsonaro

Por ora, tudo bem com o senador Flávio Bolsonaro. Abrigado sob a toga do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, ganhou um período de descanso pelo menos até o final de novembro. Depois disso, o provável é que volte a se afligir.

O deputado Eduardo Bolsonaro virou o novo queridinho do pai. Está prestes a ser indicado para embaixador no país dos seus sonhos, onde aprendeu a fritar hambúrguer. Mas verá, em breve, que seu pai pode muito, mas não pode tudo.

O vereador Carlos Bolsonaro atravessa um período cinzento. Perdeu a condição de dono do dono da voz. Está sob rédea curta nas redes sociais. Assiste ao deslumbramento do irmão com quem se dá bem (Eduardo) e ao sossego temporário do outro com quem não se dá.

Não significa que não possa voltar ao centro do palco. Ele dispõe de uma arma que os outros não têm: a capacidade de meter medo no pai com sua instabilidade emocional. É seu maior trunfo.