Blog do Noblat

Ricardo Noblat: A direita expõe a sua divisão

Bolsonaro passa recibo

O apelo de Onyx Lorenzonni, chefe da Casa Civil da presidência da República, para que a direita permaneça unida só faz sentido como admissão velada de que ela está partida ou prestes a se partir. Ao formular o apelo durante encontro de conservadores promovido no fim de semana em São Paulo, Lorenzoni chegou a chorar.

Ou o ministro é muito emotivo ou a situação da direita brasileira inspira cuidados com menos de 10 meses de governo Bolsonaro. Podem ser as duas coisas. O descolamento do presidente da República da defesa candente que sempre fez do combate à corrupção provocou fissuras em sua base de apoio.

Ao nomear o ex-juiz Sérgio Moro ministro da Justiça e da Segurança Pública, Bolsonaro teve a intenção de reforçar seu compromisso com a luta contra a roubalheira de qualquer natureza e o crime organizado que catapultou o Brasil para a cabeceira da lista dos países mais violentos do mundo. Dela tão cedo sairá.

O Caso Queiroz obrigou Bolsonaro a dar meia volta. Por envolver seu filho Flávio, eleito senador, e as ligações entre a família e milicianos do Rio de Janeiro. Foi um golpe forte nas pretensões do presidente. Embora a investigação do caso esteja suspensa por decisão do ministro Dias Toffoli, ela poderá ser retomada em breve.

Bolsonaro tornou-se cedo demais refém da mais alta Corte de Justiça, pois é isso o que ele é e será até o fim do seu mandato. E o Supremo Tribunal Federal, por meio do seu presidente, conseguiu equilibrar o jogo disputado com um presidente recém-eleito que imaginava ter condições de subjugar os demais poderes.

A maioria dos devotos de Bolsonaro pode ainda não ter entendido o que se passa, mas a parcela menor e mais influente entendeu e não gostou. Daí a aflição de gente do tipo Lorenzoni, os garotos Carlos e Eduardo e o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho. Daí a euforia dos que abandonaram a nau dos Bolsonaros a tempo.

Aspirante a candidato a presidente em 2022, Wilson Witzel, o alucinado governador do Rio, é desde já uma pedra no sapato de Bolsonaro, que disso não cansa de passar recibo. Flerta com o PSL que Bolsonaro fustiga interessado em controlar seu caixa. E tenta tomar dele a bandeira da guerra ao crime.

Pela direita, com o cuidado de distanciar-se de sua ala extremista, trafegam João Doria (PSDB), governador de São Paulo, e o apresentador de televisão Luciano Huck. Moro a tudo observa como se não tivesse interessado. A sucessão de Bolsonaro foi precipitada por ele mesmo à falta de planos para governar.


Ricardo Noblat: O gosto de Bolsonaro de atirar no próprio pé

Guerra de desgaste

Bons tempos aqueles em que um grupo de deputados podia sair impunemente de um partido e carregar para outro seu tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão e sua parte em dinheiro nos fundos eleitoral e partidário. Não pode mais.

É justamente por isso que o presidente Jair Bolsonaro dá tratos à bola para imaginar um modo de não abandonar sozinho o PSL. Seria mais um tiro no pé, entre tantos que ele tem disparado desde que se escalou para exercer uma tarefa sem preparo.

Enquanto não descobre um modo, trava uma guerra de desgaste com o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL. Quer fazer uma devassa na contabilidade do partido nos últimos cinco anos na tentativa de descobrir grossas irregularidades. Não seria difícil.

Em janeiro do ano passado, ao filiar-se ao PSL, Bolsonaro não teve tal cuidado. Limitou-se a celebrar a “comunhão de ideias” que o levava ao partido. Exigiu apenas que Bivar se afastasse da presidência para que ele pudesse usar o PSL ao seu gosto.

E assim foi. Bolsonaro pôs no lugar de Bivar o advogado Gustavo Bebbiano, um amigo recente dele. Eleito, nomeou Bebbiano ministro da Secretaria do governo. Demitiu-o depois que Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, desentendeu-se com Bebbiano.

Ao sugerir que o PSL estava podre antes mesmo de sua entrada, arrisca-se Bolsonaro a que se prove que a podridão aumentou ou ficou do mesmo tamanho sob seu comando indireto, e logo no ano em que ele foi eleito presidente da República. Vai pagar para ver?

Em vários lugares, o Ministério Público investiga casos de desvio de recursos e de caixa 2 do PSL durante a campanha em que elegeu 52 deputados federais e quatro senadores. O laranjal do PSL em Minas Gerais é apenas o mais frondoso deles.

Se de repente Bolsonaro quer se reconciliar com o combate à corrupção sem ligar para o que possa acontecer com alguns dos seus filhos, por que não afasta logo do cargo o ministro do Turismo, soterrado por tantos indícios de roubalheira?

Mas, não. Em defesa do ministro – sabe-se lá por que – ele arranja encrenca com a Polícia Federal e diz que foi mal feito o inquérito que apurou investigou seu auxiliar querido, e pelo visto irremovível. Contraditório, é ou não é?

Do que Bolsonaro na verdade tem medo?


Ricardo Noblat: Tortura com as digitais do Estado

E o silêncio conivente de Moro

De Jair Bolsonaro não se espere nenhuma manifestação de horror quanto a torturas de presos. Mais de uma vez ele defendeu e justificou a tortura adotada como política de Estado à época da ditadura militar de 64 que se estendeu por 21 tenebrosos anos.

Mas do ministro Sérgio Moro, da Justiça, seria natural que se esperasse uma manifestação de inconformismo e de horror. Uma condenação sem reticências à prática que contraria os tratados internacionais sobre Direitos Humanos assinados pelo Brasil.

Quando nada porque Moro não é ministro de uma pasta qualquer – mas da que carrega em seu nome a palavra Justiça, agora acrescida das palavras Segurança Pública. E porque até um dia desses, Moro foi juiz respeitado e defensor do Estado de Direito.

Moro, no entanto, preferiu calar-se ou duvidar do relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, órgão vinculado ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, sobre o que aconteceu em março último no Ceará.

Como se calou mais recentemente sobre uma ação movida pelo Ministério Público Federal no Pará. Em questão, nos dois casos, o modo reprovável, cruel e desumano de operar de agentes de forças-tarefa de intervenção federal em presídios no país a fora.

No Ceará, para escapar de eventuais agressões, os agentes quebravam os dedos de presos considerados perigosos. No Pará, o variado cardápio de torturas foi usado à farta contra detentos – seja para que admitissem crimes, seja para aterrorizá-los.

A intervenção federal em presídios foi autorizada por Moro no rastro de rebeliões ou de ameaças de futuras rebeliões. Era para restabelecer a ordem e coibir crimes. De fato, serviu para a explosão de novos crimes, dessa vez com as digitais do Estado.

A falsa natureza cordial do brasileiro, somada à insegurança pública que faz do país um dos campeões mundiais em número de homicídios, acaba por avalizar o comportamento de forças policiais que empregam a violência para além do limite fixado em leis.

Nos tristes anos 70 do século passado, o advogado Sobral Pinto, que uma vez já invocara a lei de proteção aos animais para proteger presos políticos torturados, investiu contra autoridades e políticos que falavam cinicamente em “democracia à brasileira”.

Para Sobral Pinto, à brasileira só existia peru durante o Natal. Democracia não comportava adjetivo. Ou era democracia ou democracia não era. Assim como virgindade. Meia virgindade era uma fraude. Estado de Direito com tortura é fraude pura.

A barbárie sente-se estimulada quando o presidente da República a chancela, o ministro da Justiça a ignora e a sociedade a tolera.

Trump engabelou Bolsonaro, que se deixou engabelar

Acuda seu pai, Eduardo!
No dia em que completou seis meses sem dispor de um embaixador em Washington, o governo do presidente Jair Bolsonaro foi surpreendido com a notícia de que os Estados Unidos preferiram deixar para depois a indicação do Brasil a um assento na Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE). Apoiarão primeiro a Argentina e a Romênia.

Não teria sido o caso de despachar às pressas para Washington o deputado Eduardo Bolsonaro? Entre seus atributos para ocupar o posto vago não está sua fluência em inglês, o seu gosto por fritar hambúrguer e o seu acesso sem restrições ao presidente Donald Trump, aos filhos dele e aos seus principais auxiliares na Casa Branca? Quem sabe Trump não revogaria a decisão?

Nenhum dos ministros de Bolsonaro ousou lhe dar tal conselho. Poderia soar como deboche. Ultimamente, Bolsonaro anda se queixando de que poucos ministros o defendem nas redes sociais e na imprensa. O deboche poderia custar a degola de mais algum. De mais a mais, Bolsonaro decepcionou-se com Trump. Esperava melhor tratamento depois de tê-lo endeusado tanto.

Bolsonaro é sincero na sua admiração por Trump. E esperto também. Perfilar-se ao seu herói é um prazer para ele. Bajulá-lo e fazer-lhe as vontades, uma maneira de cativá-lo para que o ajude a governar. Trump simpatiza com Bolsonaro porque a imprensa americana o chama de “Trump dos trópicos”. Acha graça de algumas atitudes dele. Mas é só, e não é muita coisa.

A importância do Brasil para os Estados Unidos é pequena. Teve alguma na Segunda Guerra Mundial quando os americanos montaram uma Base Militar em Natal para controlar o Atlântico. E durante a Guerra Fria para barrar a instalação de governos comunistas na América do Sul. Os Estados Unidos esperam que o Brasil os ajude na Venezuela e contenha o avanço chinês por aqui.

Trump engabelou Bolsonaro com a promessa feita em março último de que apoiaria a entrada do Brasil na OCDE. E Bolsonaro, aflito por esgrimar com algum trunfo obtido, deixou-se engabelar. Trump não disse que sua promessa era para breve. Bolsonaro fez um escarcéu para dar a impressão de que a promessa seria cumprida rapidamente. Enganou os brasileiros. Deu-se mal.

Antes dera-se mal ao celebrar com grande alarde a conclusão do acordo entre o Mercosul e a Comunidade Econômica Europeia que se arrastava há mais de 20 anos. Para que entre em vigor, o acordo carece de confirmação pelo parlamento europeu. E com a crise ambiental que ameaça a Amazônia, a França já anunciou que não aprovará o acordo tão cedo. A Alemanha vai pelo mesmo caminho.

A pouca consideração de Trump pelo Brasil não fará Bolsonaro desistir da aprovação pelo Senado do nome de Eduardo para embaixador. A aprovação não é fatura liquidada, como os devotos do capitão insistem em dizer que é. Mas não deixou de ser possível. Tudo dependerá da generosidade de Bolsonaro no atendimento às reinvindicações$ dos $enhores $enadores.


Ricardo Noblat: Partido de Bolsonaro em pé de guerra

Nunca mais o PSL será o mesmo

Passava um pouco das 11h de ontem quando a reunião da Comissão de Tributação e Finanças da Câmara foi interrompida por uma voz de choro. “Acabei de ser destituída”, anunciou a deputada federal Alê Silva (PSL-MG) que desde fevereiro último sempre falou ali em nome do governo de Jair Bolsonaro.

Fez-se silêncio na ampla sala onde havia dezenas de deputados. Aos prantos, Alê contou que fora informada por telefone que sua missão estava encerrada. E que em breve a direção do PSL indicaria outro nome para substitui-la. Foi a primeira baixa na guerra deflagrada por Bolsonaro dentro do partido pelo qual se elegeu. Haverá outras.

“Esse partido só quer dinheiro e que se dane o povo brasileiro. Partido pequeno, nanico, que chegou aonde chegou por causa de Bolsonaro”, prosseguiu Alê no seu desabafo. Mais tarde, no plenário da Câmara, e dessa vez sem chorar, ela ainda discursaria para alguns dos seus colegas que a procuraram solidários:

“Sabe por que o PSL me excluiu? Porque eu sou inteligente, porque eu entendo de contas públicas. Por que para mim o interesse da população brasileira está acima de qualquer interesse de oligarquia política ou econômica. Foi essa a razão pela qual eles me excluíram. Joguem-me aos lobos que eu volto liderando a matilha”.

Alê é bolsonarista de raiz. Está disposta a ficar no PSL se Bolsonaro ficar ou sair junto com ele para outro partido. Quem a tirou da Comissão, despojando-a dos poderes que tinha, foi o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, e uma espécie de dono do partido há algumas décadas. Nada de pessoal contra Alê.

Bivar, apenas, aceitou pelejar com Bolsonaro pelo controle do PSL. Não fez sequer um gesto para impedir que Bolsonaro deixe o partido se esse for mesmo o seu desejo. E começou a retaliar disparando na direção dos deputados do PSL mais fiéis a Bolsonaro. Parece convencido de que assim a maioria ficará ao seu lado.

A exemplo de outros partidos, o PSL está organizado nos Estados por meio de comissões provisórias, não eleitas, mas indicadas pela direção nacional. Por provisórias, podem ser dissolvidas de um momento para o outro, afetando diretamente os interesses de detentores de mandatos. Aí reside parte da força de Bivar.

Outra parte reside na grana. Bivar é dono da chave do tesouro do partido, alimentado por dinheiro dos fundos partidário e eleitoral. Mensalmente, o PSL embolsa algo entre R$ 12 milhões a R$ 15 milhões. Dinheiro vivo. O partido pode fazer com ele o que quiser sem ter que dar muitas satisfações à Justiça Eleitoral.

Bolsonaro e seus filhos estão de olho nesse dinheiro. E como Bivar não abre mão de administrá-lo, a nova família imperial brasileira estuda meios e modos de se transferir para outro partido onde de fato possa mandar e desfrutar das benesses de quem manda. A saída não será tão simples e demandará algum tempo.

O partido de destino terá de ser um ainda em fase de construção. Esse partido terá de se fundir a outro dando origem a um partido realmente novo. Só então os que quiserem acompanhar os Bolsonaros na aventura poderão fazê-lo sem risco de perder os mandatos, e levando parte da grana que hoje é do PSL.

(De volta ao ar, o programa Topa Tudo por Dinheiro.)

Nem um tostão a menos

O apetite da grande família por dinheiro
À meia voz porque os ouvidos das paredes nos tempos que correm andam muito aguçados, deputados de vários partidos conversavam, ontem, no final da tarde no cafezinho da Câmara sobre o apetite por dinheiro da família Bolsonaro.

Um deles, de Santa Catarina, lembrou um fato prosaico, mas revelador. De quatro em quatro anos, a Câmara dá uma grana extra ao deputado que não se reelegeu para que se mude de volta ao seu Estado. E ao que se elegeu para que se mude para Brasília.

Como a Câmara é generosa, ela dá a mesma grana também para o deputado que se reelegeu e que já mora, portanto, em Brasília e não terá de se mudar. Há os que recusam por pudor. Há também os que recusam porque são donos de imóveis em Brasília.

Reeleito deputado federal, Eduardo Bolsonaro embolsou a ajuda destinada aos que voltariam aos seus Estados, e também a ajuda destinada aos que se mudariam para Brasília. Seu pai fez o mesmo, porém com um agravante.

Bolsonaro tem imóvel próprio em Brasília. E sua mudança foi paga pela presidência da República.

Censura ao passado

Nomes apagados
Sobrou para o índio Sapé Tiarajú, cujo processo de canonização amadurece no Vaticano. Ele morreu em 1756 em batalha contra a remoção de 30 mil índios pelos exércitos unificados dos reinos de Portugal e Espanha.

Sobrou também para Aureliano Chaves, vice-presidente da República no governo do general João Batista de Oliveira Figueiredo, o último da ditadura militar de 64. Mineiro, Aureliano foi um político conservador.

Sobrou ainda para Barbosa Lima Sobrinho, ex-governador de Pernambuco e presidente da Associação Brasileira de Imprensa à época do regime militar. E para o economista Celso Furtado. E para o ator Mario Lago. E para o ex-governador do Rio Leonel Brizola.

Eles deram nome a 11 termoelétricas da Petrobras. Não dão mais por ordens superiores.


Ricardo Noblat: Tudo por dinheiro

Em jogo, algo como mais de 700 milhões de reais em 4 anos

O presidente Jair Bolsonaro quer queimar o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, para que ele e seus garotos possam controlar a fortuna destinada ao partido pelos fundos partidário e eleitoral. Nos próximos quatro anos, algo como R$ 740 milhões.

É isso o que está por trás do ataque feito, ontem, por ele a Bivar. À saída do Palácio da Alvorada, na paradinha que dá para falar diariamente com admiradores e, como de costume, ofender jornalistas, Bolsonaro disse a um filiado do PSL:

– [Bivar] está queimado pra caramba.

Bolsonaro não quer sair do PSL. Quer que Bivar se curve às suas ordens na hora de repartir o dinheiro do partido com vistas às eleições municipais do próximo ano e às eleições gerais de 2022 quando ele deverá ser candidato à reeleição.

Há quatro anos, o PSL só elegeu um deputado federal e nenhum senador. Temporariamente alugado a Bolsonaro no ano passado, o partido elegeu 52 deputados federais e quatro senadores. Na Câmara, é dono da segunda maior bancada. A primeira é do PT.

Bolsonaro não tem nenhum apreço por partidos. Foi filiado a oito deles nos seus quase 30 anos como deputado federal. O PSL é o nono. A essa altura, montar um novo partido demandaria muito tempo – e Bolsonaro não pode se dar a esse luxo.

Trocar o PSL por um partido nanico seria arriscado. Os deputados do PSL que o acompanhassem na aventura poderiam perder o mandato. Só não perderiam se o PSL os expulsasse ou concordasse com sua saída. Improvável. Perderia dinheiro.

O mais provável é que Bolsonaro e Bivar acabem se entendendo.

Um jantar de arromba

Coisas da República
Nem por encomenda a noite, ontem, no restaurante Lake’s, tradicional reduto em Brasília de políticos, jornalistas e pessoas afins, poderia ter reunido para jantar uma fauna tão improvável.

Em uma área reservada, o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar, e parte da bancada federal do partido confraternizavam com o ministro Sérgio Moro, da Justiça.

O prato principal deveria ter sido o pacote de leis contra o crime de Moro. Acabou sendo o ataque feito horas antes a Bivar pelo presidente Jair Bolsonaro

Moro chegou atrasado ao encontro. E não se deu conta de que em outra mesa estavam os procuradores Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba, e Roberson Pozzobon.

Tanto quanto Moro, Dallagnol e Pozzobon são personagens de destaque nas conversas sobre os bastidores da Lava Jato divulgadas pelo site The Intercept Brasil. Virão mais por aí.

De repente, irrompeu no restaurante o ex-senador Romero Jucá (PMDB-RR). Um jornalista o aguardava. Jucá perdeu o cargo de ministro do Planejamento do governo Temer pelo que disse.

Em uma conversa gravada com o empresário Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras, Jucá cunhou uma frase que se tornaria célebre e profética:

– É preciso estancar essa sangria.

Referia-se à Lava Jato. Que começa a ser estancada pelo Supremo Tribunal Federal e o Congresso.

Os personagens da noite tão movimentada foram embora fazendo de conta que não haviam se visto.

Por que Bolsonaro não irá a Roma

A opinião da primeira-dama Michelle Bolsonaro pesou na decisão do seu marido de não viajar a Roma para a canonização no próximo domingo da Irmã Dulce, a primeira santa brasileira.

O presidente havia admitido comparecer à cerimônia que será celebrada pelo Papa Francisco. Michelle foi contra por uma questão religiosa. Ela é evangélica de raiz.

No lugar de Bolsonaro irá o vice-presidente Hamilton Mourão. Por orientação de Bolsonaro, ele viajará em um jatinho da FAB com poucos lugares ao invés de num dos Boeing presidenciais.

Assim, Bolsonaro espera mostrar ao Papa a sua insatisfação com o Sínodo da Amazônia que se estenderá até o fim do mês reunindo em Roma cerca de 260 cardeais, bispos e religiosos.

Ministros de Estado, admiradores da Irmã Dulce, voarão a Roma em aviões comerciais e às próprias custas. Também o ex-presidente José Sarney que foi amigo da futura santa.


Ricardo Noblat: Por quem bate o coração de Bolsonaro

Contra a corrupção, mas até certo ponto...

Marcelo Álvaro Antônio, ministro do Turismo, foi denunciado à Justiça pelo Ministério Público Eleitoral de Minas Gerais por ter liderado um esquema de candidaturas de fachada nas eleições do ano passado para desviar recursos do PSL, seu partido, e também o do presidente Jair Bolsonaro.

Se a denúncia for aceita, ele vai virar réu pelos crimes de falsidade ideológica (até 5 anos de cadeia), apropriação indébita de recursos (de 2 a 6 anos) e associação criminosa (de 1 a 3 anos). O que Bolsonaro fará com ele? Nada! Aguardará o desenrolar do processo, segundo seu porta-voz, o general Rêgo Barros.

Faz sentido. Bolsonaro tem dois filhos investigados por desvio de recursos – o senador Flávio e o vereador Carlos. A investigação foi suspensa por uma deferência especial do ministro Dias Toffoli, confirmada por seu colega Gilmar Mendes. Mas depende de uma decisão do plenário do tribunal para permanecer suspensa.

Se afastasse Marcelo Álvaro Antônio do cargo, Bolsonaro poderia ser cobrado por não ser igualmente exigente com os filhos. Mas não é por isso que não o fará. O ministro estava em Juiz de Fora quando Bolsonaro foi esfaqueado. Foi uma das pessoas que o carregaram para o hospital. Bolsonaro tem uma dívida com ele.

A fraude de Janot

Mentiu por quê?
O então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot estava em Belo Horizonte entre os dias 10 e 15 de 2017, segundo o diário eletrônico do Ministério Público Federal e os registros de voos da Força Aérea Brasileira. Foi o que descobriu o site JOTA. Logo…

Logo, no dia 11 daquele mês e ano, como contou à VEJA, não poderia ter estado armado no prédio do Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar Mendes. No seu livro de memórias, Janot contou a mesma coisa, mas sem citar o nome de Gilmar.


Ricardo Noblat: Lambança encomendada

Onze ministros e nenhuma decisão

Por incapacidade de decidir, ficará para mais tarde, em data ainda não sabida, o desfecho da sessão do Supremo Tribunal Federal que poderá restringir ou ampliar a brecha por onde passarão sentenças da Lava Jato sujeitas a anulação. Até o momento, duas sentenças já foram para o brejo.

Era para terminar hoje no final da tarde. Se não desse tempo, poderia se estender pela tarde de amanhã. Mas os ministros não se entenderam sobre o que fazer. Alguns até ameaçaram faltar. Então o ministro Dias Toffoli, presidente do tribunal, preferiu deixar tudo para quando der bom tempo.

O que parece ter ficado certo, embora sujeito a mudanças, é que por 7 votos contra 4 está assegurado ao réu delatado falar só depois do réu delator na fase das alegações finais de um processo. Por 8 a 3, os ministros concordaram em aprovar uma tese para orientar juízes das demais instâncias na aplicação da medida.

Isso significa que os juízes serão obrigados a respeitar a tese que ainda não foi sequer discutida pelos ministros? Não. Ela não produz efeito vinculante. Então – diabos! – por que aprovar uma tese? Bem, pelo menos para três dos 11 ministros, a tese seria perfeitamente dispensável por inútil. A ver.

Se depender de Toffoli, o autor da proposta, a tese se resumirá a dois pontos: só poderão pedir a anulação de sentenças os réus delatados que tenham reclamado ainda na primeira instância do fato de terem sido ouvidos antes dos réus delatores; e também aqueles cuja defesa comprove que foram prejudicados.

O filtro sugerido por Toffoli foi responsável pelo cancelamento da sessão marcada para hoje. Não há maioria formada para aprová-lo nos termos sugeridos por Toffoli nem maioria para rejeitá-lo. A passar pelo vexame de expor o racha da Corte, Toffoli decidiu empurrar o problema com a barriga.

Não foi a primeira vez. Não será a última. Não há um Supremo. Existem onze. Cada um por si. É a fogueira das vaidades.

Lula ganha uma

Mas não comemora
Dê no que der a sessão suspensa do Supremo Tribunal Federal por absoluta falta de entendimento dos ministros, uma coisa pelo menos é certa: a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderá pedir a anulação da sentença que o condenou em primeira instância no caso do sítio de Atibaia reformado para ele de graça pelas empreiteiras OAS e Odebrecht.

À época, a defesa recorreu da decisão alegando entre outras coisas que Lula fora ouvido antes do réu delator na fase das alegações finais do processo. E demonstrando que ele fora prejudicado. Tais condições foram aceitas pelo Supremo para anular duas sentenças da Lava Jato.


Ricardo Noblat - Para que não se faça o jogo de Bolsonaro

Separar o joio do trigo, sem publicar o joio

O presidente Jair Bolsonaro não precisa de uma imprensa para chamar de sua. Já tem. Poderia reunir parte dela sob o rótulo de Sistema Bolsonarista de Televisão (SBT). E outra parte num condomínio conhecido como Diários e Emissoras Associadas Contra o Socialismo – ou algo parecido com isso.

Ele estrebucha na maca, como o fez, ontem, mais uma vez porque os maiores veículos de imprensa do país resistem aos seus encantos e à sua conversa fiada, e teimam em continuar fazendo jornalismo com independência. Na sua fala diária à saída do Palácio da Alvorada, ele voltou à prática do seu esporte favorito – atacar os jornalistas.

Dessa vez disse que só voltará a falar com eles quando retificarem muito do que foi escrito e dito sobre seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. Pura estultice! Que mais adiante ele esquecerá. À falta de um projeto para o país, Bolsonaro governa de preferência por meio da palavra.

Na verdade, pouco se lhe dá se apanha por causa de tanta estupidez que diz – desde que se reproduza tudo o que saia de sua boca. A imprensa chapa branca reproduz sem fazer o menor reparo, como se espera dela. A imprensa crítica reproduz com o cuidado de oferecer o contraditório, que é o que dela se espera.

Pode-se ser mais seletivo para não dispender energia com o que é desimportante, não conferir o mesmo peso ao que é relevante e ao que não é, e não exaurir o distinto público. O desejo dos governantes é que se fale deles, mesmo que mal. Por que satisfazê-los?

Sai de cena “Lula, Livre!”. Entra “Lula, Preso!”

A nova palavra de ordem do PT
E se a juíza Carolina Lebbos, substituta de Sérgio Moro na 12ª Vara Federal da Polícia Federal, em Curitiba, mandar Lula para o regime semiaberto de prisão a que ele já tem direito por ter cumprido um sexto da pena a que foi condenado no caso do tríplex do Guarujá?

A defesa de Lula entrará imediatamente com algum tipo de recurso pedindo para que ele continue preso em regime fechado como está há 542 dias? No semiaberto, Lula poderá trabalhar durante o dia e voltar à noite para dormir na prisão. Ou dormir em casa.

Será algo inédito por estas bandas se a defesa preferir Lula preso a Lula mais ou menos livre. No interior remoto do país, há registro de presos que clamaram para não ser soltos porque a cadeia lhes garantia abrigo, comida e uma mínima sensação de segurança.

Todos foram despejados. A progressão de pena não é um favor do Estado, mas um direito do preso estipulado em lei. Se ele se comportou bem na prisão – e Lula foi um preso bem comportado -, tem mais é que sair depois de cumprido um sexto da pena.

E por que ele não quer sair? Verdade que Lula já disse que foi preso porque quis, e que só sairá da cadeia para que no seu lugar possam entrar o ex-juiz Moro e o chefe da Força Tarefa da Lava Jato no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol, seus algozes.

Blábláblá de Lula. Com a resistência a sair, ele quer marcar posição. Joga para seus devotos. Para mais tarde dizer que foi obrigado a sair contra sua vontade. Porque se dependesse dele, Lula, só sairia depois que a Justiça reconhecesse sua inocência.

Lula também pressiona para que o Supremo Tribunal Federal, em prazo relativamente curto, julgue o recurso impetrado por sua defesa que arguiu a suspeição de Moro com base nas revelações de mensagens trocadas por ele com procuradores da Lava Jato.

O PT ficou rouco de tanto gritar “Lula, Livre” desde que seu guia foi recolhido aos costumes da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Uma vez que ele acabe enxotado dali, será imperdível ver o PT gritar meio sem graça “Lula, Preso” ou algo parecido.


Ricardo Noblat: O general e a “loura maluca”

A sensação do governo (no momento)

Gabinete de Segurança Institucional, apontado como o intelectual do governo e principal conselheiro do presidente Jair Bolsonaro. Até que Bolsonaro esvaziou os poderes de Heleno e, hoje, ele funciona apenas como conselheiro e acompanhante de luxo.

Depois foi o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria do Governo, amigo de Bolsonaro há mais de 40 anos, o único dos seus auxiliares que o chamava de “você” e o censurava se necessário. Santos Cruz foi abatido por mensagens disparadas no Twitter pelo vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois.

O sucessor de Santos Cruz, general Luiz Eduardo Ramos, também paraquedista como ele e Bolsonaro, é a nova sensação do governo. Simpatia em pessoa, com livre trânsito no Congresso, surpreende os que o conhecem pela franqueza e sem cerimônia com que se refere a alguns dos seus colegas. Sobra para quase todos.

Segundo a mais recente edição do TAG Reporter, das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros, o ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil da presidência da República, é um dos alvos preferidos do general que o critica por ter procedido mal ao fazer determinados acordos com partidos para a cessão de cargos.

Não escapa nem o ministro Paulo Guedes, da Economia. Para Eduardo Ramos, Guedes promete, promete, mas não entrega. Em reuniões com parlamentares, ele já usou a expressão “loura maluca” para bater na deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso. O general está com a língua solta.

Há pouco mais de 15 dias, durante um encontro com a bancada de parlamentares federais do Paraná, depois de fazer as restrições de praxe a seus colegas, o general ouviu do deputado Ricardo Barros (PP), ex-ministro da Saúde do governo Michel Temer:

– Presidente não demite deputado, mas deputado demite presidente.

O general engoliu a seco.

A dor de cabeça de Bolsonaro

Tem uma pedra no meio do caminho
Nem o candidato do PT, que só será conhecido em cima da hora, mas que poderá partir de um patamar de intenção de votos na casa dos 20%. Nem o candidato do PSDB, talvez – quem sabe? – João Doria, governador de São Paulo, que atrairia o apoio de siglas do Centrão, tais como o DEM, o PSD e outras menos votadas.

Tampouco o apresentador de televisão Luciano Huck, que mais uma vez poderá ficar onde está para não perder a montanha de dinheiro que ganha e não ter que enfrentar o desconhecido. Sérgio Moro seria um pesadelo indesejável, mas ele se verá tentado a aceitar a indicação para ministro do Supremo Tribunal Federal.

Por ora, o que mais incomoda e mete medo em Jair Bolsonaro é ter que disputar a reeleição tendo como um dos seus competidores o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC). O Rio é a principal base eleitoral dos dois. E Witzel, mais do que os outros, está sabendo se apropriar do discurso que rendeu muitos votos a Bolsonaro.

A guerra contra bandidos fez parte do tripé do discurso bolsonarista junto com o combate à corrupção e o antagonismo ao PT. Eleito, Bolsonaro limitou a guerra contra bandidos à maior facilidade para a compra e ao porte de armas. O resto ficou por conta do pacote anticrime de Moro, desfigurado no Congresso.

Witzel, não. Fez da guerra contra o crime organizado a principal vitrine do seu governo. Deu liberdade à polícia para atirar na cabecinha de quem seja visto armado com um fuzil ou mesmo desarmado. E se isso horroriza parte dos cariocas, parece ser à menor parte deles. É nisso que aposta o governador.

Se Bolsonaro pode alardear que nenhum caso de corrupção abalou seu governo até agora, Witzel também pode. Mas com uma diferença em desfavor de Bolsonaro: o presidente tem enfraquecido a luta contra a corrupção desde que sua família começou a ser investigada por mal uso de dinheiro público.

No mais, como ex-juiz, Witzel exerce forte influência junto ao Ministério Público do seu Estado. Bolsonaro desconfia que ele esteja por trás do empenho dos procuradores em investigar os rolos de sua família. Essa seria uma das vantagens que Witzel não abrirá mão em explorar no momento devido.

Quanto ao antagonismo ao PT, Bolsonaro continua em melhor situação do que Witzel, que tenta parecer menos extremista do que ele. Mas isso poderá se converter em uma vantagem para o governador se os eleitores em 2002 preferirem um candidato mais ao centro e menos radical do que Bolsonaro.


Ricardo Noblat: O poder em estado bruto

Janot conta suas verdades

Pressões, ameaças, chantagens, tentativas de suborno, vale tudo pelo poder como se sabe e como agora conta com uma fraqueza surpreendente o ex-Procurador-Geral da República Rodrigo Janot em livro de memórias que chegará em breve às livrarias.

A VEJA antecipou parte do que Janot ditou ao jornalista Jailton de Carvalho, coautor do livro. As memórias de Janot deixam todo mundo mal, principalmente ele, embora essa não fosse a intenção. Ninguém se autoincrimina de propósito, a não ser um suicida.

Janot revelou-se um assassino em potencial e um suicida arrependido quando entrou armado com um revólver no prédio do Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar Mendes e depois matar-se. Engatilhou o revólver, mas na hora de disparar…

Uma força divina, segundo ele, impediu-o de apertar o gatilho. Como tanta gente faz, Janot meteu Deus numa história com a qual ele nada teve a ver. O mais correto seria admitir que lhe faltou coragem para consumar o gesto ou que pensou melhor e desistiu.

Graças a Deus (êpa!) que desistiu. Primeiro porque poupou a vida de um semelhante e a sua própria vida. Depois porque poupou o país do horror de ver duas togas ensanguentadas no espaço destinado a produzir justiça de acordo com a lei.

Impossível que o livro não venha a ser lembrado pelo tresloucado gesto abortado. Mas também o será por outros episódios ali narrados. Que tal um ex-presidente (Collor) que passa uma audiência inteira sussurrando que o procurador é filho da puta?

Que tal um vice-presidente (Temer) que convoca o procurador para uma audiência e lhe pede para não denunciar por crimes o presidente da Câmara (Eduardo Cunha)? A audiência foi assistida pelo então ministro da Justiça (José Eduardo Cardoso).
Que tal um senador (Aécio), candidato a presidente da República, que para escapar de ser investigado por corrupção se apressa a oferece ao procurador o que ele quiser – do posto de embaixador em Portugal à vaga de vice em sua chapa?

Cabe a pergunta: por que o procurador, do alto de um dos cargos mais poderosos da Corte, não denunciou todos os que o ameaçaram ou tentaram corromper? Não tinha provas para sustentar as denúncias? Tem agora para sustentar o que conta?
De Janot sempre se soube que apreciava beber – até aí nada demais. Lula gostava muito de beber e não foi por isso que está preso. Espera-se que o gosto de Janot pela bebida não o tenha desnorteado no momento em que resolveu depor para a História.

Lula (mais ou menos) livre

A ideia agrada a Bolsonaro
O plano original era: condena-se Lula em primeira e segunda instância no caso do sítio de Atibaia de modo que ele não fosse para o regime semiaberto por ter cumprido um sexto da pena a que fora condenado no caso do tríplex. Aí não deu tempo.

Então para não ficar ainda pior na foto, o Ministério Público Federal de Curitiba pediu à Justiça que Lula fosse para o regime semiaberto uma vez que tem direito. Ficaria pior na foto se a iniciativa tivesse partido do Supremo Tribunal Federal.

Lula recusa-se a ir para o regime semiaberto que permite ao condenado trabalhar fora durante o dia retornando à noite à prisão. Quer que a Justiça simplesmente anule suas condenações por irregularidades cometidas na condução dos seus processos.

Preso não tem querer. Pode estrebuchar na maca, protestar por meio de notas, apelar para a justiça internacional, mas assim será. Se de dentro da cadeia Lula já fala muito, imagine quando puder ficar fora dela pelo menos 12 horas por dia?

A ideia não desagrada ao presidente Jair Bolsonaro e ao gabinete do ódio que o assessora. Para continuar forte politicamente, Bolsonaro precisa de Lula e do PT razoavelmente fortes. A receita deu certo no ano passado. Bolsonaro carece de outra.


Ricardo Noblat: O comandante voltou!

A melhor defesa é o ataque

É preciso conter a sangria no núcleo duro dos bolsonaristas de raiz agora divididos na sua devoção ao presidente da República e ao ministro Sérgio Moro, da Justiça, o herói do combate à corrupção.

E foi principalmente por isso que o ex-capitão paraquedista Jair Bolsonaro disse o que disse, e da forma como disse, na abertura de mais uma Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque.

Vazaram para o governo informações preliminares e preocupantes sobre novas pesquisas de opinião. E caso elas se confirmem, a base de apoio a Bolsonaro continua a estreitar-se.

Tudo pode ficar para depois – o agronegócio com medo da perda de novos negócios, a ajuda planetária para preservar a Amazônia, o melhor relacionamento com os demais chefes de Estados.

Dinheiro jogado fora? Sim. Respeito que poderia ser reconquistado e que foi desperdiçado mais uma vez? Sim. Crescente isolamento internacional? Evidente. Em compensação…

De que adiantaria tudo isso se as hordas dos guerreiros cegos e sem cérebro, dispostos a matar ou a morrer em troca de gordos soldos futuros passassem a desobedecer à voz de comando?

Às favas, pois, os superiores interesses da Nação. Às favas os conhecimentos acumulados, os bons costumes e as reverências cobradas pela solenidade da ocasião. A arena é outra.

Desse ponto de vista, e exclusivamente desse, foi perfeito o discurso de Bolsonaro. O toque de reunir a tropa foi ouvido de uma ponta à outra do país e amplificado por seus adversários perplexos.

Esfaqueado por um militante de esquerda, salvo por um milagre divino, restabelecido da quarta intervenção cirúrgica, o comandante voltou com sangue na boca e a espada na mão.

É a guerra santa!

À glória ou à aposentadoria com honra antes do desejado!

Ave, Bolso!

Ou melhor: Selva!


Raul Jungmann: Polícia não é Milícia

Aqueles que aplaudem hoje, amanhã não perguntem por quem os sinos dobram…

Semana passada o Capitão Assunção, dublê de PM e deputado estadual pelo Espirito Santo, foi à tribuna fazer uma oferta espantosa. Dez mil reais para quem lhe trouxesse o cadáver do assassino de uma jovem capixaba. Fardado, o capitão PM rompeu, de uma só vez, todos os laços com a condição de policial e de parlamentar, ao tornar-se um possível cúmplice e mandante de um homicídio doloso e, de homem da lei candidatou-se a ser um homem do crime.

Os que têm memória curta o aplaudiram.

Porém, em 2017 estávamos em campos opostos. Ele, foi o principal líder de um motim policial que levou parte da tropa da PM a se aquartelar armada, negando segurança e levando o terror ao indefeso povo capixaba, alvo de arrastões, incontáveis mortes e saques. Nós, coordenando uma operação de GLO – Garantia da Lei e da Ordem, a pedido do Governador Paulo Hartung e mando do Presidente Temer, com 3.500 homens das Forças Armadas, para dar a população a segurança negada pelo Capitão e seus liderados. De todas as 11 GLOs que coordenei, essa foi a mais crítica.

No pico do stress chegamos a trabalhar com a hipótese de empregar tanques e lançar tropas especiais de paraquedas para libertar os que se opunham à greve e eram impedidos de sair dos quarteis. Recentemente, no Fórum Exame 2019, afirmamos que uma polícia com licença para matar concedida pelas autoridades, torna-se moralmente corrupta. Cabendo a ela decidir quem irá morrer ou não, é evidente que os poderosos e ricos comprarão suas vidas, os fracos e pobres, não.

Chegando nesse estágio de degradação, uma polícia já não se distingue de uma milícia, autênticos justiceiros de aluguel. Disciplina, hierarquia e respeito à lei, bases constitutivas de toda força policial armada, deixam de existir. Clãs e grupos se formam sob a liderança de chefes paralelos aos comandos formais, sem nenhum controle. A opinião pública que chancela e aplaude a licença para matar, não faz ideia do monstro que ajuda a criar e que inexoravelmente se associará ao crime organizado.

Pois esse, ao contrário dos pés de chinelo, tem recursos para comprar sua intocabilidade. Tenho especial apreço pelos homens e mulheres policiais que nos fazem a segurança. São exigidos, mais das vezes ganham mal e vivem sob constante stress e riscos. Em respeito a eles, bons policiais, não podemos jamais ordenar-lhes algo que seja ilegal ou criminoso.

Combater o crime e reduzir a violência de modo sustentável exige respeito à lei, valores corporativos, boa formação de recursos humanos, inteligência policial, tecnologia, disciplina e hierarquia. Na licença para matar, as primeiras vítimas são os de sempre, em seguida a boa polícia e a nossa segurança. Aqueles que a aplaudem hoje, amanhã não perguntem por quem os sinos dobram…

*Raul Jungmann, ex-Ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública.