Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Paulo Guedes com cara de Bolsonaro

E o mesmo discurso autoritário...

O presidente Jair Bolsonaro, que se apressou a desautorizar seu filho Eduardo quando ele acenou, no final do mês passado, com a edição de um novo Ato Institucional nº5, deveria sentir-se obrigado a proceder da mesma maneira depois do que disse ontem, em Washington, o ministro Paulo Guedes, da Economia.

O AI-5 foi o mais brutal ato de força da ditadura militar de 64. Adotado em dezembro de 1968, ele fechou o Congresso, cassou mandatos de parlamentares e de ministros do Supremo Tribunal Federal, permitiu prisões sem autorização judicial e estimulou a tortura e o assassinato de adversários do regime.

Em entrevista coletiva, à saída de reunião do Fórum de Altos Executivos Brasil-Estados Unidos, Guedes admitiu que o governo desacelerou o envio de propostas de reformas ao Congresso com receio de que se repita por aqui as manifestações de ruas que ocorrem no Chile e na Colômbia. E que ocorreram na Argentina.

Perguntado se a preocupação era gerada por algum medo de Lula, o ministro ocupou-se em criticar o ex-presidente e o que ele tem dito desde que foi solto. Em mais de uma ocasião, Lula convocou os jovens a ocuparem as ruas para “lutar contra a destruição do país”. E afirmou que “um pouco de radicalismo faz bem à alma”.

Guedes retrucou:

– Chamar povo para rua é de uma irresponsabilidade… Chamar o povo pra rua pra dizer que tem o poder, para tomar. Tomar como? Aí o filho do presidente fala em AI-5, aí todo mundo assusta, fala ‘o que que é?’ (…) É isso o jogo? É isso o que a gente quer? Eu acho uma insanidade chamar o povo pra rua pra fazer bagunça.

Segundo o ministro, “assim que ele (Lula) chamou para a confusão, veio logo o outro lado e disse ‘é, saia para a rua, vamos botar um excludente de ilicitude, vamos botar o AI-5, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo. Que coisa boa, né? Que clima bom”. Mas não ficou só nisso. Foi além.

Sugeriu que o projeto de lei que prevê o excludente de ilicitude para militares e agentes de segurança pública em operações de Garantia da Lei e da Ordem é uma resposta ao discurso de Lula:

– Aparentemente digo que não (Bolsonaro não está com medo do Lula). Ele só pediu o excludente de ilicitude. Não está com medo nenhum, coloca um excludente de ilicitude. Vam’bora.

O projeto de lei enviado ao Congresso beneficia militares e agentes de segurança pública para que possam agir sem ter que responder criminalmente pelo resultado do que fizerem. Dito de outra maneira: no extremo, o projeto dá licença para matar ou reprimir com o emprego desmedido de violência.

Depois de mais de 1h30 de entrevista, voltou e procurar os repórteres e pediu para que não publicassem o que ele dissera. Era tarde. Agências de notícias e emissoras de televisão transmitiram a entrevista em tempo real. Então ele voltou a falar, na tentativa de suavizar suas declarações:

– Este é o recado para quem está ao vivo no Brasil inteiro. Sejam responsáveis, pratiquem a democracia. Ou democracia é só quando o seu lado ganha? Quando o outro lado ganha, com dez meses você já chama todo mundo pra quebrar a rua? Não se assustem então se alguém pedir o AI5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?

Seria concebível, em qualquer circunstância, adotar uma medida como o AI-5? – perguntou uma repórter. Resposta de Guedes, simulando a voz empostada de certos locutores:

– É inconcebível, a democracia brasileira jamais admitiria, mesmo que a esquerda pegue as armas, invada tudo, quebre e derrube à força o Palácio do Planalto, jamais apoiaria o AI-5, isso é inconcebível. Não aceitaria jamais isso. Está satisfeita?

A repórter perguntou então se ele usava de ironia na sua resposta. Com a simulação do mesmo tom de voz, ele respondeu:

– Isso é uma ironia, ministro? O senhor está nos ironizando? De forma alguma.

Que Bolsonaro tenha faltado às aulas sobre como funciona uma democracia, compreende-se. Mas Guedes, não. O ministro não pode revelar-se um ignorante na matéria. Nem mesmo por ter sido professor de economia na Universidade Nacional do Chile durante alguns anos da ditadura do general Augusto Pinochet.

Numa democracia, manifestações de rua contra o governo são permitidas. Se elas descambarem para a violência, a polícia é chamada para reprimir. O Brasil assiste a manifestações de rua, espontâneas ou encomendadas, desde junho de 2013, pelo menos. E quase todas foram pacíficas.

No ano passado, quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) disse que para fechar o Supremo Tribunal Federal bastariam um cabo e um soldado, Lula estava preso. Ainda estava preso quando Eduardo, assustado com o que acontecia no Chile, ameaçou com um novo AI-5.

Quantas vezes, de alguns anos para cá e mesmo depois de empossado na presidência da República, o pai de Eduardo elogiou a ditadura de 64, a tortura e a morte de desafetos do regime? Por isso, dentro e fora do governo, é acusado de trabalhar contra as reformas econômicas de autoria de Guedes.

Desta vez, é o próprio Guedes que sabota seus propósitos. E ao fazê-lo, revela-se tão autoritário quanto o seu chefe. Mais parecido com ele do que seria supor imaginar.

Governo faz o jogo de Lula

O PT agradece
A desastrada entrevista concedida em Washington pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, foi o sinal de que o governo piscou primeiro diante das provocações feitas por Lula desde que ele deixou a prisão há quase 20 dias.

O presidente Jair Bolsonaro fora aconselhado pelos ministros que o cercam a não passar recibo das críticas de Lula. O líder do PT saiu da prisão ressentido e disposto a reassumir o protagonismo que sempre teve na política. E para isso teria de elevar o tom da voz.

Lula tem pouco a perder agindo assim. Mas o governo, ao polarizar com ele, teria a perder pelo menos no curto prazo. Sem uma base de apoio expressiva dentro do Congresso, agora sem sequer um partido para chamar de seu, provocar marolas seria muito ruim.

Certamente Bolsonaro não contava com o que Guedes pudesse dizer. Pior: pode cair na tentação de repetir seu ministro ou ir além. É tudo o que Lula deseja. A palavra de ordem dentro do PT é polarizar com o governo e crescer em cima dos seus erros.


Ricardo Noblat: PT flerta com o impeachment de Bolsonaro

Na contramão de Lula

Reeleita com quase 72% dos votos para presidir o PT por mais quatro anos (uma temeridade), a deputada Gleisi Hoffmann (PR) deixou entreaberta a porta que o ex-presidente Lula fechara nos discursos que fez desde que foi solto depois de 580 dias preso.

No documento final do 7º Congresso do PT realizado no fim de semana em São Paulo, foi acrescentada uma emenda que diz assim:

“A partir da evolução das condições sociais e percepção pública sobre o caráter do governo e da correlação de forças, a direção nacional do partido, atualizando a tática para enfrentar o projeto do governo Bolsonaro, poderá exigir a sua saída”.

Gleisi parece ter mudado de opinião a respeito do impeachment de Bolsonaro. Porque em março último, quando ouviu rumores de que se cogitava derrubar Bolsonaro para pôr em seu lugar o vice-presidente Hamilton Mourão, ela foi contra. E atacou:

– A cultura golpista é intrínseca à classe dominante brasileira. Impressionante!

Em 1992, o PT pediu e levou o impeachment do então presidente Fernando Collor. No segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, pediu, mas não levou o impeachment dele. Adversários do PT conseguiram em 2016 o impeachment de Dilma.

Haddad, o candidato de Lula a prefeito de São Paulo

Ele não quer, mas...
Em conversa com um grupo de amigos há poucos dias, o ex-presidente Lula deixou muito claro o que pensa sobre a próxima eleição para prefeito de São Paulo. E todos concordaram com ele.

Lula estimulou o deputado Alexandre Padilha (PT-SP) a se candidatar – Padilha não quer. Avisou à ex-prefeita Marta Suplicy que ela poderá ser a candidata se voltar ao partido.

Marta respondeu que seu projeto é fazer Lula presidente da República de novo. Até porque sabe que o ambiente dentro do PT não é favorável a ela, para dizer o mínimo.

Se nenhum desses nomes, ou outro que surja espontaneamente até o fim do ano, mostrar-se competitivo, Lula já tem uma solução, e a revelou bem ao seu modo:

– Vai sobrar para o rabo de Haddad.

O ex-prefeito Fernando Haddad teima em não se candidatar a prefeito. Continua de olho na candidatura a presidente em 2022 se Lula não recuperar até lá seus direitos políticos.
Mas, no PT, ninguém acredita que ele poderá dizer não a Lula se o partido não encontrar outro nome com chances de disputar e de vencer a eleição para prefeito da capital paulista.

No Rio, o PT apoiará para prefeito o deputado Marcelo Freixo (PSOL). Em Porto Alegre, Manuela D’Ávila (PC do B). No Recife, acabará apoiando João Campos (PSB).

No seu berço, São Paulo, seria impensável não ter candidato próprio e forte. Portanto, cuide-se, Haddad!


Ricardo Noblat: Quando o porteiro mentiu?

História mal contada

As polícias Federal e Civil do Rio de Janeiro estão empenhadas em descobrir quando foi que mentiu o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, onde têm casas Jair Bolsonaro (duas) e Ronni Lessa, o miliciano acusado da morte da vereadora Marielle Franco.

O porteiro mentiu no dia 7 de outubro último, e dois dias depois, quando disse e repetiu à Polícia Civil que em 14 de março de 2018 “seu Jair” autorizara a entrada no condomínio de Élcio Queiroz, também acusado da morte de Marielle?

Ou o porteiro mentiu anteontem à Polícia Federal ao negar que “seu Jair” tenha autorizado a entrada? À Polícia Federal, ele disse que em 14 de março de 2018 anotara errado o número da casa para onde Queiroz pretendia ir. Não foi a casa 58, mas a 66.

Na 58 morava Bolsonaro, ainda deputado federal. Na 66, Lessa. Queiroz chegou ao condomínio no final da tarde daquele dia. Saiu dali com Lessa. Horas mais tarde, Marielle foi executada a tiros no centro do Rio. Morreu também seu motorista, Anderson.

Por que o porteiro teria mentido nos dois depoimentos de outubro à Polícia Civil? Segundo ele contou à Federal, porque não quis admitir que errara ao registrar no livro da portaria do condomínio que o destino de Queiroz era a casa 58, e não a 66.

Que dizer: à Polícia Civil, mesmo sabendo que “seu Jair” já não era um mero deputado, mas o presidente da República, o porteiro, ao invés de confessar um erro de anotação, preferiu inventar a história de que “seu Jair” liberou a entrada de Queiroz.

Ora, ora, ora. Faz sentido? Em tempo: no dia da morte de Marielle, Bolsonaro estava em Brasília. Carlos Bolsonaro, que mora na outra casa do pai, estava no Rio, mas não em casa na hora em que Queiroz pediu licença para entrar no condomínio. É o que ele diz.

Segue o baile.


Ricardo Noblat: Supremo deve confirmar decisão de Toffoli

Em jogo, o compartilhamento de informações financeiras sigilosas

Refeitas as contas, o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, está convencido de que contará, hoje, com o apoio dos seus pares para manter a decisão que beneficiou o senador Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz ao suspender todas as investigações em curso com base em informações financeiras sigilosas compartilhadas sem prévia autorização judicial.

Estão parados no país cerca de 950 processos que apuram crimes de lavagem de dinheiro e de corrupção. Se mantida a decisão de Toffoli, caberá ao Supremo fixar o destino deles. Se todos voltarão à estaca zero sendo obrigados a recomeçar, ou se só alguns – e quais. Toffoli guarda alguns trunfos para reforçar sua posição na hora dos debates. Ainda não sabe se se valerá deles.

Um dos trunfos: a descoberta de que determinados grupos de procuradores tinham uma lista de pessoas consideradas por eles perigosas porque poderiam a qualquer momento virem a atrapalhar seu trabalho. Nesse caso, ameaçariam investigá-las – quando nada para tentar demovê-las do seu propósito. Marcada para esta manhã, a sessão deverá se estender pela tarde.

Sorte de Lula adiada

À espera de menos turbulência
Relator do caso, o ministro Gilmar Mendes decidiu deixar para o próximo ano o julgamento na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal do pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, acusado pela defesa de Lula de ter sido parcial na condução do processo do triplex do Guarujá que o condenou por corrupção.

Embora ainda responda a meia dúzia de processos, Lula quer recuperar seus direitos políticos para disputar as eleições de 2022. Mas para isso sua condenação terá de ser anulada. A Segunda Turma é formada pelos ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Carmen Lúcia, Edson Fachin e Ricardo Lewandowski.

Ali, Cármen e Fachin são considerados votos certos para derrotar o pedido de suspeição de Moro. Gilmar e Lewandowski, para acolher o pedido. A sorte de Lula depende do voto de Celso de Mello, o decano do tribunal. Por ora, Gilmar ainda não faz a menor ideia de como Celso deverá votar.


Ricardo Noblat: Na Amazônia devastada o pior ainda está por vir

Cresce a destruição

Em junho último, quando o fogo tomou conta de uma parte da Amazônia e incendiou os ânimos dos que mundo a fora se preocupam com o futuro da maior floresta natural do planeta, qual foi a reação do presidente Jair Bolsonaro e do seu governo?

Culpar organizações governamentais de origem estrangeira pelo desastre mais do que anunciado. Denunciar governos de países interessados em tomar a Amazônia dos brasileiros. Demitir o presidente do Instituto de Pesquisas Espaciais.

Como Emmanuel Macron, presidente da França, foi o primeiro chefe de Estado a dizer que a Amazônia estava sendo devastada, Bolsonaro bateu boca com ele e acabou por reforçar uma ofensa feita à sua mulher nas redes sociais. Um vexame sem precedente.

E agora? Bolsonaro jogará em quem a culpa pelo aumento de 29,5% em relação aos 12 meses anteriores da área devastada da Amazônia entre agosto do ano passado e 31 de julho último? Desastre maior só ocorreu em 1998 quando o aumento foi de 31%.

O problema está nas alianças preferenciais dos Bolsonaros, pai e filhos. No Rio, pelo menos, a aliança deles é com os milicianos, donos de parte da cidade. Na Amazônia, com garimpeiros, madeireiros e grileiros de terras a quem protegem.

São mais 9.762 quilômetros quadrados de área desmatada, o equivalente a 1 milhão e 300 mil campos de futebol, 20% a mais que a região metropolitana de São Paulo. O resultado está em linha com um governo que só tem dado as costas ao meio ambiente.

O pior ainda está por vir quando forem divulgados os dados sobre a destruição da Amazônia nos últimos três meses. É o período onde a floresta costuma arder mais. Tudo o que o governo prometa para reparar o mal deve ser encarado com justa desconfiança.


Ricardo Noblat: Bolsonaro com o pé no freio

Até segunda ordem

O fato mais extraordinário notado nas duas últimas semanas pelos que acompanham a República de perto é a mudança de comportamento do presidente Jair Bolsonaro.

Ele parou de dar entrevistas à saída do Palácio da Alvorada, embora não tenha de deixado de estancar por ali para cumprimentar seus devotos e posar com eles para fotos.

Parou também de falar em solenidades corriqueiras que acontecem quase diariamente no Palácio do Planalto. O encarregado do cerimonial passou a ouvir mais amiúde dele que não irá falar.

Parece mais cordial com as pessoas que costumam cercá-lo, e também mais paciente. Em sua mais recente apresentação no Facebook, não atacou ninguém nem tentou fazer gracinhas.

A que se deve isso? A duas ou três coisas pelo menos. Lula está livre e à vontade para dizer o que quiser, uma vez que não ocupa nenhum cargo público. Bolsonaro ocupa e não quer dar trela a ele.

O Supremo Tribunal Federal está pronto para confirmar a decisão do ministro Dias Toffoli que suspendeu as investigações sobre os negócios suspeitos de Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz.

O melhor a essa altura para o pai de Flávio é não provocar barulho. Talvez tenha sido por isso que ele mandou que seu outro filho, Carlos, desaparecesse temporariamente das redes sociais.

Sim, e o caso do porteiro que ligou o nome de Bolsonaro ao assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) carece ainda de um ponto final. O porteiro segue de férias e recluso.

O momento é delicado para a família que perdeu a briga pelo controle do PSL. Terá que suar muito para criar outro partido a tempo de concorrer às eleições municipais do próximo ano.

Daí o pé no freio. Daí o que seria o mais parecido com um Jairzinho paz e amor. Devido ao personagem em questão, tudo isso poderá ir para o espaço de repente, ficando o dito pelo não dito.

Mourão com o pé na estrada

Agenda de candidato
Nunca se sabe, não é? Mas para quem se diz disposto a vestir o pijama sem reclamar se o presidente Jair Bolsonaro preferir outro vice para disputar a reeleição, o general Hamilton Mourão se comporta como se admitisse um voo solo na eleição de 2022.

É verdade que reduziu o número de entrevistas e de declarações pontuais que fazia. Muitas delas irritaram Bolsonaro e, principalmente, seus filhos. Mas, nos últimos 90 dias, pós o pé na estrada como quem se prepara para ser candidato.

O vice esteve em pelo menos 15 cidades para encontros com empresários, palestras, homenagens, visitas a fábricas e inaugurações, segundo levantamento do TAG Reporter, relatório semanal das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros.

Em Jaraguá do Sul e Joinville, falou em associações comerciais. Em Piracicaba, visitou o grupo Hyundai Motors do Brasil. Em Maceió e em Aracaju reuniu-se com integrantes do LIDE, grupo de líderes empresariais. Fez o mesmo no Rio, em Vitória e Palmas.

A agenda de Mourão em Brasília foi pesada. Recebeu em audiência presidentes de federações de indústria e CEOs de bancos e empresas, como Citibank, Santander e Airbus. Conversou com Wilson Witzel, governador do Rio e desafeto de Bolsonaro.

Aconselhado por assessores, não passou recibo da mais recente desfeita que Bolsonaro lhe fez. A deputados do PSL, Bolsonaro disse que se arrependeu de não ter escolhido o deputado Philippe de Orléans e Bragança, “O Príncipe”, para ser seu vice.


Ricardo Noblat: Bolsonaro confessa crime

A história como ele conta

No voo para o Japão em 19 de outubro passado, o presidente Jair Bolsonaro reuniu cinco parlamentares e mais alguns ministros que estavam a bordo e disparou:

– Durante a minha viagem, vai acontecer isso. A TV Globo vai falar em primeira mão esse caso da Marielle. Expliquei tudo para não se apavorarem que estava tudo resolvido da minha parte, mas a Globo ia botar no ar e a Globo botou.

Dez dias antes, segundo Bolsonaro, ele ficara sabendo por meio do governador do Rio que seu nome fora citado no inquérito que apurava a morte da vereadora do PSOL.

Dez dias depois do comunicado feito a caminho do Japão, foi ao ar no Jornal Nacional a reportagem que dava conta de que seu nome fora citado pelo porteiro do condomínio onde ele morava.

À pergunta do site O Antagonista sobre por que ele não se antecipou à Globo e divulgou a história, Bolsonaro respondeu:

– Não posso fazer isso, negativo. Até porque eu seria acusado de quê? De ter tido acesso ao processo, de antecipadamente falar que foi algo combinado para chegar na TV Globo. Não podia fazer isso.

Bolsonaro confessa que teve acesso a informações sigilosas. Isso configura crime. E reforça a versão da Globo de que uma pessoa “absolutamente ligada à família presidencial” foi quem avisou à emissora de que algo grave atingiria Bolsonaro.

Em resumo: interessava a Bolsonaro que a notícia fosse dada pela Globo. Ele soube com antecedência que a Globo daria e nada fez. Em seguida, atacou a emissora como um presidente da República jamais fizera antes.

Ao site, Bolsonaro ainda revelou que passou parte da noite de anteontem assistindo ao vídeo com o depoimento prestado na semana passada pelo ex-policial Ronnie Lessa ao Ministério Público do Rio. Lessa é acusado de ter assassinado Marielle.

O depoimento de Lessa faz parte do inquérito sob segredo de Justiça.

Sem dar palanque a Lula

Imagine se desse...
Em entrevista ao site O Antagonista, perguntado sobre Lula, assim respondeu o presidente Jair Bolsonaro:

– Eu não pretendo dar palanque para ele.

Em seguida, deu.

Numa entrevista com 30 mil caracteres em número redondo entre perguntas e respostas, Bolsonaro usou 7 mil para falar direta e indiretamente de Lula, do PT, de Dilma e de José Dirceu.

O equivalente a pouco menos de um quarto da entrevista. Que tal?

Como chamar o que acontece na Bolívia

Golpe? Contragolpe?
Em uma entrevista coletiva às 20h de ontem em La Paz, 21h no horário de Brasília, o general Williams Kaliman Romero, 56 anos, comandante das Forças Armadas da Bolívia, prometeu que suas tropas jamais “abrirão fogo contra o povo”. (A conferir já, já.)

Mas anunciou em seguida que elas começariam a patrulhar as ruas das maiores cidades do país para restabelecer a ordem pública. O uso da força, segundo ele, seria “proporcional” aos obstáculos que encontrassem para o cumprimento da tarefa.

Poucas horas depois, segundo a imprensa boliviana, tanques foram vistos em El Alto, a segunda maior cidade da Bolívia, há pouca distância da capital. No início da madrugada, soldados fortemente armados policiavam o centro de La Paz e o bairro de Sopocachi.

Àquela altura, Evo Morales, que renunciara à presidência, voava para o exílio no México. Kaliman Romero entrará para a história do seu país como o militar que convocou uma cadeia nacional de rádio e de televisão e sugeriu a Morales que renunciasse.

O primeiro indígena a presidir a Bolívia fez por onde ser derrubado ao tentar se eternizar no poder. Mas a Polícia, rebelada contra ele, ao recolher-se aos quartéis deixando que os conflitos se ruas se multiplicassem, contribuiu decisivamente para sua queda.

De igual maneira, as Forças Armadas ao pressioná-lo para que abandonasse o cargo. Na última hora, Morales perdeu o apoio da Igreja Católica, sua tradicional aliada, e também de líderes sindicais que obedeciam às suas ordens. Que nome se dá a isso?

A Bolívia é o país dos golpes e contragolpes. Em 194 anos, houve 85. Em 2005, uma rebelião civil liderada por Morales cercou o palácio onde estava o então presidente Carlos Messa – sim, o mesmo que agora o enfrentou na eleição de outubro último.

À época, Messa renunciou ao cargo. Um governo provisório convocou nova eleição. E Morales foi eleito presidente com 53,7% dos votos. A Constituição boliviana diz que o mandato presidencial é de 5 anos, com direito a uma única reeleição.

Em 2009, Morales se reelegeu com 63,9% dos votos. Dali a mais 5 anos, atropelou a Constituição, obteve do Tribunal Supremo Eleitoral licença para se candidatar ao terceiro mandato, e outra vez se reelegeu com 61% dos votos. Encantara-se pelo poder.

E tanto que, apenas dois anos mais tarde, convocou um plebiscito para se candidatar pela quarta vez. Só conseguiu 48,6% dos votos. Novamente, o Tribunal Supremo, formado por ministros indicados por ele, concedeu-lhe nova licença para que disputasse.

Foi seu fim. A auditoria nas urnas feita pela Organização dos Estados Americanos (OEA) comprovou toda sorte de fraudes na eleição que Morales supostamente havia vencido. Quando ele disse que concordava com uma nova eleição, os militares disseram não.

Essa é uma história sem mocinhos. E que acabará pior do que começou se não for realizada uma nova eleição de imediato e sob a supervisão internacional. A ser diferente, o que assistimos não terá passado de um golpe, pouco importa se em resposta a outro.

A eventual supressão da democracia na Bolívia seria uma tragédia para o continente onde a economia cresce quase nada e a desigualdade social só aumenta.


Ricardo Noblat: O carrasco de Evo Morales foi ele mesmo

O triste destino do primeiro indígena presidente da Bolívia

Foi Evo Morales que cavou o buraco em que se meteu ao tentar se eternizar no poder. Mas fora da legalidade, nenhuma solução será aceitável para superar a crise política que convulsiona a Bolívia.

A Constituição previa que Morales governasse até duas vezes consecutivas. Ele contornou a Constituição e governou três. Por fim, deu um jeito para disputar pela quarta vez um novo mandato.

Então convocou um plebiscito para que os bolivianos dissessem se isso seria desejável – eles responderam que não. Morales driblou o plebiscito e arrancou da Justiça uma permissão para disputar.

A Organização dos Estados Americanos declarou que foi fraudulenta a eleição que daria a Morales mais um mandato. Quando ele concordou em chamar uma nova eleição já era tarde.

Não tinha mais condições para governar. Perdera o apoio de aliados tradicionais como a Igreja Católica e a Central que reúne os sindicatos de trabalhadores. Perdera também o apoio das ruas.

Se, na undécima hora, tivesse anunciado que se limitaria a cumprir seu mandato até o fim, passando a faixa presidencial ao sucessor a ser eleito em breve, talvez não tivesse caído. Não o fez.

Uma coisa é a pressão social legítima que pode forçar a queda do governante que se tornou um estorvo para parte do seu povo. Outra bem diferente é o uso da violência e a intervenção militar.

Em países onde os adversários da democracia se aproveitam da liberdade que ela lhes concede para enfraquecê-la e, se possível, destruí-la, todo cuidado é pouco para não dar lugar a retrocessos.

Às Forças Armadas cabe zelar pela ordem, não favorecer grupos políticos. O comandante do Exército boliviano exorbitou ao se pronunciar publicamente sugerindo a renúncia a Morales.

O ex-presidente foi obrigado a se esconder para escapar do risco de ser preso ou de algo pior, uma vez que a casa de uma irmã dele havia sido incendiada por vândalos travestidos de manifestantes.

A ambição desmedida de Morales pelo poder não será capaz de apagar as conquistas econômicas e sociais da Bolívia registradas durante seu extenso período de governo.

O tratamento que se lhe dê depois da queda, e o que venha acontecer com o país daqui para frente, poderão ser determinantes para reabilitar Morales mais cedo do que seus adversários supõem.


Ricardo Noblat: O que Bolsonaro tem a aprender com a luta de boxe do século

Muhammad Ali x George Foreman, 1974

Queriam o quê? Que Lula, menos de 24 horas depois de ter sido solto, falasse moderadamente para um país que não o ouvia há 580 dias? Que fosse mais Lulinha paz e amor do que a jararaca que ficou enjaulada tanto tempo e que se diz inocente?

Lula reapareceu em São Bernardo com um único objetivo: retomar o comando de sua tropa. Foi para ela que falou, não falou para os que o detestam, nem mesmo para os que no futuro poderão ou não segui-lo. Um general de pijama, sem tropa, não vale nada.

Falou o que ela esperava ouvir. Mexeu com seus brios. Animou-a. E avisou aos interessados que passará os próximos 20 dias preparando um pronunciamento que fará ao país. Algo mais bem pensado e que dessa vez não contemple apenas os convertidos.

Estava em boa forma. Reinseriu os pobres na agenda de discussões que passa ao largo deles desde que Bolsonaro e Paulo Guedes subiram a rampa do Palácio do Planalto pela primeira vez. Ensinou que sem povo nas ruas as coisas ficam como estão.

Horas antes do reencontro de Lula com os petistas de raiz, Bolsonaro comportara-se mais ou menos da mesma forma. Convocou os seus a se reagruparem para combater “o canalha” que fora solto. Não citou o nome de Lula, nem precisava.

Lula livre deverá travar a língua de Bolsonaro. Ou deveria. Porque, sem responsabilidade de governo, Lula pode dizer o que lhe vier à cabeça. Bolsonaro, não. O presidente é ele. E qualquer passo em falso que dê o prejudicará, e por extensão ao país.

Nos últimos 10 meses, Bolsonaro governou com céu de brigadeiro. Sem oposição. Sem rebeliões de monta às suas costas. As confusões que enfrentou foram criadas por ele mesmo ou por seus filhos. Uma oposição abatida a tudo assistiu inerte e perplexa.

Se Bolsonaro não entender que a situação mudou e que está na hora de descer do alto dos seus sapatos, pagará um preço caro. Se não for capaz de assimilar golpes sem perder o controle e sem ir à lona, se arriscará a ver rolar morro abaixo a ideia de se reeleger.

Algum assessor de Bolsonaro deveria ler para ele o relato do escritor americano Norman Mailer sobre a luta monumental entre Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire, África, em 1974, pelo título mundial dos pesos-pesados.

É considerada a mais inesquecível da história do boxe de todos os tempos. Ali perdera o título por ter se recusado a lutar a guerra do Vietnã. Então desafiou Foreman, seu sucessor, uma máquina de disparar socos. Retomou o título quando parecia derrotado.

Se quiser reunificar os cinturões, Bolsonaro deveria estudar a estratégia que Ali usou para vencer Foreman. Mais não conto porque seria spoiler.


Ricardo Noblat: O país respira melhor

Lula livre

O presidente Jair Bolsonaro fez de conta que não viu. Natural que tenha sido assim. O dia, ontem, era de Lula. E ele, Bolsonaro, nada ganharia se tentasse disputar os holofotes com um adversário que deixava a prisão depois de 580 dias e na condição de mártir.

Bolsonaro pode ser bom de bico nas redes sociais onde mesmo assim, vez por outra, costuma derrapar. É bom também nas entrevistas diárias à saída do Palácio da Alvorada onde fala o que quer e se recusa a responder a perguntas incômodas.

Faltavam-lhe, porém, imaginação, versatilidade e domínio da língua para encarar debates ao vivo e de improviso. Teve a sorte de escapar ao confronto com os demais candidatos à presidência da República na reta final da campanha do ano passado. Muita sorte.

Sem a experiência do pai, os moleques Eduardo e Carlos, embora aconselhados a guardar silêncio, rangeram os dentes. O deputado atirou no seu alvo preferido, o Supremo Tribunal Federal. E o fez, por hábito, valendo-se de uma fakenews. Escreveu no Twitter:

“Cagam na cabeça da sociedade, ignoram o risco de botar em liberdade 160.000 presos. Não esqueçam que latrocidas, por exemplo, cometem seus crimes independente da vítima ser de direita ou esquerda”.

O número de presos a serem postos em liberdade é de menos de 5 mil. E nem todos sairão do cárcere. Eduardo sabe disso. Mas o que importa é tocar terror entre os devotos do pai. Lula livre é uma oportunidade imperdível para reunir a tropa dispersa.

Estranhamente, o vereador reagiu como se tivesse perdendo o jogo. Para variar, foi curto e grosso. Enalteceu o pai que, por sua vez, havia enaltecido o ex-juiz Sérgio Moro ao admitir que deve a ele a sua eleição. E tascou no Twitter:

“Não tenho dúvidas que esse jogo virará! O Brasil não aceita mais o show dos bandidos do PT, PCdoB, Piçóu (PSOL) etc! Paciência e inteligência! Sei que o jogo virará rapidamente”.

Para o bem ou para o mal, só agora o show vai começar. Há 10 meses que os Bolsonaros governavam sem dispor de algo chamado oposição. Não havia sequer um arremedo dela. O PT navegava desnorteado. Os demais partidos batiam cabeça no Congresso.

Faltava alguém para dizer: “É por aqui”. Não falta mais, goste-se ou não dele. O governo dos números será obrigado a enxergar que por trás deles escondem-se pessoas. Ciro Gomes será obrigado a repensar seu papel. E o chamado Centro a apressar o passo.

As ruas ficarão mais coloridas porque, para muita gente que se refugiou desanimada em casa e no trabalho, a esperança voltou. E, com ela, a retomada das discussões sobre os problemas que dilaceram o país e a construção de alternativas não contempladas.

É fato que, vencidos os primeiros dias de alumbramento, Lula ficará frente a frente com a realidade de ser um ficha suja impedido de se candidatar a qualquer coisa, e um condenado por corrupção que responde a uma penca de processos.

Mesmo que se livrasse de todos eles, ainda dependeria de uma decisão do Supremo para resgatar o sonho de presidir o país pela terceira vez a partir de 2023– e desta, com o discurso de que lhe imputaram crimes que jamais cometeu. Será possível?

Por ora não importa. Sextou. Façam a festa. Desde ontem o Brasil respira melhor.

Lula é inocente

Até que sentença transite em julgado
Não se pode escrever mais que Lula é culpado no caso do Triplex do Guarujá. O então juiz Sérgio Moro o condenou a 9 anos e 6 meses de prisão. Depois a pena foi aumentada para 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e reduzida a 8 anos, 10 meses e 20 dias pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, anteontem, restabeleceu a exigência de que é preciso que a sentença transite em julgado para que um réu possa ser considerado um criminoso e, assim, ser preso. Como ainda não se esgotaram os recursos de defesa de Lula, ele continua sendo inocente.


Ricardo Noblat: O choro das viúvas da Lava Jato

Vale a maioria

No ano passado, quando mais uma vez o Supremo Tribunal Federal confirmou a prisão de réu condenado em segunda instância, nenhum devoto da Lava Jato observou preocupado que o placar de 6 x 5 enfraqueceria a decisão. Todos foram para a galera, celebrar.

Agora que a prisão em segunda instância foi sepultada com o placar de 6 x 5, os devotos choram, lamentam e dizem em pânico que a segurança jurídica no país está ameaçada, que o fim do mundo parece próximo, e que algo tem de ser feito para evitar a catástrofe.

Fingem esquecer que se os ministros são 11, e se o que deve prevalece é a vontade da maioria, só restar cumprir o que foi escrito desta vez. A esperança em que o Congresso mexa na Constituição e reescreva a decisão do Supremo nasceu morta.

Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, apressou-se em anunciar que por ali não passará nenhuma proposta nesse sentido.

Lula livre, já!

Gilmar, o grande vencedor
Uma vez terminada a maratona de quatro sessões do Supremo Tribunal Federal dedicadas ao assunto, ministros em clima de descontração, uns vitoriosos, outros batidos, concordaram ao afirmar que cessaram os motivos para que Lula continue preso na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba.

“Lula livre, já”, resumiu um deles, sorridente, mas falando sério. Advogados estrelados que acompanharam o julgamento também foram unânimes em concluir: os dois mais poderosos e decisivos votos foram os dos ministros Celso de Mello e Rosa Weber. E o grande vencedor foi o ministro Gilmar Mendes.

Se Gilmar não tivesse antecipado há meses que votaria pelo fim da prisão em segunda instância, o resultado teria sido outro. Como teria sido outro se há meses ele não fustigasse os procuradores da Lava Jato acusando-os de abusar de suas prerrogativas e de formarem uma espécie de instância independente da Justiça.


Ricardo Noblat: Um general de maus bofes

À direita de Bolsonaro

Se o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, pode chamar a ex-presidente Dilma de terrorista porque ela fez parte de uma organização armada que enfrentou a ditadura de militar de 64, ele, o general, poderia ser chamado de torturador só porque oficiais do Exército, à sua época, torturaram presos políticos.

Em 1972, por 3 votos contra 2, Dilma foi condenada a um ano de prisão pela Auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar de Juiz de Fora, acusada de crimes contra a segurança nacional. Antes disso ficara presa por três anos e fora torturada. À ditadura de 64, a Comissão Nacional da Verdade atribuiu a morte e o desaparecimento de 434 pessoas.

Em bate-boca, ontem, em uma comissão da Câmara, com a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), o general Heleno irritou-se por ela ter-lhe perguntado por que não criticara a declaração de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) favorável à edição de um “novo Ato Institucional nº 5”, que fechou o Congresso em 1968 e tirou a máscara da ditadura de 64.

Heleno recusou-se a criticar Eduardo. E cobrado pela deputada, retrucou asperamente: “A senhora vai me torturar pra eu falar?” Em seguida, explicou que para ele o golpe de 64 foi uma espécie de contrarrevolução para evitar que o Brasil se tornasse tão comunista quanto era Cuba. “Há duas visões da História do Brasil”, observou.

Pode haver até mais. Mas fato é tudo aquilo que aconteceu e que pode ser provado. E o que aconteceu foi que os militares, em março de 1964, a pretexto de abortar um golpe comunista, puseram os tanques nas ruas, rasgaram a Constituição, depuseram um presidente eleito, e ficaram no poder durante 21 anos. É fato. Saíram quando a ditadura fez água.

Não é uma questão de lado, de visões contrárias da História, de pontos de vista. É simplesmente a verdade. Relativizar a verdade como fez o general ou dizer que cada um tem a sua. pode até animar uma discussão, mas não passa de argumento chinfrim para enganar os tolos ou os mal informados.

Porteiro sob pressão para que recue

A pesada mão do Estado
E assim cumpriu-se a vontade do presidente Jair Bolsonaro, que pressionou para isso o ministro Sérgio Moro, da Justiça, que por sua vez pressionou o Procurador-Geral da República Augusto Aras, que por fim acabou cedendo.

Tão logo retorne das férias, a não ser que a pressa das autoridades seja tamanha que o obrigue a se apresentar logo, o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, na Zona Sul do Rio, será ouvido pela Polícia Federal sobre o que fez no dia 14 de março de 2018.

Naquele dia, ao final do expediente, o porteiro anotou no livro de ocorrências do condomínio que um cidadão de nome Élcio pedira para ir à casa do mais famoso morador do lugar – o deputado Jair Bolsonaro. E que a entrada fora autorizada por “seu Jair”.

Marielle Franco (PSOL-RJ) ainda estava viva àquela altura. Só seria morta à noite, segundo apurou a Polícia Civil, pelo policial aposentado Ronnie Lessa, morador do mesmo condomínio de Bolsonaro, e por Élcio Queiroz, o motorista do carro de Lessa.

Em dois depoimentos à polícia, o porteiro limitou-se a contar o que se passara na tarde daquele dia. Não acusou ninguém. Muito menos tentou envolver Bolsonaro no crime. Á época, Bolsonaro sequer era candidato a presidente da República.

Mas em breve quando se vir frente a frente com agentes federais, o porteiro será informado que responderá a inquérito por crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e obstrução de Justiça. E que poderá até ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional.

O artigo 26 da lei prevê de um a quatro anos de prisão para quem caluniar ou difamar autoridades imputando-lhes crimes ou ofendendo sua reputação. E porteiro, empregado no condomínio há 13 anos, que julgava ter cumprido apenas sua obrigação…

Um motorista, testemunha-chave para abertura do processo de impeachment do presidente Fernando Collor, nunca mais conseguiu emprego. O caseiro que testemunhou contra o ministro Antonio Palocci teve seu sigilo fiscal quebrado e quase deu-se mal.

Nem o motorista, nem o caseiro, recuaram do que disseram. Collor acabou cassado. Palocci perdeu o emprego de ministro da Fazenda, e, recentemente, foi preso por corrupção e virou delator. Não se exija do porteiro que siga o exemplo do motorista e do caseiro.

Quando quer, a mão do Estado é pesada.