Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Fantasma de uma derrota acachapante nas eleições assombra o PT

2020 pode ser pior do que 2016

O fantasma das eleições municipais de 2016 volta a assombrar o PT e seu principal líder, Lula. Em 2012, o partido elegeu 11,4% do total de prefeitos do país. Foi um desempenho considerado de razoável para bom. Quatro anos depois, deu-se o desastre: o partido elegeu apenas 4,6% dos prefeitos. E nenhum nas capitais.

Nas eleições de novembro, o desempenho do PT ainda poderá ser pior. Centenas de pesquisas de intenção de voto já foram registradas até esta semana no Tribunal Superior Eleitoral. Sabe em quantas delas candidatos do PT a prefeito aparecem na condição de líder? Em uma. No Recife com Marília Arraes.

Neta de Miguel Arraes que governou Pernambuco três vezes, prima de Eduardo Campos que governou duas vezes, Marília lidera as pesquisas de intenção de voto aplicadas até aqui. No segundo lugar, alternam-se o deputado João Campos (PSB), o filho mais velho de Eduardo, e o ex-ministro Mendonça Filho (DEM).

A Bahia é vista como uma fortaleza do PT desde que o atual senador Jaques Wagner se elegeu e se reelegeu governador e foi sucedido por Rui Costa, que se elegeu e se reelegeu também. O PT lançou para disputar a prefeitura de Salvador uma policial militar, famosa pelo trabalho que fez na defesa da Lei Maria da Penha.

Quem tem mais chances de se eleger prefeito de Salvador até agora é o atual vice-prefeito da cidade, apoiado por ACM Neto, o prefeito e presidente nacional do DEM. Tem um pastor evangélico por lá, dono de uma creche, que aparece nas pesquisas com índice maior de intenção de voto do que a candidata do PT.

Mas não é só em Salvador que o PT vai mal das pernas. Em São Paulo, onde o partido nasceu, seu candidato a prefeito da capital está com pinta de que ficará de fora do segundo turno. Jilmar Tatto, ex-deputado federal, vem sendo pouco a pouco abandonado pelos petistas que preferem apoiar Guilherme Boulos (PSOL).

O Rio Grande do Sul é, digamos, o segundo berço do PT que mais de uma vez governou o Estado e Porto Alegre. Ali, o partido emplacou o vice de Manuela D’Ávila (PC do B), candidata a prefeita. No Rio, Benedita Silva (PT), ex-governadora e em ministra de Lula, está em quarto lugar nas pesquisas.


Ricardo Noblat: A milícia do crachá pode custar a Crivella o seu mandato

Tudo para calar a verdade

Bolsonaro ameaçou encher de porrada a boca de um jornalista que lhe fez uma pergunta incomoda (“por que Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle, a primera-dama?”).

Marcelo Crivella, prefeito do Rio, escalou miliciano de crachá para calar a boca dos cariocas que decidissem se queixar aos jornalistas do mau atendimento em hospitais públicos.

O objetivo dos dois foi o mesmo: impedir que o distinto público conheça a verdade. Só que com a oposição deles ou não, a verdade se tornará conhecida de qualquer forma.

A ameaça de Bolsonaro não se concretizou – do contrário, a essa altura, ele seria alvo de mais um pedido de impeachment. Já são mais de 50, devidamente engavetados pelo presidente da Câmara.

Crivella corre o risco de responder a mais um processo. É o que a Câmara de Vereadores do Rio começa a examinar hoje. Do primeiro ele escapou à custa da distribuição de favores.

Bolsonaro está a pouco de um ano e meio de renovar ou não o seu mandato. Faltam apenas dois meses para que Crivella tente renovar o seu, e espera o apoio de Bolsonaro.

Os milicianos de crachá são devotos do Crivella, parte deles evangélicos como o prefeito. Que ganham mais de mil e poucos a 18 mil para darem plantão em portas de hospitais.

Seu trabalho: estarem atentos a aproximação de jornalistas em busca de notícias. E de pessoas dispostas a relatarem as condições que enfrentaram para ser atendidas, e o que viram.

Monitorados por meio do celular, os milicianos são obrigados ainda a comparecerem a atos públicos para estimular as pessoas a aplaudirem discursos do prefeito.

Quem paga à claque, conhecida como os Guardiões do Crivella, naturalmente são os que pagam impostos.

O ministro Paulo Guedes perde mais uma batalha para o Bolsonaro

Expansão de gastos
Onde se leu que o presidente Jair Bolsonaro não está nem ai para a expansão de gastos desde que isso o ajude e se reeleger daqui a dois anos, leia-se: é isso mesmo, sem tirar nem pôr. O resto é conversa mole para enganar os bobos ou de bobos se fingem.

Depois de amargar sucessivas derrotas nas últimas semanas, o ministro Paulo Guedes, da economia, pensou que havia colhido pelo menos uma vitória: a de impedir até o final do próximo ano o preenchimento de milhares de cargos na administração federal.

Que nada!

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional foi forçada a alterar seu parecer que suspendia concursos públicos. Uma vez reaberta a cancela, a Polícia Federal contratará mais de 2 mil agentes e a Polícia Rodoviária Federa também.

O ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, quer admitir mais 3,5 mil pessoas. E a ministra Tereza Cristina, da Agricultura, 140 auditores fiscais agropecuários. O balcão está aberto para atender aos pedidos de ministros e de gestores carentes de pessoal.

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Ricardo Noblat: O desprezo de Bolsonaro pela Ciência, as leis, a razão e a vida

Investida contra a vacina que seu governo financia

Jair Messias Bolsonaro, aquele que foi candidato, se elegeu e governou até há pouco quando cedeu a vez ao presidente da República aparentemente normal que se vê hoje, pois bem, o Jair tal como sempre foi nos seus quase 30 anos de deputado federal reapareceu ao reunir-se com um bando de devotos no cercadinho de entrada do Palácio da Alvorada, em Brasília.

Foi uma breve aparição, como se quisesse demonstrar que está vivo e apenas adormecido. Ao ouvir uma mulher dizer: “Ô, Bolsonaro, não deixa fazer esse negócio de vacina, não, viu? Isso é perigoso”, Jair respondeu sem pestanejar: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”. Bastou para que a Secretaria de Comunicação do governo reproduzisse o comentário no Twitter.

“O governo do Brasil investiu bilhões de reais para salvar vidas e preservar empregos. Estabeleceu parceria e investirá na produção de vacina”, escreveu a Secretaria. “Recursos para estados e municípios, saúde, economia, tudo será feito, mas impor obrigações definitivamente não está nos planos”. E, por fim: “O governo do Brasil preza pelas liberdades dos brasileiros”.

Pelas leis, não preza. O parágrafo primeiro do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. O artigo 3º da Lei 13.979, assinada por Bolsonaro, diz que “para enfrentamento da emergência de saúde pública as autoridades poderão adotar a realização compulsória de vacinação”.

No momento, o Ministério da Saúde investe em um acordo com a Fiocruz em busca de uma vacina contra a Covid-19 e discute estratégias e públicos prioritários para uma possível futura oferta. Na mais recente pesquisa Datafolha, 9 em cada 10 brasileiros disseram que pretendem ser imunizados contra o vírus que só por aqui já matou quase 123 mil pessoas, infectando 4 milhões.

Bolsonaro já pregou contra o isolamento social, o uso de máscaras e defendeu o direito das pessoas de irem e virem livremente mesmo durante uma pandemia. Como se indo e vindo e sem usar máscaras, elas não corressem o risco de se contaminar e de transmitir a doença. Contrariou a Ciência, desrespeitou as leis e desprezou a razão e a vida. O que mais falta fazer?


Ricardo Noblat: A inteligente jogada de Bolsonaro de concluir obras dos outros

Para chamá-las de suas

Um pouco por toda parte, mas aqui com toda certeza, está para nascer o político que reconheça os méritos e exalte as obras legadas pelos que o antecederam no cargo.

Getúlio Vargas, o estadista, foi o que mais fez pelo país ao seu tempo. Mas como foi também um ditador, e não existe ditador bonzinho, pega mal elogiá-lo.

Juscelino Kubistchek, o rei da simpatia, redescobriu parte do país esquecido e o seu governo coincidiu com o tempo em que o brasileiro sentiu orgulho – da música ao futebol, Brasília incluída.

Mas Jânio Quadros, que sucedeu a Juscelino, não esperou acabar o dia de sua posse para criticá-lo duramente. Foi um fenômeno eleitoral que vivia de porre e não aguentou governar seis meses.

À falta de obras para chamar de suas porque lhe falta um projeto para o país, Bolsonaro pretende inaugurar ainda este ano 33 obras, a maioria começada em governos passados.

Das 33, 25 planejadas por Lula e Dilma, duas por Temer e seis da atual administração, mas que ainda mal se arrastam. Claro, para que isso seja possível, precisa combinar com o dinheiro escasso.

Dirão os adversários de Bolsonaro, e com razão: ele vai se apropriar de coisas dos outros, e sequer dirá que procede assim. De fato, essa é a ideia dele, inteligente por sinal. Mas, e daí?

Se não concluísse as obras só porque elas tiveram início em governos anteriores, dele se diria que é um político mesquinho, irresponsável, que preferiu pará-las a tocá-las em frente.

O país só tem a ganhar com a continuidade de obras desde que vitais para seu desenvolvimento. Não importa o que esconda a verdadeira intenção de Bolsonaro com isso.


Ricardo Noblat: Bolsonaro serve mais dois sapos para Paulo Guedes engolir

Mais gastos de olho na reeleição

Nada pode estar tão intragável que não possa piorar. A Paulo Guedes, que por enquanto permanece como ministro da Economia, o presidente Jair Bolsonaro serviu mais dois sapos.

Primeiro sapo: sob pressão de ministros e de políticos por mais recursos para o Plano Pró-Brasil de retomada dos investimentos, Bolsonaro destinou 6,5 bilhões do Orçamento para obras públicas..

Metade desse valor será aplicada em obras indicadas por parlamentares a serem executadas em seus redutos eleitorais. Guedes só queria liberar 4 bilhões.

Segundo sapo: Bolsonaro autorizou a Polícia Federal a abrir concurso para a admissão de mais dois mil agentes. Em breve, deverá fazer o mesmo com a Polícia Rodoviária Federal.

Parecer do Ministério da Economia diz que contratações estão proibidas pela lei que congelou reajustes dos servidores até o fim de 2021. O Ministro da Justiça convenceu Bolsonaro do contrário.

É possível que se defina hoje o valor do auxílio emergencial prorrogado contra o Covid-19. Bolsonaro quer pagar 300 reais. Guedes, 250. O tamanho desse sapo definirá o futuro do ministro.

Acordo Mercosul e União Europeia faz água graças à Argentina, diz Mourão

Vice-presidente finge que não vê a devastação da Amazônia

De duas, uma. Ou o vice-presidente Hamilton Mourão pouco entende de Amazônia e de acordos comerciais, ou entende, mas não pode falar a verdade a respeito.

O general se orgulha de ter cara de índio. E de ter servido ao Exército na Amazônia durante muitos anos. Graças a isso assumiu recentemente o comando do Conselho Nacional da Amazônia.

O acordo comercial do Mercosul com a União Europeia faz água porque Alemanha, França, Holanda, Noruega e Irlanda reprovam a maneira como Brasil cuida da Amazônia. Ou melhor: descuida.

Pois Mourão preferiu jogar a culpa pelo eventual naufrágio do acordo nas costas da Argentina, em sua situação econômica e de saúde. Por Covid-19, morre-se mais aqui do que na Argentina.

Mourão também preferiu culpar a imprensa pelo que afirmou na semana passada Angela Merkel, a primeira-ministra alemã. Ela disse que o desmatamento da Amazônia só tem feito aumentar.

Os atuais níveis das queimadas na Amazônia “são como agulha no palheiro”, minimizou Mourão. Segundo ele, o Brasil é tratado com preconceito por outros países, mas que não é vilão ambiental.

Como não é? Em comparação com o primeiro semestre do ano passado, a devastação da Amazônia em igual período deste ano aumentou 25% – exatos 3.069,57 quilômetros a mais.

Quando se fala da Amazônia, os sentimentos dos brasileiros são de tristeza, indignação, vergonha e medo, conferiu pesquisa da Federação Brasileira de Bancos e do Ipespe, divulgada ontem.

Oitenta e três por cento dos entrevistados dizem estar pouco ou não estar satisfeitos com preservação da Amazônia. A insatisfação se espalha por todas as faixas etárias e todos os níveis de ensino.

No primeiro ano da Amazônia sob Bolsonaro, houve uma explosão de 34% no desmatamento em relação ao ano anterior. Só Mourão não viu. Nem Bolsonaro. Nem os militares que apoiam o governo.


Ricardo Noblat: Paulo Guedes tem um pé dentro e o outro fora do governo

Ministro da Economia fraco não se sustenta

O Ministério da Economia informa e o Palácio do Planalto confirma: Paulo Guedes fica no governo e segue prestigiado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Por ora, a primeira parte da informação é verdadeira. A segunda, não. O Posto Ipiranga virou a mercearia da esquina, nem mesmo loja de conveniência.

Para ficar no governo, Antônio Delfim Netto, o xerife da economia à época do regime militar de 64, dizia que só o tirariam de lá se fosse amarrado à cadeira.

Com o mesmo objetivo, mas com sacada menos assertiva do que a de Delfim, Guedes diz que o eleito foi Bolsonaro e que, portanto, é ele quem manda.

Um dos dois será obrigado a recuar de suas posições para seguirem juntos. Respeito à lei do teto de gastos (Guedes) não combina com mais gastos (Bolsonaro).

Em ano de eleição, e a dois de eleição presidencial, o Congresso parece mais receptivo ao que pensa Bolsonaro, candidato a pai dos brasileiros mais pobres.

O nó a desatar é que aparentemente só haveria uma maneira de respeitar o teto de gastos e de, no entanto, poder gastar mais: a criação de um novo imposto.

Algo do tipo da antiga CPMF, só que bem mais robusta e abrangente, que incidisse sobre transações de toda natureza, sem poupar nenhuma.

Guedes topa. Bolsonaro poderia topar. Não lhe fará a menor diferença dar mais uma vez o dito pelo não dito. Ou seja: que é contra novos impostos.

Quanto ao Congresso… Quanto à reação do distinto público… Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, é contra uma nova CPMF.

O Supremo Tribunal Federal está pronto para dizer que eleição e reeleição de presidentes da Câmara e do Senado são questões internas das duas casas.

Davi Alcolumbre (DEM-AP) quer mais um mandato de presidente do Senado e deverá consegui-lo. Maia não diz que quer mais um, mas não nega.

Pelo menos até fevereiro do próximo ano, ao fim do seu atual mandato, Maia, sensível aos humores do mercado, será um obstáculo à aprovação de um novo imposto.

Bolsonaro está fazendo com Guedes o que tentou fazer com Sérgio Moro, ministro da Justiça: dobrá-lo às suas vontades. Moro caiu fora. Guedes também poderá cair.

Quando Guedes diz que o eleito foi Bolsonaro e que ele é quem manda, incorre em uma platitude. Mas não significa que ele se conforma com qualquer coisa.

Quem sabe faz a hora. Ministro da Economia fraco não se sustenta por mais que só admita sair amarrado na cadeira. Delfim sabia, e acabou saído. Guedes sabe.


Ricardo Noblat: Não se peça a Bolsonaro o que ele não tem para dar

E assim será até o fim

E se tivesse sido o contrário? Se um jornalista, cansado de ouvir o presidente Jair Bolsonaro mandar calar a boca, tivesse respondido: “Minha vontade é encher tua boca na porrada”?

Certamente teria sido preso e acusado pelo crime de desacato à autoridade. E Bolsonaro, 48 horas depois, estaria soterrado por mensagens de solidariedade de meio mundo ou do mundo todo.

Mas foi o contrário. E como reagiram as instituições, as cabeças coroadas da República e as personalidades da área dos negócios sempre tão aflitas com os arroubos presidenciais? Brandamente.

O general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, disse: “Coisas pessoais do presidente, não me compete tecer comentários. Eu não estava junto, não sei… Deixa para lá isso aí”.

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, encontrou a quem culpar: os agentes de segurança de Bolsonaro que não o afastaram a tempo dos jornalistas.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, lamentou o episódio, defendeu a liberdade de imprensa, mas foi logo dizendo que não era motivo para abertura de um processo de impeachment.

Se não é quebra de decoro um presidente da República ameaçar encher de porrada a boca de uma pessoa, não importa quem seja, o que é quebra de decoro exigido pelo cargo?

Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo é crime de responsabilidade, segundo a lei do impeachment invocada para derrubar Collor e Dilma.

“Minha vontade é encher tua boca na porrada”, disse Bolsonaro no último domingo em resposta à pergunta por que Queiroz depositou 89 mil reais na conta da primeira-dama Michelle.

Imagine a mesma coisa dita pelo presidente dos Estados Unidos (‘My will is to fill your mouth with fights’). Ou pelo presidente da França (‘Ma volonté est de vous remplir la bouche de combats’).

Ou pela 1ª ministro da Espanha (‘Mi voluntad es llenarte la boca de peleas’). Ou pela 1ª ministra da Alemanha (‘Mein Wille ist es, deinen Mund mit Kämpfen zu füllen’).

Em tais países, seria algo impensável. Na Rússia de Putin (‘Moya volya – napolnit’ vash rot drakami’) daria em nada. Na Turquia de Erdogan (‘İsteğim ağzını kavgalarla doldurmak’), também.

Teria saído mais barato para Bolsonaro responder por que Queiroz depositou 89 mil reais na conta de Michelle. Mas o ex-paraquedista não está e jamais estará à altura do cargo que exerce.

Candidatou-se a presidente para ajudar a carreira dos filhos. Não pensou que se elegeria. Desatou no choro ao saber que fora eleito. Tomou posse sem projeto de governo. Improvisa desde então.

O ministro Fabio Faria, das Comunicações, saiu, ontem, de uma conversa com Bolsonaro comemorando: “Aviso aos torcedores do caos e do conflito diário: perderam. A paz continua”.

Qual o quê! Em mais uma cerimônia de exaltação à cloroquina no Palácio do Planalto, Bolsonaro afirmou que jornalista, se infectado pelo coronavírus, tem mais chance de morrer por ser “bundão”.

“[Jornalista] só sabe fazer maldade, usar caneta com maldade em grande parte. Tem exceções, como aqui o Alexandre Garcia. A chance de sobreviver é bem menor do que a minha”, debochou.

A ninguém deve se pedir o que não tem para dar. Afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética, Bolsonaro só tem a oferecer o comportamento bárbaro do qual dá exemplos diários.

E assim será até o fim.

No meio do caminho de Paulo Guedes tem uma pedra

Manda quem pode, obedece quem tem juízo

Mais acertado seria dizer que no meio do caminho de Paulo Guedes, ministro da Economia e ex-Posto Ipiranga do governo, tem uma rocha. E uma rocha difícil de ser movida. Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro disse que o auxílio emergencial seria prorrogado até o fim do ano, mas que não poderia ser mais de 600 reais. Talvez fosse metade disso.

Ou Guedes não quis acreditar no que escutou ou discordou da promessa. Em conversa, ontem, com Bolsonaro, propôs um auxílio de 270 reais. Antes pensava em 200 reais. O presidente aborreceu-se, mandou ele repensar a proposta e cancelou o anúncio marcado para hoje do pacote de medidas econômicas e sociais embrulhado por Guedes. Aplicou um duplo corretivo no ministro.

É para ser do jeito que ele imagina. E Guedes havia marcado o anúncio para hoje sem consultá-lo, nem ao general Braga Neto, chefe da Casa Civil da presidência da República. Para deixar Guedes ainda mais desconfortável, Bolsonaro anunciará, hoje, o programa Casa Verde e Amarela, do ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, ex-parceiro e agora rival de Guedes.

Salvo pequenas mudanças, o Casa Verde e Amarela é o antigo Minha Casa, Minha Vida, lançado no final do segundo governo de Lula. Bolsonaro se entusiasmou com a ideia de se apropriar de marcas do PT para pavimentar seu projeto de reeleição. Sua recente opção preferencial pelos pobres poderá render-lhe o segundo mandato. É isso o que espera, Guedes concorde ou não.


Ricardo Noblat: Cala boca já morreu, Bolsonaro!

Presidente ameaçou encher jornalista de porrada

E a festa marcada para esta manhã no Palácio do Planalto que celebraria o sucesso do governo Bolsonaro no combate ao Covid-19? Seria aberta à imprensa. Continuará sendo? Está mantida? E se um jornalista resolver perguntar ao presidente porquê Fabrício Queiroz e sua mulher Márcia Aguiar depositaram 89 mil reais na conta de Michelle, a primeira-dama?

Alguns poucos bolsonaristas de raiz exultaram com a reação de Bolsonaro à pergunta de um repórter feita quando ele saía, ontem, de mais uma visita dominical à Catedral de Brasília. Sempre que sabe há aglomeração de turistas à porta da catedral, Bolsonaro vai até lá a pretexto de rezar. É mais uma oportunidade para tirar fotos com apoiadores, abraçar criancinhas e distribuir sorrisos.

Tudo teria saído como previsto não fosse a pergunta que o deixou furioso: “Presidente, porquê Queiroz depositou 89 mil reais na conta de dona Michelle?” A pergunta era mais do que pertinente. No final de 2018, quando o Ministério Público Federal do Rio revelou que Queiroz depositara 24 mil reais na conta de Michelle, Bolsonaro espontaneamente correu a explicar-se.

Jurou que o dinheiro era o pagamento de uma dívida contraída por Queiroz com ele. Lembrou que os dois eram amigos há mais de 30 anos e que não era a primeira vez que emprestara dinheiro a Queiroz. Semanas depois, sem que ninguém lhe perguntasse, corrigiu-se. A dívida não era de 24 mil, mas de 40 mil. Mas não adiantou se ela foi paga integralmente.

Num primeiro momento, a pergunta do repórter ficou sem resposta. Enquanto caminhava, Bolsonaro comentou com os seguranças que o cercavam que ainda daria uma porrada “na boca daquele cara”. Como o repórter repetiu a pergunta, finalmente encarou-o e disse: “Minha vontade é encher sua boca de porrada”. Em seguida, pressionado pelos seguranças, foi para casa.

“Ele voltou! Ele voltou!”, transbordavam de felicidade apressados bolsonaristas nas redes sociais antes de serem sufocados por milhares de mensagens em sentido contrário que se limitavam a reproduzir a pergunta do repórter. Não teve mais para nada. A hashtag Queiroz reinou soberana durante pelo menos 8 horas como o assunto mais comentado do Twitter no Brasil.

Por que tamanho espanto diante da ameaça do presidente de encher a boca de um jornalista com porrada? Até começar a fingir ser o que não é, Bolsonaro defendeu a tortura, o torturador Brilhante Ustra, lamentou que a ditadura não tivesse matado um número maior de presos políticos e quase foi condenado por dito que só não estuprava uma deputada porque ela era feia.

Bolsonaro reconciliou-se, afinal, com ele mesmo. Deve estar se sentindo muito melhor, mais leve, mais à vontade para frustração dos que imaginavam tê-lo convertido em um presidente normal. Tirou um peso insuportável nas costas. Se quiser, vai retomar o hábito de mandar jornalista calar a boca, provocar a Justiça, hostilizar o Congresso e bater no Centrão.

Êpa! Chega de exagero. Ameaçar encher a boca de jornalista com porrada não é motivo para abertura de processo de impeachment, concluiu o deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Provocar a Justiça não seria recomendável, pois dela dependem as investigações sobre seus filhos. Tampouco bater no Centrão do qual depende hoje para aprovar projetos no Congresso.

É hora de Bolsonaro dar mais força a Paulo Guedes, o ministro da Economia. Se fizer isso, todos os pecados lhe serão perdoados pelos que de fato mandam no país. Vida que segue até a próxima recaída.

O governo nada em dinheiro quando é para atender aos militares

Gasto polêmico
O Ministério da Defesa já empenhou 145,3 milhões de reais para a compra de um microssatélite que fará o monitoramento da devastação da Amazônia, segundo o jornal GLOBO.

Tudo estaria certo, tudo muito bem, não fosse por um fato: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, órgão do governo, tem um microssatélite tão ou mais moderno e já faz esse serviço.

O custo do microssatélite para que os militares possam chamar de seu é 48 vezes maior do que a verba prevista no Orçamento deste ano para projetos de monitoramento da área e risco de incêndios.


Ricardo Noblat: Na Venezuela e no México, como no Brasil

Qualquer semelhança não é mera coincidência

Na Venezuela, o chavismo contaminou a imagem de isenção dos militares como o bolsonarismo tenta fazer por aqui. No México, eleito depois de prometer moralizar a vida pública, o presidente Andrés López Obrador, um político de esquerda, está às voltas com denúncias que o embaraçam e à sua família. Lembra algo?

Vídeos divulgados na última quinta-feira mostram um dos irmãos de Obrador, Pío Lopes, recebendo dinheiro de David León, diretor da nova distribuidora estatal de medicamentos. As imagens são de 2015. Os pagamentos já eram feitos há um ano e meio. Foram cerca de dois milhões de pesos, o equivalente a 500 mil reais.

Em um dos vídeos, León, que na época trabalhava como consultor, vai à casa de Pío López para lhe entregar um milhão de pesos (250 mil reais). E pede que informe ao seu irmão sobre a origem do dinheiro: “Avise o advogado […] que nós o estamos apoiando”. Pío responde: “Irmão, irmão. Já sabe, já sabe perfeitamente bem”.

López Obrador afastou David León: “Vamos procurar outra pessoa enquanto isso é esclarecido e ele fica limpo.” E disse que não sabe se o dinheiro foi declarado à Justiça, algo obrigatório. Esquivou-se: “Só sei que muitas pessoas contribuíram com recursos para a campanha.” No México, caixa 2 também é crime.

A divulgação dos vídeos ocorre em meio ao chamado Caso Lozoya. Uma gravação mostra um grupo de políticos recebendo subornos e a denúncia do ex-diretor da Pemex (a Petrobras mexicana) Emilio Lozoya que implica três ex-presidentes da empresa e 14 outros políticos em episódios de corrupção.

Foi López Obrador quem bancou a divulgação do Caso Lozoya para “purificar a vida pública”. Serviu para que comparasse os valores envolvidos nas duas situações: o equivalente a 90 mil dólares, entregues ao seu irmão, e o equivalente a 200 milhões de dólares, que ele tratou como “corrupção do dinheiro público”.

No mesmo dia em que o presidente mexicano tentava se apartar de mais um escândalo que abala seu governo, no Brasil a defesa do senador Flávio Bolsonaro recorreu da decisão da Justiça que autorizou o prosseguimento das investigações sobre seu eventual envolvimento no crime de lavagem de dinheiro.

O novo procurador-geral da Justiça do Rio será escolhido em dezembro próximo. Comandará o órgão que investiga Flávio e também seu irmão Carlos, vereador. Ameaçado de impeachment, o governador Wilson Witzel admite negociar a indicação de um nome ao gosto de Flávio, desde que não perca o cargo.

Flávio parece preferir negociar a indicação com Cláudio Castro, o vice de Witzel, e que assumirá a vaga se o governador for derrubado. Nada disso seria necessário se o próprio Flávio tivesse convencido da sua e da inocência do irmão. Não é verdade?


Ricardo Noblat: Desabafo da mulher de Queiroz indica que o casal viveu cativo

Hóspedes forçados do advogado dos Bolsonaro

Os áudios com o desabafo de Márcia de Aguiar, mulher de Fabrício Queiroz, divulgados pela VEJA, deixam claro que ela e o marido sentiam-se como prisioneiros de Frederick Wassef, advogado de Flávio Bolsonaro e do seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. Uma história bem diferente da contada pelo advogado quando a polícia prendeu Queiroz em sua casa no município paulista de Atibaia.

Na versão de Wassef, ele se comoveu com a situação de Queiroz a quem nunca vira antes, procurou-o sem que ninguém o orientasse a fazê-lo e ofereceu abrigo para ele, sua mulher e parentes. Só por “razões humanitárias”, como disse. Queiroz tornara-se um dos homens mais procurados do país pela imprensa, e mais tarde, pelo Ministério Público Federal do Rio que queria interrogá-lo.

Por que Queiroz e a mulher aceitariam a oferta de abrigo feita por um desconhecido? Por que passariam a confiar em um homem que emergiu assim do nada, sem que ninguém o recomendasse? Não faria o menor sentido. Elementar: Wassef deve ter sido bancado por alguém com bastante influência sobre o casal Queiroz. E não é tão difícil imaginar quem foi direta ou indiretamente.

Os áudios de Márcia datam de novembro do ano passado quando ela e o marido eram hóspedes de Wassef, mantidos numa espécie de cativeiro e contrariados por serem impedidos de sair de lá. Em conversas com a advogada Ana Flávia Rigamonti, contratada por Wassef para vigiá-los junto com um empregado da casa, Márcia traiu toda a sua insatisfação com a vida que levava.

Contou que, ao longo de um ano, fora obrigada a abrir mão de sua vida particular, privar-se de ir ao médico até para fazer exames de rotina e, em alguns momentos, não podia sequer utilizar o celular. As medidas cautelares foram ditadas pelo “Anjo”, codinome de Wassef, segundo o Ministério Público Federal, empenhado em manter sob segredo o paradeiro de Queiroz.

“A gente não é foragido. Isso está acabando comigo, amiga, acabando. De boa mesmo. Está acabando”, diz Márcia a Ana Flávia. “Está me destruindo por dentro. Eu estou aqui me desabafando, porque não consigo passar isso para ele [Queiroz]. E a minha preocupação é esse stress, esse emocional dele abalado, piorar a situação dele com essa doença”.

Ana Flávia retruca: “Eu sei que ele não está bem. Ele está tentando se distrair. Mas a gente sabe que não está fácil. (…) Ele mesmo falou para o Anjo: ‘Olha, eu não estou aguentando mais. Quero ir para minha casa’”. E Márcia completa: “Eu estou vendo que todo mundo está vivendo a sua vida. Agora, a gente não. Então, somos foragidos para viver fugindo? Não é possível isso, entendeu?”

Márcia não estava com Queiroz quando ele foi preso em 19 de junho último. Havia uma ordem de prisão contra ela. Márcia fugiu e só reapareceu quando o marido deixou a cadeia no dia 10 de julho para cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Desde então ela está ao lado dele, também com tornozeleira. O Ministério Público Federal aposta que um deles acabará delatando.

A prisão de Queiroz foi responsável pela radical mudança de comportamento do presidente Bolsonaro. Saiu de cena o incendiário, o promotor de crises, o falastrão, o agitador que marcava presença em manifestações de rua hostis à democracia. Entrou em cena o presidente moderado, que loteia cargos do governo com os partidos e chama os parlamentares de “sócios”.


Ricardo Noblat: Aperta o cerco ao senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um

Depósitos suspeitos em dinheiro vivo

O primogênito do presidente Jair Bolsonaro tem mais o que fazer em setembro do que atender à convocação do Ministério Público Federal do Rio para ser acareado com o empresário Paulo Marinho. Foi o que disseram seus advogados, e, como senador, ele tem de fato o direito de escolher dia e hora para depor.

Marinho disse que às vésperas da eleição presidencial de 2018, Flávio foi avisado por um delegado da Polícia Federal que seu assessor Fabrício Queiroz seria em breve um dos alvos de uma operação de combate à corrupção, e que o fato poderia prejudicar a candidatura do seu pai, líder das pesquisas.

Foi o próprio Flávio quem teria revelado isso à Marinho, na casa do empresário. Queiroz foi demitido no dia seguinte, bem como uma de suas filhas, funcionária do gabinete de Bolsonaro, o pai, em Brasília. Flávio admite a reunião com Marinho, mas nega o teor da conversa. Um dos dois, portanto, mente. Daí a acareação.

Não seria difícil descobrir quem fala a verdade. Segundo Marinho, ao saber que o delegado tinha um comunicado importante a lhe fazer, Flávio mandou três emissários ao seu encontro. A quebra do sigilo telefônico dos três indicaria se eles trocaram informações a respeito, mas um juiz proibiu que isso fosse feito.

Mesmo assim avançam as investigações do Ministério Público Federal e aperta o cerco em torno do senador. Extratos bancários da loja de chocolates de Flávio no Rio mostram depósitos em dinheiro vivo sucessivos, com o mesmo valor, entre março de 2015 e dezembro de 2018. O Jornal Nacional cruzou os dados.

Chama atenção a quantidade de depósitos em dinheiro vivo na conta da franquia feitos de maneira fracionada e muitos com valores redondos. Foram 63 depósitos de R$ 1,5 mil em espécie, 63 de R$ 2 mil e 74 de R$ 3 mil. Dos depósitos no valor de R$ 3 mil, 12 foram na boca do caixa e 62 no terminal de autoatendimento.


Ricardo Noblat: A barbárie do extremismo religioso contra a criança estuprada

O Estado brasileiro é laico. O que significa: ele não permite a interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegia uma ou algumas religiões sobre as demais. Garante e protege a liberdade religiosa de cada cidadão, mas evita que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas.

“Os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais”, disse o ministro Marco Aurélio Mello em 2012 quando o Supremo Tribunal Federal, por oito votos contra dois, decidiu que grávidas de fetos sem cérebro podem interromper a gravidez com assistência médica prestada pelo Estado.

Em mais duas situações, o aborto é plenamente legal no Brasil: quando a continuação da gravidez importa em risco à vida da mãe e em caso de estupro. Foi o que aconteceu com a menina de 10 anos de idade, estuprada desde os seis anos por um tio no Espírito Santo, levada às pressas para abortar no Recife.

Em Vitória, um hospital negou-se a respeitar a ordem judicial de fazer a cirurgia na menina, conforme sua vontade reiteradamente manifestada em diversas ocasiões. A gravidez decorreu de um crime, tipificado em lei. Para a menina, suportá-la e dar a luz equivalia a um processo de tortura. Tortura é outro crime.

O que pretenderam os militantes cristãos, comandados por políticos da direita e da extrema direita, que na noite do último domingo cercaram o hospital no Recife onde a menina estava sendo esperada para submeter-se à cirurgia? Na prática, tornar a Constituição letra morta, ignorando o que ela prescreve.

Lava Jato ganha sobrevida com decisões de Fux e de Celso de Mello

Por ora, a sangria continua

Ainda não foi desta vez. Dava-se como certo nos meios jurídicos de Brasília que o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força tarefa da Lava Jato em Curitiba, seria condenado pelo Conselho Nacional do Ministério Público em dois procedimentos disciplinares a que responde por abuso de poder.

Prestes a assumir por dois anos a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux, à tarde, suspendeu os efeitos de uma advertência imposta em novembro a Dallagnol, o que tornava mais distante seu afastamento da chefia da Lava Jato. À noite, Celso suspendeu o julgamento marcado para hoje.

Fux fez por merecer a fama que tem de amigo número um da Lava Jato. Em 2016, logo após a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma, depois de uma conversa que teve com Fux, Dallagnol contou a um grupo de procuradores o que ouvira dele: “Disse para contarmos com ele para o que precisarmos”.

Ao que o então juiz Sergio Moro, informado sobre a conversa, comentou por escrito: “Excelente. In Fux we trust” (Em Fux nós confiamos”). Moro poderia acrescentar que também em Celso ele e a Lava Jato podem confiar pelo menos até novembro, quando o ministro, ao atingir os 75 anos de idade, deixará o tribunal.

No seu despacho, Celso afirmou que é “inaceitável a proibição ao regular exercício do direito à liberdade de expressão” de membros do Ministério Público e afirma que limitar esse direito “revela-se em colidência com a atuação independente e autônoma garantida ao Ministério Público pela Constituição”.