Blog do Noblat

Gaudêncio Torquato: Mentiras, versões e lorotas

Fake

De onde parte essa onda de fake news, versões, simulações e dissimulações que se espraia durante a epidemia? Nunca se ouviu tanto disse me disse, essas invencionices pelas redes sociais, gravações de conversas, vídeos editados, vazamentos de mensagens, envolvimento de policiais, de juízes e procuradores.

Fragmentos dos últimos dias: Bolsonaro tentando interferir na PF; uma desastrada reunião, farta de palavrões; hordas bolsonaristas agredindo jornalistas e portando faixas contra Legislativo e Judiciário; pedidos de prisões para ministros do Supremo; ações policiais sob viés político, uma profusão de informações e falsidades.

Onde estará a verdade? Ou, o que é verdade?

O fingimento faz parte da nossa cultura e se expande com a polarização. Mas fingir parte de nossa índole. Nosso folclore político, por exemplo, é farto em matéria de esperteza.

Sebastião Nery narra um exemplo: “José Maria Alkmin, mestre da arte política, chegava da Europa com cinco garrafas enroladas na pasta. A Alfândega quis saber.

– Água milagrosa de Fátima.

– Mas tudo isso, doutor Alkmim?

– Sim, o pessoal de Minas acredita muito nos milagres de Fátima.

– O senhor pode desenrolar?

– Pois não, meu filho.

– Mas, deputado, isso é uísque.

– Ué, não é que já se deu o milagre?

A matreirice faz parte do cotidiano das pessoas. A invencionice em nossa cultura anda sofisticada. Mergulhamos em meias verdades, mentiras e lorotas escalando uma montanha de pistas falsas.

O fato é que a história da política é rica em simulação e dissimulação. O cardeal Mazarino, ministro de Luis XIII, ensina em seu Breviário dos Políticos: “age com os teus amigos como se devessem tornar inimigos; o centro vale mais do que os extremos; mantenha sempre alguma desconfiança em relação a cada pessoa; a opinião que fazem de ti não é a melhor do que a opinião que fazem dos outros; simula, dissimula, não confies em ninguém e fala bem de todo mundo. E cuidado. Pode ser que neste exato momento, haja alguém por perto te observando ou te escutando, alguém que não podes ver”.

A descrição cai bem ao país. Até parece que os “inventores de causos” nas redes sociais aprenderam com Nicolau Eymerich, frade espanhol que, em 1376, escreveu em seu Manual dos Inquisidores”: falar sem confessar; responder às perguntas de maneira ambígua; responder acrescentando uma condição (acredita em Deus? Se ele existe…); inverter a pergunta; fingir-se de surpreso; mudar as palavras da questão; deturpar o sentido das mensagens; auto justificar-se; fingir debilidade física; simular demência ou idiotice e até se dar ares de santidade.

Hoje, demônios se disfarçam de santos.


Ricardo Noblat: As duas faces do poder saem a passeio

Uma, transgressora. A outra, conforme a lei

Cada um ao seu modo, o presidente Jair Messias Bolsonaro e o vice-presidente Hamilton Martins Mourão aproveitaram o sábado de sol intenso em Brasília e saíram a passear. O general, de máscara, de mãos dadas com sua mulher, também de máscara como manda a lei assinada pelo governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha. O capitão, sem máscara, embora levasse uma consigo.

Bolsonaro saiu do Palácio do Alvorada de helicóptero para uma visita surpresa a cidades goianas do entorno de Brasília, a mais distante a menos de 250 quilômetros. Mourão foi de carro fazer pequenas compras em um shopping do Lago Norte, a 20 quilômetros do Palácio do Jaburu, onde mora. O aparato de segurança do vice era pequeno e discreto. O do presidente, grande e ostensivo.

Mourão foi reconhecido pelas poucas pessoas que havia no shopping, deu autógrafos e posou para fotos. Ele e a mulher compraram roupas, produtos de beleza (para ela), chocolates e entraram numa livraria. Onde esteve, Bolsonaro provocou aglomerações, o que por lei é proibido. Na cidade de Abadiânia, tomou o café da manhã em uma lanchonete, apertou mãos de devotos e abraçou uma criança.

Desta vez não foi acompanhado por nenhum dos filhos. Em vídeo publicado nas redes sociais, o deputado federal Carlos Bolsonaro disse inexistir de sua parte “ameaça, intenção ou desejo” de que se instale no país uma “situação de instabilidade política”. Ele teme ser processado por ter declarado que não era mais uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’ Bolsonaro tomaria uma ‘medida energética’.

Na sexta-feira, Bolsonaro, o pai, baixara o tom do seu discurso em relação ao Supremo Tribunal Federal. Negou que haja uma crise entre os poderes Executivo e Judiciário. Ontem, antes de sair para passear, o presidente escreveu no Facebook que “tudo aponta para uma crise” ao comentar decisões recentes da justiça que tiveram como alvos seus filhos e aliados – entre eles, parlamentares e empresários.

O sábado, portanto, foi mais um dia normal na vida do país que depois de ultrapassar a Espanha na sexta-feira, ultrapassou também a França em número de mortes por coronavírus. Agora é o quarto país no mundo com maior quantidade de mortos (28.834), quase mil nas últimas 24 horas. Só perde por enquanto para os Estados Unidos (103 mil), Reino Unido (38 mil) e Itália (33 mil).

O pico da doença já passou no Reino Unido e na Itália. Aqui, ele é esperado em meados de julho. O Brasil é forte candidato à vice-liderança no número de mortes provocado pela pandemia. Ninguém segura este país!


Ricardo Noblat: O otimismo de Paulo Guedes em forma de “V”

Como o Brasil poderá furar as ondas que o ameaçam

Nas últimas 24 horas, ganhou contornos o pior dos mundos para o futuro do presidente Jair Bolsonaro e do seu governo.

O Brasil ultrapassou a Espanha e tornou-se o 5º país do mundo com o maior número de mortos pelo Covid-19.

O PIB – ou seja: a produção de riquezas no país -, encolheu 1,5% no primeiro trimestre em comparação com o último trimestre de 2019.

Enquanto o pico da pandemia está previsto para julho, o isolamento social mingua em alta velocidade por toda parte.

O número real de infectados e de mortos pelo vírus é 111 vezes maior do que o número registrado pelo Ministério da Saúde.

A contração da economia entre janeiro e março está muito distante da contração a ser verificada no final de junho.

O tombo está sendo estimado em 10% ou mais. O país entrará na maior recessão econômica dos últimos 120 anos.

Hoje, a legião de desempregados está perto da casa dos 13 milhões. Em agosto, poderá ser de 20 milhões. Nunca se viu nada igual.

A pandemia atingiu os dois principais pilares da produção de riquezas: o consumo das famílias e o setor de prestação de serviços.

As pessoas estão com medo. Uma prova: shoppings reabertos estão com um movimento de vendas 50% menor do que havia.

Obrigado a parecer otimista, o ministro Paulo Guedes, da Economia, diz acreditar na resiliência e no espírito inabalável dos brasileiros.

Está em linha com aquela história de que “brasileiro não desiste nunca”. Em breve, talvez ceda à crença de que Deus é brasileiro.

Leitor de muitos livros em língua original, Guedes estima que a recuperação da economia se dará no Brasil em forma de “V”.

Ou seja: o que caiu rapidamente crescerá rapidamente. Em forma da “U”, a recuperação seria lenta. Em forma de “L”, nem pensar…

Em forma de “L” seria uma queda abrupta e uma recuperação a perder de vista. Economista tem facilidade de explicar o que já aconteceu.

Admita-se que também tem para fazer previsões. Se as previsões não se realizarem, ele em seguida explicará por que.

Guedes estabeleceu uma condição para que tudo aconteça em forma de “V”: a “cooperação entre todos os poderes”.

Sem cooperação, será difícil que o país “fure as duas ondas”, a da pandemia e a da recessão que ele não ousa dizer o nome.

Com tamanha clarividência, é razoável imaginar que ele já tenha aconselhado Bolsonaro a cooperar com os demais poderes.

Por ora, Bolsonaro insiste em tentar submeter os demais poderes à sua vontade. Não perde uma única oportunidade de confrontá-los.

É incapaz de agir de outra maneira. E seus filhos, que leem o mundo por ele, convenceu-o de que está certo.


Ricardo Noblat: Bolsonaro ameaça o país com um golpe, mas recorre à Justiça

Magnífico dia, o de ontem, escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para brincar de marcha soldado, cabeça de papel, se não marchar direito vai preso pro quartel. Ameaçou desatar uma crise institucional com a desobediência a uma ordem da justiça. No fim, recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão de um dos seus ministros. Operou o prodígio de unir os ministros contra ele.

No seu caso, bravata é um mal de família. Eduardo, deputado federal, bravateou no passado que bastariam um cabo e dois soldados para fechar o Supremo. Anteontem, ao lado de dois blogueiros investigados pela fabricação de falsas notícias, que “o momento da ruptura” é só uma questão de tempo. Não faz tanto tempo assim que o vice-presidente batizou o rapaz de Eduardo Bananinha.

Por sua vez, Carlos, o vereador, boca suja igual a do pai, inaugurou seu novo celular mandando o PSOL e demais partidos de esquerda para aquele lugar… O mais calado dos três zeros, parceiro de Queiroz na expropriação de parte dos salários de seus funcionários, Flávio calou-se. Havia celebrado a operação policial de cerco ao governador do Rio. A nova operação foi para cima dos seus amigos.

Um pai miliciano e seus três pivetes tumultuam o Brasil com seus delírios. E logo no dia em que o país registrou um total de 26.754 mortos e de 438.238 pessoas contaminadas pelo Covid-19. Já morreu mais gente só no Rio do que na China inteira, berço do vírus. O desemprego cresceu 12,6% no primeiro trimestre do ano. Agora são quase 13 milhões de pessoas em busca de trabalho.

De nada disso falou o presidente da República no seu encontro diário com devotos à saída do Palácio da Alvorada. “Mais um dia triste na nossa história. Mas o povo tenha certeza: foi o último dia triste”, começou ele. “Repito: não teremos outro igual ao de ontem. Chega. Chegamos no limite”. Em seguida, alvejou o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, com sua bílis. Não disfarçou a fúria.

A operação da Polícia Federal contra fabricantes de falsas notícias espalhadas por robôs para enfraquecer a democracia foi autorizada por Alexandre. Bolsonaro não citou o ministro. Mas não precisava. “Acabou, porra! Me desculpem. Acabou! Não dá mais para admitir atitudes de certas pessoas individuais”, como se fosse possível existirem pessoas coletivas. Pessoa é algo muito pessoal…

“Ordens absurdas não se cumprem”, disse, sem dizer se ordens absurdas partidas dele não deverão mais ser obedecidas. “E nós temos que botar limites nessas questões”. Aproveitou a ocasião para elogiar blogueiros, empresários e deputados bolsonaristas intimados a depor na Polícia Federal. E num rasgo de sinceridade, exclamou: “Querem tirar a mídia que eu tenho a meu favor”.

O fantasma do golpe causou assombro no Congresso virtual e para além dos estreitos limites da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Mas para que haveria um golpe? Para salvar a família Bolsonaro dos seus apertos? Golpe com o apoio de quem? Dos 30% dos brasileiros fiéis a Bolsonaro contra os 70% que não são? É verdade que os 30% se comportam como se fossem 70%, e vice-versa.

Golpe para livrar o país de quais perigos? Do perigo do comunismo? Não há mais comunismo fora da China e da Coreia do Norte. De Cuba que exporta revolução? Essa Cuba não existe mais e seu carismático ditador, aqui recepcionado pela fina flor da sociedade carioca no começo dos anos 60 do século passado, está enterrado. Perigo de inflação descontrolada? Ela nunca foi tão baixa.

Golpe para empossar qual dos generais da ativa? Como é mesmo o nome deles? Sim, porque generais com comando de tropas não dariam um golpe para seguir batendo continência para um ex-capitão. E Bolsonaro não é qualquer um ex-capitão. Foi promovido a capitão para evitar maiores problemas depois de ter sido afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética. Capitão de triste memória.

Em breve, o Supremo Tribunal Federal responderá ao recurso de Bolsonaro em favor da sua tropa de meliantes digitais. E o que ele fará se a resposta for negativa? Cartas para a redação. Ou melhor: comentários abaixo.


Ricardo Noblat: Facções políticas em guerra aberta pelo poder no Rio

Um ex-capitão contra um ex-fuzileiro naval

Se um delegado da Polícia Federal, como contou o empresário Paulo Marinho, vazou para o senador Flávio Bolsonaro em outubro de 2018 que ele seria alvo de uma operação que poderia prejudicar a eleição do seu pai, por que duvidar que possam ter vazado informações sobre a operação da Polícia Federal que teve como alvos o governador Wilson Witzel, do Rio, e sua mulher?

A operação veio em boa hora para o presidente Jair Bolsonaro. A vida dele não está fácil. Responde a inquérito por tentativa de intervenção na Polícia Federal. Seu celular pode ser apreendido. Investigações no âmbito do Supremo Tribunal Federal levantam suspeitas sobre atos dos seus filhos. E a escolha que fez de recursar-se a combater o Covid-19 lhe cobrará um preço alto e justo.

Mas, por ora, isso está longe de significar que a operação que alcançou o casal Witzel tenha sido encomendada para amenizar a coça que os Bolsonaro estão tomando. Tampouco os comentários feitos de véspera por bolsonaristas sobre a possibilidade de o casal ter-se envolvido em bandalheiras, significam necessariamente que eles souberam da operação com antecedência.

Compilem-se as notas publicadas desde janeiro em jornais importantes a propósito de futuras operações da Lava Jato. A mais recente edição da VEJA, em circulação desde a última sexta-feira, foi fundo na revelação da tempestade que se abateria sobre os Witzels. Era pedra mais do que cantada. Nos corredores do poder, em Brasília, murmurava-se a respeito há semanas.

Como polícia judiciária, a Polícia Federal só age se autorizada. E foi pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, em despacho considerado bem fundamentado por ministros de tribunais superiores e advogados respeitados. As investigações corriam desde a época de Sérgio Moro como ministro e de Maurício Aleixo como delegado-geral da Polícia Federal.

O Rio assistirá daqui para frente à guerra entre duas facções políticas: a comandada por Bolsonaro e a comandada por Witzel. A facção de um ex-capitão contra a de um ex-fuzileiro naval. As duas se juntaram em 2018 para ganhar as eleições. Começaram a se separar quando Witzel, ao sobrevoar certa vez o Rio na companhia de Bolsonaro, avisou-o que seria candidato à sua sucessão.

Cada facção tem seu braço armado – agentes das várias polícias, milicianos com ou sem conexão com o tráfico de drogas, e os dois maiores grupos do chamado crime organizado, o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital. O caso da rachadinha no gabinete de Flávio e o da execução de Marielle Franco serão usados à farta para tornar a guerra ainda mais sangrenta.

Witzel poderá ser um adversário mais perigoso para Bolsonaro do que Bolsonaro para ele. É provável que a Assembleia Legislativa aprove a abertura de um processo de impeachment para cassar seu mandato. Mesmo que escape, dificilmente Witzel se reelegerá. Seu projeto de suceder Bolsonaro foi para o lixo. Uma pessoa acuada mata com a esperança de não morrer.

A guerra que mal começa já produziu uma vítima – a Polícia Federal. Sua isenção está em dúvida. E a dúvida só se agravará quando o Procurador-Geral da República concluir que Bolsonaro, ao contrário do que disse Moro, jamais tentou controlá-la. Tempos estranhos, estes, onde o excesso de provas serve para absolver, não para denunciar e condenar.

O troco chinês não demorará muito a ser dado

Bolsonaro não perde por esperar
Uma vez que o serviço secreto chinês tem informantes dentro do governo brasileiro, como admitiu o presidente Jair Bolsonaro, a essa altura já sabe o que foi dito sobre a China na reunião ministerial de 22 de abril último.

Os trechos do vídeo da reunião censurados pelo ministro Celso de Mello mais revelam do que escondem. Ali ficou clara a ojeriza de Bolsonaro e de alguns dos seus ministros ao maior parceiro comercial do Brasil no mundo.

Justamente por tal condição é que eles não querem bater de frente com o governo comunista chinês. Sentem-se obrigados a aturá-lo e vivem sob a pressão do agronegócio, parte da base eleitoral de Bolsonaro.

Mas as relações entre os dois países foram abaladas. E o Brasil pagará caro por isso, e também por estimular manifestações hostis que se repetem semanalmente em Brasília há pouca distância da embaixada da China.

O governo chinês é reconhecido por seu pragmatismo, mas a história do Império do Meio ensina que ele não engole desaforos. A paciência milenar nada tem a ver com conformidade, mas com sabedoria.


Ricardo Noblat: Moro crava mais estacas no peito de Bolsonaro

E pede para ser lembrado pela escolha que fez de deixar o governo

Definitivamente, o último fim de semana não foi dos melhores para o presidente Jair Bolsonaro. Jamais apanhou tanto nas redes sociais como na noite da sexta-feira logo depois da exibição do vídeo que prova que ele interferiu politicamente na Polícia Federal e que é capaz de dizer 37 palavrões em pouco mais de duas horas de reunião.

No sábado, ainda sob o impacto das críticas, visitou um dos ministros e um dos seus filhos numa quadra residencial da Asa Sul, em Brasília. Comeu um cachorro quente no meio da rua para mostrar que se comporta como um homem comum. À chegada e à saída às pressas, foi recepcionado pelo tilintar de panelas e ouviu desaforos.

No domingo pela manhã, sobrevoou de helicóptero a Esplanada dos Ministérios para avaliar o tamanho de mais uma manifestação a seu favor encomendada aos devotos de sempre. Deu-se conta que era pequena. À noite, recolhido ao Palácio da Alvorada, ligou a televisão e enfureceu-se com mais um golpe que Sérgio Moro lhe aplicou.

Desta vez, em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, Moro acusou Bolsonaro de ter enfraquecido a agenda de combate à corrupção, uma de suas mais caras promessas de campanha. E de recusar-se a enxergar o verdadeiro tamanho da tragédia provocada pela pandemia do Covid-19. Moro chamou-o de “negacionista”.

Ao governo, segundo Moro, talvez devido à posição pessoal de Bolsonaro, faltou um plano para enfrentar a doença. E continua faltando. Bolsonaro errou ao demitir em meio à pandemia dois ministros da saúde em pouco mais de um mês. Como erra, agora, ao se aliar a políticos de reputação duvidosa para não cair.

Perguntando por que, durante a reunião ministerial de abril último, nada disse quando ouviu o ministro da Educação achincalhar o Supremo Tribunal Federal, e o do Meio Ambiente sugerir o desmonte de regras contra o desmatamento uma vez que a imprensa só tinha olhos para o vírus, Moro respondeu mais ou menos assim:

– Aquele ambiente era desfavorável ao contraditório.

E por que nada disse quando Bolsonaro deu a entender que interviria na Polícia Federal e aproveitou para olhar na sua direção? Moro voltou a repetir que o ambiente era marcadamente desfavorável ao contraditório. Se conhecia a biografia de Bolsonaro, por que Moro aceitou o convite para servir ao seu governo?

– Eu tinha uma missão a realizar – respondeu.

Arrependeu-se de ter aceitado o convite?

– Fiz uma escolha, como fiz a escolha de sair. Espero ser lembrado por essa…

Por fim, como de hábito, driblou a pergunta sobre se será ou não candidato nas eleições de 2022. Só não será se lhe faltaram condições para tal. Se não for, estará do lado oposto ao de Bolsonaro.

Weintraub pede a palavra mais uma vez e pode perder a cabeça

Ministro se explica e se complica

Onde antes se leu:

Abraham Weintraub, ministro da Educação, em reunião de 22 de abril último com os demais colegas e o presidente Jair Bolsonaro, chamou de “vagabundos” os ministros do Supremo Tribunal Federal e disse que eles deveriam ser presos;

Leia-se agora:

Abraham Weintraub, ministro da Educação, em reunião de 22 de abril último com os demais colegas e o presidente Jair Bolsonaro, chamou de “vagabundos” alguns dos ministros do Supremo Tribunal Federal e disse que eles deveriam ser presos.

Foi o próprio Weintraub quem pediu a retificação. Afirmou, sem perder a pose, que interessados em desestabilizar o país manipularam sua fala original. Como se uma fala dele, por mais criminosa que tenha sido, fosse capaz de desestabilizar o país.

O ministro dá-se uma importância que jamais teve. Está no cargo por indicação do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o guru da ensandecida família Bolsonaro. Ao mesmo tempo, tenta subtrair importância à declaração que de fato fez.

Está no vídeo que Bolsonaro e sua malta se empenharam, sem sucesso, em ocultar. Weintraub não se referiu a alguns dos ministros do Supremo. Referiu-se a todos. Se sua intenção era referir-se a alguns, pouco importa. Vale o que foi gravado.

Só por curiosidade: não seria o caso de o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, intimar Weintraub para que nomeie os ministros que quis ofender quando disse o que disse? E para que apresente provas capazes de sustentar o que disse?

Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, aconselhou Bolsonaro a demitir Weintraub. Era o que ele faria, garantiu, se estivesse no lugar do presidente. Bolsonaro ouviu Weintraub sem reagir porque pensa como ele.

Celso de Mello, que preside o inquérito que apura se Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal, pediu aos demais ministros do Supremo que se manifestem sobre se sentiram ou não ofendidos por Weintraub, seja na versão 1 ou na versão 2.

Como ficará a imagem da Justiça se os ministros do Supremo responderem que não se sentiram ofendidos? Ou se preferirem guardar silêncio a respeito? Então liberou geral para que qualquer pessoa repita impunemente o que disse Weintraub.

Preocupado em salvar a própria face, como se isso fosse possível a essa altura, Bolsonaro quis procurar Toffoli para se explicar. Toffoli escapou de compartilhar o vexame: internou-se para a retirada de um abcesso. Pode ter sido infectado pelo Covid-19.

O bolsonavírus não poupa ninguém.


Ricardo Noblat: Ou os Bolsonaro passarão ou o Brasil faz, sim, por merecê-los

O que está por vir depois da histórica reunião ministerial

Logo após assistir aos principais trechos do vídeo sobre a reunião ministerial de 22 de abril último, a irmã de um amigo meu escreveu nas redes sociais: “Se antes era 100% bolsonarista, agora passei a ser 200%”. E daí? Bolsonarista de raiz era Bolsonaro e continuará sendo. Jogo jogado. Jamais se imaginou o contrário.

O que se discute: se bolsonarista de ocasião, depois do vídeo, poderá deixar de ser. E se bolsonarista há muito chocado com as atitudes do presidente que elegeu, abandonará Bolsonaro depois do que viu. Em síntese: é improvável que o vídeo tenha fortalecido Bolsonaro como alguns se apressaram a dizer. O contrário é o mais provável.

Em 2022 não haverá Lula candidato. Dificilmente haverá Lula preso para que seja outra vez martirizado por seus devotos. Com toda certeza, o candidato da oposição será mais de um. O do PT, se não for Fernando Haddad, o boneco de ventríloquo de Lula em 2018, será Haddad de cara limpa e com maior independência.

Até lá, o barco em que navega o atual desgoverno já terá batido no iceberg gigantesco que Bolsonaro admitiu no vídeo estar à vista de todos, inclusive na dele: uma recessão econômica sem paralelo na História do mundo e, aqui, à sombra dos efeitos para ele deletérios das milhares de pessoas mortas pelo Covid-19.

Quem, além dos seus de carteirinha, desejará se perfilar a um candidato tão comprovadamente tóxico? Que no seu primeiro mandato governou à base do venha a mim e à minha família o vosso reino, e que seja feita a nossa vontade, amém? Incapaz de lutar contra a morte e, sequer, de recolher os corpos dos mortos na batalha?

O governo ou desgoverno de Bolsonaro teve suas vísceras expostas como nunca aconteceu na vida de outros governos, nem daqui e nem de parte alguma. Vale a pena ver o vídeo de novo. Pois uma coisa é ler a respeito, outra é assistir. E o que se viu será outras milhares de vezes visto até 2022 e explorado ao longo da campanha. Um case.

O Brasil não está refém de Bolsonaro e dos seus filhos como parece há muitos. Quando a hora chegar, se quiser, se livrará deles. Mas Bolsonaro e seus filhos estão reféns das porcarias que fizeram antes de assaltarem o poder e depois de nele se instalarem. Em comparação com o que fizeram, ainda sabemos pouco, mas se saberá um dia.

Onde está Fabrício Queiroz que pouca satisfação deu ao Ministério Público do Rio de Janeiro? Não há passarinho que não cante. Onde estão os servidores da família que, funcionários fantasmas ou de verdade, foram obrigados a devolver aos empregadores parte dos seus salários pagos com dinheiro público? O que têm a dizer?

Onde está o celular do ex-ministro Gustavo Bebbiano, demitido da Secretaria do Governo por Bolsonaro sob a pressão do seu filho Carlos, que guarda segredos capazes de fazer corar a alma dos mais sensíveis ou ferrenhos conservadores e patriotas, sem esquecer a alma das ditas criaturas limpinhas e recatadas do lar?


Ricardo Noblat: O strip-tease moral do presidente e do seu desgoverno

Documento para a História

O mercado financeiro respirou aliviado no início da noite de ontem. Nada viu na gravação da reunião ministerial de 22 de abril último que possa derrubar o presidente Jair Bolsonaro. E comemorou quando Bolsonaro disse que na economia manda o ministro Paulo Guedes.

Parte do Congresso criticou o que assistiu, mas expressões inflamadas. Outra parte, ligada ao Centrão e faminta por cargos, defendeu Bolsonaro. Quanto mais fraco o presidente, mais precisará de votos para barrar um processo de impeachment.

Os tribunais superiores calaram-se. Ou porque seus juízes tomaram Rivotril ou porque se resguardaram para só se pronunciarem caso sejam provocados por ações judiciais. Nem mesmo a nota insultuosa do general Augusto Heleno mereceu uma resposta.

Quando é poderosa e duradoura a força do absurdo, ela normaliza o absurdo. Nem por isso o absurdo deixa de ser o que é. Por costume, os bolsonaristas de raiz, principalmente os mais radicais deles, multiplicaram nas redes sociais mensagens de apoio ao Messias.

Nada disso fará diferença quando Bolsonaro e seus auxiliares forem a julgamento, seja pelo Congresso ou pela Justiça, ou seja nas urnas em 2022. A História os julgará com o distanciamento crítico que a passagem do tempo permite. E o resultado é previsível.

O vídeo liberado pelo ministro Celso de Mello é desde já uma peça histórica, não importa que consequências produza a curto ou médio prazo. É a maior coleção de crimes de responsabilidade cometidos por uma malta formada por 25 pessoas e encabeçada por Bolsonaro.

A apuração de qualquer um desses crimes dispensa maiores investigações. O país foi testemunha deles. Nunca antes se assistiu ao vivo o strip-tease moral de um governo. É razoável imaginar que jamais se assistirá. Ele ficou nu. E o que se viu foi um horror.

No dia em que a Organização Mundial da Saúde anunciou que a América do Sul é o novo epicentro da pandemia do Covid-19, o Brasil ultrapassou a Rússia e se tornou o segundo país do mundo com o maior número de doentes – quase 331 mil, com 21 mil mortes.

E a respeito do mal do século que há exatamente um mês, por aqui, começava a se disseminar, o que discutiram o presidente da República e a equipe que ele diz ter montado com tanto orgulho? Quase nada. Só tocaram no assunto de raspão e com desprezo.

Bolsonaro afirmou na ocasião que se deveria armar os brasileiros para que resistissem à ordem “de um prefeito” de “deixar todo mundo dentro de casa”. No dia seguinte, assinou portaria aumentando a quantidade de munições que os civis poderiam comprar.

O ministro da Educação, na condição assumida por ele de ativista político, chamou Brasília de “cancro” e defendeu a prisão de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, “uns vagabundos”. A ministra da Mulher defendeu a prisão de governadores e prefeitos.

O ministro da Economia foi direto ao ponto do que de fato preocupava Bolsonaro e foi o verdadeiro motivo da reunião: “Vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais. Precisamos eleger o presidente”. Quis dizer: reeleger, que é o que move Bolsonaro.

Condenado por improbidade administrativa à época em que era Secretário do Meio Ambiente em São Paulo, Ricardo Salles, agora ministro, sugeriu a adoção de medidas que driblassem as leis aproveitando o momento em que a imprensa só fala do vírus.

O mais assíduo frequentador das lives semanais de Bolsonaro no Facebook, e também um dos mais bravateiros, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, antecipou que pegaria as armas que guarda em casa se sua filha fosse presa por desrespeitar o isolamento:

– Que porra é essa? O cara vai pro camburão com a filha. Se fosse eu, ia pegar minhas quinze armas e… Ia dar uma… Eu ia se… Eu ia morrer. Porque se a minha filha fosse pro camburão, eu ia matar ou morrer.

Bolsonaro não repreendeu nenhum ministro por seus comentários ou propostas. Exaltado, como se sentisse acuado junto com os filhos, emporcalhou a cena dizendo 37 palavrões (bosta, 7 vezes; porra, 8; variações de puta, 9; merda, 5; foder, 2; fodido e cacete, 1).

No que de fato interessa ao inquérito presidido por Celso de Mello, restou provado que Bolsonaro ameaçou, sim, intervir politicamente na Polícia Federal como havia dito o ex-ministro Sérgio Moro. E que alguns dos ministros ouvidos pela policia mentiram em seu socorro.

O mais grave, a juntar-se ao rol dos crimes em que incorreu o presidente depois de empossado, foi a confissão feita por ele de que dispõe de um serviço particular de segurança formado por policiais da ativa e da reserva no Rio e em outros Estados. Haverá milicianos entre eles?

O vídeo é um retrato perfeito de um governo totalmente perdido em meio a uma pandemia que está longe de acabar e na iminência de ter que enfrentar a maior recessão econômica dos tempos recentes. De fato, um retrato perfeito de um desgoverno. Ou melhor: da falta de governo.


Ricardo Noblat: Bolsonaro diz a Celso de Mello o que fazer com vídeo-bomba

Ministro ataca autores de ameaças a juízes

O presidente Jair Bolsonaro aproveitou sua live semanal no Facebook para orientar o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, sobre o que fazer com o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último onde ele, segundo o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, ameaçou intervir politicamente na Polícia Federal.

Celso tem três opções: autorizar a divulgação do vídeo na íntegra; ou apenas os trechos que têm a ver com a denúncia feita por Moro quando pediu demissão; ou manter o vídeo em segredo. A maiorias dos seus colegas aposta que ele autorizará a divulgação na íntegra. A decisão deverá ser anunciada hoje até o fim da tarde.

Bolsonaro fez um apelo público ao ministro para que vete a divulgação na íntegra. E garantiu, referindo-se à imprensa: “Vocês vão perder, eu estou adiantando a decisão do ministro Celso de Mello. Não tem nada, não tem nenhum indício de que eu interferi em processo da Polícia Federal naquelas duas horas de fita”.

Em seguida, como se se dirigisse ao ministro, orientou: “Tem questões reservadas [no vídeo], tem particularidades de interesse nacional. Tem dois pedacinhos de 15 segundos que são questões de política externa e que não pode divulgar.” Quando ao resto: “Divulga! E tem muito palavrão. Se divulgarem, tirem as crianças da sala”.

Ficou claro o receio de Bolsonaro com a quantidade de palavrões que ele disse e que poderão chocar, prejudicando ainda mais a sua imagem. Então ele recomendou: “Às vezes sai um palavrão, sem ofender ninguém. Não é o caso de tornar isso público, senão vão falar: vê se esse homem está à altura do cargo que representa”.

Celso guarda silêncio sobre o caso desde que foi sorteado para presidir o inquérito aberto a pedido da Procuradoria-Geral da República. Mas ao saber que as caixas de mensagens de tribunais de Brasília estão abarrotadas com ameaças anônimas de morte a juízes, não resistiu e ditou ontem à tarde para publicação:

– [Seus autores] são bolsonaristas fascistóides, além de covardes e ignorantes. Revelam, com tais ameaças, a sua face criminosa, própria de quem abomina a liberdade e ultraja os signos da democracia.

Vem aí mais um vídeo campeão de audiência.

Está a prêmio a cabeça do polêmico ministro da Educação

Divulgação de vídeo poderá selar sua sorte

Se rolarem cabeças, caso o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, divulgue na íntegra o vídeo da reunião ministerial de abril último, a do ministro Abraham Weintraub, da Educação, deverá ser a primeira. Como será possível mantê-lo no governo depois que ele for visto nas redes de televisão defendendo a prisão de todos os colegas de Celso, e também a dele?

A confirmar-se, Weintraub chamou os ministros do Supremo de ladrões, e não satisfeito, Brasília de “cancro” que deveria ser extirpado. Cancro é uma doença sexualmente transmissível. Será interessante observar a reação do presidente Jair Bolsonaro e dos demais ministros ao que disse Weintraub. Eles riram? Se indignaram? Ou permaneceram impassíveis?

É certo que Bolsonaro riu muito quando Ernesto Araújo, o diplomata que virou ministro das Relações Exteriores sem nunca ter sido embaixador, afirmou que o covoronavírus estava mais para “comunavírus”, uma vez que surgiu na China comunista. Os demais ministros riram também? Mantiveram-se impassíveis? Algum pediu respeito ao maior parceiro comercial do Brasil no mundo?

A cabeça do ministro da Educação já estava a prêmio antes de ele ter dito o que lhe atribuem. E o preço a ser pago por ela valerá a pena para Bolsonaro. Weintraub, que deve o cargo ao autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru da família presidencial, não é só polêmico em excesso, é também considerado o mais fraco e criador de problemas dos 22 ministros do governo.

Há muito tempo que os ministros militares com gabinetes no Palácio do Planalto pressionam Bolsonaro para que o demita. Weintraub se opôs à entrega de cargos no seu ministério ao Centrão, o grupo de partidos mais fisiológicos com representantes na Câmara e no Senado. Acabou sendo obrigado por Bolsonaro a cedê-los. O Centrão está de olho na vaga que poderá se abrir com a saída dele.

A remoção do cancro – ou melhor: de Weintraub – poderia dar a entender ao país que o presidente e o seu governo tenderiam, afinal, a se normalizar. A abertura de um eventual processo de impeachment talvez perdesse fôlego. Quando nada, Bolsonaro ganharia tempo para trocar outras peças defeituosas e seguir em frente. Nem mesmo à oposição sua queda interessa. Ela teme a ascensão do vice.


Ricardo Noblat: Nas mãos de Celso de Mello, mais um campeão de audiência

Decisão sobre sigilo de vídeo pode sair ainda hoje

O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, acabou de retocar, ontem, seu voto sobre o sigilo do vídeo com a gravação da reunião ministerial de 22 de abril último onde, segundo o ex-ministro Sérgio Moro, o presidente Jair Bolsonaro ameaçou intervir politicamente na Polícia Federal. Foi por isso que Moro se demitiu.

Celso ficou chocado com o que viu. Ele disse que anunciaria sua decisão amanhã, mas fez a ressalva de que poderia antecipá-la. Hoje ou amanhã, não importa. O ministro já reuniu argumentos de sobra para justificar o voto a favor da liberação do vídeo na íntegra. Se assim for, vem por aí mais um campeão de audiência.

Quando o Procurador-Geral da República pediu a abertura do inquérito, Celso decidiu de pronto que tudo deveria correr a céu aberto. Sob reserva, apenas o que pudesse a certa altura prejudicar investigações ainda em curso. O distinto público tem o direito de saber se procede ou não o que Moro imputa a Jair Bolsonaro.

Os dois não são pessoas comuns. Um, além de ministro da Justiça, foi juiz durante mais de 20 anos e comandou a maior operação de caça a corruptos da história do país. O outro é simplesmente o presidente da República. Não poderão restar dúvidas sobre o comportamento de um ou de outro. Transparência mata dúvidas no nascedouro.

De resto, como um ministro do Supremo pode eventualmente tomar conhecimento de um ou mais crimes cometidos e preferir ocultá-los? A ser verdade que o ministro da Educação defendeu diante do presidente a prisão dos 11 ministros do Supremo, isso por si só já configura um crime que não pode ser ignorado.

É fato que a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos defendeu a prisão de governadores e de prefeitos, mas somente daqueles envolvidos com corrupção. Em manifestações de rua, pode-se pregar o fechamento do Congresso e da Justiça. Mas em uma reunião de governo, ministro não pode sugerir impunemente a prisão de juízes.

É possível que Celso não se limite a examinar no seu voto a questão da quebra do sigilo do vídeo. Deverá ir adiante, dissertando sobre atos de Bolsonaro que, ao seu ver, podem ser encarados como crimes de responsabilidade. Caso o faça, dará sustentação para novos pedidos de impeachment contra ele.

Regina Duarte se despede do pior papel da sua carreira

De um emprego que não teve para outro que não existe

De namoradinha do Brasil à namoradinha da extrema direita. De viúva de Roque Santeiro, a que foi sem nunca ter sido, à Secretária de Cultura do governo do ex-capitão afastado do Exército por planejar atentados à bomba a contra quartéis. Secretária que, assim como a viúva, foi só de nome. Que triste fim de carreira, a de Regina Duarte.

Sabe-se lá por que aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro contra a opinião dos próprios filhos. Nenhum deles compareceu à sua posse no Palácio do Planalto. Queriam distância do novo chefe da mãe. E por mais que ela tenha explicado seu gesto, não engoliram o fato de vê-la misturada com essa gente triste e má.

Quem sempre viveu sob os holofotes não suporta ficar longe deles. Fazia anos que Regina não era escalada para estrelar uma novela. Até seria capaz de aceitar um papel secundário desde que pudesse voltar a ser reconhecida nas ruas, dar autógrafos e posar para selfies. Seu público envelheceu. Os jovens não sabiam de quem se tratava.

Claro que havia também uma forte identidade dela com Bolsonaro. Pedira votos para ele em comícios na Avenida Paulista. Votara nele não só por que sua vitória impediria o retorno do PT ao poder, mas porque compartilhava suas ideias. Nada mais compreensível, pois, que se oferecesse para ajudá-lo em hora de necessidade.

Entrou mal no governo e saiu pior. Não pôde sequer montar sua própria equipe. Foi sabotada desde o primeiro momento pelos devotos do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o guru dos Bolsonaro. Socorreu-se dos ministros militares, mas eles a abandonaram ao concluírem que não poderiam salvá-la.

A última ponta que fez na novela que durou menos de três meses foi humilhante e mal roteirizada. Em vídeo despedida, perguntou se estava sendo fritada – ele negou com um sorriso de velho canastrão. Ela deu uma piscadinha para a câmera como se duvidasse. E em seguida anunciou que ganhara um prêmio de consolação.

Qual? A de diretora da Cinemateca Brasileira. Vai cuidar de mais de 250 mil rolos de filmes e de um milhão de documentos. Com a vantagem, segundo ela, do novo emprego ser perto de sua casa, em São Paulo. O cargo, por ora, não existe. Há entraves burocráticos que emperram sua criação. E a Cinemateca está sem dinheiro.

Amiga da atriz, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), mais amiga ainda de Bolsonaro, garantiu que Regina não ficará ao desamparo. Pano rápido.


Ricardo Noblat: Enquanto o coronavírus mata, Bolsonaro conta piada

O mundo olha assombrado para o Brasil

No dia em que pela primeira vez o número de mortos com Covid-19 no Brasil passou de mil em 24 horas, o presidente da República, em entrevista virtual concedida a partir da biblioteca do Palácio da Alvorada, resolveu contar uma piada e ele mesmo riu muito dela: “Quem for de direita toma cloroquina. Quem é de esquerda toma Tubaína”.

Cloroquina é a droga receitada pelo presidente para tratar doentes com coronavírus. Não há comprovação científica de que ela funcione, mas ele mandou que o Exército a produzisse em larga escala. Tubaína é um refrigerante de baixo custo à base de guaraná. Jair Bolsonaro é o presidente mais estúpido e ignorante da história do Brasil.

O mundo em que ele vive não gira em torno do Sol. Não tem vida inteligente nem seres sensíveis. As espécies são as mais rudimentares. Chafurdam em pântanos que exalam odores apodrecidos e venenosos. Não sobrevivem por muito tempo. Mas enquanto duram, tentam capturar e destruir os seus semelhantes. O planeta da morte.

Em menos de dois meses, o número de brasileiros vítimas fatais do coronavírus ultrapassará, hoje, a casa dos 18 mil. E o de infectados poderá chegar a 300 mil. A soma dos mortos já é maior do que a população de mais da metade dos municípios do país. O Brasil é o terceiro país com mais casos confirmados da doença e avança célere para a vice-liderança.

O fato é que o Brasil perdeu a luta contra o Covid-19. Como poderia ganhar com um presidente da República que se recusou a lutar? Bolsonaro foi o maior aliado do vírus quando ele apareceu por aqui em meados de março último. E continua sendo aliado. Não parece possível que ao cabo da pandemia seja absolvido por crime tão monstruoso e premeditado.

Quantas vezes você já o ouviu dizer: “Fiquem em casa, se protejam, é uma doença perigosa”? Nunca disse. Parece absurdo, mas ele nunca disse. Quantas vezes você ouviu Bolsonaro lamentar as mortes? Duas ou três vezes, se tanto. E sempre de maneira apressada. Quantas vezes você o ouviu dizer: “Precisamos salvar a Economia”. Ah, dezenas!

São poucos no mundo os chefes de Estado que se comportam dessa maneira. Conta-se nos dedos de uma mão o número deles. Bolsonaro é um dos dedos. E é também o mais importante dado ao tamanho do país que preside, e ao tamanho de sua população. É por isso que o mundo olha para o Brasil com assombro e não quer acreditar no que vê.

Como foi possível a eleição de um tipo tão primitivo como é Bolsonaro? Como é possível que os militares batam continência para ele e o apoiem com entusiasmo depois de tê-lo afastado do Exército no passado por indisciplina e conduta antiética? Até quando esse sujeito se manterá no poder apesar de todo o mal que causa ao país?

O que ele fez de bom até aqui? Cite algo de bom destinado a ficar na história como uma marca do governo Bolsonaro. E não se diga que foi por falta de tempo. Quinhentos e poucos dias são suficientes para que se avalie o que um governante será capaz de fazer de bom ou de mal por seu país. Que boa herança se desenha no horizonte?

A força do absurdo é tal que acabamos nos acostumando com ele e não reagimos. Já não surpreende mais que, em plena pandemia, Bolsonaro se empenhe em sabotar medidas de isolamento social adotadas no resto do mundo. Não surpreende que vire garoto propaganda de uma droga – em troca do quê? Nem que esqueça o que prometeu antes de se eleger.

O país está à deriva em mar que não é de almirante. Ao invés de mais médicos, o governo abre as portas para mais militares – outros nove ganharam cargos no Ministério da Saúde. Imune ao coronavírus, é inconcebível que Bolsonaro permaneça a salvo do desastre que promove alegre e irresponsavelmente. A hora do basta faz tempo que passou.


Ricardo Noblat: Para os bolsonaristas, o melhor é já irem se acostumando

Filhos acima de tudo, só abaixo do pai

O presidente Jair Bolsonaro tem mais o que fazer do que se preocupar com o coronavírus que já matou quase 17 mil pessoas e infectou 254 mil; o índice de desmatamento na Amazônia, o maior registrado nos últimos 10 anos no mês de abril; a dificuldade enfrentada por donos de pequenos negócios de acesso a linhas de crédito especiais. Mesmo a escolha de um novo ministro da Saúde, o terceiro em pouco mais de 500 dias de governo, pode esperar.

No momento, são duas as prioridades de Bolsonaro: preparar-se para defender seu mandato ameaçado por um processo de impeachment; e salvar a pele do seu filho Flávio, investigado sob a suspeita de que embolsou parte do salário dos funcionários de seu gabinete à época em que era deputado estadual no Rio. Foi para ajudar a carreira política dos filhos que ele se lançou candidato a presidente. Uma vez eleito, imaginou que o futuro deles estava garantido.

Um amigo de Bolsonaro, que ele chama de Fred, ouviu seu desabafo na noite da vitória, em 28 de outubro de 2018: “Estou fodido”. Em seguida, o presidente começou a chorar. Fred não sabe dizer se o desabafo e o choro tinham a ver com a situação de Flávio, avisado por um delegado da Polícia Federal de que em breve viria a público a história do esquema da rachadinha comandado por ele e Queiroz. Ou se tinham a ver com o despreparo de Bolsonaro para governar.

É possível que o interesse de Bolsonaro em controlar a Polícia Federal tenha nascido depois da operação que, em 8 de novembro daquele ano, prendeu 10 deputados colegas de Flávio, acusados de corrupção. Eleito senador, Flávio escapou ileso. Mas nem tanto. Virou um grande problema para o pai, só menor do que o outro filho, Carlos, vereador, o mais instável deles. Sempre que Carlos entra em crise, o pai teme que ele possa cometer um tresloucado gesto.

Filhos acima de tudo, só abaixo do medo do pai de não completar o mandato. Até porque, sem o pai, eles não seriam nada. Às favas todos os escrúpulos, o que não fará tanta falta a Bolsonaro. Seus eleitores que o perdoem por esquecer a promessa de jamais ceder cargos públicos em troca de votos para governar. Não se trata mais do toma-lá-dá-cá para aprovar no Congresso projetos do governo. Trata-se impedir que o governo acabe antes da hora.

Na semana passada, para delírio dos bolsonaristas de raíz, Abraham Weintraub, ministro da Educação, teve o desplante de proclamar que não cederia cargos sob o seu comando para saciar o apetite de políticos fisiológicos. Deu a entender que se fosse obrigado na fazer isso, iria embora. Pelo visto, alguém lhe deu um toque e Weintraub recuou. O cargo de diretor de Ações Educacionais passará a ser ocupado por um nome indicado pelo Partido Liberal (PL).

A diretoria de Ações Educacionais é responsável por alguns dos programas mais importantes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Tem um orçamento de mais de R$ 50 bilhões. Cuida da compra de livros didáticos, merenda e transporte escolar. O PL indicou um nome sem nenhuma experiência na área de educação – o advogado Garigham Amarante Pinto, ex-assessor do deputado Wellington Roberto, líder do partido, que por sua vez…

Wellington Roberto é o homem de confiança de Valdemar Costa Neto, ex-presidente do partido, mas, na prática, o dono do PL. Costa Neto ganhou fama quando vendeu por R$ 6 milhões o apoio do partido à eleição de Lula para presidente em 2002. A fama cresceu quando ele foi condenado e preso no caso do mensalão do PT. Da Penitenciária da Papuda, em Brasília, continuou mandando no partido e negociou cargos com Dilma Rousseff.

Melhor para os bolsonaristas já irem se acostumando. Para o bem de Bolsonaro e dos seus filhos, o leilão de cargos está mal começando.

O preço que Bolsonaro pagará por ser quem é

À espera de vê-lo na tela

Previsão compartilhada por ministros de tribunais superiores em Brasília e advogados com larga experiência em assuntos dessa natureza: do ponto de vista legal, dará em nada para o presidente Jair Bolsonaro a denúncia do ex-ministro Sérgio Moro de que ele tentou intervir politicamente na Polícia Federal.

E também dará em nada a denúncia de que ele soube com antecedência do adiamento da operação da Polícia Federal, no Rio, que resultaria na prisão de deputados envolvidos com corrupção. A operação traria a público o esquema da rachadinha, comandado por seu filho Flávio e seu amigo de mais de 40 anos, Fabrício Queiroz.

Quando trouxe, sobrou até para Michelle, mulher de Bolsonaro, em cuja conta bancária apareceu dinheiro de Queiroz. Bolsonaro apressou-se em dizer que era dinheiro de uma dívida, contraída por Queiroz com ele. Assessorado por advogados indicados por Bolsonaro, Queiroz nada disse que pudesse comprometer a família.

Segundo ministros e advogados, será muito difícil provar que Bolsonaro cometeu crime de obstrução de Justiça só por ter manifestado sua intenção de mandar diretamente na Polícia Federal. Mesmo que se prove que vazou para ele a informação sobre o adiamento da operação da Polícia Federal, foi antes da eleição.

Presidente da República só pode ser processado por crime cometido no exercício do cargo. Não foi o caso. Bolsonaro sofrerá, sim, desgaste político com as duas revelações. Mais com a primeira, se o ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, liberar para divulgação integral o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril último.

Que tal assistir Bolsonaro ameaçar de demissão Moro e o diretor-geral da Polícia Federal? Que tal ouvir os palavrões que ele costuma dizer quando está nervoso? E a gargalhada que deu quando o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, chamou o coronavírus de “comunavírus”, culpando a China por sua criação?

Como Bolsonaro reagiu quando o ministro da Educação sugeriu a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, e a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos acrescentou que governadores e prefeitos também deveriam ser presos? O vídeo eternizou muitas outras coisas capazes de envergonhar até devotos dessa gente.