Blog do Noblat

Ricardo Noblat: O triste Natal da família Bolsonaro sob o estigma da corrupção

Tempestade anunciada

Há mais de um mês, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro que o procuravam para despachar ou tão somente jogar conversa fora ouviam dele que estava preocupado com o seu filho mais velho, o senador Flávio, que abandonara o PSL para embarcar na aventura do pai de construir um novo partido, o Aliança pelo Brasil.

Dos seus quatro filhos homens, Flávio é o mais introspectivo, o mais tímido, o mais ponderado. Sempre foi. Ao contrário dos irmãos Carlos, o vereador, e Eduardo, o deputado federal, Flávio se deixa abater quando desafiado. E mais abatido se tornou desde que começou a ser investigado por suspeita de corrupção.

Bolsonaro respirou aliviado quando o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os inquéritos abertos no país com base em informações fiscais sigilosas compartilhadas sem prévia autorização judicial, o que beneficiou Flávio. Mas quatro meses depois a decisão de Toffoli foi revogada.

Então Bolsonaro passou a temer que Flávio pudesse ser preso. Era o que repetia nos seus desabafos. Até que há uma semana ele teve a certeza de que algo poderia acontecer com Flávio. Foi quando se antecipou ao que estava por vir, autorizou Carlos a disseminar a informação nas redes sociais e preparou-se para o pior.

Não foi desta vez. Mas o que aconteceu ontem marcará para sempre o final do primeiro ano de governo do mais improvável dos presidentes brasileiros. Estreitou-se o cerco a Flávio e ao seu ex-motorista Fabrício Queiroz. Mas não somente a eles, também a Carlos e a uma ex-mulher de Bolsonaro.

Todos estão sendo investigados por crimes de peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa. Bolsonaro é citado por ter recebido dinheiro de Queiroz. Parte do dinheiro, que Bolsonaro atribui a uma dívida, foi depositado na conta de Michelle, sua atual mulher, a terceira.

Bolsonaro encerrou mais cedo seu expediente no Palácio do Planalto para reunir-se no Palácio da Alvorada com Flávio, seu advogado e Eduardo. Durante o dia, evitou os jornalistas. Deu ordem para que seus ministros não comentassem o caso. Orientara os filhos a não escreverem nada a respeito nas redes sociais.

Um dos ministro, o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, aproveitou uma solenidade no Palácio do Planalto para tentar baixar a tensão e alegrar Bolsonaro. “Em que pesem as críticas infundadas, presidente, o senhor está arrebentando”, disse. E mais: “Esses olhos azuis que conheci em 1973…” Não adiantou.

No relatório em que justifica a operação policial de ontem, o Ministério Público do Rio arrola 23 ex-assessores de Flávio da época em que ele era deputado estadual. Eles devolviam parte do salário que recebiam. Desses, 10 moravam em Resende, onde os Bolsonaro moraram. E dos 10, 9 são parentes de Ana Cristina Vale.

Que vem a ser… A mãe do filho mais novo de Bolsonaro, Jair Renan. Pelo menos 13 dos 23 ex-empregados do gabinete de Flávio fizeram 483 depósitos ou transferências bancárias para a conta de Queiroz em 11 anos. Foram R$2,6 milhões aproximadamente. A esse tipo de manobra dá-se o nome de “rachadinha”.

Pesa também contra Flávio a acusação de que ele lavava o dinheiro arrecadado por Queiroz por meio de uma loja de chocolate que tem com um sócio em um shopping da Barra da Tijuca. São sócios iguais. Mas entre 2015 e 2018, Flávio tirou da loja quase o dobro do lucro tirado por seu sócio – pouco menos de R$ 1 milhão.

O policial militar Diego Sodré e a empresa dele, Santa Clara Serviços, fizeram depósitos bancários na conta da loja de Flávio. A Santa Clara e Sodré foram alvos de uma investigação da Corregedoria da Polícia Militar sob a suspeita de oferecer serviço de segurança privada ilegal em Copacabana.

Sodré pagou uma das prestações de R$ 16.564,81 para aquisição de um apartamento de cobertura no bairro de Laranjeiras. O boleto estava em nome da mulher de Flávio, Fernanda Bolsonaro, proprietária do imóvel, assim como o marido. A ligação dos Bolsonaro com milicianos passa também por Danielle Mendonça.

Ex-funcionária do gabinete de Flávio, ela foi casada com Adriano Nóbrega, acusado de pertencer ao grupo de extermínio Escritório do Crime. Está foragido. No celular apreendido de Daniele há mensagens comprometedoras para ela e Queiroz. Numa, ela se diz “incomodada com a origem” do dinheiro que recebia.

Em outra mensagem, é Queiroz que a adverte: “Tá havendo problemas. Cuidado com que vai falar no celular”. Numa terceira, datada do ano passado, Queiroz escreveu: “Não querem correrem (sic) risco, tendo em vista que estão concorrendo e a visibilidade que estão”. Foi o segredo mais bem guardado da campanha do clã.


Ricardo Noblat: Ofensa pessoal a seus desafetos, a arma predileta de Bolsonaro

Ataque ao mais premiado educador brasileiro

No entorno do presidente Jair Bolsonaro, ministros e assessores celebravam o fato de ele estar dando mostras de certa contenção nos últimos meses. Parecia ser assim desde que fora aconselhado, logo após a libertação de Lula, a não responder a eventuais ataques dele. Preferível que o deixasse falando sozinho.

Bolsonaro conformou-se, fechou a boca e resistiu o quanto pôde. Até que não deu mais. Seria contrariar a própria natureza. Na semana passada, agrediu a ativista ambiental sueca Greta Thunberg chamando-a de “pirralha”. Greta havia lamentado o assassinato na Amazônia de três índios no período de um mês.

Sem mais nem menos, uma vez que Lula anda calado, Bolsonaro aproveitou uma entrevista coletiva na porta do Palácio da Alvorada para referir-se a ele como “o dos noves dedos”. Quando era torneiro mecânico em São Bernardo do Campo, em São Paulo, Lula perdeu um dos dedos em acidente de trabalho.

O alvo mais recente dos seus insultos foi Paulo Freire, cujo método de alfabetização é estudado no mundo inteiro. Freire morreu depois de ser homenageado com 34 títulos de doutor honoris causa por universidades famosas daqui e do exterior. É o patrono da educação brasileira por decisão do Congresso.

Bolsonaro chamou-o de energúmeno, que quer dizer imbecil, ignorante, idiota, inepto, estúpido, tapado, besta e burro. Ou então uma pessoa desequilibrada, descontrolada, desatinada, desnorteada, fanática, furiosa e arrebatada. Culpou-o pelo mau desempenho dos estudantes brasileiros nas provas escolares.

É um belo desfecho de ano para quem em tão poucos meses já foi capaz de ofender a mulher do presidente francês Emanuel Macron, zombando da beleza dela. Bolsonaro é o que sempre foi e será. Não aprende. E não esquece o que aprendeu.


Ricardo Noblat: Em votação, o primeiro Orçamento da União 100% impositivo

Congresso ocupa espaço deixado pelo governo Bolsonaro

É no que dá um governo que não liga para articulação política, não liga para a falta que lhe faz uma base de apoio no Congresso, não liga para a sorte dos projetos que despacha para lá, e tampouco para o fato inédito na história do país de o presidente da República ter abandonado em tempo recorde o partido pelo qual se elegeu.

Embora se apresente como o presidente que mais reverencia e respeita o Congresso, Jair Bolsonaro, de fato, demonstra um enorme desprezo por seus antigos colegas. Faz questão de manter distância deles, só aparecendo por lá para fazer pirotecnia e tirar selfies. Prefere a companhia dos seus ex-colegas de farda.

Não existe espaço vazio na política. E se o presidente da República não ocupa o que por tradição seria seu, o Congresso o faz. Esta semana, segundo o TAG REPORTER, relatório semanal das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros, o Congresso votará o primeiro Orçamento da União 100% impositivo, o de 2020.

Foi no governo da presidente Dilma Rousseff que as emendas individuais de deputados federais e de senadores se tornaram impositivas. No vazio político do governo Bolsonaro, o processo ganhou velocidade e irá se completar. Ele será obrigado doravante a cumprir todas as prioridades estabelecidas pelo Congresso.

Mesmo o poder do governo de contingenciar recursos será limitado. Na semana passada, por exemplo, o Congresso aprovou projeto de lei que resgatou trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias vetados por Bolsonaro. E incluiu outros dispositivos que tinham ficado de fora. Tais como:

+ Emendas de comissão e do relator-geral do Orçamento também passam a ser impositivas;

+ As emendas do relator-geral do Orçamento (no valor de R$ 7 bilhões em contrapartida ao valor de R$ 15 milhões de cada emenda de parlamentar) terão de ser empenhadas num prazo de 90 dias;

+ O contingenciamento de emendas parlamentares (individuais, de bancada, de comissão e do relator) será obrigatoriamente linear.

Bolsonaro, claro, tem poder de veto sobre as mudanças que o Congresso fizer. Como o Congresso tem o poder final para derrubar os vetos que ele faça. É o que no Congresso se promete fazer. A briga dos dois poderes poderá acabar no Supremo Tribunal Federal.


Ricardo Noblat: Bolsonaro corteja a tropa

Generosa vivandeira de quartel

Quantas vezes você não leu que o presidente Jair Bolsonaro visitou uma unidade militar, participou de uma solenidade militar, condecorou militares, ou em discursos no Palácio do Planalto exaltou os prodígios dos seus ex-companheiros de farda? Sem falar das vezes que justificou a ditadura militar de 64 e o uso de torturas contra prisioneiros políticos?

Chamá-lo de vivandeira não seria um exagero. Foi o marechal Castelo Branco, o primeiro general-presidente da ditadura, que devolveu a expressão ao vocabulário político do país. Em agosto de 1964, no auditório da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, poucos meses depois de ter sido empossado, ele disse assim a certa altura do seu discurso:

– Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar.

Vivandeiras eram mulheres que seguiam as tropas e lhes prestavam favores. Mas Castelo Branco referia-se a políticos e empresários que assediavam chefes militares para que interviessem na vida do país. Foi como se comportou Bolsonaro depois que o Exército o afastou dos seus quadros. É como se comporta desde que chegou à presidência.

“Nada fazemos sozinhos. A grande âncora do meu governo são as Forças Armadas”, disse Bolsonaro, ontem, em um almoço no Clube Naval, em Brasília, comemorativo da promoção de novos oficiais das Forças Armadas. “Que amanhã, se Deus assim permitir, os senhores estarão aqui na frente, muito bem representando o nosso Brasil. Novos desafios, com Deus no norte”, completou.

Mais cedo, em cerimônia no Planalto, ele havia elogiado Garrastazu Médici, o terceiro general-presidente do ciclo de 64, e dito que os militares são responsáveis pela garantia da democracia e da liberdade. “Por momentos que veio a tragédia em nosso país, as Forças Armadas sempre se fizeram presentes. Alguns colegas nossos perderam a vida, mas nós resistimos”, proclamou.

Do ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, Bolsonaro ouviu que as Forças Armadas têm recebido do governo “um cuidado especial”. E citou a aprovação do projeto de reestruturação da carreira e da aposentadoria dos militares. “Faltava preencher um vazio de décadas, resgatar o que temos de mais valioso: o militar e sua família”, disse o general.

Não falta mais.

O projeto manteve os militares como única categoria do país que não terá idade mínima para se aposentar e a única entre os servidores que continuará com aposentadoria integral. De início, a economia projetada pela equipe econômica do governo era de RS$ 92,3 bilhões em 10 anos. Mas como a reestruturação da carreira custará 86,8 bilhões de reais, caiu para R$ 10,455 bilhões.

Um presentão!

Haverá na história vivandeira de quartel mais sedutora do que Bolsonaro? Resta imaginar sobre o que ele espera receber em troca.

Os maus modos do ministro da Educação

Audiência relâmpago
Os que ficaram sabendo à época jamais esqueceram. E fazem questão de lembrar no cafezinho da Câmara dos Deputados ou nos corredores do Senado sempre que o assunto das conversas gira em torno do ministro Abraham Weintraub, da Educação.

Passado algum tempo desde sua posse, ele recebeu em audiência a diretora do Escritório da UNESCO em Brasília e Representante da UNESCO no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto, nomeada para o cargo em julho do ano passado.

Marlova é mestre em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Foi bolsista da Fundação Kellog e da Eisenhower Exchange, tendo participado de um programa acadêmico de intercâmbio profissional nos Estados Unidos.

Aprofundou seus estudos sobre o Estado de bem-estar social na Suécia, como bolsista da Federação Sueca de Assistentes Sociais, e completou o treinamento executivo em Administração Pública no Instituto de Administração Pública de Nova York.

– Ministro, estou aqui para me apresentar e me pôr à sua disposição. É um prazer conhecê-lo – disse Marlova ao ser admitida no gabinete de Weintraub. Que respondeu de bate pronto:

– Sei quem é a senhora. É uma comunista. Não tenho prazer em conhecê-la.

– Não, não sou comunista – retrucou Marlova.

– É, é sim – insistiu o ministro.

Então a diretora da UNESCO deu-lhe as costas e saiu.

Foi a audiência mais curta da administração de Weintraub até agora.


Ricardo Noblat: Mais uma estupidez de Bolsonaro

Contra Fernández e Rodrigo Maia

Pouco mais de 2.860 quilômetros separam Brasília de Buenos Aires. Distância que se percorrida de carro levaria 35 horas. Mas se o tempo político fosse usado como medida, a distância entre as duas capitais pelo menos ontem pareceria quase instransponível.

Numa, o presidente Maurício Macri e seu sucessor Alberto Fernández rezaram juntos na Basílica de Luján, o maior santuário em homenagem à Virgem Maria na Argentina, e depois se abraçaram. Amanhã será o primeiro dia de governo de Fernández.

Na outra, o governo brasileiro confirmou que não mandará representante à cerimônia de posse do novo presidente argentino. O país agora sob o comando de Fernandéz é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás da China e dos Estados Unidos.

Bolsonaro meteu-se na eleição argentina para tentar reeleger Macri. Pediu votos e ameaçou rever a parceria entre os dois países caso Macri fosse derrotado. Durante a campanha, Fenández visitou Lula, preso em Curitiba, e defendeu sua libertação.

Na semana passada, acompanhando de líderes de vários partidos, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, reuniu-se com Fernández em Buenos Aires e ouviu dele que Brasil e Argentina são países irmãos e devem conviver fraternalmente.

Bolsonaro já anunciara que não iria à posse de Fernández. Escolheu o ministro Osmar Terra, da Cidadania, para representá-lo. Depois da reunião de Maia com Fernández, decidiu não mandar ninguém. Que vá o embaixador brasileiro em Buenos Aires.

O gesto de Bolsonaro é um recado para Fernández e Maia. Ele reprovou o encontro dos dois. Sentiu-se afrontado – embora tenha sabido com antecedência da viagem de Maia. Aproveitou a ocasião para jogar ainda mais duro com Fernández.

Com qual objetivo? Sabe-se lá… Bolsonaro bateu forte nos governos de Lula e de Dilma por se envolverem nas eleições de países vizinhos do Brasil. Uma vez que se elegeu presidente, comporta-se da mesma maneira e até com mais desenvoltura.

Em janeiro último, tão logo empossado, em sua primeira viagem aos Estados Unidos, Bolsonaro declarou em discurso nos jardins da Casa Branca seu apoio à reeleição do presidente Donald Trump. E fez todas as concessões que pôde para agradar seu ídolo.

Trump retribuiu no último dia 2: “O Brasil e a Argentina têm promovido uma forte desvalorização de suas moedas, o que não é bom para nossos fazendeiros. Portanto, restabelecerei as tarifas de todo aço e alumínio enviados aos EUA por esses países”.

Sequer telefonou a Bolsonaro para evitar que ele fosse pego de surpresa com o anúncio postado no Twitter. Bolsonaro bravateou que poderia telefonar para Trump, mas não ousou fazê-lo. E se não fosse atendido? Então preferiu desculpá-lo: “É coisa de eleição”.


Ricardo Noblat: Medo da farda

Cidadãos de primeira categoria

Saiu tudo ao gosto dos chefes militares e de Jair Bolsonaro. O Congresso limitou-se a incluir policiais e bombeiros aumentando os custos do Tesouro e reduzindo a economia antes prevista.

A reforma da Previdência para os que vestem farda acabou sendo muito mais generosa do que a reforma da Previdência para os que vestem terno ou qualquer outra coisa.

A votação durou cerca de 30 minutos. Como houve acordo entre os partidos de direita, centro e esquerda, ninguém foi contra. Em momento algum o governo imaginou que pudesse ser assim.

No início do ano, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, temeu que reforma tão vantajosa para os militares fosse capaz de contaminar a discussão da reforma para os civis.

O governo falava em regras iguais para todos. O ministro Paulo Guedes reconhecia que os salários dos militares estavam defasados, mas achava que não era hora de mexer com isso.

Mas Bolsonaro bateu o pé e disse que todas as reivindicações dos militares deveriam ser atendidas. O lobby militar no Congresso foi eficiente. O resultado… O que se colheu ontem à noite.

O líder de um partido de oposição explicou que a conjuntura não permite que se contrarie a vontade da caserna. Fazê-lo poderia estimular atos de indisciplina e dar mais força a Bolsonaro.

Em tudo por tudo, a reforma dos militares exigirá deles menos sacrifícios. Serão contemplados com aumento de salários e de gratificações não só para os oficiais, mas também para os praças.

A reestruturação da carreira dos militares deverá custar aos cofres públicos pouco mais de R$ 86 bilhões, o que reduzirá a economia real esperada com a reforma deles a R$ 10,45 bilhões em dez anos.

Bolsonaro pagou caro pelo apoio que lhe deram seus ex-camaradas para que se elegesse presidente da República. E já começou a fazer seu pé de meia para quando tentar se reeleger em 2022.


Ricardo Noblat: A liberdade de expressão, segundo Bolsonaro

Como o presidente interpreta a Constituição

Em sua 11ª entrevista exclusiva em 11 meses para a TV Record, o presidente Jair Bolsonaro negou a Lula o que concedeu ao seu filho Eduardo e ao ministro Paulo Guedes, da Economia.

Disse não ver como direito de expressão as críticas que Lula lhe faz. Disse que ao falarem sobre um novo Ato Institucional nº 5 Eduardo e Guedes apenas exerceram o seu direto de expressão.

Quando Eduardo acenou com uma versão atualizada do AI-5 para conter manifestações de ruas que estão em falta no Brasil, Bolsonaro, pressionado, o desautorizou: “Isso não se diz”.

Uma vez que Guedes seguiu os passos de Eduardo, Bolsonaro achou melhor então defender os dois. O AI-5 foi o ato que permitiu à ditadura de 64 fechar o Congresso e suspender os direitos civis.

Está na Constituição:
“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Também está na Constituição:

“Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, […] sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

Criticar o governo e o próprio presidente da República não atenta contra o Estado de Direito. Ameaçar com a reedição de um ato ditatorial atenta, sim, e foi o que fizeram Eduardo e Guedes.

Paraisópolis, a crônica de uma tragédia anunciada

Estava escrito
Em meados de novembro último, o sargento da Polícia Militar de São Paulo, Ronaldo Ruas, 52 anos, foi morto por traficantes na favela de Paraisópolis. No dia em que ele morreu, a Polícia Militar distribuiu o seguinte comunicado:

“Centenas de agentes do Policiamento de Choque, do Policiamento de Trânsito, do Comando de Aviação e dos Batalhões da Zona Oeste intensificarão o policiamento para combater o tráfico de drogas no local e prender criminosos, sem previsão de término”.

Dado o aviso, no dia seguinte houve uma megaoperação policial na favela. E o clima de tensão só fez aumentar com o patrulhamento ostensivo e a revista constante de pessoas a pretexto de qualquer coisa. Os moradores mais antigos sabiam que algo estava por vir.

Uma espécie de ensaio do que aconteceu no último domingo teve registro no dia 19 quando um grupo de policiais militares cercou as entradas e saídas de algumas vielas. Há vídeos que mostram cenas do cerco e o resultado da violência aplicada sob medida.

Em um dos vídeos, pessoas em fila indiana e com as mãos para o alto são liberadas em uma das vielas. Ao passarem por um policial armado com uma vara de madeira ou de aço, quase todas levam uma pancada, até mesmo um homem que andava com muletas.

No vídeo, ouvem-se xingamentos e palavrões gritados por policiais. O que portava a vara parecia cumprir uma tarefa burocrática. Batia em algumas pessoas com mais força e em outras com menos. Em alguns casos, limitava-se a encostar a vara. Sorria.

O sargento Ruas fazia parte da Força Tática do 16º Batalhão da Polícia Militar. Foi esse grupo o responsável pela chacina que no domingo passado resultou na morte de 9 jovens entre 14 e 23 anos de idade e no ferimento de 12 que se divertiam num baile funk.

A prefeitura de São Paulo confirma que o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) recebeu uma ligação sobre o que acabara de acontecer em Paraisópolis. Uma pessoa dizia que havia dezenas de feridos e mortos e pedia socorro.

Um bombeiro cancelou o pedido sob a alegação de que a Polícia Militar já providenciara o atendimento. O Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana acusou a polícia de “alterar a cena do crime” ao remover dali os corpos dos mortos.

O Ministério Público de São Paulo anunciou que tratará as mortes como homicídios. O governador João Doria voltou a elogiar a Polícia Militar, “a melhor e mais bem treinada do país”, e disse que ainda é cedo para que se tire conclusões a respeito do que ocorreu.


Ricardo Noblat: Doria, um governante sem compaixão

A chacina de Paraisópolis

A falta de experiência política foi um trunfo usado por João Doria para se eleger prefeito e governador de São Paulo em menos de quatro anos. Pois ela agora se voltou contra ele depois da chacina que deixou nove mortos e 12 feridos na favela de Paraisópolis, a maior da capital paulista, onde moram cerca de 100 mil pessoas.

Somente um político amador, e também insensível, agiria como ele agiu e diria o que ele disse quando ainda jaziam insepultos os corpos dos jovens entre 14 e 23 anos que tentavam escapar com vida da fúria de policiais despreparados. Ou melhor: da fúria de policiais preparados para bater e matar se necessário ou não.

Ao invés de reagir com indignação ao que aconteceu e que poderá lhe custar a carreira, Doria disse sobre a chacina, uma espécie de mini Carandiru que manchará sua biografia para sempre:

“A letalidade foi provocado por bandidos e não pela polícia, tanto que o baile continuou. Nem deveria ter sido realizado. A polícia segue rigorosamente todos os protocolos. Não significa que seja infalível, mas a política de segurança pública não vai mudar.”

E foi em frente no mesmo tom:

“As ações em Paraisópolis de busca e apreensão de drogas ou de roubo de bens vai continuar. A existência de um fato não inibirá as ações de segurança. Possíveis erros da polícia ali serão investigados como excessos circunstancialmente cometidos”.

Por desinformação ou preferência por reescrever os fatos, Doria atribuiu a “bandidos” o que ocorreu unicamente por obra e graça de 38 policiais que invadiram uma rua onde cinco mil pessoas se divertiam a céu aberto em um baile funk. Disseram que perseguiam dois motoristas que teriam atirado em sua direção.

Mentira ou verdade? Mesmo que fosse verdade, ir à caça de dois motoqueiros em meio a uma multidão é um desrespeito a qualquer protocolo policial. Espancar e atirar com balas de borracha em fatias da multidão em fuga por becos e vielas sem saída foi o que provocou as nove mortes por “asfixia mecânica”.

Chamar a chacina de “fato que não inibirá as ações de segurança” é revelar uma ausência de compaixão que não se espera de uma figura pública eleita pelo voto. Da mesma forma, antecipar que “possíveis erros da polícia” em Paraisópolis “serão investigados como excessos circunstancialmente cometidos”.

Possíveis erros? Por tudo o que já se sabe, Doria ainda tem dúvida de que a polícia errou? Erros que resultaram na morte e no ferimento de pessoas podem ser considerados apenas “excessos circunstancialmente cometidos”? Doria assim os consideraria se praticados no Morumbi, bairro vizinho à favela?

Em linha com o governador, o coronel Marcelino Fernandes, comandante da Corregedoria da Polícia Militar, anunciou o afastamento de 6 dos 38 agentes que se envolveram na ação. Para quê? Segundo o coronel, “para preservá-los”. Está sendo montado o cenário para que daqui a meses os 6 policiais sejam inocentados.

Nada que cause espanto. Em setembro último, Doria afirmou que não é prioridade de sua gestão reduzir o índice de mortes em ações policiais. Na ano passado, dissera: “Se fizerem o enfrentamento com a polícia e atirarem, a polícia atira. E atira para matar”. Lembra alguém? Bolsonaro? Wilson Witzel? Quem mais?

Sem licença para matar

Exclusão de ilicitude nunca mais
A chacina de Paraisópolis selou para sempre a sorte do projeto de lei despachado para o Congresso pelo presidente Jair Bolsonaro que trata da chamada excludente de ilicitude. Ou seja: define situações em que militares e agentes de segurança podem ficar isentos de punições ao cometer crimes, como matar.

Em setembro passado, uma proposta semelhante foi retirada do pacote de leis anticrime do ministro da Justiça, Sergio Moro, que tramita na Câmara dos Deputados. Se o ambiente no Congresso já era desfavorável à aprovação do projeto de Bolsonaro, tornou-se mortal depois da chacina na capital paulista.


Ricardo Noblat: A caminho da irrelevância

Usina de barulho

Pode ser normal um chefe de Estado estar perto de completar um ano no cargo sem ter-se empenhado em montar uma base de apoio no Congresso? E tendo abandonado o partido pelo qual se elegeu e ajudou a eleger 52 deputados federais e quatro senadores?

Parece normal a maioria das coisas que ele faz como, por exemplo, suspender a fiscalização com radares móveis nas rodovias federais, o que reduziu a aplicação de multas e aumentou de agosto para cá o número de mortos e de feridos em acidentes?

E culpar ONGs e até um famoso ator de cinema por incêndios na Amazônia é comportamento que possa ser considerado normal em um presidente da República? É verdade que ao se eleger ele disse que não havia nascido para ser político, mas sim militar.

Mas nenhum dos militares empregados por ele no seu governo – e já são mais de mil – saiu a público para avalizar uma única dessas medidas. Você pode ter ouvido militares defenderem, como o faz Bolsonaro, a ditadura de 64. Sobre torturas, calam-se. Ele, não.

Não foi um militar fardado ou de terno que acenou com um novo Ato Institucional nº 5 caso houvesse manifestações de ruas que degenerassem em violência. Foi um dos filhos de Bolsonaro que acenou, e em seguida o poderoso ministro da Economia.

Como candidato, Bolsonaro disse que o PT deu preferência aos seus militantes ao escalar os ocupantes de cargos públicos. Esqueceu-se de dizer também que o PT compartilhou o poder com outros partidos, o que nem sempre foi bom, nem sempre foi mal.

E o que ele tem feito? Aparelha a máquina do Estado com os devotos que julga mais leais, os que pensam como ele e estão dispostos a obedecer às suas ordens sem discutir. Se um deles cai em desgraça junto a um dos seus filhos, despacha-o.

Daí a mediocridade, marca de sua equipe. Daí o troca-troca de auxiliares com ou sem razão. Nem político, nem militar. Bolsonaro não nasceu para nenhuma dessas coisas. Foi expulso do Exército por indisciplina. Foi político estridente do baixo clero.

Se como deputado federal por 27 anos tivesse aprendido algo, saberia que não basta a um presidente remeter ao Congresso medidas e projetos que imagine necessários para o êxito do seu governo. Há que debater o que propõe e negociar sua aprovação.

Lavar as mãos significa falta de compromisso com suas próprias ideias. Ou pior: caracteriza uma postura de quem desejaria que o Congresso se limitasse a referendar o que ele lhe manda. É por isso que tem colhido ali tantas derrotas, e seguirá sendo assim.

Seu governo, que mal começou, corre o risco de tornar-se irrelevante, ou apenas uma usina que produz barulho. Normal, não é, embora continue sendo tratado como se fosse pelos interessados nas reformas econômicas que por ora esfriaram.

É o que ainda o sustenta. Mas até quando?


Ricardo Noblat: Bolsonaro confessa seu despreparo para o cargo

Presidente acidental

Enquanto o PT, demais partidos e a maioria das figuras públicas se negam a admitir erros, o presidente Jair Bolsonaro vem a público e confessa candidamente seu despreparo para o cargo que ocupa. Aconteceu na última quinta-feira no Tribunal de Contas da União e não causou maior espanto, o que é verdadeiramente espantoso.

Ao abrir o 3º Fórum Nacional de Controle, ele disse que enfrenta “dificuldades seríssimas” em algumas áreas do governo, e explicou por quê. Atribuiu-as à complexidade da administração pública e à sua falta de formação para lidar com ela.

– Minha formação foi outra e mesmo quando é da formação, tem dificuldade. Todo dia são dezenas de novas normas, novas recomendações, é praticamente impossível a gente tomar pé de tudo e poder governar dessa maneira. Precisamos dessa equipe e eu considero o tribunal como um das peças mais importantes nessa equipe de governança e integridade.

O tribunal não faz parte de nenhuma equipe de governança. É um órgão de controle externo do governo federal. Sua independência é comparada à do Ministério Público. Não é subordinado a nenhum dos poderes da República, embora seja tido como um órgão auxiliar do Congresso. Mas seria exigir demais que Bolsonaro fosse capaz de entender isso. Como disse no seu estilo confuso:

– Sou o chefe do Executivo. Confesso que tenho muita preocupação e esse evento visa exatamente nos tranquilizar, acho que todos nós, até dentro de casa, queremos e devemos nos antecipar a problemas.

Não, o evento não visava tranquilizá-lo. Era apenas um evento como outro qualquer. Se fosse um bom aluno, ele teria saído de lá apenas mais bem informado. Ocorre que Bolsonaro nunca leu um livro na vida como revelou mais de uma vez. Nem mesmo o livro que diz manter em sua mesinha de cabeceira, as memórias do coronel torturador Brilhante Ulstra, a quem tanto exalta.

À saída do evento, em resposta a perguntas de jornalistas, estimou que haja poucos candidatos a prefeito nas eleições do próximo ano. A razão? Problemas com a Justiça que possam ocorrer depois do mandato. Confuso? Bolsonaro com a palavra:

– O que leva a um desestímulo a uma carreira política, em especial no caso do executivo, são os problemas que advém depois do mandato. Tenho visto colegas que de boa-fé exerceram seu mandato, mas não com o devido zelo e muitas vezes por desconhecimento se veem enrolados com a Justiça e muitos levam 10, 15, até 20 anos para voltar a ter paz, isto não é fácil.

Quem disputa eleições não pode desconhecer as exigências do cargo que ambiciona. Essa desculpa não vale quando mais tarde se vir enrolado com a Justiça. Também não vale no exercício do cargo para justificar sua perplexidade diante dos desafios que ele lhe oferece. Nenhum governante é obrigado a saber de tudo. Para isso dispõe de auxiliares. Se souber escolhê-los poderá sair-se bem.

Bolsonaro montou uma equipe medíocre para governar, salvo honrosas exceções. Amarga as consequências disso, e nada faz para mudar. Amarga sua falta de paciência para se debruçar sobre os problemas. Amarga sua dificuldade em aprender. Por fim, amarga sua falta de atributos para o cargo que o destino lhe reservou. É um presidente acidental.


Ricardo Noblat: Democracias sob estresse

Bolsonaro retalia jornal

Onde ficam os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência que devem nortear a administração pública como manda a Constituição quando o governo, por ordem do presidente da República, exclui do edital para renovação de assinaturas de jornais o que tem o maior número de leitores?

Foi o que aconteceu com a Folha de S. Paulo. Bolsonaro não gosta da imprensa que o critica, e ao seu governo. Não gosta especialmente da Folha que já chamou de “desonesta”. Chamou de coisas piores a TV Globo, mas dado à sua grande audiência sente-se obrigado a aturá-la. Decidiu então retaliar a Folha.

Não imagina que com isso o jornal mudará sua linha editorial, amenizando as críticas. Não. Segue apenas o exemplo do seu ídolo, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. No mês passado, Trump cancelou as assinaturas dos jornais The New York Times e Washington Post, os que mais lhe fazem oposição.

O dever número um dos jornalistas é com a verdade, mesmo que ela não seja algo facilmente identificável. O dever número dois é com a independência do seu ofício. O número três é com os cidadãos. Não se deve ter vergonha de tomar partido deles. O quarto dever é com sua própria consciência.

Bolsonaro e Trump são governantes autoritários. Se pudessem, se eternizariam no poder como tentou Evo Morales, o presidente da Bolívia que acabou fugindo para o México. Por mais antiga e testada, a democracia americana é mais resiliente do que a brasileira. Mas ambas têm sofrido o diabo nas mãos dos dois.

E assim será até que Trump e Bolsonaro não passem de uma triste memória na história dos seus povos. Enquanto isso não acontecer, uma vez que foram eleitos de acordo com as leis, só resta suportá-los, vigiando seus passos e combatendo todos os seus excessos. Uma das vantagens da democracia é a alternância no poder.


Ricardo Noblat: Democracia com adjetivo é tudo, menos democracia

À brasileira, só peru

Um dia depois de ter invocado o Ato Institucional nº 5 como possível meio para barrar por aqui manifestações de rua como as que ameaçam os governos do Chile (de direita) e da Colômbia (de centro), o ministro Paulo Guedes, da Economia, tentou pela segunda vez reparar os estragos que produziu com o que disse.

Para que não parecesse que engatou por completo uma marcha ré, insistiu em classificar as manifestações de rua como “uma bagunça, uma convulsão social” capaz de afastar os investidores estrangeiros de olho no mercado nacional. E pregou a instalação no Brasil de uma democracia que chamou de “responsável”.

– Eu acho que devemos praticar uma democracia responsável. Sabe como jogar o jogo da democracia? Espere a próxima eleição. Não precisa quebrar a cidade. Acho que isso assusta os investidores, acho que não ajuda nem a oposição, é estúpido – declarou em Washington, onde se reuniu com empresários americanos.

Adjetivar a democracia é meio caminho andado para propor sua extinção. É também um truque antigo e conhecido usado por governantes autoritários para chamar de democracia o que muitas vezes não passa de uma ditadura com vergonha de se identificar como tal. Guedes viu isso de perto no Chile nos últimos anos 70.

Como professor universitário, viu a ditadura do general Augusto Pinochet apresentar-se como uma “democracia autoritária”. Em seguida, como uma “democracia protegida”. Naqueles tenebrosos anos, a ditadura militar brasileira de 1964, por vergonha ou simplesmente astúcia, travestia-se de “democracia relativa”.

Nem quando tirou a máscara em dezembro de 1968 com a edição do AI-5, seu ato de força mais brutal, a ditadura teve peito para se assumir como ditadura. Naquela data, entre os muitos presos sob o pretexto de que punham o regime em perigo, esteve o advogado conservador e anticomunista Heráclito Fontoura Sobral Pinto.

Paraninfo de uma turma de formandos em Goiânia, Sobral Pinto foi levado para uma delegacia em Brasília, e solto poucos dias depois. Interrogado, ouviu de um dos seus carcereiros que o governo da época estava gestando uma “democracia à brasileira”. Foi quando ele deu uma resposta que se tornaria célebre:

– Ora, tenha paciência. Não existe democracia à brasileira. Existe é peru à brasileira. A democracia é universal.

Universal tem sido também o empenho dos adeptos do autoritarismo em eliminar ou restringir princípios e direitos que caracterizam a democracia. No passado, valeram-se para isso de tropas armadas e de tanques de guerra. Hoje, procuram minar a democracia por dentro, enfraquecendo-a aos poucos.

É o que assistimos.