Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Bolsonaro acumula poder

Ou Moro se conforma ou pede as contas

Na noite do dia 28 de março do ano passado, Raul Jungmann, então ministro da Justiça, recebeu um telefonema do então diretor-geral da Polícia Federal. “Onde o senhor estará na madrugada de amanhã?” – perguntou o diretor. “Ora, em minha casa”, respondeu o ministro. “Então eu lhe telefonarei mais tarde”, disse o diretor.

Ligou pouco antes das 6h para contar que em instantes seria preso o coronel João Baptista Lima Filho, amigo do presidente Michel Temer e seu parceiro em negócios suspeitos. Em seguida, Temer ligou para Jungmann. Acabara de saber pelo coronel que agentes federais cercavam o prédio onde ele morava na capital paulista.

Quem nomeia o diretor-geral da Polícia Federal é o presidente da República, mas quem indica é o ministro da Justiça. Sempre foi assim. Embora administrativamente subordinada ao Ministério da Justiça, ela é um órgão do Estado, não do governo. Responde às ordens do Poder Judiciário, e de mais ninguém.

Daí seu elevado grau de autonomia respeitado por todos os ministros e presidentes desde o fim da ditadura militar de 64. Daí porque nem mesmo o ministro tem acesso às suas informações. Sobre operações de captura de criminosos, por exemplo, o ministro só fica sabendo em cima da hora. Como foi o caso de Jungmann.

Sempre foi assim, mas o presidente Jair Bolsonaro não quer mais que seja assim. Mandou o ministro Sérgio Moro substituir o atual diretor-geral da corporação, o delegado Maurício Valeixo. Ex-superintendente da PF no Paraná, Valeixo e Moro atuaram em dobradinha quando a Lava Jato de Curitiba estava com a bola cheia.

Dá-se por certo dentro da PF que Moro não terá força para se opor à vontade de Bolsonaro, nem argumentos novos que possam convencê-lo do contrário. O estoque de argumentos de Moro esgotou-se há uma semana quando ele e Bolsonaro tiveram uma discussão áspera sobre o assunto no Palácio do Planalto.

Bolsonaro tem dois candidatos para a vaga que deverá se abrir em breve com a saída de Valeixo: o delegado Anderson Gustavo, Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, e o delegado Alexandre Ramagem, diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), o Serviço Secreto do governo.

Ramagem encarregou-se segurança pessoal de Bolsonaro depois da facada que ele levou em Juiz de Fora, e que amanhã completará um ano. Foi Bolsonaro quem pôs Ramagem na direção da ABIN, tirando dali o antigo diretor que havia sido indicado pelo general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional.

Sempre vestido com um colete à prova de balas por debaixo da camisa, Bolsonaro tornou-se paranoico com sua própria segurança. Mas não é por isso que ele quer Ramagem no comando da PF. Quer porque ele é um homem de sua inteira confiança, fará seus gostos e não permitirá que nada o surpreenda.

Essa foi uma das razões para a transferência do Ministério da Economia para a órbita do Banco Central do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) que mudou de nome. Passou a se chamar Unidade de Inteligência Financeira (UIF). Dali foi demitido Roberto Leonel, indicado por Moro.

O UIF exercerá o mesmo papel do extinto COAF, que monitorava, analisava e produzia relatórios de inteligência financeira. Mas com uma diferença: os conselheiros do COAF deveriam ser servidores públicos. Os do UIF não precisam ser. Indicações políticas também poderão ser acatadas. Bolsonaro as repele, mas nem tanto.

A Receita Federal está na mira de Bolsonaro. E está previsto para amanhã o anúncio do nome do novo Procurador-Geral da República que, segundo Bolsonaro, deverá estar 100% alinhado com ele para o bem e para o mal. No próximo ano, Bolsonaro nomeará um novo ministro do Supremo Tribunal Federal. E, em 2021, mais um.

Se não mudar de opinião até lá, os dois ministros serão “terrivelmente evangélicos”. E deverão rezar pela cartilha dele.

O que Maduro e Bolsonaro têm em comum

Quanto ao PT...
Nicolás Maduro e Jair Bolsonaro insultaram a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, que criticou o aumento da violência nos dois países.

Na Venezuela, segundo Bachelet, tortura-se e matam-se adversários políticos do regime. Aqui, os torturados ou mortos são vítimas da polícia e do pouco caso do governo.

Fez bem o PT em bater duro em Bolsonaro por agredir Bachelet e a memória do pai dela, um militar torturado e morto pela ditadura do general Augusto Pinochet. Fez mal em poupar Maduro

Bolsonaro e Maduro são presidentes marcadamente autoritários. Na Venezuela, vive-se uma ditadura cruel. Por aqui, a democracia inspira sérios cuidados.

O PT não aprende com os próprios erros. E não esquece o que aprendeu.


Ricardo Noblat: A próxima crise contratada pelo governo Bolsonaro

Agora, com a Igreja Católica

A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que se nega a ser reconhecida como o Serviço Secreto do governo, mas que é o que é, espiona padres, bispos e cardeais que preparam o Sínodo da Amazônia convocado pelo Papa Francisco e a realizar-se em Roma a partir da primeira semana de outubro próximo.

Foi Jair Bolsonaro que, ontem, confirmou a informação publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em fevereiro último e desmentida à época pelo Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República. Bolsonaro não falou em “espionagem”. Preferiu usar o termo “monitorar”, que significa vigiar, acompanhar.

“Tem muita influência política lá, sim”, afirmou Bolsonaro em almoço com jornalistas no quartel-general do Exército, em Brasília. Quando lhe perguntaram sobre o monitoramento da Abin, respondeu que a agência monitora “todos os grandes grupos”. Quando lhe perguntaram se o Papa é de esquerda, esquivou-se:

– Não vou arrumar confusão com os católicos. Só posso dizer que o Papa é argentino.

O Sínodo reunirá padres, bispos, arcebispos e cardeais dos nove países por onde se estende a Amazônia e deverá ser presidido pelo próprio Papa. Em discussão, mudanças climáticas, situação dos povos indígenas e desmatamento, temas considerados de esquerda pelo governo Bolsonaro e pelas Forças Armadas brasileiras.

Escolhido pelo Papa, o relator do Sínodo será o cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes. Foi ele o único cardeal a aparecer na foto que marcou a primeira aparição pública de Francisco como Papa no balcão da Basílica de São Pedro, no Vaticano. O dois são amigos desde que o Papa era arcebispo de Buenos Aires.

Na única entrevista que concedeu depois de ter sido nomeado relator e representante pessoal do Papa no Sínodo, dom Hummes disse que Francisco quer “pressionar” os governos da região a agirem para preservar o meio ambiente na Amazônia e cuidar melhor dos povos que vivem ali.

Foi por encomenda de dom Humes que a Igreja Católica divulgou uma carta na última sexta-feira onde afirma que os bispos envolvidos na organização do Sínodo estão sendo “criminalizados” e tratados como “inimigos da Pátria”. A Igreja nega que o Sínodo represente alguma ameaça “à soberania nacional”.

Essa será a próxima encrenca que o governo Bolsonaro irá enfrentar. Em 17 de setembro próximo, Bolsonaro discursará na abertura de mais uma assembleia anual da ONU, em Nova Iorque. Ativistas ambientais de diversos países preparam uma recepção à altura do presidente que apontam como inimigo da natureza.


Ricardo Noblat: Bolsonaro brinca com fogo e queima seu governo

Decreto para inglês ver...

À falta de ideias melhores para enfrentar a crise ambiental desatada por sua culpa, sua culpa, sua exclusiva culpa, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto, a ser publicado, hoje, no Diário Oficial, que suspende por 60 dias em todo o território nacional qualquer permissão para que se toque fogo no mato.

Daqui a 60 dias, terá início a temporada de chuvas torrenciais na Amazônia que acabarão com as queimadas por lá. O que está pegando fogo agora é o que já foi derrubado entre fevereiro e maio últimos. Não haverá tropa militar o suficiente para apagar os milhares de focos de incêndio que atraíram a atenção do planeta.

O decreto do fogo seria igual a outro que proibisse a chuva – inócuo. A legislação ambiental brasileira é considerada uma das mais avançadas do mundo, e motivo de justo orgulho para o país. Ela já proíbe que se toque fogo em áreas protegidas como é o caso da maior parte da Amazônia. E, no entanto, se toca desde tempos imemoriais.

Somente entre 1985 e 2018, o Brasil perdeu 89 milhões de hectares de cobertura natural – o equivalente a 20 vezes a área do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, segundo dados do projeto MapBiomas. No mesmo período, a pecuária se expandiu por mais de 86 milhões de hectares. O que mudou então – e para pior?

Mudou o governo com a posse, em janeiro, de Bolsonaro na presidência da República. Assumiu um presidente que se elegeu prometendo afrouxar as regras de preservação do meio ambiente para facilitar o avanço da pecuária, da agricultura e da extração de riquezas minerais. Um antiambientalista de carteirinha.

Resultado? Do início do ano até anteontem, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais já detectou 43.421 focos de incêndio. Somente neste mês foram 27.497 –valor mais alto que a média para o mês inteiro registrada nos últimos 21 anos. Não fosse a gritaria internacional que só faz crescer, ficaria tudo por isso mesmo.

Em meio à alta do desmatamento e das queimadas na Amazônia, o Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama, apontado como a tropa de elite do instituto para o combate ao crime organizado na área ambiental, não foi a campo neste ano para combater crimes desse tipo. Por que não foi? Porque não teve recursos para tal.

Pelo mesmo motivo, despencou o número de autuações do Ibama na Amazônia. Até o último dia 23 foram aplicadas 1.639 multas por crimes contra a flora na região – uma queda expressiva de 42% em relação ao mesmo período do ano passado. Foi também a menor quantidade de multas aplicadas desde 2010.

Bolsonaro brincou com fogo e queimou seu governo para sempre.

Fachin joga xadrez

Um duplo lance
Sempre que é contrariada, a Força Tarefa da Lava Jato, em Curitiba, diz que o combate à corrupção corre grave risco. Costuma funcionar. E tudo indica que funcionará mais uma vez – desta, graças a um duplo lance do jogador de xadrez jurídico Edson Fachin, ministro do Supremo Tribunal Federal e, ali, relator da Lava Jato.

Na última terça-feira, a Segunda Turma do Supremo entendeu que réus delatores devem ser ouvidos em juízo antes de réus delatados. Foi no julgamento de uma ação movida pela defesa de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, condenado por corrupção pelo então juiz Sérgio Moro.

Ao anular a sentença de Moro, a Segunda Turma mandou que o processo de Bendine fosse refeito. A decisão poderá beneficiar algumas dezenas de condenados pela Lava Jato, entre eles, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Daí a reação dos procuradores de Curitiba e, daí, a jogada de Fachin para atendê-los.

Em respeito à decisão da Segunda Turma, o ministro determinou que o processo no qual Lula é réu no caso do Instituto Lula retorne à fase de alegações finais. Mas, ao mesmo tempo, despachou para julgamento no plenário do Supremo o pedido de anulação da sentença que condenou por corrupção um ex-gerente da Petrobras.

Como Bendine, o ex-gerente também foi ouvido antes dos réus que o delataram. Ao levar para plenário o pedido feito pela defesa dele, Fachin aposta que a maioria dos seus pares derrubará a decisão tomada pela Segunda Turma. Se isso acontecer como é provável, a Lava Jato voltará a respirar e Lula seguirá no cárcere.

Moro aprendeu a lição

Na mira da caneta Bic
O ministro Sérgio Moro disse à jornalista Andreia Sadi que o diretor-geral da Polícia Federal está mantido no cargo e que tem a confiança dele. O que isso quer dizer? Nada, ou pouca coisa.

O diretor está na mira da caneta Bic de Bolsonaro por não ter demitido o superintendente do Rio, um cidadão que não se rendeu aos caprichos da mais nova família imperial brasileira.

Moro pode prestigiá-lo como faz, mas nada muito além disso. No governo do capitão manda ele e mandam os filhos – e mais ninguém. Quem ainda não aprendeu a lição poderá dar-se mal.

Depois de colher tantas derrotas, Moro parece ter aprendido.


Ricardo Noblat: Em xeque, o futuro da Amazônia

Soberba, cobiça e descaso

O que o governo Bolsonaro fez até agora pela Amazônia? Nada, salvo demonstrar desprezo por sua preservação. E o que passou a fazer depois que soube por terceiros que parte da floresta está pegando fogo? Sob pressão internacional, e só por conta disso, despachou mil militares e alguns aviões para apagar o fogo. Mais nada.

É jogada para que o mundo pense que ele afinal acordou para o desastre no seu quintal. Adiantará pouco. O que está em chamas, hoje, é a mata derrubada entre fevereiro e maio passados. O fogo decorre do tempo seco desta época do ano, mas também da ação humana para desidratar a medeira e poder transportá-la depois.

O que está em chamas permanecerá em chamas até outubro, pelo menos. O estrago feito não tem como ser reparado, feito está. O futuro da floresta é o que importa – embora o governo não dê o menor sinal de que se importa com o futuro da floresta. Nem o governo e nem seus parceiros ocultos em negócios milionários.

A reunião de Bolsonaro, ontem, com os nove governadores da Amazônia brasileira não serviu para nada. Ou melhor: serviu para que o presidente e sete dos nove governadores demonstrassem sua espantosa ignorância e falta de planos para cuidar com sensatez e inteligência dos problemas do meio ambiente.

Bolsonaro voltou a defender a exploração de riquezas minerais mesmo que à custa da derrubada de árvores em áreas protegidas. E não perdeu a chance de destilar mais uma vez seu horror pelos índios. Salvo os governadores do Pará e do Maranhão, os demais se comportaram como apóstolos do antiambientalismo.

O governador do Mato Grosso, eleito pelo DEM, não poderia ter sido mais estupidamente sincero quando chegou a sua vez de falar. Foi dele a frase que resumiu melhor o que Bolsonaro pensa a respeito de tudo que possa ter a ver com a natureza: “Não queremos tirar terra de índio. Nós queremos tirar as riquezas que lá estão”.

Por iniciativa do anfitrião, acabou-se falando mais de índios do que de incêndios. O que permitiu a Bolsonaro disparar mais uma de suas bizarrices que, se traduzida para outros idiomas, chocaria o mundo: “O índio não faz lobby, não fala a nossa língua e consegue hoje em dia ter 14% do território nacional. Uma das intenções é nos inviabilizar”.

A verdade é justamente o contrário do que Bolsonaro disse. Nós, que não falamos a língua dos índios, é que ocupamos 86% do território que foi deles um dia. A Constituição assegura aos índios a posse permanente sobre as terras que tradicionalmente ocuparam, bem como o usufruto exclusivo das riquezas que elas guardam.

As áreas indígenas demarcadas ocupam 13,8% do território brasileiro. Nela, segundo o Censo, vivem 57,5% das quase 900 mil pessoas que se declaram indígenas. Em 1500, quando Pedro Álvares Cabral aportou na Bahia, os historiadores estimam que 8 milhões de índios viviam por aqui, 5 milhões deles na Amazônia livre do fogo.

Tem nova pergunta na praça

Responda, capitão!
A nova pergunta a juntar-se a outras exaustivamente repetidas nas redes sociais e por aí a fora (Quem matou e quem mandou matar Marielle? Onde está Queiroz?):

Quando Jair Bolsonaro sobrevoará a Amazônia para ver os estragos provocados pelo desmatamento e pelo fogo?

Sugestões de respostas:
Nunca;
Quando o fogo apagar;
Na próxima eleição presidencial.

Em campanha pelo quarto mandato consecutivo, o presidente Evo Morales, da Bolívia, tem visitado as regiões do seu país mais devastadas pelo fogo.

Uma coisa é Bendini, que poucos sabem quem é. Outra é Lula

A lei nem sempre é igual para todos
Aposta de um advogado com mais de 40 anos de atuação ininterrupta no Supremo Tribunal Federal, ex-aliado político de Lula e que ainda o vê com muita simpatia: é improvável que o ex-presidente seja solto ainda este ano. Deverá ficar preso até a chegada do próximo.

A libertação dele agora soaria como uma bofetada no rosto do ministro Sérgio Moro, da Justiça, que o condenou à época em que era juiz. Embora desgastado com as revelações sobre os bastidores da Lava Jato, Moro ainda é o herói do combate à corrupção.

E, por isso, o queridinho dos sempre dispostos a ocupar as ruas em sua defesa. Desde que as sessões do Supremo passaram a ser transmitidas ao vivo por rádio e televisão, os ministros de certa forma se tornaram reféns da opinião pública ou da opinião publicada.

Por que afrontá-la quando a imagem do tribunal mais coleciona estragos? Fora o PT, quem mais pede Lula livre? No último domingo, no Rio, durante passeata em favor da Amazônia, um grupo pequeno de manifestantes pediu Lula livre. Foi calado pelos demais.

Ah, a Segunda Turma do Supremo anulou a condenação por Moro do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendini, e Lula poderá se beneficiar dessa decisão. Uma coisa é Bendini, outra é Lula. Diz-se da lei que ela é igual para todos, mas nem sempre é.


Ricardo Noblat || Mais uma chance para Bolsonaro

Se perder pode virar um pária

Se o cuidado com a preservação do meio ambiente fizesse parte de suas preocupações, o presidente Jair Bolsonaro não correria o risco de vir a ser tratado pelo mundo como um pária. A reação internacional às imagens da Amazônia em chamas deu-lhe mais uma oportunidade, talvez a última, de recuperar-se. Faça bom proveito.

A pressão sobre ele não cessará apenas com o deslocamento de tropas militares para apagar o fogo, o envio de agentes federais para investigar a origem criminosa das queimadas, nem porque à custa de muito esforço e sofrimento pessoal ele sentiu-se obrigado nas últimas 72 horas a baixar o tom de suas declarações incendiárias.

É verdade que não resistiu a ofender o presidente Emmanuel Macron, reproduzindo nas redes sociais o comentário sexista de um dos seus seguidores a respeito da primeira-dama da França. Coisa de gente vil e perversa, endossada pelo presidente da República do Brasil. Mas Bolsonaro não seria o que é se não tivesse agido assim.

Macron anunciou que os países mais poderosos do mundo estão dispostos a criar um fundo para a proteção da Amazônia. A ideia será detalhada quando ele for a Nova Iorque, em setembro, para a abertura da Assembleia Geral da ONU. Bolsonaro, que estará por lá, será uma das atrações do encontro, para o bem ou para o mal.

Não escapará de manifestações indignadas dos ativistas ambientais, e não poderia ser diferente, como não será. Mas terá a chance de ouro de mostrar se quiser que está longe de ser o político brucutu e o governante desvairado como começa a ser a ser pintado em toda parte por culpa exclusiva dele mesmo, e em prejuízo da imagem do Brasil.

Lágrimas pelo Zero Três

Chantagem emocional
O presidente Jair Bolsonaro tem recorrido a tudo para conseguir que o Senado aprove a indicação do seu filho Eduardo, o Zero Três, para embaixador do Brasil em Washington. É o sonho do garoto.

A um senador, em lágrimas, Bolsonaro disse que Eduardo precisa ser nomeado porque corre risco de morte se ficar por aqui. Não deu detalhes sobre a ameaça que pesaria sobre ele.

Eleito presidente do Senado em sessão onde vários dos seus colegas desrespeitaram a regra do voto secreto, o que o beneficiou, Davi Alcolumbre (DEM-AP) já anunciou que desta vez será diferente.

A regra voltará a ser respeitada para a aprovação ou não do nome de Eduardo. Alcolumbre calcula que assim aumentarão as chances de Bolsonaro de fazer o filho embaixador.


Ricardo Noblat || O milagre de Bolsonaro

O preço do despreparo

E que não se diga que faltam ministros competentes, embora em número aquém do desejável. Mas este é um governo cujo presidente veio do baixo clero e a ele voltará quando for esquecido. Um presidente que se lançou candidato só para assegurar o futuro dos filhos. Um presidente eleito por acidente e que se beneficiou de um.

Um presidente que se orgulha de ter lido poucos livros e de guardar na cabeceira de sua cama o relato das memórias do único militar brasileiro condenado por tortura. Um presidente que por soberba e ignorância só pensa em destruir tudo o que julga errado para construir mais tarde o que nem ele mesmo sabe direito o quê.

Seria preciso dizer mais sobre o ex-capitão Jair Messias Bolsonaro que enfrenta dificuldades até para expressar-se na língua em que foi alfabetizado? Pois bem: esse cidadão é autor do prodígio de com menos de oito meses na presidência ter sido alvo de panelaços por aqui como foi ontem, e de protestos em várias partes do mundo.

Humilhada na mais recente eleição que perdeu, sem dispor de ideias novas para oferecer ao país, carente de líderes expressivos e refém de um pecador condenado e encarcerado por corrupção, a oposição, ou o que restou dela, vaga sem destino com a esperança de que o tempo faça por si o que ela não sabe e parece incapaz de fazer.

O tempo foi generoso e a surpreendeu com a reação planetária contra o descaso do governo do capitão com o meio ambiente. Adversários e certamente devotos do Mito sentiram-se à vontade para se unir espontaneamente em defesa de uma causa sem viés ideológico e que está acima de divergências políticas superficiais ou de fundo.

Bolsonaro acusou o golpe e se repaginou para fazer o discurso bem-comportado com o qual respondeu às acusações que o atingem, mas o estrago não ficará menor por causa disso. A Amazônia está em chamas e assim permanecerá por muito tempo. As queimadas são mais intensas em áreas onde o desmatamento avança a galope.

O emprego de tropas do Exército para debelar o fogaréu não dará conta da tarefa dada às dimensões da área que está sendo reduzida a cinzas. Não basta prender e punir incendiários avulsos. Isso poderá servir apenas a uma jogada de marketing destinada ao insucesso. Ou Bolsonaro se rende ao respeito ambiental ou acabará como um pária.

A conversão ao respeito à natureza significará romper com as promessas que fez de permitir a livre exploração de riquezas em espaços que deveriam permanecer intocados, o que lhe custará votos e apoios. Mas ou faz isso ou o país amagará as trágicas consequências do seu comportamento irresponsável e insano. Vai pagar para ver?


Ricardo Noblat || Autoritarismo a galope

Não vê quem não quer

No começo foi o autoengano alimentado pelos que votaram nele e também por aqueles dispostos a tolerá-lo como se fosse um mal menor. O pior mal teria sido a volta do PT ao poder depois de um curto período fora dele.

Apostou-se então que Jair Bolsonaro, expulso do Exército por indisciplina, deputado federal do baixo clero por quase 30 anos, uma vez empossado como presidente da República seria uma pessoa distinta da que se elegera.

O candidato misógino, homofóbico, defensor de ideias estúpidas, sem um projeto para o país que não fosse o de destruir tudo o que havia para construir depois se sabia lá o quê, daria lugar a um presidente normal como os outros.
Bolsonaro chegou a falar em mais de uma ocasião que se comportaria como o presidente de todos os brasileiros – os que votaram nele e os que lhe negaram o voto. E os devotos de raiz, e as almas de boa vontade, acreditaram.

Acreditaram também que se não fosse assim, se ele sofresse recaídas, os militares empregados no seu governo dariam um jeito de enquadrá-lo. E que seus filhos acabariam se conformando com um pai diferente do que conheciam.

A 12 dias de completar oito meses no cargo, vê-se que o Bolsonaro de antes é o mesmo de hoje. Se algo mudou foi o país que tenta se adaptar a ele. O risco que se corre é de Bolsonaro normalizar o país a seu gosto e não o contrário como seria o natural.

Nunca na história do Brasil um presidente eleito pelo voto tentou concentrar tantos poderes como o faz o ex-capitão, um ressentido com seus companheiros de farda que o refugaram no passado, e também com a elite do Congresso que nunca lhe deu importância.

Suas iniciativas mais recentes são escandalosas e parecem mais a serviço de um projeto de ditador do que de um governante simplesmente autoritário, o que por si só já estaria para além dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico do país.

A Polícia Federal é um órgão de Estado, não de governo. Responde às ordens da Justiça. Apenas administrativamente está subordinada ao Ministério da Justiça. E, no entanto, Bolsonaro ocupa-se em domesticá-la para que atenda aos seus desejos.

Ocorre o mesmo com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e com a Receita Federal. A intenção inicial de Bolsonaro é valer-se da Federal, do COAF e da Receita para proteger seus dois filhos (Flávio e Carlos) metidos em rolos fiscais.

Se for bem-sucedido, o passo seguinte será o de valer-se dos mesmos meios para ameaçar ou perseguir eventuais adversários dos negócios políticos e econômicos da família. A esses meios, se junta a Agência Brasileira de Inteligência que ele já controla.

E em breve deverá juntar-se a Procuradoria Geral da República, onde ele pretende pôr alguém que o obedeça incondicionalmente. Não basta engavetar processos incômodos. Terá de processar quem ele queira. A hierarquia acima de tudo. Como num quartel.

A obra jamais estará completa. Mas avançará com o preenchimento de duas vagas a serem abertas no Supremo Tribunal Federal com a aposentadoria dos ministros Celso de Mello em 2020 e de Marco Aurélio Mello em 2021, ano da próxima eleição presidencial.

Ônus da prova cabe a quem pergunta

Sinal invertido
O presidente Jair Bolsonaro disse que o PT trouxe 10 mil guerrilheiros cubanos para o Brasil fantasiados de médico. E que na Argentina existem 60 mil cubanos infiltrados.

Então um repórter pediu-lhe alguma prova disso. No que ele respondeu surpreso e irritado: “Prova pra quê?”

O estilo Bolsonaro de ser, uma cópia vagabunda do estilo de Trump, estimula as declarações mais estúpidas e dispensa comprovação. Cabe a quem ouve ou pergunta o ônus de provar que ele mente.

Não é que seja tão difícil assim, muitas vezes até que é fácil. Mas sempre dá algum trabalho. Porque ele fala muito e mente muito

O porta-voz das boas notícias

O que é bom se mostra, esconde-se o ruim
O presidente Jair Bolsonaro avisou a ministros e assessores: a partir de agora caberá apenas a ele dar boas notícias na economia — quando houver, naturalmente.

Na próxima semana, será ele quem anunciará o novo plano da Caixa Econômica para a aquisição de imóveis a juros mais baixos. E também o Plano Safra 2020


Ricardo Noblat || Bolsonaro peita a Polícia Federal e perde

Recuou e falou baixo

É tamanha a necessidade do presidente Jair Bolsonaro de mostrar que manda no seu governo que ele pagou para ver e perdeu quando se meteu com a Polícia Federal.

Na última quinta-feira, Bolsonaro anunciou que mandara pôr na superintendência da Polícia Federal no Rio um delegado da sua confiança, Alexandre Saraiva, que hoje está em Manaus.

Por quê? Não disse. Mas sabe-se que o atual superintendente no Rio recusou-se a satisfazer determinadas vontades da família Bolsonaro – entre elas, a de proteger o senador Flávio, cheio de rolos fiscais.

O mundo quase caiu na cabeça do capitão. Haveria um pedido de demissão coletiva dos superintendentes da Polícia Federal se ele não recuasse do seu plano. E ele recuou menos de 24 horas depois.

O capitão é um bravateiro. Fala grosso pelas redes sociais ou quando lhe oferecem um microfone. Mas quando encontra forte resistência pela frente, pia baixíssimo e muda de assunto.

A Polícia Federal é órgão do Estado brasileiro, não do governo. Subordina-se administrativamente ao Ministério da Justiça, mas obedece a ordens da Justiça. E preza sua autonomia.


Ricardo Noblat || Moro perde mais uma

Sem chances no Congresso

Irá para a conta do ministro Sérgio Moro, da Justiça, uma vez que o presidente Jair Bolsonaro não admite que vá para a sua, a aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto que criminaliza o abuso de autoridade. Faz sentido que seja assim.

Era pedra cantada. O Senado já havia aprovado o projeto contra a vontade de Moro e o alheamento de Bolsonaro. A Câmara limitou-se a seguir o exemplo do Senado. Nem foi preciso submeter o projeto a voto no plenário. Fez-se uma votação simbólica e pronto.

Deputados e senadores toleram Moro como ministro porque não há outro jeito, mas não gostam dele e abominam o modo como ele se comporta no combate à corrupção. Jogam nas costas do ex-juiz a culpa pelo que chamam de criminalização da política.

Se nada mudar ali, Moro só deve esperar do Congresso uma derrota atrás da outra. Perdeu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), que Bolsonaro prometera que ficaria no Ministério da Justiça e que irá parar no Banco Central.

O pacote de leis anticrime apresentado por Moro está sendo cozinhado na Câmara a fogo brando. No final, o que sair dali pouco se parecerá com o pacote original.

Mais dois anos de Gleisi no comando do PT

Lula bateu o martelo
Para não dizerem que ele usou mão de ferro e enfiou goela a baixo dos seus companheiros a recondução da deputada Gleisi Hoffmann à presidência do PT, Lula convocou à Curitiba para uma conversa o senador Jaques Wagner (BA) e lhe ofereceu o lugar.

Wagner não quis. Se necessário, e devido à hora difícil que o partido atravessa, ele até concordaria em ser indicado para o cargo de vice-presidente. Lula não disse que o fará. Mas com a recusa de Wagner, sacramentou a escolha de Gleisi. Era o que ele queria.

A deputada preside o PT há dois anos. O próximo mandato deveria ser de quatro como foram os anteriores. Mas para não correr o risco de cindir o partido, Lula decidiu que Gleisi ficará no cargo só por mais dois anos. Muita gente não gostou, mas assim deverá ser.

O encarcerado de Curitiba está animado com a possibilidade de ir para casa em breve, uma vez que cumpriu parte da pena em regime fechado como manda a lei e tem o direito de cumprir o resto em casa, podendo sair para trabalhar durante o dia.


Ricardo Noblat: Zero Dois, o colecionador de cabeças

Rolou mais uma

Em versão atualizada e enxuta, está de volta o Comando de Caça aos Comunistas (CCC) – e congêneres, desta vez sob a chefia do vereador Carlos Bolsonaro, vulgo Zero Dois, o temido colecionador de cabeças que assombra a República desde que seu pai vestiu a faixa presidencial, lá se vão quase oito turbulentos meses.

Em sua versão original, datada do início dos anos 60 do século passado, o CCC foi uma organização paramilitar anticomunista de extrema direita composta por estudantes e policiais favoráveis à implantação no país de um regime autoritário. Com o golpe militar de 64, passou a caçar os adversários da ditadura.

Como o capitão, o Zero Dois acha que o Brasil poderá ser uma presa fácil para o comunismo que ainda estaria vivo por toda parte e ameaçador. Dedica-se à tarefa de defender o pai de todos aqueles que enxerga como inimigos – à esquerda ou à direita, não importa. E para isso só haveria uma solução: decapitá-los.

Foi o que já fez com os ministros Gustavo Bebbiano (Secretaria-geral da Presidência) e Santos Cruz (Secretaria do Governo). E agora com o jornalista Paulo Fona que só ficou sete dias como assessor de imprensa da presidência da República. Em menos de oito meses, Bolsonaro já teve três assessores de imprensa.

Em junho último, Fona foi chamado para uma conversa com Fabio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação Social da presidência. Wajngarten quis ouvi-lo sobre sua experiência como assessor de imprensa de dois governos no Distrito Federal (PMDB e PSB) e de um no Rio Grande do Sul (PSDB).

No final do mês, em novo encontro, Wajngarten convidou Fona para ser o assessor de imprensa de Bolsonaro. O jornalista sugeriu que ele pesquisasse sua vida profissional para se certificar melhor da escolha que fazia. Forneceu-lhe todos os seus dados pessoais – CPF, Carteira de Identidade e nomes de antigos empregadores.

Quinze dias depois, o martelo foi batido durante o terceiro encontro dos dois, e Fona apresentado como assessor de imprensa aos generais Luiz Eduardo Ramos Pereira (ministro da Secretaria de Governo) e Otávio Rêgo Barros (porta-voz da presidência da República). Em seguida, a notícia vazou para a imprensa.

A nomeação só foi formalizada no dia 6 de agosto porque Fona demorou a providenciar cópias do certificado de reservista e do diploma de bacharel em jornalismo. Ontem à tarde, um auxiliar de Wajngarten chamou Fona ao seu gabinete e disse que Bolsonaro mandara demiti-lo. Não se deu ao trabalho de explicar por quê.

Funcionário da liderança do PSB no Senado até 31 de julho, o jornalista é o mais novo desempregado da praça. Quem aconselhou Bolsonaro a demiti-lo foi o Zero Dois por considerá-lo de esquerda. Carlos não descansará enquanto não despachar com o pai em Brasília como o responsável pela área de comunicação do governo.

Cuide-se Wajngarten, mas não só ele. Rêgo Barros, pouco a pouco, vem sendo desidratado como porta-voz. Começa a circular nos corredores do Palácio do Planalto uma pergunta que põe o futuro do general em xeque: para quê Bolsonaro precisa de um porta-voz se ele mesmo não para de falar sobre tudo e qualquer coisa?

Zero Três é reprovado no primeiro teste como negociador

Para decepção do pai...
Há meses que o capitão Jair Bolsonaro fizera uma encomenda especial ao seu filho Eduardo, o Zero Três, deputado federal pelo PSL paulista e desde fevereiro presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara: era preciso apressar a aprovação do acordo entre o Brasil e os Estados Unidos para uso conjunto da base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão.

O acordo fora anunciado por Bolsonaro em sua primeira visita aos Estados Unidos depois de empossado na presidência da República. Os olhos azuis do presidente Donald Trump brilharam de satisfação ao saber que tudo fora resolvido. Retribuiu a notícia dada por Bolsonaro mimando seu filho Eduardo durante uma entrevista coletiva nos jardins da Casa Branca.

Indicado para embaixador do Brasil em Washington, cargo que exige do seu ocupante não só experiência como exímia habilidade para compor interesses contrários, Eduardo decepcionou o pai ao falhar no seu primeiro teste como negociador. Por mais que tenha se esforçado, não conseguiu que a comissão que preside aprovasse, ontem, o acordo prometido a Trump.

A votação do acordo foi empurrada para outra data por deputados de oposição e do chamado Centrão – esses, que ora apoiam o governo, ora não, e ora cobram caro para apoiar. O motivo alegado para o adiamento foi justamente o fato de que a nomeação de Eduardo para embaixador poderia contaminar a votação. O que isso quer dizer não se sabe. Contaminaria a favor ou contra?

O anfitrião de Bolsonaro

Às margens plácidas do rio Parnaíba
Era uma questão de honra para Francisco de Moraes Souza, conhecido como Mão Santa, levar mais um presidente da República a visitar a cidade onde o prefeito é ele – Parnaíba, no Piauí, a quase 350 quilômetros de distância de Teresina, a capital.

Michel Temer esteve lá em agosto último, mas quase deixou de ir. Ao convidá-lo, Mão Santa garantiu que o sucesso da visita seria maior se Marcela, mulher de Temer, também fosse e pudesse ser vista de biquíni às margens do rio Parnaíba. Temer aborreceu-se.

O presidente Jair Bolsonaro, esta manhã, desembarcará em Parnaíba a convite de Mão Santa para inaugurar a “Escola Jair Messias Bolsonaro” e a “Avenida João Batista de Oliveira Figueiredo”, nome do último general presidente da ditadura de 64.

Michelle, mulher de Bolsonaro, também foi convidada por Mão Santa, mas o governo não informou se ela irá. Se for, ela e o marido serão agraciados com o título de cidadãos de Parnaíba, a ser conferido pela Câmara Municipal da cidade em sessão solene.

Ex-governador do Piauí cassado por corrupção, ex-senador, Mão Santa é amigo antigo de Bolsonaro e chegou a ser sondado por ele em 2017 para ser seu vice. Para isso teria de renunciar à prefeitura de Parnaíba como mandava a lei. Mão Santa preferiu ficar por lá.


Ricardo Noblat: Dallagnol, pela boa sete

Ele e Moro, sob o risco de serem encaçapados

Quando os hackers de Araraquara foram presos, os mais apressados profetizaram que o ministro Sérgio Moro, finalmente, saíra das cordas. Ele amargava há mais de 30 dias a revelação à conta gotas de conversas daninhas e comprometedoras entre procuradores da Lava Jato em Curitiba e fora dali. Sua cabeça parecia estar a prêmio.

Nem se passaram ainda 20 dias desde a operação de captura bem-sucedida da Polícia Federal, e o célebre ex-juiz está de volta às cordas – desta vez porque entrou na mira certeira do presidente Jair Bolsonaro, o torturador de almas e de reputações mais cruel que já sentou praça na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Poderá cair ou permanecer no governo como um fantasma ou quase isso. Perdeu o controle sobre seu destino. Para não perder o emprego, agarra-se à popularidade em queda lenta e gradual, mas ainda expressiva, e ao apoio de generais de pijama, a maioria deles insatisfeita porque imaginara tutelar Bolsonaro.

Talvez não baste. Uma vez que renunciou à toga de olho numa vaga no Supremo Tribunal Federal que não terá, Moro escapou de ser punido por ter se comportado como juiz e assistente da acusação no processo que condenou Lula. Em compensação, virou refém de Bolsonaro e de suas idiossincrasias. Não fez um bom negócio.

O capitão está convencido de que Moro foi desleal com ele ao conspirar para que o Supremo anule a decisão do ministro Dias Toffoli que beneficiou o senador Flávio Bolsonaro. Toffoli, o mais novo queridinho de Bolsonaro, trancou os processos abertos com base em informações fiscais obtidas sem prévia autorização judicial.

O procurador Deltan Dellagnol, o principal parceiro de Moro na empreitada de tirar Lula do páreo presidencial para facilitar a eleição de um candidato do centro ou da extrema direita, está por um fio. Na melhor das hipóteses será censurado por ter feito o que não devia. Na pior, afastado ou suspenso da função.

Contra ele, antes tido como candidato de Moro à Procuradoria Geral da República, voltou-se Bolsonaro que o considera agora um perigoso esquerdista, gente da laia do PSOL, o partido ao qual era filiado Adélio Bispo, o autor da mais famosa facada da história do Brasil. Bolsonaro deu seu aval à punição de Dallagnol.

A pergunta que insiste em não calar: Dallagnol sairá calado ou atirando? Se resolver atirar, poupará Moro do risco de ser atingido por estilhaços? Concentrará os tiros apenas em ministros do Supremo que aponta em conversas como inimigos da Lava Jato? Dallagnol ainda tem poder de provocar estragos a torto e a direito.

A principal linha de defesa de Dallagnol e de Moro foi rompida há algum tempo desde que se tornou insustentável a desculpa de que as conversas a eles atribuídas poderiam ser falsas ou terem sido editadas. Ainda resiste a outra linha – a de que os dois são vítimas dos que sempre se opuseram à Lava Jato e ao combate à corrupção.

Argumento falso e vagabundo, mas ao gosto da massa que “é extraordinariamente influenciável, crédula, acrítica”, e para quem “o improvável não existe” porque ela “não conhece dúvida, nem incerteza”, segundo um médico das antigas de sobrenome Freud. Um judeu, e certamente comunista.

As dores de cabeça do capitão

Só más notícias
Tem Nicolas Maduro que não dá o menor sinal de que arredará pé tão cedo da presidência da Venezuela. Resistiu às fortes pressões americanas e brasileiras que não deram em nada até aqui. Seu principal oponente, Juan Guaidó, apagou-se.

Tem Mario Abdo Benítez, o presidente do Paraguai chamado por Bolsonaro de Marito, que ontem depôs ao Ministério Público durante sete horas sob a acusação de que traiu os interesses do seu país ao renegociar com o Brasil a compra de energia de Itaipu.

Tem Ângela Merkel, a primeira-ministra alemã, que autorizou o congelamento de R$ 155 milhões que seu país mandaria para o Fundo da Amazônia para financiar projetos de proteção da floresta. Bolsonaro respondeu que não precisa do dinheiro.

Tem o primeiro ministro israelense Binyamin Netanyahu, aliado de primeira hora de Bolsonaro, cujo futuro político depende de novas eleições parlamentares em 17 de setembro. Nos próximos meses, ele poderá ser indiciado em três casos de corrupção.

Mas, de longe, a maior dor de cabeça do capitão atende pelo nome de Alberto Fernández, que visitou Lula em Curitiba há poucos dias, e que ontem derrotou Maurício Macri nas eleições primárias para a escolha em 27 de outubro do novo presidente da Argentina.

Fernándes tem como candidata a vice em sua chapa a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner – sim, amiga e aliada de Lula, e detestada por Bolsonaro. Em recente viagem a Buenos Aires, Bolsonaro recomendou o voto em Macri. Não foi ouvido.

O capitão sempre poderá distrair-se pilotando uma moto pelas avenidas de Brasília ou um jet ski no lago Paranoá como fez ontem – e como no passado fez o então presidente Fernando Collor. Nem por isso as suas dores de cabeça passarão. Poderão até se agravar.

Lula respira

Sem perder a esperança
Quem tem conversado com a cúpula das Forças Armadas detectou uma mudança de humor: vem caindo a resistência dos militares à ideia de ver Lula fora da cadeia, informam na edição mais recente do TAG Reporter as jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros.

Há duas portas por onde ele poderá sair. A primeira, por ter cumprido em regime fechado parte da pena à qual foi condenado. A segunda, caso o Supremo Tribunal Federal conclua que o ex-juiz Sérgio Moro foi parcial ao julgá-lo.

A primeira seria a mais provável. Nesse caso ele iria para casa com tornozeleira eletrônica, podendo trabalhar durante o dia. Até aqui, Lula recusa-se a sair por essa porta.


Ricardo Noblat: Maia acumula vitórias, e Moro só derrotas

Cada um colhe o que plantou

O que o ministro Paulo Guedes, da Economia, e o Partido dos Trabalhadores (PT) têm em comum?

Os dois, ontem, protagonizaram cenas que obrigatoriamente serão usadas em uma eventual campanha de Rodrigo Maia (DEM-RJ) a presidente da República ou a vice em 2022.

Guedes atravessou a Esplanada dos Ministérios e foi ao plenário da Câmara agradecer publicamente a Maia a aprovação relâmpago em segundo turno da reforma da Previdência.

Em discursos transmitidos pela TV Câmara, líderes do PT louvaram a intervenção de Maia para impedir que Lula fosse transferido de Curitiba para o presídio paulista de Tremembé.

Maia foi contra a transferência. E despachou para o Supremo Tribunal Federal uma comitiva de 70 deputados de todos os partidos com a missão de pressionar os ministros a abortá-la.

Foi a marcha política mais ecumênica que se viu em tempos recentes de radicalização dos espíritos. A Esplanada estava acostumada a ver a esquerda e a direita separadas pela polícia.

Enquanto isso, a pouca distância da Câmara, recolhido em seu gabinete e cercado por assessores de confiança, o ministro Sérgio Moro, da Justiça, amargava sucessivas derrotas.

Foi a Polícia Federal, subordinada a ele, que havia pedido a remoção de Lula de Curitiba a pretexto de que sua presença, ali, incomodava a vizinhança do local.

Foi a juíza que substituiu Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba, e que obedece às suas orientações, que havia ordenado o despejo de Lula. Ela levou um ano para decidir.

Por sua vez, em caráter extraordinário, o Supremo concordou em examinar a decisão da juíza e a derrubou pelo elástico placar de 10 votos contra um, o do ministro Marco Aurélio Mello.

O dia infeliz de Moro terminou com a decisão de Gilmar Mendes de impedir que o jornalista Gleen Greenwald fosse processado pela divulgação de mensagens obtidas por fonte anônima.

Greenwald é o fantasma que assombra as noites mal dormidas de Moro desde junho quando o site The Intercept começou a divulgar conversas hackeadas do ex-juiz com procuradores da Lava Jato.

Em duas ocasiões, pelo menos, a Polícia Federal negou-se a dizer se investigava Greenwald ou não. A Receita Federal também não foi clara quando abordou o assunto. Aí chamaram Gilmar.

A qualquer momento, o jornalista poderá causar novos aborrecimentos a Moro que está às vésperas de outra derrota: a perda de um aliado em um dos postos mais estratégicos do governo.

Roberto Leonel é o aliado que Moro pôs na presidência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), o radar mais potente para detectar movimentações financeiras suspeitas.

O COAF ficaria sob os cuidados de Moro, prometera o presidente Jair Bolsonaro. O Congresso devolveu-o ao Ministério da Economia. E, agora, Bolsonaro pediu a Guedes a cabeça de Leonel.

Tudo porque Leonel criticou a medida tomada pelo ministro Dias Toffoli de suspender investigações com base em dados do COAF sem que tenha havido autorização judicial.

Convenhamos: para um chefe de família que põe a parentada acima de tudo, Leonel errou feio. A medida de Toffoli beneficiou o senador Flávio Bolsonaro. Leonel não se deu conta disso?

Para Guedes, obrigado a engolir a demissão de Joaquim Levy da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, engolir a de Leonel será moleza.

Para o ministro Moro, não. Para o ex-juiz Moro, autoridade máxima nos seus antigos domínios, a queda de Leonel será mais um duro golpe na autonomia que supôs ter.

O inferno de Lula continua

Uma coisa é diferente da outra
A decisão quase unânime do Supremo Tribunal Federal que barrou a a transferência de Lula de Curitiba para o presídio paulista de Tremembé se esgota nela mesma.

Está longe de significar que ele possa em breve ser mandado para casa onde cumpriria o resto da pena, podendo sair para trabalhar durante o dia.

É esse o entendimento da maioria dos 11 ministros do tribunal, e até mesmo daqueles que veriam com bons olhos a eventual libertação do ex-presidente.