Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Medo do impeachment contém ímpeto de Bolsonaro por mais gastos

No momento, é claro…

O que mais deixou Jair Bolsonaro furioso com o ministro Paulo Guedes, da Economia, foi Guedes ter dito em público que a pressão por mais gastos com obras de infraestrutura e o desrespeito à lei que limitou o crescimento de despesas poderiam provocar a abertura de um processo de impeachment contra ele.

Pois o ministro, em conversas reservadas com o presidente na semana passada, voltou a adverti-lo para o perigo se enveredar por tal caminho. O nervo exposto de Bolsonaro é justamente esse: ainda não contar com número seguro de votos confiáveis no Congresso para derrotar um pedido de impeachment.

Lembre-se do que aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, insistiu Guedes com Bolsonaro. Para gastar mais ou para disfarçar gastos que já fizera, Dilma acabou pedalando a Lei de Responsabilidade Fiscal. Como, de resto, presidentes que a antecederam haviam feito. Deu no que deu.

Tudo bem que presidente com popularidade em alta dificilmente é alvo da abertura de um processo de impeachment. Dilma, e antes dela Fernando Collor, só começaram a cair quando a avaliação positiva dos seus governos oscilou entre 10% a 15%. A de Bolsonaro está longe disso, e sobe. Mas…

Bolsonaro tem cobrado pressa aos ministros que negociam o apoio do Centrão. Às favas todos os escrúpulos – adiante com o loteamento de cargos do governo. Foi ele mesmo que há uma semana bateu o martelo para a troca do líder do governo na Câmara. Saiu o Major Vitor Hugo (PSL-BA). Entrou…

Entrou uma figura com a cara do Centrão – o deputado Ricardo Barros (Progressista-PR), que já foi condenado a devolver dinheiro aos cofres públicos quando era prefeito de Maringá, apareceu na lista da Odebrecht como beneficiário de propina e foi denunciado por improbidade administrativa quando ministro da Saúde.

Tem ou não tem as credenciais necessárias para representar o Centrão junto ao governo e falar pelo governo na Câmara? Nada separa Barros de Bolsonaro. Os dois se conhecem há muito tempo. Bolsonaro já foi filiado a diversos partidos do Centrão. A tal da Nova Política, com a qual acenou, era de brincadeira.

Bolsonaro, hoje, embarca para Sergipe. E ainda esta semana deverá ir ao Rio Grande do Norte. Se tudo começou pelo Nordeste quando Pedro Álvares Cabral deu às costas da Bahia em 1500, por que Bolsonaro não poderá finalmente descobrir o Nordeste depois de tê-lo ignorado por tanto e tanto tempo?

Quanto a Guedes e a sua relutância em gastar além do que deve… Bolsonaro está deixando que ele se acostume com a ideia. Se não se acostumar, todas as vênias lhe serão feitas, mas o Brasil deve sempre estar acima de todos e só abaixo de Deus. E o futuro radiante do Brasil, segundo Bolsonaro, passa por sua reeleição.

E Antonio Palocci, hein? E Sérgio Moro, hein?

Só Lula e Bolsonaro têm o que comemorar

Sem mais nem menos, a seis dias do primeiro turno da eleição presidencial de 2018, o então juiz Sérgio Moro divulgou um anexo da delação do ex-ministro Antonio Palocci feita à Polícia Federal surpreendendo os procuradores da força tarefa da Operação Lavo Jato, em Curitiba, que a haviam recusado por falta de provas.

Sabe-se lá o quanto a divulgação do anexo fortaleceu à época a candidatura de Jair Bolsonaro que liderava as pesquisas de intenção de voto, mas certamente não a prejudicou, antes pelo contrário. Palocci acusava Lula de ter autorizado o loteamento de cargos na Petrobras com os partidos que apoiavam seu governo.

Dois dias depois da divulgação do anexo por Moro, uma procuradora perguntou aos colegas: “Vamos fazer uso da delação do Palocci?” Outro procurador respondeu: “O que Palocci trouxe parece que está no Google”. Um terceiro disse: “O acordo é um lixo, não fala nada de bom (pior que anexos Google)”.

Uma semana antes do anexo tornar-se público graças a Moro, um procurador havia escrito: “Russo [apelido do juiz] comentou que embora seja difícil provar, ele é o único que quebrou a ‘omertá’ petista”. Foi rebatido por uma procuradora: “Não só é impossível provar como é impossível extrair algo da delação dele”.

Bingo! Um relatório da própria Polícia Federal que, ontem, se tornou público, aponta que a delação premiada de Antonio Palocci era recheada de desinformação. “As afirmações foram desmentidas por todas testemunhas, declarantes e por outros colaboradores da Justiça”, concluiu o delegado Marcelo Feres Daher.

Nada restou de pé do que afirmou Palocci sobre um caixa de propinas para Lula administrado pelo banqueiro André Esteves, do BTG. Recentemente, o Supremo anulou outra acusação de Palocci: a de que Lula teria recebido 12,5 milhões de reais da Odebrecht para a compra de um novo terreno para seu instituto.

Os procuradores da Lava Jato acertaram ao considerar a delação de Palocci um pastel de vento. Moro ainda deve explicações por ter divulgado o anexo da delação às vésperas da eleição de 2018. Condenado a 18 anos de prisão, Palocci teve sua pena reduzida pela metade e a cumpre em sua casa com tornozeleira eletrônica.

O desmonte da delação de Palocci reforça o discurso do PT de que Lula é inocente, deixa Moro outra vez sujeito a críticas, e Bolsonaro por isso mesmo feliz.


Ricardo Noblat: Perguntas que Bolsonaro só responde com o silêncio

E quem liga?

Acumulam-se há meses perguntas que o presidente Jair Bolsonaro simplesmente se recusa a responder – seja porque não sabe como, seja para não cair em contradição, seja porque poderia se incriminar ou porque prefere que sejam esquecidas. Não serão esquecidas.

Algumas delas:

  1. Frederick Wasseff, seu advogado, e também do senador Flávio Bolsonaro, nunca lhe contou que escondia Fabrício Queiroz, finalmente preso em um sítio no interior de São Paulo?
  2. Por que Rogéria, à época sua mulher e mãe dos seus três filhos mais velhos, pagou em dinheiro vivo pela compra de um apartamento hoje avaliado em R$ 621,5 mil?
  3. Por que ele, Bolsonaro, e sua segunda mulher, Ana Cristina Valle, compraram 14 imóveis no Rio, hoje avaliados em R$ 5,3 milhões, e pagaram uma parte em dinheiro vivo?
  4. Por que Queiroz, entre 2011 e 2016, depositou 21 cheques na conta de Michelle, atual primeira-dama, no valor total de R$ 72 mil? E, no mesmo período, Marcia Aguiar, mulher de Queiroz, depositou mais seis cheques no valor total de R$ 17 mil?

Outras perguntas poderiam ser feitas a Bolsonaro, mas delas ele escaparia de responder sob a alegação de que não o envolvem diretamente. Por exemplo: Queiroz, seu amigo há mais de 30 anos, nunca lhe falou sobre o dinheiro que ele e Flávio extorquiam de servidores da Assembleia Legislativa do Rio?

Embora seja um pai com forte presença na vida da família, nunca soube que Queiroz pagava despesas pessoais de Flávio e da mulher dele em dinheiro vivo – até parcelas do plano de saúde do casal e mensalidades escolares dos filhos? E que com dinheiro vivo, certa vez, Flávio comprou 12 salas comerciais no Rio?

O silêncio, até aqui, tem sido a resposta de Bolsonaro a todas essas perguntas, e a outras mais. E a levar-se em conta o crescimento de sua popularidade, grande parcela dos brasileiros não está nem um pouco ligando para isso. Tristes tempos, estes. Segue o baile.


Ricardo Noblat: Metade dos brasileiros decidiu passar o pano em Bolsonaro

Se todos são culpados, ninguém é

A julgar pelos resultados da nova pesquisa do Datafolha, a maioria dos brasileiros decidiu absolver Jair Bolsonaro dos seus pecados. Quase metade dos entrevistados nos últimos dias 11 e 12 disse acreditar que o presidente não tem culpa alguma pelo fato de o coronavírus ter matado mais de 100 mil pessoas no país.

Dos 52% que responderam que ele tem, sim, apenas 11% o veem como principal culpado, e 41% como um dos culpados, mas não o principal. Naturalmente, o maior percentual dos que passam o pano em Bolsonaro está os que consideram seu governo ótimo ou bom e que votaram nele no segundo turno da eleição de 2018.

A turma do andar de cima, que ganha mais de 10 salários mínimos por mês, aponta Bolsonaro como o principal ou um dos culpados pelas mortes. A do andar de baixo, que ganha até dois salários mínimos e que se beneficiou com o auxílio emergencial para combater a doença, acha justamente o contrário.

E não dá importância ao fato de que ele minimizou a pandemia chamando-a de gripezinha, boicotou as medidas de isolamento social decretadas por governadores e prefeitos, defendeu a volta ao trabalho para salvar a economia, e recomendou o uso de uma droga que se revelou ineficaz para deter o vírus.

Mais de 3 milhões de brasileiros já foram infectados pelo Covid-19, segundo os registros oficiais, mas o número provavelmente é muito maior por causa da subnotificação. E daí? Exatos 49% dos entrevistados concordam com a afirmação genérica de que o Brasil não fez o suficiente para livrar-se do flagelo.

Essa é a melhor maneira de isentar de culpa Bolsonaro ou quem quer que seja. Se todos são culpados, ninguém é culpado. Passa-se o pano. E ainda existem os que dizem que o necessário para evitar tantas mortes foi feito (24%), e os que afirmam que as mortes não poderiam ter sido evitadas (22%). Vida que segue.

Em tempo: Bolsonaro só queria pagar aos brasileiros mais pobres um auxílio emergencial de 200 reais. Ao saber que o Congresso aprovaria um auxílio emergencial de 500 reais, antecipou-se e anunciou o auxílio de 600, que será pago só até setembro. Por ora, concorda em prorrogar o auxílio, mas no valor de 200 reais.


Ricardo Noblat: Bolsonaro faz barba, cabelo e bigode na nova pesquisa Datafolha

Os efeitos do dinheiro no bolso

O que aconteceu entre a última semana de junho passado quando o Datafolha foi a campo para saber a opinião dos brasileiros sobre o governo de Jair Bolsonaro, e esta quando repetiu a dose?

Fabrício Queiroz foi preso na casa do advogado do presidente Bolsonaro e do seu filho Flávio, senador. E, no último sábado, o Brasil atingiu a triste marca dos 100 mil mortos pelo coronavírus.

A devastação da Amazônia seguiu em frente e até cresceu. O Ministério da Saúde completou 3 meses sob o comando de um general. E mal tomou posse, o 4º ministro da Educação adoeceu.

O que explica então que a aprovação de Bolsonaro tenha aumentado e a rejeição caído segundo a nova pesquisa Datafolha? Duas poderosas coisinhas, pela ordem de importância.

A primeira: o auxílio emergencial de 600 reais pago a pelo menos 42% da população para que ela enfrentasse os efeitos da pandemia. A segunda: a mudança de comportamento de Bolsonaro.

O índice dos que acham o governo ótimo ou bom subiu de 32% para 37%. Caiu de 44% para 34% o índice dos que o acham ruim ou péssimo. É a melhor avaliação desde que o governo começou.

Dos 5 pontos de crescimento da taxa de avaliação positiva, pelo menos três vêm dos trabalhadores informais ou desempregados que têm renda familiar de até três salários mínimos.

Entre os que receberam o auxílio, a taxa dos que consideram Bolsonaro um presidente ótimo ou bom é seis pontos superior à observada entre os que não pediram o benefício.

A popularidade do presidente no Nordeste, a região mais pobre do país, cresceu seis pontos. Bolsonaro no modo bonzinho reduziu sua desaprovação entre os brasileiros de maior renda no Sudeste.

Fique, portanto, Bolsonaro à vontade para criticar governadores e prefeitos que decretaram medidas de isolamento social, defender a volta ao trabalho e prescrever cloroquina aos doentes.

Tudo isso lhe será perdoado. Só não pare de pagar o auxílio emergencial, ou qualquer outro nome que se lhe dê. Nem o reduza. Se reduzir será lembrado como aquele que deu e depois tomou.

A mesma mão que hoje afaga, amanhã apedreja.

O Supremo Tribunal Federal tenta exorcizar o fantasma do SNI

Arapongas sob freios
O fantasma do Serviço Nacional de Informações (SNI) fez o governo Bolsonaro colher mais uma derrota no Supremo Tribunal Federal. Criado depois do golpe militar de 64 para supervisionar e coordenar as atividades de informações e contrainformações no Brasil e exterior, e extinto em 1990 pelo presidente Fernando Collor, o SNI foi o órgão repressor mais eficiente da ditadura.

“Eu criei um monstro”, reconheceu o general Golbery do Couto e Silva, seu fundador, e ex-ministro dos governos Ernesto Geisel e João Figueiredo. Foi para evitar que algo parecido possa ressurgir que o Supremo decidiu impor limites à atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ela só poderá pedir informações a outros órgãos se “ficar evidenciado o interesse público”.

São 42 os órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) – entre eles a Polícia Federal, a Receita Federal, o Banco Central e a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça. O Supremo também barrou o envio à Abin de dados como quebra de sigilo e escutas telefônicas, que somente podem ser obtidos com prévia autorização judicial.

“Arapongagem não é direito, é crime. Praticado pelo estado, é ilícito gravíssimo”, disse a ministra Carmen Lúcia, relatora do caso. “Qualquer fornecimento de informação que não cumpra rigores formais do direito contraria a finalidade legítima posta na lei da Abin. […] Não é possível ter como automática a requisição sem que se saiba por que e para quê”.

Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luix Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli acompanharam o voto da ministra. Celso de Mello ausentou-se e Marco Aurélio Mello votou contra. Fachin foi direto ao ponto: “O modelo adotado pelo SNI durante a ditadura não pode, sob nenhuma hipótese ser o mesmo da Abin”.

A Abin é comandada pelo delegado Alexandre Ramagem que cuidou da segurança de Bolsonaro depois da facada em Juiz de Fora. Bolsonaro o nomeou diretor-geral da Polícia Federal. Sua posse acabou suspensa pelo ministro Alexandre de Moraes. Por pouco, o episódio não provocou uma crise institucional. Bolsonaro chegou a anunciar que fecharia o Supremo. Recuou depois.


Ricardo Noblat: O dilema de Paulo Guedes e o que interessa a Bolsonaro

A debandada de Paulo Guedes do governo pode ser só uma questão de tempo. Bolsonaro não teve peito para demitir Sergio Moro do Ministério da Justiça, mas criou todas as condições para que ele saísse. Deverá proceder da mesma forma com o seu ex-todo-poderoso ministro da Economia.

Guedes entende de economia, mas de política é Bolsonaro que entende. Alguma coisa aprendeu em 30 anos como deputado. Após perder sete auxiliares, Guedes alertou Bolsonaro para o risco de impeachment se não bancar as reformas. Bolsonaro respondeu entregando ao Centrão o cargo de líder do governo na Câmara.

Agrava-se a situação do clã Bolsonaro a cada nova descoberta ou revelação feita pelo Ministério Público do Rio que o investiga por corrupção. O sonho de Bolsonaro de se reeleger depende, no primeiro momento, de afastar o risco de impeachment, e no momento seguinte, de conseguir o apoio de partidos.

Bem que ele tentou atrair partidos para seu lado nas eleições passadas, mas fracassou. Ninguém acreditou que ele pudesse vencer. Nem ele mesmo acreditava. Foi a eleição mais atípica da história do país. O líder das pesquisas estava preso e impedido de concorrer. A facada dispensou Bolsonaro de fazer campanha.

Ou Guedes abre o cofre para ajudar a reeleger Bolsonaro, e deixa as reformas para o segundo mandato dele, se segundo mandato houver, ou pede as contas e passa o cargo a quem se dispuser a jogar o jogo que o desagrada. No regime de governo do Brasil, não existe ministro insubstituível. Quem manda é o presidente.

Foi só para ganhar tempo que Bolsonaro, ontem à noite, encenou às portas do Palácio da Alvorada o ato de renovar seu compromisso com as reformas do Estado, a privatização de empresas e a responsabilidade fiscal – temas, por sinal, que jamais contaram com o seu voto para avançar no Congresso.

Bolsonaro, o liberal, é uma invenção de Guedes para justificar sua adesão à candidatura dele em 2018. Durante a campanha, Guedes chocou-se com a indiferença de Bolsonaro ao que ele tentava lhe ensinar sobre economia. Foi em frente mesmo assim. Achou que, uma vez eleito, Bolsonaro se tornaria dependente dele.

Palavras o vento leva. O vento levou a promessa de Bolsonaro de não se candidatar à reeleição. Levou a promessa de combater a corrupção sem vacilo. Levou a promessa de não trocar cargos no governo por votos no Congresso. E levou a promessa de comportar-se como o presidente de todos os brasileiros.

Os militares que o cercam disseram-lhe para não se livrar de Moro porque seu governo poderia acabar. Moro saiu, forçado que foi. Nem o governo acabou, nem Bolsonaro perdeu popularidade. Os militares dizem agora a ele que a receita de Guedes pode torná-lo impopular, e aí adeus à reeleição. Bolsonaro medita.

Dossiê dos antifascistas: ministro recua para evitar crise com STF

Mendonça ainda tem muito o que aprender

Meia volta, volver! Perdeu-se a conta do número de vezes que o ministro André Mendonça, da Justiça, avançou, recuou, tornou a avançar, recuou outra vez, para no fim confirmar a existência de um dossiê sobre quase 600 servidores federais que se declararam antifascistas, e que ele prefere chamar de relatório.

O comportamento do tipo ioiô de Mendonça chegou a prenunciar uma possível nova colisão entre os poderes Executivo e Judiciário quando ele se negou a atender a um pedido da ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, para que lhe remetesse uma cópia do dossiê. Ou do relatório, como preferisse.

O dossiê foi produzido pela Secretaria de Operações Integradas do ministério, subordinada a Mendonça. Depois que parte dele veio a público, o ministro mandou abrir uma sindicância para apurar o caso. Mas mesmo antes de a sindicância ser aberta, ele demitiu o coronel que chefiava o setor de inteligência da secretaria.

Ora, por que a demissão se o conteúdo do tal dossiê, ou relatório, como dizia Mendonça, não configurava nenhum crime contra a livre manifestação de pensamento que a Constituição garante a todo mundo, inclusive a servidores federais fascistas ou antifascistas? O Congresso quis conhecer o dossiê, e já o recebeu.

No último dia 6, Mendonça havia dito que seria “catastrófico” compartilhar o dossiê com o Judiciário. Pediu “parcimônia e sensibilidade” ao Supremo para que deixasse a Comissão de Controle Externo da Atividade de Inteligência do Congresso fazer a análise sobre o tema. Por que só o Congresso?

Ao saber, porém, que o tribunal tomará posição a respeito em sessão marcada para a próxima semana, concluiu que o melhor seria se dispor a atender ao pedido da ministra Carmen Lúcia. Enfim, tanta trapalhada para nada, e logo de um ministro que aspira a uma vaga no Supremo. Ainda tem muito que aprender.


Ricardo Noblat: No país do presidente capitão a Amazônia está intacta

Apologia da mentira

As edições desta quarta-feira dos principais jornais do país ofereceram espaço tão generoso ao discurso de Bolsonaro durante a 2ª Cúpula Presidencial do Pacto de Letícia pela Amazônia que só pude imaginar uma coisa: ficaram tão chocados quanto eu fiquei, e e irão refutá-lo ponto por ponto. Isso não aconteceu.

Sem tirar nem pôr, o discurso foi uma defesa apaixonada da mentira. Bolsonaro disse que “não há nenhum foco de incêndio, nem um quarto de hectare desmatado” na floresta. “É uma mentira essa história de que a Amazônia arde em fogo”. Segundo ele, a floresta amazônica permanece “intacta”.

Afirmou que em julho último, o Brasil apresentou redução de 28% no desmatamento em relação a 2019, mas não mencionou que os números totais indicam avanço de 34% no desmate. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), alvo de críticas do presidente no passado.

Repetiu a conversa de que convidou embaixadores e representantes de outros países que defendem a proteção da Amazônia a sobrevoarem região entre Manaus e Boa Vista para confirmar que está tudo bem. E reforçou que, por ser uma floresta úmida, a Amazônia “não pega fogo”. Sim, “não pega fogo”.

Como se não bastasse, referiu-se ao seu como um governo que não tolera e muito menos incentiva a prática de crimes ambientais. Assegurou: “Nossa política é de tolerância zero, não somente para o crime comum, mas também para a questão ambiental. Combater os ilícitos é essencial para a preservação da nossa Amazônia”.

O desmatamento na Amazônia que será divulgado em novembro próximo será muito maior que o de 2019. As projeções indicam que a taxa deverá ficar entre 12 mil km2 e 16 mil km2, uma escalada de aumento de destruição da maior floresta tropical do planeta só comparável aos piores momentos de sua história.

Dados dos satélites do Inpe mostram que, até 9 de agosto, 23.749 focos de calor foram detectados na Amazônia. Um aumento de 1% em relação ao mesmo período do ano passado, que teve 23.420 focos. E a temporada de queimadas está só começando: historicamente, o pico de registros acontece no mês de setembro.

Um levantamento do Fakebook.eco, iniciativa do Observatório do Clima e uma rede de organizações da sociedade civil para combater a desinformação ambiental, revelou que, até 31 de julho, o Ibama gastou apenas 20,6% dos R$ 66 milhões autorizados para ações de fiscalização. É a execução mais baixa dos últimos anos.

A aplicação de multas também caiu: foram 3.421 autos de infração de janeiro a julho, uma queda de 52,1% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em 2019, primeiro ano em do governo Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, observou-se uma redução de 17% das multas ambientais.

Guedes tenta assustar Bolsonaro com o fantasma do impeachment

O apagão do ex-Posto Ipiranga

De público, pelo menos, ninguém da equipe do presidente Bolsonaro jamais ousara admitir que ele pudesse correr o perigo de ser deposto por meio de um processo de impeachment. Paulo Guedes, ministro da Economia, admitiu. Logo ele, tido como uma das colunas de sustentação do governo. A outra coluna ruiu desde que Sérgio Moro demitiu-se do Ministério da Justiça.

Foi Bolsonaro que chamou Guedes de seu Posto Ipiranga, onde nada falta e tudo se resolve. Poderia tê-lo chamado de ministro número 1, tamanha a importância que lhe conferiu antes e depois de se eleger presidente. Pois bem: o posto vem sofrendo sucessivos apagões. E se alguma vez foi o número 1, já não é mais. O título está sendo disputado por outros ministros em ascendência.

O plano de Guedes para arrumar o governo e fazer a economia crescer deu em pouca coisa por culpa do próprio ministro, das hesitações de Bolsonaro em bancá-lo, e dos efeitos da pandemia do coronavírus. Resultado natural: os principais auxiliares de Guedes começaram a debandar. Foram embora frustrados e à procura de novos desafios. Guedes poderá segui-los em breve.

Nas últimas semanas, Mansueto Almeida deixou a Secretaria do Tesouro, Caio Megale a diretoria de programas da Secretaria Especial da Fazenda e Rubem Novaes a presidência do Banco do Brasil. Por fim, Salim Matar largou a Secretaria da Desestatização, e Paulo Uebel a da Desburocratização. A perda de tanta gente em tão pouco tempo foi batizada por Guedes de debandada.

Embora tenha dito que a reação do governo à debandada será “avançar com as reformas”, Guedes passou todos os sinais de quem nem ele acredita mais no que diz. Na mesma ocasião, ao lado de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, e empenhado tanto quanto ele em aprovar as reformas, Guedes comentou como se tirasse o seu da reta e apontasse para o alto:

– Se o presidente da República quiser mandar alguma reforma, ela é mandada. Se ele não quiser, não é mandada. Quem manda não é o ministro. Quem manda não são os secretários, e o secretário quando o negócio não tiver andando, ele pode desistir ou ele pode insistir. Então, é simplesmente isso que aconteceu.

Contou o que ouviu dos dois mais recentes demissionários: “Em nome da transparência, o Salim hoje me disse o seguinte: ‘A privatização não está andando. Eu prefiro sair’. E o Uebel me disse o seguinte: ‘A reforma administrativa não está sendo enviada. Eu prefiro sair’. Esse é o fato. Essa é a verdade”. A estocada final de Guedes teve endereço certo:

– Se tentarmos [em 2021] seguir com o [atual] padrão de gastos iremos para o caos. Os conselheiros do presidente que o [instigam] a pular cerca e a furar teto o levarão para uma zona de incerteza, uma zona sombria. Uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal e o presidente sabe disso. Então, o presidente tem nos apoiado.

Não, Bolsonaro não tem apoiado Guedes como ele esperava. Como seu único objetivo é se reeleger, deixou-se seduzir pela ala militar e civil do governo que quer gastar mais com obras de infraestrutura e programas assistencialistas. Tudo por mais votos no curto prazo. Teto de gastos? Dá-se um jeito de driblá-lo. Reforma administrativa? Fica para depois.

E não adianta o choro do mercado financeiro, nem as críticas dos que acreditaram no discurso das reformas. Nos cálculos de Bolsonaro e dos que roubaram seu coração, em 2022 os chorões e os críticos estarão condenados a votar nele para barrar a volta da esquerda ao poder. É prego batido e ponta virada. Se quiser sobreviver, Guedes terá de abrir o cofre. Vida que segue.


Ricardo Noblat: Os Bolsonaro, uma família do barulho e do dinheiro em espécie

Aversão ao sistema bancário

Em outubro de 2016, como foi que o senador Flávio Bolsonaro pagou a prestação no valor de R$ 16.564,81 da compra de um imóvel no bairro das Laranjeiras, na zona sul do Rio? Na verdade, quem pagou por ele foi Diego Sodré de Castro, cabo da Polícia Militar, então investigado por oferecer serviços ilegais de segurança. Flávio o reembolsou com dinheiro em espécie.

E em 2018, como foi que Flávio pagou R$ 86.000 pela compra de 12 salas comerciais no Barra Prime Officer, no Rio? Em dinheiro vivo. Dinheiro tomado emprestado do pai e de um dos seus irmãos que ele não diz qual – se Carlos, vereador, ou Eduardo, deputado federal. Foi também em dinheiro vivo que Fabrício Queiroz pagou despesas pessoais de Flávio e da mulher dele.

O uso de dinheiro vivo é uma das marcas da família que prefere ignorar o sistema bancário brasileiro. Rogéria, a primeira mulher de Jair Bolsonaro, mãe de Flávio, Carlos e Eduardo, comprou em 1999 um apartamento no zona norte do Rio por R$ 95 mil, o equivalente, hoje, a R$ 621,5 mil. Pagou com dinheiro vivo. O casal separou-se entre 1997 e 1998. Rogéria saiu muito machucada.

Com o apoio do então marido, ela se elegeu e se reelegeu vereadora no Rio. Candidata ao terceiro mandato, foi derrotada por Carlos, então com apenas 17 anos, lançado pelo pai. Flávio recusou-se a disputar contra a própria mãe. Junto com a segunda mulher, Ana Cristina Valle, Bolsonaro comprou 14 imóveis no Rio avaliados, hoje, em R$ 5,3 milhões. Como pagou? Parte em dinheiro vivo.

O caso mais recente de operação financeira dos Bolsonaro que se tornou público não envolveu dinheiro em espécie, mas cheques. Entre 2011 e 2016, Queiroz depositou 21 cheques na conta de Michelle, a primeira-dama, no valor total de R$ 72 mil. Na mesma época, Marcia Aguiar, mulher de Queiroz, depositou mais seis cheques no valor total de R$ 17 mil.

Quando algo errado é feito errado, não importa se em cheque ou em dinheiro vivo, acaba dando errado – pelo menos às vezes.

Um presidente fora da lei

Bolsonaro, outra vez sem máscara

Não basta ao presidente Jair Bolsonaro desrespeitar leis. De tanto fazê-lo, as pessoas parecem que deixaram de ligar para isso. E muitas até o imitam. Afinal, se ele procede assim impunemente, por que elas não? E daí? Vida que segue.

Agora, é o próprio Bolsonaro que posta vídeos em suas contas nas redes sociais onde se exibe violando leis mais uma vez. A última dele foi mostrar-se, ontem à noite, em uma via pública de Brasília comendo churrasquinho comprado a um vendedor ambulante.

Sem máscara, novamente. E cercado por apoiadores que se aglomeraram para tirar fotos. Tal comportamento contraria decreto em vigor no Distrito Federal que obriga o uso de máscaras em todos os espaços públicos, sob pena de multa de R$ 2 mil.

Em junho último, Bolsonaro já fora advertido a respeito pelo juiz federal Renato Borelli, da 9ª Vara Cível do Distrito Federal: “O presidente possui obrigação constitucional de observar as leis, bem como de promover o bem geral da população”.

Bolsonaro ignorou a advertência. E, além do vídeo, escreveu que no Brasil são 38 milhões de trabalhadores informais. “Volta ao trabalho, o melhor remédio”, aconselhou no dia em que o país registrou mais 721 mortes e 20.730 novos casos do Covid-19.


Ricardo Noblat: O plano para reeleger Bolsonaro passa por Lula candidato

De volta ao passado

Cresce o número de vozes nas cercanias do presidente Jair Bolsonaro que não achariam nada mal que seu principal adversário nas eleições de 2022 fosse Lula. Para isso, o Supremo Tribunal Federal teria de concluir que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial ao condenar Lula no processo do tríplex do Guarujá.

Talvez ainda este ano, a Segunda Turma do tribunal julgue um pedido de habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente que levanta a suspeição de Moro. Se concedê-lo, a segunda condenação de Lula, no caso do sítio de Atibaia, poderá cair, uma vez que Moro participou de algumas fases do processo.

Com o eventual desmanche das duas condenações, Lula recuperaria seus direitos políticos e estaria livre para ser outra vez candidato a presidente. O medo de Lula se eleger e a falta de outros nomes capazes de derrotá-lo fortaleceria Bolsonaro e inflaria suas chances de conseguir o segundo mandato.

Recentemente, Lula obteve duas importantes vitórias na Segundo Turma do Supremo. A primeira: finalmente, sua defesa vai poder acessar todos os documentos usados no acordo de leniência fechado pela Odebrecht com o Ministério Público Federal, inclusive os que se encontram nos Estados Unidos e na Suíça.

A segunda vitória: a delação do ex-ministro Antonio Palocci não pode ser utilizada nesta ação em que Lula é acusado de ter supostamente recebido R$ 12 milhões da Odebrecht. Moro passou recibo dos dois sérios reveses que colheu. Em silêncio, o governo celebrou as decisões da Segunda Turma do Supremo.

No momento, são convergentes os interesses do governo Bolsonaro e do PT de Lula. Com vantagem para Bolsonaro que terá dois anos pela frente para penetrar mais fundo na principal base eleitoral de Lula, o Nordeste. O que ele tinha a perder com o fracasso do combate ao coronavírus, já perdeu. Jogo jogado.

O que pode vir a ganhar com o pagamento do auxílio emergencial e com a substituição do programa Bolsa Família pelo mais generoso programa Renda Brasil ainda está por ser calculado, mas não será pouca coisa. Cuide-se Paulo Guedes, ministro da Economia, que será obrigado a arranjar dinheiro para obras de infraestrutura.

Ministro nega dossiê, mas confirma relatório sobre servidores antifascista

Que diferença faz? Nenhuma

Está em qualquer dicionário da língua portuguesa que “dossiê é uma coleção de documentos relativos a um processo, a um indivíduo ou a qualquer assunto”. E que relatório “é uma exposição escrita, minuciosa e circunstanciada relativa a um assunto ou fato ocorrido. O objetivo de um relatório é comunicar uma atividade desenvolvida ou ainda em desenvolvimento durante uma missão.”

Como o jornalista Rubens Valente, no seu blog do portal UOL, chamou de dossiê a coleção de documentos produzidos por uma secretaria do Ministério da Justiça sobre quase 600 servidores federais que se declararam antifascistas nas redes sociais, o ministro André Mendonça negou a existência do tal dossiê. Negou até em comunicado enviado ao Supremo Tribunal Federal.

Mas apertado por deputados federais e senadores em sessão secreta na última sexta-feira, ele confirmou que a secretaria produziu, sim, um relatório sobre os servidores monitorados. Por monitorados, entenda-se: espionados. Porque é disso que se trata. Não faz diferença se foi dossiê ou relatório. O que se discute é se a secretaria poderia fazer o que de fato fez, e por que.

A bola – ou melhor: o comunicado despachado por Mendonça ao Supremo – está nas mãos da ministra Carmen Lúcia, autora de um pedido de explicações. Dossiê ou relatório, à ministra caberá dizer se o Ministério da Justiça pode espionar um grupo de pessoas por pensaram de um jeito ou de outro. Ou porque o governo simplesmente não gosta do jeito que elas pensam.


Ricardo Noblat: Queiroz, o operador financeiro da família Bolsonaro

O sofrido papel das primeiras-damas

Cada uma ao seu modo, e por motivos diversos, as primeiras-damas padecem tanto ou mais do que seus maridos por conta de encrencas em que eles se meteram e que elas desconheciam. Isso é especialmente verdade no caso dos presidentes da República eleitos pelo voto direto de 1989 para cá.

O primeiro foi Fernando Collor. Seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, certa vez disparou uma frase que se tornaria famosa: “Madame está gastando muito”. A madame Rosane Collor não sabia que seus gastos eram pagos pelo tesoureiro com sobras do dinheiro arrecadado para financiar a campanha do marido.

Collor foi derrubado por um pedido de impeachment. Antes de ser, sua última tentativa de manter-se no poder foi a desastrada Operação Uruguai, o falso empréstimo de 3,75 milhões de dólares contraído em Montevideo para justificar as elevadas despesas do casal e tirar da história PC Farias e as sobras de campanha.

Itamar Franco, que sucedeu Collor, foi um presidente solteiro. Ruth Cardoso soube pelo marido, Fernando Henrique, que ele tivera um caso amoroso com a jornalista Miriam Dutra e que era pai de um filho dela. O caso houve. Muitos anos depois, ficou provado que o filho, reconhecido pelo presidente, não era dele.

Marisa Letícia Lula da Silva morreu de um aneurisma cerebral. Mas nos meses que antecederam sua morte sofria com a situação enfrentada pelos filhos com o avanço das investigações da Lava Jato sobre o marido. Cobrava que Lula não confrontasse a Justiça, adotando uma postura mais moderada. Não foi ouvida.

Dilma não tinha marido para chamar de “primeiro damo”. Marcela Temer, uma primeira-dama do lar, dedicada à criação do filho, foi surpreendida pela revelação de que o marido fora gravado dentro do palácio onde moravam, e depois duas vezes denunciado por corrupção. Livrou-se das denúncias, mas não de ser preso depois.

Como deverá sentir-se a primeira-dama Michelle Bolsonaro com a descoberta feita pelo Ministério Público do Rio de que sua conta bancária era abastecida com dinheiro depositado por Fabrício Queiroz, à época chefe de gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro? Talvez nem soubesse que usavam sua conta.

Foram 27 depósitos entre 2011 e 2016, num total de 89 mil reais. Em 2018, um relatório do Conselho de Atividades Financeiras apontou depósitos no valor de 24 mil. Nada transpirou, para a sorte do marido candidato. Quando transpirou, ele acabara de ser eleito. Seria pagamento de um empréstimo que fizera a Queiroz.

Meses depois, Bolsonaro corrigiu-se. Disse que emprestara a Queiroz 40 mil. Agora, ainda não disse nada sobre os 89 mil reais, nem sobre o fato de que uma parcela desse dinheiro foi depositada na conta de Michelle por Márcia, mulher de Queiroz. Os dois estão em prisão domiciliar. Deverão ser ouvidos a respeito.

Depois dessa, é difícil que se sustente a desculpa do empréstimo. Pela conta bancária de Queiroz, no período entre 2007 e 2018 quando ele foi chefe de gabinete de Flávio, passaram mais de 6 milhões de reais – 1,6 milhão de salários pagos a ele, 2 milhões de depósitos de servidores do gabinete, 900 mil sem origem.

Por que um homem com tais rendimentos precisaria tomar um empréstimo de 40 mil reais a Bolsonaro? Por que servidores do gabinete depositaram na conta de Queiroz 2 milhões de reais? Só de despesas pessoais de Flávio e de sua mulher, está provado que Queiroz pagou 286 mil reais, e sempre em dinheiro vivo.

Suspeita o Ministério Público do Rio que Queiroz foi mais do que um financiador de Flávio, pagando despesas da família inteira. Como Paulo César Farias fez com parte dos Collor. Bolsonaro, o pai, conheceu Queiroz quando ainda servia ao Exército. Ficaram amigos. Foi ele que pôs Queiroz para cuidar de Flávio.

Ao longo de quase três décadas, segundo levantamento do jornal O GLOBO, a família Bolsonaro teve 22 dos seus integrantes empregados nos quatro gabinetes de Jair, Flávio, Carlos, o vereador, e Eduardo, deputado federal. Nos de Jair, Flávio e Carlos, Queiroz empregou sete dos seus parentes desde 2006.

No slogan de sua campanha, que virou também uma marca do seu governo, o presidente Bolsonaro fala em Brasil acima de tudo, e Deus acima de todos. Está na hora de atualizá-lo para destacar também a importância da família.

Volta a assombrar o fantasma da delação dos Queiroz

De casa para a prisão
Numa deferência especial do ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça e candidato a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal, Fabrício Queiroz foi tirado de detrás das grades e posto em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. A mulher de Queiroz, Márcia, que fugira, reapareceu, aconselhada por Noronha a ir cuidar do marido.

Com isso, deu-se por exorcizado o demônio da delação da família Queiroz que assombrava a família Bolsonaro. Delação não só do casal, mas possivelmente de uma de suas duas filhas que foram também empregadas nos gabinetes de Flávio Bolsonaro, hoje senador, e do pai, hoje presidente da República. Ocorre que a deferência de Noronha pode estar com seus dias contados.

O relator do pedido de habeas corpus impetrado pela defesa de Queiroz é o ministro Felix Fischer, que estava de férias. Noronha, de plantão, atendeu ao pedido por meio de liminar. Recentemente, Fischer foi internado duas vezes para submeter-se a uma cirurgia, e deu-se como certo que ele demoraria a reassumir seu posto. Noronha chegou a sugerir que talvez jamais reassumisse.

Pois Fischer recuperou-se e está de volta. É um dos ministros mais rigorosos, ee não o mais rigoroso do tribunal. À espera dele está um parecer do subprocurador-geral da República Roberto Luís Oppermann Thomé, que qualifica Queiroz de “operador financeiro” do gabinete de Flávio e recomenda a sua volta à cadeia. Se isso acontecer, Márcia também irá para a cadeia.

E o demônio da delação ressurgirá.


Ricardo Noblat: Sem pé nem cabeça o que disse Flávio Bolsonaro ao defender-se

Tal pai, tal filho

Se o presidente Jair Bolsonaro, como demonstrado tantas vezes, é capaz de atravessar a rua só para pisar numa casca de banana, seu filho Flávio, o Zero UM, também é. E foi o que fez ao dizer tudo o que disse em entrevista ao jornal O Globo, a primeira que concedeu fora de sua zona habitual de conforto.

Até então, ele só se dispunha a falar sobre a parceria com o ex-PM Fabrício Queiroz com veículos amigos de sua família, de preferência canais bolsonaristas no Youtuber, e redes de televisão que não lhe criassem problemas. E ainda assim a jornalistas confiáveis. Resultado: pisou na casca de banana e escorregou feio.

Admitiu que Queiroz pagava suas contas pessoais com dinheiro vivo. Mas não dinheiro extorquido de servidores do seu gabinete à época de deputado estadual no Rio. Dinheiro limpo dele, Flávio. Ocorre que o Ministério Público tem provas de que o atual senador poucas vezes meteu a mão no bolso para pagar suas dívidas.

Entre 2013 e 2018, Queiroz, então chefe do gabinete de Flávio, pagou pouco mais de 286 mil reais de contas pessoais de Flávio e da sua mulher, entre elas, parcelas do plano de saúde dos dois e mensalidades escolares dos filhos. E sempre em dinheiro vivo, sabe-se lá por que, se pagamento eletrônico é mais seguro.

Nos 15 meses anteriores a um pagamento de quase 7 mil reais, outra vez em dinheiro vivo, o casal não fez nenhum saque nas suas contas. Uma parcela de 16,5 mil da compra de um imóvel pelo casal foi paga pelo PM Diego Sodré, amigo e correligionário político de Flávio. E o que ele disse a respeito disso? Simples.

Um dia, Flávio e Sodré estavam num churrasco. Então Flávio lembrou que justamente naquele dia vencia mais uma parcela do pagamento do imóvel. Teria de abandonar o churrasco porque não tinha no celular o aplicativo que lhe permitiria pagar. Sodré pagou. E, depois, foi reembolsado por Flávio – em dinheiro vivo. Quer mais ou basta?


Ricardo Noblat: Ministro da Justiça topa depor em segredo sobre servidores monitorados

Mendonça nada aprendeu com Tancredo Neves

André Mendonça, ministro da Justiça, não precisaria ter nascido em Minas Gerais para aprender com o ex-presidente Tancredo Neves o que ele dizia sobre segredos e conversas sigilosas. Uma vez, ao ouvir de um interlocutor que tinha um segredo, mas que só lhe contaria se ele prometesse guardar, Tancredo respondeu:

– Então não me conte. Se você, que é o dono do segredo, não consegue guardá-lo, imagine eu.

Outra vez, já candidato a presidente da República em 1984, cercado por jornalistas interessados em conversar com ele mesmo que fosse de maneira reservada e sob o compromisso de nada publicarem, Tancredo concordou, mas fez antes uma ressalva:

– E então, vamos conversar? Mas não em sigilo. Esta é a maneira mais rápida, eficiente e segura de se propagar por todo o país quem disse, o quê e onde.

É verdade que pelo menos uma vez, Tancredo convocou jornalistas em Brasília e advertiu-os de antemão: “Se o que lhes direi for publicado, nunca mais direi nada”. E contou que o então presidente João Figueiredo faria uma reforma ministerial para fortalecer a candidatura de Paulo Maluf à sua sucessão.

Em seguida, Tancredo disse quais ministros seriam demitidos, e deu o nome dos seus substitutos. Não havia redes sociais à época. No dia seguinte, sem citarem Tancredo, os jornais publicaram o que ouviram dele. Furioso com o vazamento da informação, Figueiredo desistiu da reforma. Era o que Tancredo queria.

Convidado a depor à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso sobre o monitoramento de servidores públicos federais da área de segurança que se declararam antifascistas, o ministro Mendonça, primeiro, recusou. O assunto, segundo ele, era extremamente sigiloso.

Pressionado, concordou em depor, e é o que fará na próxima sexta-feira à tarde em sessão virtual promovida por seu ministério. De suas casas, deputados e senadores poderão interrogá-lo à vontade. É claro, sob a condição de nada falarem depois sobre o que o Mendonça disse ou preferiu ocultar.

Façam suas apostas. Quantas horas depois começarão a circular nas redes sociais as confidências de Mendonça?

O bloco Unidos Contra a Lava Jato saúda o povo e pede passagem

Mais fortes são os interesses que cada um representa
O que une o senador Flávio Bolsonaro (Republicano), Lula (PT), o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), o deputado Rodrigo Maia (DEM) e o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal? Resposta: seu desapreço pela Operação Lava Jato.

No caso de alguns deles, desapreço é pouco – oposição visceral. Por múltiplas razões, algumas as mesmas, outras só parecidas. Cada um deles não é apenas cada um. Flávio, por exemplo, é ele, seu pai e os irmãos. Lula, o PT e parte da esquerda.

Maia é o Congresso quase todo. Pelo menos a maioria dos deputados e uma grande fatia dos senadores. Alckmin é o PSDB, cujas estrelas mais reluzentes se apagaram. Toffoli representa uma parcela expressiva dos tribunais superiores, mas não somente eles.

Flávio, o pai e os irmãos se elegeram pegando carona na Lava Jato e exaltando seu principal líder, o juiz Sergio Moro. Agora diz que integrantes da Lava Jato têm “interesse político ou financeiro”, como revela em entrevista publicada, hoje, pelo jornal O GLOBO.

Finalmente, o senador admite que Fabrício Queiroz, seu parceiro em negócios sujos, pagou várias de suas contas pessoais. E cobra do ministro Paulo Guedes, da Economia, mais dinheiro para financiar programas sociais e construir obras de infraestrutura.

Tudo, naturalmente, em benefício do pai, em campanha escancarada e permanente para obter um novo mandato em 2022 – mas essa é outra história. Flávio jura que a produtividade no Ministério da Justiça aumentou depois da saída de Moro.

Sua birra com a Lava Jato, que jamais havia manifestado, na verdade tem a ver com Moro, unicamente com Moro, ou preferencialmente com Moro. O ex-juiz e ex-ministro aspira suceder papai Bolsonaro, e isso é demais para o Zero UM.

Pulemos Lula e o PT. São conhecidos seus motivos para querer demolir a Lava Jato. Os de Alckmin e do PSDB, idem. A Lava Jato passou como uma motoniveladora sobre Alckmin, o senador José Serra, o deputado Aécio Neves, e quem mais do PSDB?

Sobrou João Doria, governador de São Paulo, que se dependesse de Bolsonaro teria sido igualmente triturado para não lhe fazer sombra à direita. Com que roupa, mas com que roupa Doria irá pedir votos para presidente? A imagem do PSDB foi para o esgoto.

É fato que os procuradores da Lava Jato de Curitiba tentaram investigar o presidente da Câmara dos Deputados sem dizer que o faziam. Mas não é por isso que Maia quer assistir ao enterro da Lava Jato. É porque a maioria dos seus liderados também quer.

Maia sonha em seguir presidindo a Câmara. O regimento interno não permite. Como não permite David Alcolumbre (DEM-AP) reeleger-se presidente do Senado. Flávio defende a reeleição de Alcolumbre porque ele tem colaborado com o governo.

Não defende a de Maia porque “ele tem embarricado” muitos projetos do governo. Mas, como ensinava o deputado Ulysses Guimarães, se há maioria no Congresso faz-se qualquer coisa, “menos homem virar mulher ou mulher virar homem”.

Ou até isso, hoje, poderia ser feito. O que importa é que ainda não se deve descartar a hipótese de Maia e Alcolumbre ser reeleitos. E, para tal, eles precisam agradar os eleitores, muitos alvos da Lava Jato e que culpam Moro pelo seu infortúnio.

Quem imaginou que uma frente tão ampla acabaria formada para desmontar a que já foi considerada a maior e mais bem-sucedida operação de combate à roubalheira no mundo? É o que se vê. Flávio, Lula, Alckmin, Maia, Toffoli, unidos jamais serão vencidos.


Ricardo Noblat: O truque de Aras para livrar Bolsonaro de ser processado por Dilma

Se depender de Augusto Aras, Procurador-Geral da República, a maneira mais segura de o presidente Jair Bolsonaro atacar seus desafetos políticos sem receio de ser processado é limitar-se a reproduzir o que disse no passado sobre eles, por mais ofensivo que seja o que tenha dito.

Há quase um ano, a ex-presidente Dilma Rousseff entrou no Supremo Tribunal Federal com uma queixa-crime contra Bolsonaro. Em vídeo postado na sua rede social em agosto último, Bolsonaro reproduziu um discurso que fizera na Câmara dos Deputados em 2014 no qual comparou Dilma a uma “cafetina”.

Cafetina é mulher dona de prostíbulo. Ou que agencia prostitutas mediante pagamento. Mulher de baixos sentimentos. Também chamada de madame, proxeneta. À época, Bolsonaro estava indignado com Dilma por conta da Comissão Nacional da Verdade, que investigara crimes cometidos pela ditadura militar de 64.

“Comparo a Comissão da Verdade, essa que está aí, com aquela cafetina, que ao querer escrever a sua biografia, escolheu sete prostitutas. E o relatório final das prostitutas era de que a cafetina deveria ser canonizada. Essa é a Comissão da Verdade de Dilma Rousseff”, afirmou Bolsonaro.

Por que se depender de Aras o Supremo arquivará a queixa-crime? Porque para ele, o comentário de Bolsonaro não foi feito durante seu mandato como presidente. E presidente da República não pode ser processado por atos anteriores à sua posse. Aras até admite que a conduta de Bolsonaro foi criminosa, mas…

Mas, nada! Para não se indispor com quem lhe presenteou com o cargo de Procurador-Geral da República, Aras preferiu basear-se na data da fala citada e não na data em que Bolsonaro reprisou a fala ofensiva a Dilma, compartilhando-a nas redes sociais quando já era presidente há oito meses. Truque jurídico vagabundo.

Caberá ao Supremo aceitar ou recusar o truque de Aras.