Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Celso de Mello deve autorizar divulgação de vídeo sigiloso

República à beira de um ataque de nervos

Dez entre os onze ministros do Supremo Tribunal Federal apostam que o decano da Corte, Celso de Mello, confinado no seu apartamento em São Paulo, autorizará ainda hoje a divulgação sem cortes do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último onde o presidente Jair Bolsonaro, segundo o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, ameaçou intervir politicamente na Polícia Federal.

No entendimento da maioria deles, a possível decisão de Mello nesse sentido foi reforçada com a publicação, ontem, pela Folha de São Paulo, do relato que o empresário carioca Paulo Marinho diz que ouviu do senador Flávio Bolsonaro sobre uma operação da Polícia Federal que seria deflagrada entre o primeiro e o segundo turno da eleição de 2018. A operação foi adiada para não prejudicar seu pai.

O desembargador Abel Gomes, presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, enrolou-se para explicar por que a operação ficou para depois do segundo turno. Primeiro negou o adiamento. Depois disse que ela ficara “para um momento mais oportuno”. Motivo: não para “favorecer quem quer que seja”, mas para evitar “a falsa percepção de que tinha “motivações políticas”. Taokey?

Um dos desembargadores do tribunal admitiu em sessão do ano passado que informações sobre a operação vazaram de fato. E não só para Flávio que, juntamente com Fabrício Queiroz, seu faz tudo, seria um dos alvos. Vazou também para outros políticos. A diferença é que emissários de Flávio ouviram de um delegado da Polícia Federal que a operação seria adiada para não ameaçar a eleição do seu pai.

“Eu sugiro que vocês tomem providências. Eu sou eleitor, adepto, simpatizante da campanha [de Bolsonaro], e nós vamos segurar essa operação para não detoná-la agora, durante o segundo turno, porque isso pode atrapalhar o resultado da eleição”, afirmou o delegado à época. Orientado pelo pai, demitiu Queiroz. O pai demitiu a filha de Queiroz que era funcionária do seu gabinete em Brasília.

A Polícia Federal abriu inquérito para apurar a veracidade da história que Marinho contou ter escutado de Flávio. A Procuradoria-Geral da República pediu à Polícia Federal que ouça Marinho no inquérito sobre a tentativa de Bolsonaro, o pai, de intervir no que não deveria. A oposição no Congresso reúne assinaturas para instalar a “CPI do Queiroz”. A temperatura política do país subiu mais ainda.

Se ao cabo do inquérito, Aras preferir arquivá-lo, que é o que pretende fazer, o conteúdo do inquérito servirá para alimentar outros pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Impeachment, como observou o ex-presidente americano Gerald Ford, é tudo aquilo que a Câmara, pelo voto de dois terços dos deputados, diz que é. Richard Nixon, o antecessor de Ford, renunciou para não ser cassado.

Como deputado federal, Bolsonaro assistiu a dois processos de impeachment (Fernando Collor e Dilma Rousseff) e a duas tentativas frustradas de abertura de processos de impeachment contra o presidente Michel Temer. Entende do riscado. É por isso que abriu o cofre público e as portas do governo para atender aos desejos de deputados que poderão salvá-lo de perder o mandato.

Grupo que reúne os políticos mais fisiológicos do Congresso, o Centrão está de boca aberta à espera das iguarias que Bolsonaro lhe prometeu. Quanto mais se complica a situação do presidente e dos seus filhos, mais o Centrão saliva e escancara a boca. Venha a nós o vosso reino, amém.


Ricardo Noblat: Entrevista explosiva de empresário agrava a situação dos Bolsonaro

Presidente cancela pronunciamento. Vice recolhe-se em quarentena

Quem deu ordem à Polícia Federal para suspender a operação que em meados de outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turno da eleição, tornaria público o envolvimento da dupla Flávio Bolsonaro-Fabrício Queiroz no caso da apropriação criminosa de parte dos salários pagos a funcionários da Assembleia Legislativa do Rio?

A Polícia Federal só age a mando da Justiça. É ela que autoriza suas operações a pedido do Ministério Público. Justiça e Ministério Público são informados quando a Polícia Federal, por alguma razão técnica, adia uma operação que tinha data marcada. Isso torna mais grave o que foi revelado hoje pela Folha de S. Paulo.

Suplente do senador Flávio Bolsonaro, o empresário Paulo Marinho contou à colunista Mônica Bergamo o que diz ter ouvido de Flávio em reunião na sua casa na quinta-feira dia 13 de dezembro de 2018. Foi na casa de Marinho que o então candidato a presidente Jair Bolsonaro gravou seus programas de propaganda eleitoral.

Uma semana antes do primeiro turno, o ex-coronel Miguel Braga, atual chefe de gabinete de Flávio no Senado, recebeu um telefonema de um delegado da Polícia Federal no Rio dizendo que tinha um assunto do interesse do senador eleito e que por isso queria encontrá-lo. Flávio preferiu mandar Braga ao encontro do delegado.

Braga voou para o Rio. Ali, na companhia de um advogado e de Val Meliga, pessoa da confiança de Flávio e irmã de dois milicianos, rumou para a Praça Mauá onde funciona a Superintendência da Polícia Federal. Do prédio, saiu o delegado que Flávio não diz o nome. Ainda na calçada, avisou a Braga mais ou menos assim:

– Vai ser deflagrada a Operação Furna da Onça, que vai atingir em cheio a Assembleia Legislativa do Rio. E essa operação vai alcançar algumas pessoas do gabinete do Flávio. Uma delas é o Queiroz e a outra é a filha do Queiroz, que trabalha no gabinete do Jair Bolsonaro em Brasília.

Aconselhou em seguida:

– Eu sugiro que vocês tomem providências. Eu sou eleitor, adepto, simpatizante da campanha [de Bolsonaro], e nós vamos segurar essa operação para não detoná-la agora, durante o segundo turno, porque isso pode atrapalhar o resultado da eleição.

Braga avisou a Flávio, que avisou ao pai, que ordenou que ele demitisse Queiroz do seu gabinete de deputado estadual e disse que faria o mesmo com a filha dele. De fato, os dois foram demitidos no dia 15 de outubro. Bolsonaro elegeu-se presidente no dia 28. A operação da Polícia Federal só foi deflagrada no dia 8 de novembro.

Àquela altura, Sérgio Moro já fora convidado para ministro da Justiça. O convite se deu entre o primeiro e o segundo turno da eleição, intermediado por Paulo Guedes. Pouco antes do primeiro turno, Moro divulgara parte da delação feita por Antonio Palocci, ex-ministro de Lula e de Dilma, com pesadas acusações contra o PT.

O que há de mais explosivo na entrevista de Marinho à Folha não é o relato da reunião com Flávio. É a revelação de que o ex-ministro Gustavo Bebbiano, demitido do governo por Bolsonaro, deixou um celular com mensagens em áudio e vídeo trocadas por ele com o presidente durante mais de um ano. Está guardado nos Estados Unidos.

O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, em que Bolsonaro ameaçou intervir na Polícia Federal, virou uma bombinha se comparado com o celular de Bebbiano – esse, nitroglicerina pura. A história contada por Marinho ajuda a explicar por que Bolsonaro quer há tanto tempo a Polícia Federal sob seu controle direto.


Ricardo Noblat: Um dia de fúria na vida do ex-capitão contaminado pelo medo

No papel de presidente do sexto país do mundo com o maior número de vítimas do Covid-19, o ex-capitão Jair Bolsonaro, afastado do Exército porque planejou detonar bombas em quartéis, viveu 24 horas de fúria sem que ninguém ao seu lado tentasse contê-lo.

Naturalmente não foi a primeira vez e nem será a última. Mas desta vez tinha razões de sobra para se comportar assim. Quantas vezes já não se disse que o cerco se fecha em torno dele e que seu mandato corre risco? Ninguém melhor do que Bolsonaro sabe e sente.

Daí as reações desatinadas que indicam a medida do desespero que toma conta dele. Uma coisa é Bolsonaro disparar para todos os lados a cada momento. É seu instinto assassino. Não sabe viver em paz. Foi treinado para matar, mas nunca lutou uma guerra de verdade.

Outra coisa é atirar em tudo que se mexa à sua frente porque está com medo do que possa acontecer amanhã ou daqui a pouco. Bolsonaro testou positivo para o vírus da crise política desatada com a saída do governo do ex-ministro Sérgio Moro. O hospedeiro do vírus é ele.

No dia em que o Brasil se aproximou dos 14.000 mortos por Covid-19 em menos de dois meses e ultrapassou 200.000 infecções, Bolsonaro defendeu novamente a volta indiscriminada ao trabalho, o uso da cloroquina para combater o mal, e destratou seus desafetos.

Em vídeoconferência, convocou os empresários paulistas a desafiarem as regras de isolamento baixadas pelo governador João Doria (“Os senhores têm que chamar o governador e jogar pesado porque a questão é séria, é guerra. É o Brasil que está em jogo”)

– O que parece que está acontecendo é uma questão política, tentando quebrar a economia para atingir o governo. Um homem em São Paulo está decidindo o futuro da economia do Brasil – disse Bolsonaro. Ao seu lado, o ministro Paulo Guedes, da Economia, concordou.

Na mesma ocasião, atacou o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, acusando-o de “querer ferrar o Brasil” com a aprovação de medidas que contrariam o governo. Mais tarde, os empresários se queixaram da falta de propostas para tirar o país do atoleiro.

Mais cedo, ele havia dito a jornalistas que “o Brasil está quebrado” e fadado a ser “um país de miseráveis”. E assinado uma Medida Provisória que anistia erros de servidores públicos cometidos no combate ao vírus. Os dele, inclusive. Uma aberração!

O Covid-19, a recessão econômica que se desenha e a crise política que se agrava tiram o sono do presidente que atravessa as madrugadas ao celular para ler o que dizem dele nas redes sociais. Ali, seus seguidores já não se animam a socorrê-lo como antigamente.

Nas próximas horas, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, presidente do inquérito que apura a denúncia de Moro de que Bolsonaro tentou intervir na Polícia Federal, dará sua decisão sobre o vídeo mais explosivo da história recente do país.

Libera o vídeo para divulgação na íntegra? Libera com cortes? Ou não libera? Quatro colegas de Celso ouvidos por este blog apostam que o vídeo será liberado para divulgação na íntegra. É tudo o que Bolsonaro não quer porque teme os efeitos devastadores do vídeo.

Ficará provado que na reunião ministerial de 22 de abril último ele ameaçou, sim, intervir politicamente na Polícia Federal para remover seu diretor-geral e o superintendente do Rio. Foi o que acabou por fazer uma parte antes e outra depois da demissão de Moro.

Mesmo que o Procurador-Geral da República, ao fim do inquérito, preferira arquivá-lo ao invés de denunciar Bolsonaro, seu conteúdo será aproveitado para sustentar inúmeros pedidos futuros de impeachment. Mais de 20 deles repousam nas gavetas de Maia.

Às favas os escrúpulos de consciência dos que apoiam Bolsonaro

“Aqui, a história não se repete como farsa” (Luis Fernando Verissimo)

O que dirão as pessoas quando assistirem aos atos explícitos de cumplicidade da maioria dos ministros diante dos palavrões ditos pelo presidente Jair Bolsonaro na reunião de 22 de abril passado gravada em vídeo prestes a ser divulgado?

Ninguém, ali, demonstrou estranhamento – uns porque já estão a acostumados com a linguagem porca do presidente, outros porque a compartilham. Ninguém pareceu se incomodar com o comentário do ministro da Educação sobre a prisão dos juízes do Supremo.

A ministra da Mulher e dos Direitos Humanos sentiu-se tão à vontade que sugeriu a prisão de governadores e prefeitos. Ninguém a interpelou a propósito. Todos sabiam que a reunião estava sendo gravada, mas jamais imaginaram que pudesse um dia vir a público.

Da mesma forma devem ter pensado os ministros que se reuniram com o presidente Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968 para discutir a edição de mais um ato institucional – o de número 5, o mais violento. Foi quando a ditadura militar tirou a máscara.

Costa e Silva abriu a reunião dizendo: “Ou a revolução continua, ou se desagrega”, e pediu a opinião de todos. Apenas o vice-presidente, Pedro Aleixo, foi contra o ato. Ficou célebre a frase dita pelo ministro do Trabalho e da Previdência Social Jarbas Passarinho:

– Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.


Ricardo Noblat: Bolsonaro revela sem cortes a face golpista do seu governo

O ato e o fato
Que governo é esse onde o presidente ameaça usar as Forças Armadas caso o Congresso abra contra ele um processo de impeachment; onde o ministro da Educação chama os ministros do Supremo Tribunal Federal de filhos da puta e diz que todos eles deveriam ser presos; onde a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos defende a prisão de governadores e dos prefeitos; e onde os demais ministros, sendo 8 dos 22 militares, a tudo ouvem, impassíveis, sem dar sinais de que discordam?

É um governo golpista. Que poderá cair por falta de condições de aplicar o golpe. Mas que se tiver condições para tal, se de fato se sentir ameaçado de cair, tentará dar o golpe.

Não é dedução. Não depende de opinião de quem gosta e de quem não gosta do governo. É fato. Está gravado no vídeo exibido, ontem, na Polícia Federal. Está na boca do presidente.

Golpe não se dá mais com tanques rolando pelas ruas, tropas marchando contra cidades, Congresso fechado, Supremo Tribunal Federal fechado, prisões de opositores do novo regime.

Baionetas caladas calam um Congresso que se deixa emascular pensando evitar o pior. Um twitter do Comandante do Exército foi suficiente para mudar o rumo de uma decisão do Supremo.

O presidente da República e seu governo, pois, são, um perigo à democracia. Só isso bastaria para serem removidos. Ou se continuará esperando que o presidente faça o que alardeia que faria?

Como Donald Trump, Jair Bolsonaro é um aventureiro e um jogador de cartas que aposta alto. Como Trump, é também um presidente acidental. Mas ao contrário de Trump, tem vocação de ditador.

Trump jamais se arriscaria a dizer que só deixará a Casa Branca daqui a quatro anos. Porque sabe que se não for reeleito em novembro próximo, irá para casa. Voltará às cartas e aos seus negócios.

Bolsonaro disse que só deixará o poder em janeiro de 2027. Como se não admitisse a possibilidade da derrota em 2022. Como se ele e a Constituição fossem uma coisa só. Por sinal, já disse que são.

Em 2018, afirmou que só reconheceria os resultados das urnas se vencesse. Há poucos meses, disse ter provas de que a eleição foi fraudada para que não se elegesse direto no primeiro turno.

Cadê as provas? Não apresentou. Era blefe. Mais uma mentira de um presidente censurado no Twitter e no Instagram por mentir compulsivamente. O único presidente, até hoje, censurado.

Não foi o escândalo da invasão do edifício Watergate, onde funcionava a sede do Partido Democrata, em Washington, que fez o republicano Richard Nixon renunciar à presidência dos Estados Unidos.

Nixon renunciou porque mentiu. Um presidente que mente ao país comete pecado mortal nos Estados Unidos. Bill Clinton mentiu quando negou ter feito sexo com uma estagiária da Casa Branca.

A Câmara dos Deputados aprovou a abertura de processo contra Clinton. Faltou um único voto no Senado para cassar seu mandato. Se mentira, aqui, tirasse presidente, Bolsonaro estaria fora.

Aqui, presidente corrompe e se deixa corromper se é popular. Se sabe saciar o apetite de políticos famintos por dinheiro e cargos, sobrevive a denúncias de que patrocinou negociatas sujas.

Se pedala a Lei de Responsabilidade Fiscal como tantos já fizeram, não desmorona. Só desmorona se perder apoio político para governar. Esse filme já passou e deu em tudo o que se vê hoje.

Em negociação com os partidos mais fisiológicos do Congresso, Bolsonaro pedala os bons costumes para seguir governando. Se necessário, tentará pedalar a ordem jurídica para permanecer onde está.

O trabalho insano dos tradutores do pensamento do capitão

Ministério do “Veja bem” opera a todo vapor, mas sem sucesso
O Ministério do “Veja bem”, que reúne os principais auxiliares do presidente escalados para corrigir as declarações polêmicas que ele costuma fazer, terá muito trabalho se quiser explicar o que Bolsonaro disse quando falou em demitir o superintendente da Polícia Federal no Rio para proteger sua família e seus amigos.

De outra parte, trabalho insano terá o Procurador-Geral da República Augusto Aras para justificar por que arquivará o processo aberto a seu pedido contra o presidente. No momento, a tendência de Aras é recomendar ao ministro Celso de Mello que impeça a divulgação na íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último.

O vídeo tornou-se tão mortal para Bolsonaro e o governo quanto o coronavírus que já matou até ontem 12.400 brasileiros e contaminou 177.589. Gripezinha forte, essa. Seu poder de devastação está para o ser humano assim como o poder de devastação do vídeo está para o presidente da República, a ver-se em breve.

Poderá dizer o Ministério do “Veja bem”: quando Bolsonaro afirmou que precisava no Rio de um superintendente da Polícia Federal que protegesse sua família, referia-se à “família brasileira”, não a dele. Como presidente, ele é o chefe da família brasileira, assim como é, por exemplo, o chefe das Forças Armadas.

Não. Difícil de colar! Como não cola a desculpa de que Bolsonaro, em momento algum da reunião, referiu-se à Polícia Federal e ao superintendente do Rio. Referiu-se à “segurança” no Rio dele e de sua família. Não estava satisfeito com ela. Pretendia trocá-la e. por isso, falou o que foi registrado. Está bem assim?

Não, não está. Da segurança de Bolsonaro e da sua família cuida o Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, não a Polícia Federal. Então a crise desatada por Bolsonaro deveria ter resultado na demissão do general Augusto Heleno, ministro responsável pelo gabinete. E resultou em quê?

Na demissão do diretor-geral da Polícia Federal, que desde de agosto do ano passado, Bolsonaro queria ver pelas costas. Na demissão do ministro Sérgio Moro, da Justiça. E na substituição do superintendente da Polícia Federal no Rio. O Ministério do “Veja bem” deveria pensar melhor e arranjar outra desculpa.

Desde já, deveria providenciar outra para a resposta dada por Bolsonaro à pergunta que um repórter lhe fez se concordaria com a divulgação do vídeo na íntegra. A pergunta tinha cabimento. Há duas semanas, foi o próprio Bolsonaro que revelou que mandara legendar o vídeo para que fosse divulgado sem cortes.

Mudou de opinião. Agora, disse que só deveriam ser divulgados os trechos ligados à acusação de que quis intervir politicamente na Polícia Federal. O resto, que fosse destruído. Mas destruído por quê? Para que o distinto público não se envergonhe do presidente que elegeu? Nem do governo que ele montou?

Se o famoso telefonema de Dilma para Lula, gravado para além do tempo que Moro estabelecera para que fosse gravado, acabou divulgado mesmo assim e acabou dando no que deu, por que censurar o vídeo da reunião ministerial comandada por Bolsonaro que certamente entrará para a história do país?

O povo tem o direito de saber.

Generais com fraca memória são testemunhas sem serventia

Pode ser, não recordo, se disse não ouvi…
Generais sem memória, esses que cercam como ministros o presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. E que por mais que o critiquem sob a garantia de que não serão identificados, só o adulam em público para provar o quanto são leais a ele. A lealdade ao chefe é uma virtude assaz louvada entre os fardados, noves fora a hipocrisia.

Ouvidos como testemunhas no inquérito que apura se Bolsonaro tentou de fato intervir politicamente na Polícia Federal como denunciou o ex-juiz Sérgio Moro, os ministros Braga Neto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete da Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria do Governo) foram leais ao capitão.

Há dias que eles vinham sendo treinados para responder às perguntas e para não derrapar em qualquer coisa que pudesse sequer incriminar vagamente Bolsonaro. Viram e reviram muitas vezes o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Limaram divergências. Combinaram em detalhes o que cada um diria.

Aparentemente, saíram-se bem. Contaram também com a boa vontade dos inquisidores. Em mais de uma ocasião, valeram-se da desculpa de que não se recordavam disso ou daquilo. Talvez tenha sido assim, talvez não. Pode ser, mas não posso assegurar. Não, isso eu não ouvi direito. Ouvi, mas não sei o que ele quis dizer.

Braga Neto disse que não saberia informar a razão pela qual o presidente nomeou o delegado Alexandre Ramagem para diretor-geral da Polícia Federal. Disse que nunca ouviu Bolsonaro mencionar a possível troca do superintendente da PF no Rio. Não, nem antes, nem durante a reunião ministerial, nem depois.

Deve ter sido surpreendido com tudo isso, apesar de ser hoje o braço direito do presidente e de despachar com ele pelo menos meia dúzia de vezes por dia. Ramos não se lembrou de episódios da reunião. Disse só ter visto uma pequena parte do vídeo. Foi o mais vago deles, embora o mais paciente e à vontade.

Os três foram paraquedistas em seus tempos de caserna, assim como Bolsonaro. Ramos é o único que não passou para a reserva. Espera voltar um dia à ativa. Se Bolsonaro o premiar com o comando do Exército, lhe será eternamente grato e obediente.


Ricardo Noblat: Como Bolsonaro pagará a conta do mal provocado pelo Covid-19

Não será com o cartão corporativo da presidência da República

A maior demonstração de pesar do presidente Jair Bolsonaro pela morte até aqui de mais de 10 mil brasileiros vítimas do coronavírus limitou-se a duas frases ditadas, ontem, por ele à entrada do Palácio da Alvorada: “Lamento cada morte que ocorre a cada hora. Lamento”.

Em seguida, explicou o que lhe caberia fazer a respeito: “Agora, o que podemos fazer, nós todos, é tratar com o devido zelo os recursos públicos. Está tendo denúncia em todo lugar. Gente presa. Em vez de fazer notinha de pesar, tem que dar exemplo. Gastar menos”.

Engana-se quem pensa que ele se referia à denúncia de que gastou só este ano com cartão de crédito corporativo R$ 3,76 milhões, segundo o Portal da Transparência. O valor representa um aumento de 98% em relação à média dos últimos cinco anos no mesmo período.

Também não se referia à fraude descoberta pelo Ministério da Defesa: militares de todas as patentes, da reserva e da ativa, se cadastraram no aplicativo da Caixa Econômica para receber o auxílio emergencial de R$ 600. A lei que criou o benefício não lhes deu tal direito.

Bolsonaro referia-se a denúncias de superfaturamento na compra por Estados e municípios de equipamentos médicos para enfrentar a pandemia. Há que se apurar se houve superfaturamento ou se o preço pago se deveu à procura bem maior do que a oferta.

Se tivesse mais preocupado com vidas perdidas do que com economia, Bolsonaro não teria assinado mais um ato de sabotagem às medidas de isolamento adotadas por governadores e prefeitos. Mas foi o que ele fez ontem, de resto como prometera fazer há um mês.

Baixou outro decreto, desta vez para incluir academias de ginástica e barbearias entre as chamadas “atividades essenciais”, não obrigadas a permanecerem fechadas. Com isso, ele incentiva a reabertura de negócios que podem provocar a circulação de muita gente.

Bolsonaro quer mais é que as pessoas se exponham. No último sábado, ele só suspendeu o churrasco que ofereceria a amigos e parentes no Palácio da Alvorada quando soube que o Congresso e o Supremo Tribunal Federal haviam decretado luto pela morte de tantas pessoas.

Agora, são 11.519 mortos. E o número de casos confirmados de coronavírus no país está próximo de 170 mil. O Supremo Tribunal Federal já decidiu que valem para Estados e municípios as medidas de confinamento impostas por seus governantes, não pelo presidente da República.

Pouco importa. Bolsonaro continuará a assinar decretos sem validade. Estimular a desobediência civil é o seu propósito, mas não só. Mesmo com decretos inválidos, ele agrada parcela de sua base de eleitores de olho na reeleição em 2022. É candidato antes de ser presidente.

Em tempo: tão logo foram informados sobre o decreto assinado por Bolsonaro, os governadores do Pará, Maranhão, Ceará e Bahia se apressaram a dizer que academias e barbearias permanecerão fechadas em seus Estados. Outros, hoje, deverão dizer o mesmo.

Bolsonaro, queira ou não, pagará grande parte da fatura pelo mal do século que poderia ter combatido. Fugiu à luta. E não será com cartão de crédito corporativo da presidência da República que saldará o débito. Será com a hemorragia de votos que o desidratará.

Ramagem ataca Moro e nega maior aproximação com os Bolsonaro

Saiu da Polícia Federal como chefe da ABIN. Espera voltar como diretor

A respeito do delegado Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), seus desafetos poderão dizer o que quiser – menos que ele não tenha cara de pau. Tem, sim, e o demonstrou durante mais de quatro horas de depoimento à Polícia Federal.

Ramagem ousou negar maior proximidade com o clã dos Bolsonaro, logo ele que que já foi hóspede do presidente da República em sua casa no Condomínio Vivendas da Barra, no Rio. Logo ele que compareceu ao casamento do deputado Eduardo, o Zero Três.

O delegado cuidou da segurança de Bolsonaro depois da facada em Juiz de Fora. Foi graças a isso que os garotos Bolsonaro se encantaram com ele e convenceram o pai a nomeá-lo para a ABIN, e mais recentemente, para a direção-geral da Polícia Federal.

Ouvido no inquérito que investiga a denúncia de Sérgio Moro de que Bolsonaro tentou intervir politicamente na Polícia Federal, Ramagem defendeu o presidente e atacou o ex-ministro. Definiu Moro como “intransigente” e insubordinado por ter sido contra a sua nomeação.

Aproveitou para elogiar Bolsonaro. Agradeceu a confiança do presidente em seu trabalho. No limite, reconheceu que “goza da consideração, respeito e apreço” da família presidencial. Saiu da Polícia Federal como chefe da ABIN. Espera voltar como diretor.


Raul Jungmann: Polícia Federal. Até a próxima crise?

Está de volta ao debate público a questão se a Polícia Federal deve ou não ter autonomia plena. De um lado seus integrantes lutam para garanti-la, com o apoio de boa parte da opinião pública. De outro, políticos, Ministério Público e Judiciário, reclamam por controles mais eficazes.

Nos termos em que se desenvolve a discussão, ela é recorrente, polarizada e parcial, dado que a polícia judiciária federal já é autônoma de fato, ao longo do ciclo de atividades do processo penal; porém, com um controle externo frágil.

Ancorada constitucionalmente no Executivo, noves fora quando polícia administrativa, a PF tem um status único, pois sai integralmente da tutela do Ministério da Justiça e Segurança Pública e passa ao Judiciário quando por este requisitada. Daí que todos cobram do Ministro da pasta informações e controles que ele não pode atender, sob pena de incorrer em crime de obstrução de justiça.

Entendo que só será superada essa ambiguidade da PF se lhe for concedida uma autonomia de direito, associada a controles reais.

A solução correta é a concessão da autonomia, combinada com a reestruturação dos controles, por meio de um conselho de supervisão e controle, integrado por membros do Judiciário, do Ministério Público e pelo corregedor da PF. Este último, assim como o Diretor Geral, teria mandato fixo e ambos seriam indicados pelo Executivo e submetidos a aprovação pelo Senado, mediante sabatina.

O mandato de ambos, diretor geral e corregedor, lhes conferiria a necessária independência para dentro, frente à corporação, e, para fora, face aos interesses e pressões externas. Para tanto seria preciso emendar a Constituição nos artigos 144 e 129, aquele para instituir a autonomia por lei complementar e este para ampliar o escopo do controle externo da PF.

Não será fácil mudar em um cenário minado por resistências diversas e temores de políticos, Judiciário, MPF e da própria Polícia Federal. Mas, a permanecer o atual estado de coisas, estacionaremos no pior dos mundos: uma autonomia incompleta que infunde suspeita, agravada por controles ineficazes e precários.

As consequências sempre são corrosivas, como se viu agora, com o conflito entre o Executivo e Judiciário, após a decisão do Ministro Alexandre Moraes de vetar a nomeação do Diretor Geral da instituição escolhido pelo presidente da República.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Ricardo Noblat: Um presidente indiferente à morte de 10 mil brasileiros

Bolsonaro diverte-se esquiando no lago de Brasília

Jair Bolsonaro voltou a dizer no fim de semana que o país vive “uma neurose” com a pandemia do coronavírus e que 70% dos brasileiros serão infectados porque “não tem como”. Ora, haveria como, sim, se o governo que ele encabeça tivesse tomado providências para tal.

Mas para argumentar, digamos que não houvesse. Que fosse verdade que 70% dos povos do mundo obrigatoriamente serão contaminadas. Bolsonaro ainda não entendeu que nenhum sistema de saúde é planejado para atender 70% das pessoas em tão pouco tempo?

Foi o que aconteceu na Itália, Espanha e outros países europeus onde o sistema de saúde entrou em colapso e morreu mais gente do que deveria. É também o que está acontecendo em partes dos Estados Unidos e na maioria dos Estados do Brasil.

Por que as autoridades médicas, não só daqui, tanto falam que é preciso retardar a curva de crescimento do coronavírus? Justamente por isso. Quanto mais devagar ela suba, mais o sistema poderá atender pessoas em hospitais e outras unidades de socorro. E não é só o virus que mata.

O problema de Bolsonaro é um defeito de fabricação? Ele tem neurônios a menos que o impedem de descodificar o que escuta, uma vez que ler ele não gosta? Neurônios podem faltar, é o que se deve concluir por seus atos bizarros e comportamento em geral.

Mas, nesse caso, não se trata disso. Bolsonaro só pensa na reeleição, só se orienta por ela. Todas as suas decisões levam em conta o desejo de obter mais um mandato de quatro anos. Para seu próprio bem e o bem de sua família. E se a Economia estiver mal em 2022, adeus reeleição…

A Economia estará mal em 2022, como de resto em grande parte do mundo. Aqui estará particularmente mal porque o ralo crescimento do ano passado já foi menor do que no ano anterior. Se amasse a vida mais que o poder, Bolsonaro teria se beneficiado da pandemia.

Mesmo governantes que compreenderam com atraso o tamanho da tragédia que se anunciava, viram sua popularidade aumentar quando arregaçaram as mangas e assumiram a liderança do combate ao Covid-19. Bolsonaro, não. Assiste à mortandade de braços cruzados.

Pior: é conivente com ela. Aposta que poderá recuperar apoios que perdeu depois que morrer o último dos brasileiros vulneráveis à doença. É por isso que pergunta: “E daí”. É por isso que convida amigos para um churrasco e depois vai esquiar nas águas do Lago Paranoá.

Enquanto o Congresso e o Supremo Tribunal Federal decretavam luto em memória dos 10 mil mortos pelo Covid-19, o presidente da República divertia-se passeando de jet-ski na companhia de um agente de segurança e observado por um grupo de devotos atrás de selfies.

Não muito distante do lago, acampados nas cercanias da Esplanada dos Ministérios, bolsonaristas recém-chegados de mais uma carreata pela cidade exibiram-se em uma performance em torno de caixões de papelão. Cantaram, dançaram e simularam ressuscitamentos.

Passados 74 dias desde que o primeiro caso de coronavírus no Brasil foi confirmado, o número oficial de mortos pela doença chegou, ontem, a 10.627. Morreram, em média, 196 pessoas por dia depois que aconteceu o primeiro óbito em 16 de março último.

O número de mortos poderá dobrar nos próximos 20 dias, segundo pesquisadores da Universidade de São Paulo. E o de infectados triplicar, batendo a casa dos 400 mil. Só rigorosas e improváveis medidas de isolamento serão capazes de impedir que isso ocorra.

Improváveis porque não há, por enquanto, sinais de que serão adotadas a largo. Em sete Estados, pelo menos, não só faltam leitos para atender à procura. Faltam médicos, enfermeiras, ambulâncias e simples remédios. O confinamento social recua e o vírus avança.

Bolsonaro abusa da sorte ao brincar de beijar boca de cobra. Haverá perigo maior do que beijar a boca de uma cobra venenosa?


Ricardo Noblat: O que Bolsonaro quer esconder – e por quê

Em jogo, seu destino

Até ontem, eram apenas os exames que fez para saber se contraíra o coronavírus que o presidente Jair Bolsonaro se recusava a mostrar por mais que lhe cobrassem. Ele jura que testou negativo para a doença, e que mostrar os resultados violaria sua privacidade.

Desde ontem, porém, Bolsonaro tenta esconder outra coisa – desta vez o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último onde teria ameaçado de demissão o então ministro Sérgio Moro se ele não trocasse o superintendente da Polícia Federal no Rio.

Por quatro vezes, a Justiça ordenou que ele mostrasse os resultados dos exames, mas Bolsonaro ainda não o fez. Quanto ao vídeo, rogou a Celso de Mello, ministro do Supremo Tribunal, que revogue a decisão que o obrigaria a apresentá-lo em 72 horas.

No caso dos exames, o temor de Bolsonaro é ser flagrado mentindo. Se adoeceu, pior do que mentir foi ter circulado sem máscaras a apertar mãos e abraçar autoridades e bolsonaristas em manifestações de rua podendo tê-los contaminados.

Há oito dias, Bolsonaro chegou a dizer que divulgaria a gravação da reunião ministerial. Explicou-se assim:

– Eu comecei hoje a reunião de ministros pedindo uma autorização para eles, porque a nossa reunião é filmada. E fica no cofre lá, o chip. Eu falei: ‘senhores ministros, eu posso divulgar o que eu falei na última reunião de ministros?’. Ninguém foi contra. Eu falei, tá certo? Mandei legendar, mandei legendar, talvez tenha chegado no meu WhatsApp agora e eu vou divulgar.

Há seis dias, voltou atrás com a seguinte justificação:

– Eu tenho a última, a última, a última: o conselho que eu tive é não divulgar, para não criar turbulência, uma reunião reservada, então é essa a ideia.

Agora, quer que Celso de Mello reconsidere a decisão de pedir o vídeo porque na reunião ministerial foram tratados “assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado”. Não sabia disso quando prometeu divulgar o vídeo com direito a legenda?

Ou por “assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado” deve-se entender a confirmação de que de fato ameaçou Moro caso não tirasse da superintendência da Polícia Federal o delegado que Bolsonaro não queria ver por lá?

Suspeita-se que o vídeo possa ter registrado o ataque do ministro da Educação a um dos ministros do Supremo, e também o bate boca entre os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, sobre os rumos da Economia.

Não deverá passar de hoje a resposta de Celso de Mello ao pedido de Bolsonaro. O provável é que reafirme sua decisão e garanta que os tais “assuntos potencialmente sensíveis” não interessam ao inquérito que apura se Bolsonaro quis intervir na Polícia Federal.


Ricardo Noblat: Justiça põe a nu o governo Bolsonaro. E o que se vê é muito feio

Aperta-se o cerco

Diz a lei que ninguém é obrigado a produzir provas que o incriminem. Ou o presidente Jair Bolsonaro não conhece a lei ou decidiu contrariá-la para ajudar a esclarecer o que de fato houve quando ele tentou intervir na Polícia Federal, provocando por tabela a saída do governo do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.

De volta do expediente no Palácio do Planalto, no cercadinho à entrada do Palácio da Alvorada onde costuma confraternizar com seus devotos e mandar jornalistas calarem a boca, Bolsonaro sacou do seu celular e mostrou um fragmento de mensagens trocadas por ele e Moro. Ocorre que o que ele mostrou dá razão ao ex-juiz.

Moro disse em depoimento à Polícia Federal que Bolsonaro lhe enviara notícia publicada sobre um inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal para apurar malfeitos de um grupo de deputados aliados dele. E ao comentar a notícia, escreveu que era por isso que chegara a hora de trocar o diretor-geral da Polícia Federal.

Por que Bolsonaro assinou embaixo da acusação que, se provada, poderá servir para que o Procurador-Geral da República o denuncie pelos crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça e corrupção passiva? Sabe-se lá! Bolsonaro é seu maior inimigo.

Cadê a gravação em vídeo e áudio da reunião ministerial de 22 de abril passado? Só falta a gravação ter desaparecido, como Queiroz. Ou aparecer faltando trechos. O ministro Celso de Mello, do Supremo, deu um prazo de 72 horas para que uma cópia fiel da gravação lhe seja entregue pelo governo. Nem uma hora a mais.

Foi nessa reunião, segundo Moro, na presença de várias testemunhas, que Bolsonaro afirmou que se não pudesse trocar o superintendente da Polícia Federal no Rio, trocaria o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça. Desde agosto de 2019 que ele cobrava a Moro a substituição. Queria pôr ali um delegado de sua confiança.

A razão disso? Foi o próprio Bolsonaro, outra vez, que se complicou ao explicá-la ontem: “O Rio é o meu Estado. O Rio é meu Estado. Eu fui acusado de tentar matar [a vereadora] Marielle Franco, quer algo mais grave? A Polícia Federal tem que investigar. Por que não investigou com profundidade?”. Não, ele não foi acusado.

Talvez tema, um dia, ser. Investigados são os seus filhos Carlos, o Zero Dois, e Flávio, o Zero Um. E não pela morte de Marielle, mas por ligações com milicianos e apropriação criminosa de parte dos salários pagos a servidores públicos empregados em seus gabinetes na Câmara de Vereadores e na Assembleia Legislativa do Rio.

Em março último, Moro ouviu de Bolsonaro quase em tom de súplica: “Você tem 27 superintendentes [da Polícia Federal]. Eu quero apenas 1, o do Rio”. À época, Moro já fora avisado por Bolsonaro que o futuro diretor-geral da Polícia Federal seria o delegado Alexandre Ramagem, que cuidara dele depois da facada.

Só não foi porque o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, suspendeu a posse. Mas Ramagem indicou para substitui-lo o delegado Rolando Alexandre de Souza, seu braço direito na Agência Brasileira de Inteligência. E a primeira coisa que Rolando fez foi trocar o superintendente do Rio. Como Bolsonaro queria.


Ricardo Noblat: Bolsonaro e seus delírios de Napoleão de hospício

À espera que o tempo se esgote

Durou menos tempo do que uma rosa cortada a nova tentativa do presidente Jair Bolsonaro de fazer os militares cerrarem fileira em torno do seu governo. Pela segunda vez em menos de um mês, o ministro Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, divulgou uma nota onde diz que as “Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade”.

Sob o título “As Forças Armadas cumprem a sua missão Constitucional”, a nota acrescenta que “Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do país”. Se Bolsonaro, pois, imagina usá-las para atropelar a Constituição, vá logo tirando seu cavalinho da chuva.

O aviso vale não só para Bolsonaro e demais interessados em romper com as regras do jogo democrático. Vale também para acalmar os ânimos dos que temem, e com razão, que um presidente da República cada vez mais enfraquecido, apoiado por não mais do que um terço da população, possa em um ato de desespero atrair para seu lado antigos companheiros de farda.

A ratatuia que sai às ruas a pedir a volta da ditadura militar é uma fração da metade ou de menos da metade desse um terço. Por barulhenta e disposta à violência, dá impressão de ser maior e mais perigosa do que é. Bolsonaro a cultiva porque pensa como ela, deseja o que ela quer, e dela precisa para causar medo aos seus desafetos – que são todos os que se opõem às suas vontades.

Uma coisa são os generais de pijama, empregados ou não no governo, adeptos dos jogos de cartas, de damas e de dominó e que apoiam a pretensão de Bolsonaro de aplicar um golpe de Estado. Bolsonaro é um Napoleão que foi tirado do hospício com o propósito de varrer a esquerda do poder, e varreu. Antes de retornar à sua insignificância, ainda dará trabalho. Fazer o quê?

Aturá-lo até onde for possível. Ou abreviar seu mandato por meio de um processo de impeachment. É o que prevê a Constituição. Mas, enquanto isso, limites lhe estão sendo impostos. Ontem, ele sentiu-se obrigado a telefonar para o comandante do Exército para negar a veracidade de notícias que deram conta do seu desejo em substitui-lo. Por conveniente, a mentira de Bolsonaro foi aceita.

À falta de maior apoio popular e partidário para aprovar no Congresso tudo o que quer, a Bolsonaro só resta viver de espasmos autoritários até que seu tempo se esgote. Que assim seja.

O primeiro ato do novo diretor da Polícia Federal dá razão a Moro

Aperta-se o cerco a Bolsonaro

O que disse Sérgio Moro ao despedir-se do cargo de ministro da Justiça e disparar graves acusações contra o presidente Jair Bolsonaro? Disse que ele lhe cobrara diversas vezes o afastamento do diretor-geral da Polícia Federal, o delegado Marcelo Aleixo, e dos superintendentes no Rio e em Pernambuco. As vagas seriam preenchidas com gente da confiança dele.

O que fez o novo diretor-geral, o delegado Rolando Souza, mal foi nomeado e empossado por Bolsonaro em cerimônia assistida só por meia dúzia de convidados no Palácio do Planalto? Convocou o superintendente da Polícia Federal no Rio para trabalhar com ele em Brasília. Souza foi o braço direito do delegado Alexandre Ramagem na Agência Brasileira de Inteligência (ABIN)

Ramagem você lembra quem é. Foi o delegado que cuidou da segurança de Bolsonaro depois da facada em Juiz de Fora. Caiu nas graças da família Bolsonaro. Foi promovido a diretor-geral da ABIN. E, na semana passada, quando o presidente o nomeou para comandar a Polícia Federal, foi proibido de tomar posse pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

O primeiro ato do substituto de Ramagem na direção-geral da Polícia Federal serviu para confirmar o que disse Moro à saída do governo. E o que repetiu em depoimento de oito horas prestado em Curitiba a agentes federais. Souza pretende trocar outros superintendentes nos Estados. Um deles certamente será o de Pernambuco que teve sua cabeça pedida a Moro por Bolsonaro.

Tão logo conheceu em linhas gerais o depoimento de Moro, Bolsonaro teve mais um ataque de nervos, desses que o leva a dizer palavrões em voz alta dentro do seu gabinete. O presidente está vendo o cerco se apertar ao seu redor. Moro citou vários dos seus ministros como testemunhas das pressões que recebeu para que tornasse a Polícia Federal permeável às vontades de Bolsonaro.

Augusto Aras, Procurador-Geral da República, requisitou a gravação da reunião ministerial onde Moro foi ameaçado de demissão caso não cumprisse a ordem de Bolsonaro de dar um novo rumo à Polícia Federal. Bolsonaro queria ser posto a par das investigações que ela fizesse. E receber relatórios a respeito. A Polícia Federal não é um órgão de governo, mas de Estado.

O inquérito aberto por Aras para apurar as denúncias de Moro é presidido pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal. E Celso tem pressa. Ele se aposentará em novembro próximo. E seu substituto será indicado por Bolsonaro. Celso é o maior crítico do presidente entre seus colegas.


Ricardo Noblat: Para não cair, Bolsonaro rende-se ao “é dando é que se recebe”

Quem veio para quebrar o sistema, alia-se a ele

Estelionato eleitoral é se eleger prometendo uma coisa e, depois, fazer o seu oposto. Lembra algo? Calma! Jair Messias Bolsonaro, que esta semana acusou seus desafetos de conspirarem para transformá-lo num pato manco, poderá ser lembrado por último.

Estelionato eleitoral, por exemplo, lembra o presidente Fernando Henrique Cardoso, que sucedeu a Itamar Franco. Para se reeleger em 1998, ele garantiu que o Real manteria seu valor em relação ao dólar. Eleito e reempossado, desvalorizou o Real.

Lembra mais o quê? Sim, Dilma Rousseff, que se reelegeu prometendo manter a política econômica do seu primeiro mandato, nada ortodoxa. Fez o contrário, para desencanto dos que votaram nela e horror do PT que passou a criticá-la.

Fernando Henrique não conseguiu eleger seu sucessor, o ex-ministro da Saúde José Serra. Para não amargar uma derrota fragorosa, Serra se apresentou como se fosse candidato de oposição ao governo. No caso de Dilma, ela foi derrubada.

Governantes procedem assim quando a realidade os contraria. Não o fazem necessariamente por maldade. Dão o dito pelo não dito para sobreviver. Fernando Henrique e Dilma sabiam que não teriam como honrar sua palavra. Esperavam retomá-la depois.

Não é o caso de Bolsonaro, incapaz de enxergar um palmo à frente. Ele acreditou que se imporia à realidade. Inventou formas bizarras de superá-la. E terceirizou a solução de problemas que seria incapaz de resolver por não ter se preparado para tal.

Em breve, o que restará das promessas que ele fez para se eleger? Combate à corrupção? Abandonada desde que a dupla dinâmica formada por Flávio, o Zero Um, e Queiroz, o seu faz tudo, passou a ser investigada pelo Ministério Público no caso da “rachadinha”.

O ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, expelido do governo por se opor ao aparelhamento da Polícia Federal, tem muito que contar a esse respeito. Suas principais iniciativas contra a corrupção foram sabotadas, ora pelo Congresso, ora por Bolsonaro.

Crescimento econômico? O pibinho de 2019 foi menor do que o pibinho deixado como herança por Michel Temer. O próximo será negativo – algo como menos seis por cento ou até pior. O projeto neoliberal do ministro Paulo Guedes foi para o espaço.

Bolsonaro prometeu governar em harmonia com os demais poderes? Em algum discurso, uma vez eleito, prometeu. Em campanha, não, porque não combinava com seu perfil. Pois vive em guerra permanente para dominar os demais poderes.

O presidente eleito para “quebrar o sistema”, agora com medo de que lhe abreviem o mandato, está prestes a se aliar ao sistema. O Centrão vem aí! Em breve, numa repartição de sua cidade, a fina flor do fisiologismo político estará em cartaz.

Centrão é como foi batizado o grupo de partidos que adere a qualquer governo desde que possa faturar cargos, emendas ao Orçamento da União, e outros favores impróprios de ser mencionados. Melhor, antes, retirarem as crianças da sala.

Foi na Assembleia Nacional Constituinte de 1988 que o Centrão nasceu. Inicialmente, sua razão de ser era contrapor-se à esquerda no debate das questões econômicas. De lá para cá, Centrão virou sinônimo de coisa ruim, que se vende em troca de sinecuras.

Bolsonaro não quer saber disso, não. Sem partido, sem base de apoio no Congresso porque nunca se interessou em construí-la, precisa, às pressas, de pelo menos o voto de 171 deputados para barrar na Câmara a abertura de um processo de impeachment.

Por isso ele declarou aberta a temporada do “é dando que se recebe”, uma máxima de São Francisco de Assis. Como, por aqui, o que o santo rezava acabou desvirtuado, Bolsonaro sempre poderá apelar para Lucas, versículo 6:38: “Dai, e ser-vos-á dado”.

É verdade que, segundo o apóstolo Paulo, Jesus ensinou: “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” (Atos 20:35). Mas Bolsonaro e o Centrão pularam essa página da bíblia.


Ricardo Noblat: Avanço do Covid-19 deteriora a situação do país e de Bolsonaro

Brasil ultrapassa a China em número de casos e de mortes

Enquanto o presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, pelo terceiro dia consecutivo revela preocupação com o avanço do coronavírus no Brasil, seu admirador de carteirinha, o presidente Jair Bolsonaro, voltou a repetir que não há muito o que fazer – salvo deixar que a doença contamine 70% da população para que depois perca o fôlego. Não há garantia de que perderá.

A Ciência ainda não descobriu se uma pessoa contaminada se torna imune. Algo como 80% dos contaminados sequer se darão conta que contraíram o vírus. Como não foram e nem serão testados, poderão circular certos de que escaparam aos efeitos da pandemia. E assim se tornarem transmissores da doença. Bolsonaro, ao que tudo indica, não entendeu isso.

Mas, se entendeu, pouco está ligando. Em sua live semanal das quintas-feiras no Facebook, no mesmo dia em que o ministro Nelson Teich, da Saúde, admitiu que o número de mortos pelo vírus poderá em breve ultrapassar a marca diária de mil, Bolsonaro, sem apresentar provas, sustentou que o confinamento social de nada adianta. E defendeu novamente a volta ao trabalho.

Uma das razões para que o presidente goste tanto de suas aparições no Facebook é que, ali, ninguém o contesta. Pode contestar nos comentários postados – mas ele não se importa. Ao vivo, só ele e convidados. E nenhum ousa aparteá-lo sequer para dizer que endossa suas opiniões. Só abrem a boca quando ele manda. De preferência, apenas sorriem ou abanam a cabeça.

É o teatro do absurdo destinado a animar a torcida presidencial e a fornecer argumentos para que ela continue unida e possa rebater as críticas da esquerda que ameaça retomar o poder no país. A injeção semanal de ânimo é importante para elevar a moral dos bolsonaristas e imunizá-los contra as críticas que a chamada mídia tradicional teima em disseminar cada vez mais.

Subiu para 5.901 o número de mortes no Brasil – 435 delas confirmadas nas últimas 24 horas. Até ontem eram 5.466. O número oficial de casos confirmados foi de 85.380, com 7.218 diagnósticos novos nas últimas 24 horas. O Brasil deixou a China para trás em número de casos e também de óbitos. Agora é o 10º no ranking de países com mais diagnósticos positivos.

Alçado a tal condição, o país ouviu o presidente dizer, sob pressão da Justiça, que pode, sim, ter sido vítima da doença, embora negue e se recuse a mostrar os resultados de dois exames a que se submeteu e que, segundo ele, deram negativo. Ouviu-o também, como de costume, atacar supostos adversários. Desta vez, o alvo foi o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

O ministro suspendeu a posse de Alexandre Ramagem como diretor da Polícia Federal. O delegado é amigo dos Bolsonaro que pretendiam fazer da Polícia Federal sua guarda pretoriana. Foi por isso que Sérgio Moro pediu demissão do Ministério da Justiça. Na última quarta-feira, Bolsonaro afirmou que decisão da Justiça se respeita. Ontem, mudou de ideia e desancou quem a tomou.

Amargou mais dois revezes no tribunal. Por unanimidade, os ministros tornaram sem efeito restrições bancadas por ele à Lei de Acesso à Informação. O distinto público tem direito a ser informado sobre tudo o que possa lhe interessar. E o ministro Gilmar Mendes recusou o pedido do deputado Eduardo Bolsonaro para pôr um ponto final na CPI das Fake News.

A situação política de Bolsonaro deteriora-se de forma tão acelerada quanto a do país em face da luta perdida contra o vírus.