Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Bolsonaro escolheu sair derrotado das eleições americanas

O risco do isolamento

Deu no The New York Times, o mais importante jornal do planeta: “Enquanto os líderes da América Latina e do Caribe se apressaram em parabenizar Biden por sua vitória e prometeram trabalhar em estreita colaboração com seu governo, os governos do México, Brasil e El Salvador permaneceram em silêncio”.

O presidente Jair Bolsonaro custou a acreditar que Donald Trump pudesse ser derrotado pelo democrata Joe Badin, “esse cara”. Ao perceber que isso seria possível, passou a acreditar que ao fim e ao cabo as ações movidas por Trump e pelo Partido Republicano acabariam sendo acolhidas pela Suprema Corte.

Ao dar-se conta nas últimas 48 horas de que não serão, decidiu ainda assim que tão cedo enviará a Biden uma mensagem de parabéns. O que ele pensa em ganhar com isso? Até Boris Johnson, o primeiro-ministro do Reino Unido, mais ligado e mais dependente de Trump do que é Bolsonaro, parabenizou Biden.

Não falta vida inteligente ao lado do presidente brasileiro ou ao alcance de um telefonema dele em busca de conselho. Falta vida inteligente em Bolsonaro, bem como disposição de ouvir o que o contrarie. Nisso ele e Trump são iguaizinhos: querem que todos que os cercam digam amém às suas ideias e as exaltem.

Há os que imaginam que existe método na loucura de Bolsonaro. Ocorre que nem sempre há. Sobra estupidez. O que Trump fez por ele ou pelo Brasil para merecer tamanha admiração e vassalagem por parte dele? Nada. O que Bolsonaro fez para que Trump pelo menos se interessasse por ele? Tudo que pode.

Nem assim Trump se interessou. A única coisa em Bolsonaro que chamou a atenção do presidente americano foi o fato de ele ser apontado pela imprensa internacional como o Trump do Brasil. Trump achou curioso e mais de uma vez falou a respeito. Uma coisa, de fato, os aproximava: eram presidentes acidentais.

Bolsonaro é bem capaz de bater o pé e de resistir às evidências de que terá de rever suas posições em relação a vários temas se quiser se entender com Biden depois que ele tomar posse. A questão ambiental é um desses temas, mas não é o único. O respeito aos direitos humanos é outro. A situação da Venezuela, outro.

O que é bom para os Estados Unidos nem sempre é bom para o Brasil, mas algumas coisas podem ser. As apostas internacionais feitas por Bolsonaro deram erradas. O país que ele governa perdeu conceito no exterior. Bolsonaro arrisca-se a se tornar um presidente cada vez mais isolado, o que é péssimo para o Brasil.


Ricardo Noblat: Trump deve perder, mas o trumpismo continuará vivo

Eleição histórica, mas não decisiva

Na noite de 4 de novembro de 2008, minutos depois de Barack Obama ter feito o discurso da vitória, começou nas redes sociais a articulação para eleger um presidente de direita. Para a eleição seguinte não deu – Obama foi reeleito com folga.

Mas deu para a próxima quando o empresário do ramo imobiliário e astro de televisão de nome Donald Trump derrotou a candidata democrata Hillary Clinton, duas vezes primeira-dama dos Estados Unidos e senadora pelo Estado de Nova Iorque.

A primeira eleição de Obama pode ser considerada histórica. Foi o primeiro presidente negro. A de Trump pode ser tachada de eleição improvável, surpreendente. Nem ele acreditava que fosse possível. Entrou na Casa Branca sem saber o que fazer.

Deverá sair por sua culpa. Subestimou a pandemia do coronavírus que já matou mais de 235 mil americanos, e que somente ontem registrou 100 mil novos casos, o que levou as pessoas a anteciparam seus votos e a votarem pelo Correio.

A eleição de Joe Biden não surpreenderá. Foi prevista pelos institutos de pesquisa. O desempenho de Trump foi que surpreendeu, mais vigoroso do que se imaginava. Histórica, esta eleição é pelo número gigante de americanos que votaram.

Discute-se se será uma eleição decisiva para definir novos rumos a serem trilhados pelo país com Biden à frente. Tudo indica que não. Os Estados Unidos continuarão rachados quase ao meio. E seus dois principais partidos sem condições de governar direito.

Biden apresentou-se como o presidente de todos os americanos. É isso o que ele gostaria de ser. Trump, como presidente da parcela dos americanos que se alinha às suas ideias. Trump perdia até esta madrugada. O trumpismo continuará vivo.

Os Estados Unidos ainda são a maior potência econômica e militar do mundo, mas tal condição está com seus dias contados. A economia chinesa superará a americana até o final deste ano. A China já é a maior potência tecnológica do planeta.

Não importa quantos mísseis os Estados Unidos tenham a mais – os da China seriam suficientes para provocar grandes estragos. O que inviabiliza a guerra atômica é a capacidade de destruição mútua. A paz armada mantém o mundo relativamente em paz.

Não haverá paz interna nos Estados Unidos porque a radicalização ideológica, não só ali, veio para ficar ou para durar muito tempo. A divisão está na essência do sistema bipartidário. Os brancos de raiz não se conformam com a perda de sua supremacia.

A herança de Trump será pesada. Nunca antes na história dos Estados Unidos a democracia foi tão solapada. Trump contribuiu para corroer seus dois principais pilares: a confiança e a verdade. Sabotou um dos valores fundadores do país.

Democratas e republicanos não conseguem se mover para além de suas caixas. Por mais experiente, afável, experiente e habilidoso que possa ser, Biden terá dificuldades para governar com um Senado e uma Suprema Corte sob controle dos adversários.

Obama foi melhor presidente fora do que dentro. Seu primeiro mandato foi melhor do que o segundo porque os republicanos barraram todas as suas iniciativas. Clinton, que o antecedeu, emporcalhou o vestido da estagiária Monica Lewinsky.

Biden será o presidente americano mais velho a assumir o cargo. Pela idade, natural que tenha uma saúde frágil. Seu substituto é uma mulher, negra, senadora brilhante. Chegou a Washington há apenas 3 anos. É uma estreante nas altas rodas do poder.

Deus salve a América!

Queiroz assumirá a culpa pela rachadinha para salvar Flávio

Ele não tem muito o que perder

É, vai sobrar para Fabrício Queiroz. E, por tudo que vaza do terceiro andar do Palácio do Planalto, onde funciona o gabinete do presidente Jair Bolsonaro, Queiroz está disposto a assumir sozinho a responsabilidade pelo que aconteceu, livrando o senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um, de qualquer culpa.

Flávio foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no caso do esquema da rachadinha à época em que foi deputado estadual no Rio. Sua situação agravou-se com o depoimento prestado ao Ministério Público pela ex-funcionária Luiza Souza Paes. Ela confessou tudo.

Contou que durante seis anos devolveu quase todo o salário a Queiroz, pelo menos 90% da remuneração, benefícios do cargo e até a restituição do imposto de renda. Como ela, dezenas de outros servidores do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. Luiza apresentou comprovantes dos depósitos para Queiroz.

O Ministério Público tem provas de contas pessoais de Flávio e da sua mulher Fernanda pagas regularmente por Queiroz. E de transferência de dinheiro feitas por Queiroz para Flávio. No mínimo 89 mil reais foram depositados por Queiroz e sua mulher Márcia na conta de Michelle Bolsonaro, a primeira-dama.

Se a denúncia do Ministério Público for aceita pela justiça, Flávio virará réu. E para salvá-lo de uma condenação, Queiroz dirá que a culpa foi unicamente sua. Por que fará isso? Porque é amigo de Bolsonaro, o pai, desde os tempos de quartel. A ele e aos filhos deve muitos favores. De resto, quer proteger sua própria família.

Assim como o abrigaram em um sítio de Atibaia do advogado Frederick Asseff, e deram um jeito para que fossem pagas todas as suas contas quando foi obrigado a desaparecer, os Bolsonaros se comprometem em seguir amparando Queiroz até o fim de sua vida. Queiroz está doente. Se condenado, pegará uma pena leve.


Ricardo Noblat: Biden perde o favoritismo, vira azarão, mas pode surpreender

Nunca antes na história dos Estados Unidos um presidente da República falou em fraude em meio a apuração de votos. Mas Donald Trump não seria o que é se não fosse o primeiro a falar, mesmo quando sua eventual vitória poderá ser confirmada a qualquer momento.

Por que o fez? Sabe-se lá. Talvez por receio de que os votos que ainda faltam ser apurados em Estados importantes possam favorecer o Democrata Joe Biden. Ou talvez para ser coerente com o discurso que mais repetiu durante a campanha, o de que poderia ser vítima de uma fraude.

Biden amanheceu nesta quarta-feira com 238 votos no Colégio Eleitoral dos 270 necessários para que se eleja, contra 213 de Trump. Esse placar é das 6h30m. E com algo como dois milhões de votos populares a mais do que Trump. Sua sorte depende dos resultados da apuração em Nevada, Geórgia e Pensilvânia.

Caminha para vencer em Nevada. Na Geórgia, os votos que restam ser apurados são dos condados de Fulton e DeKalb. Ficam em Atlanta. DeKalb já apurou 98% dos votos, e ali Biden tem 83%. Fulton falta contar todos os seus 440 mil votos. Espera-se mais de 70% para Biden. Ou seja: ele tem chances de vencer na Geórgia.

A apuração na Pensilvânia será retomada às 11h. Trump, ali, está na frente. Dos 2 milhões e meio de votos enviados pelo Correio, só 39% foram apurados. Filadélfia, capital da Pensilvânia, costuma votar em democratas. Há poucos instantes, Biden emparelhou com Trump no Estado do Wisconsin.

A eleição ainda está aberta.

Bolsonaro inventa vacina para se imunizar contra derrotas

Se não se reeleger em 2022, seu discurso da derrota já está pronto

Em 2016, a vitória de Donald Trump sobre Hillary Clinton surpreendeu o mundo, inclusive o próprio Trump que até o último minuto da apuração não acreditava que venceria. Já fazia planos para retornar aos seus milionários negócios imobiliários.

À época, portanto, não passava pela cabeça de Trump bater às portas da Suprema Corte para contestar sua eventual derrota. Não falava disso. Passou a falar agora quando se viu desafiado por Joe Biden. “Perder logo para esse cara?” – comentou com um amigo.

Pelo menos nisso, Jair Bolsonaro largou à frente de Trump. Em 2018, ao lançar-se candidato a presidente, começou a desqualificar o processo eleitoral caso não vencesse. Disse que jamais reconheceria os resultados se não fosse eleito.

Para espanto dele mesmo, elegeu-se. Na verdade, o que ele pretendia com sua candidatura era ajudar a carreira política dos seus três filhos mais velhos – Flávio aspirante a senador, Eduardo a deputado federal e Carlos à reeleição como vereador.

Este ano, em março, ao visitar os Estados Unidos de onde voltou com a ideia de que o coronavírus não passaria de uma gripezinha, Bolsonaro afirmou que a eleição presidencial brasileira de 2018 fora fraudada para impedir que ele ganhasse no primeiro turno.

Sim, ele garantiu que tinha provas disso e que as apresentaria em breve. Como sempre, mentiu e por conveniência esqueceu o assunto. Ontem, temendo uma derrota de Trump de quem se diz amigo, idiomas à parte já que um não fala a língua do outro…

Bolsonaro, que despreza a utilidade de vacinas contra o coronavírus, inventou uma para se imunizar contra possíveis derrotas nas urnas – hoje ou no futuro. Hoje, a julgar pelo que se desenha nos Estados onde ele apoia candidatos a prefeito.

Não há um só candidato bolsonarista a prefeito em cidades importantes que lidere as pesquisas de intenção de voto. Havia um até ontem: o Capitão Wagner (PROS), em Fortaleza, que evita falar o nome de Bolsonaro ou defender o seu governo. Não há mais.

Wagner deve sua posição nas pesquisas ao desempenho como deputado estadual e ao fato de que liderou uma greve ilegal de policiais militares. Se for para o segundo turno, enfrentará uma parada dura contra um candidato apoiado pelo PT e PDT.

Foi de olho nestas e nas eleições de 2022 que Bolsonaro, ante a ameaça de ver Trump na lona, criticou a “ingerência de outras potências” nas eleições americanas, e advertiu que isso poderá repetir-se também por aqui. Bolsonaro com a palavra:

– No Brasil, poderemos sofrer uma decisiva interferência externa, na busca, desde já, de uma política interna simpática a essas potências, visando às eleições de 2022.

Se ele não se reeleger como pretende, seu discurso da derrota já está pronto. Com a diferença de que não adiantará apelar para o Supremo Tribunal Federal porque, ali, não contará com a maioria folgada de votos que Trump detém na Suprema Corte.


Ricardo Noblat: Ganhe Trump ou Biden, a eleição de hoje já passou à história

Nunca tantos votaram tão cedo

A eleição presidencial norte-americana de 2020 já garantiu seu lugar na história. Em um país onde o voto não é obrigatório, até o final da tarde de ontem, pessoalmente ou pelo Correio, 97,6 milhões de pessoas já haviam votado. Isso significa mais de dois terços do número total de votos apurados na eleição de 2016.

No último dia de campanha, na maioria dos cinco comícios que fez em quatro Estados, o presidente Donald Trump atacou a Suprema Corte onde 6 dos 9 ministros são conservadores. Trump disse que tribunal pôs o país em perigo ao permitir que a Pensilvânia aceite votos que chegarem pelo Correio após o dia da eleição.

Segundo Trump, a decisão da Suprema Corte foi política e poderá estimular manobras fraudulentas dos seus adversários. No Twitter, escreveu que ela seria capaz até de induzir “à violência nas ruas”. De imediato, o Twitter classificou as afirmações do presidente como potencialmente falsas e alertou os seus usuários para isso.

A segunda-feira foi um dia de muitas queixas feitas por Trump. Além da Suprema Corte, foram alvos delas a mídia, o ex-presidente Barack Obama, a senadora Hillary Clinton e a investigação sobre a interferência russa nas eleições de 2016. O coronavírus foi mencionado apenas de passagem. Trump tentou desacreditar as pesquisas que apontam a vitória do Democrata Joe Biden.

Parecia claramente nervoso. Em Kenosha, cidade do Estado de Wisconsin, Trump reclamou até das falhas do microfone que lhe deram. “Este é o pior microfone que já usei na vida”, disse segundo o jornal The New York Times. Prometeu devolver a todos que ali compareceram metade do preço que pagaram pelo ingresso.

Os institutos de pesquisa, menos um, concordam que Biden deverá vencer Trump com uma larga vantagem no voto popular, e uma vantagem menos expressiva no Colégio Eleitoral. O instituto que discorda da eventual vitória de Biden também no Colégio Eleitoral foi o único que há 4 anos previu a eleição de Trump.

Em cinco ocasiões, o presidente que ganhou no voto popular perdeu no Colégio Eleitoral, que é o que vale de fato. A última vez foi o próprio Trump. Cada Estado tem sua própria legislação. Há Estados menos populosos com mais votos no Colégio Eleitoral, e Estados mais populosos com menos votos. É uma zorra total.

Falta aos Estados Unidos um órgão como o nosso Tribunal Superior Eleitoral para coordenar a apuração dos votos. É a mídia, com base nas pesquisas de boca de urna, que antecipa o nome do provável vencedor. Isso poderá acontecer na madrugada desta quarta-feira. Ou arrastar-se por mais um dia.


Ricardo Noblat: Flávio Bolsonaro nada aprendeu e nada esqueceu

Descoberto o golpe que ele tentou aplicar no Senado

Ensinou Tancredo Neves, o presidente da República eleito em 1985 que morreu sem tomar posse: “Esperteza quando é muita engole o esperto”. No caso do senador Flávio Bolsonaro, o Zero Um, seria um exagero classificar de muita esperteza o que ele fez. Seus colegas de Congresso estão cansados de fazer a mesma coisa.

Flávio decidiu ir curtir com a sua mulher o feriado de Finados na paradisíaca ilha de Fernando de Noronha. E debitou na conta do Senado o custo da própria passagem área, o que só seria permitido se ele tivesse viajado a trabalho. Recentemente, o Senado pagou uma viagem dele a Manaus para escapar de uma ação da Justiça.

Cada senador, mensalmente, custa aos cofres públicos algo como R$ 135 mil, entre salário, benefícios, auxílio para que exerça o mandato e despesas de gabinete. Flávio pediu o reembolso de R$ 1.617,66 pelo preço da passagem, e o Senado o reembolsou. Pediu também o reembolso de diárias pelos seis dias que ficará na ilha.

Uma vez descoberto o golpe que pretendia aplicar no Orçamento do Senado, soltou uma nota onde afirma que tudo não passou de um “equívoco” dos seus assessores. Disse que devolverá o dinheiro já embolsado com a compra da passagem e que vai cancelar o pedido de pagamento das diárias. Taokey! Ficará por isso mesmo.

O senador está empenhado em que também fique por isso mesmo a história da rachadinha quando ele era deputado estadual no Rio, e Fabrício Queiroz seu chefe de gabinete. Segundo o Ministério Público, Flávio embolsou parte dos salários pagos pela Assembleia Legislativa a seus funcionários. Está sendo processado.


Ricardo Noblat: Mourão, o vice-presidente, desafia o dono da caneta Bic

Bolsonaro reconcilia-se com o presidente brigão que sempre foi

Beleza! À falta de com quem mais brigar, o presidente Jair Bolsonaro, que não consegue que seus ministros parem de brigar, decidiu enfrentar o general Hamilton Mourão, o vice-presidente e seu substituto imediato. É verdade que Mourão fez por onde.

Bolsonaro disse e não se cansa de repetir que o governo federal não comprará a vacina chinesa para não dar gosto ao governador de São Paulo João Doria (PSDB), seu patrocinador. Sabe-se que isso não passa de marola, mas não vem ao caso.

Em entrevista à VEJA, Mourão disse o contrário: “O governo vai comprar a vacina, lógico que vai. Já colocamos os recursos no Butantan para produzir a vacina. O governo não vai fugir disso aí”. Foi o que bastou. “A caneta Bic é minha”, respondeu Bolsonaro.

Mourão passou a falar para dentro da caserna, mas também para fora, desde que concluiu que não tem futuro como candidato na chapa de Bolsonaro à reeleição. Sonha com uma cadeira no Senado, como admitiu à VEJA. Talvez pelo Rio Grande do Sul.

Os militares cavalgaram a candidatura de Bolsonaro a presidente só para barrar as chances de o PT ganhar a eleição de 2018. Em 2022, se o PT não tiver chance, poderão abandonar Bolsonaro e cavalgar outro nome. Os generais andam irritados com o capitão.

A derrota bate à porta de Russomanno e de Crivella

Os candidatos de Bolsonaro

A história ensina que a duas semanas do dia da eleição, é mais fácil que cresça um candidato atrás nas pesquisas de intenção de voto do que se recupere outro que só tem feito cair. Este é o drama que enfrentam Celso Russomanno em São Paulo e Marcelo Crivella no Rio, ambos candidatos do partido Republicanos a prefeito.

A situação de Crivella é pior. 55% dos eleitores entrevistados pelo Ibope esta semana disseram que não votarão nele de jeito nenhum. Crivella aparece empatado com a Delegada Martha Rocha (PDT) que subiu de oito pontos percentuais para 14. Crivella oscilou dois pontos percentuais para cima, dentro da margem de erro.

Em São Paulo, enquanto Bruno Covas (PSDB), candidato à reeleição, cresceu quatro pontos e alcançou 26% nas intenções de voto, Russomanno perdeu cinco pontos e está com 20%. Poderá ser ultrapassado por Guilherme Boulos (PSOL) que saltou de 10% para 13%, ou até por Márcio França que passou de 7% para 11%.

Covas torce para enfrentar Boulos. No Rio, o líder da pesquisa, o Eduardo Paes (DEM), torce para que Crivella reaja. O perigo para Paes seria Martha Rocha. Em apuros, Crivella e Russomano gravaram um vídeo de propaganda com Bolsonaro onde o presidente pede que seus seguidores votem neles.

A rejeição a Bolsonaro é maior em São Paulo do que no Rio. Mas o apoio de Bolsonaro a Russomanno é mais sincero do que o apoio a Crivella. Em sua live semanal no Facebook, Bolsonaro disse sobre Crivella: “E terminando agora, um nome que dá polêmica, né. Porque o Rio de Janeiro sempre é polêmico.”

E em seguida: “Eu tô aqui com o Crivella, tá certo. Conheço ele há muito tempo. Foi deputado federal comigo.” A respeito de Paes, sem citar seu nome, afirmou: “Eu não quero tecer críticas, é um bom administrador. Mas eu fico aqui com o Crivella”. De fato ficou, não sem antes advertir:

– Se não quiser votar nele, fique tranquilo. Não vamos brigar entre nós por causa disso aí porque eu respeito os seus candidatos também.

Crivella está frito. Russomanno ainda alimenta alguma esperança.


Ricardo Noblat: Bolsonaro usa guaraná cor-de-rosa para ofender gays e maranhenses

Homofobia na veia

Guaraná Jesus está para os maranhenses assim como pizza está para os paulistas, Biscoito Globo para os cariocas quando dá praia, bolo de rolo para os pernambucanos, acarajé para os baianos todo santo dia e churrasco para os gaúchos nos fins de semana.

Mas como Bolsonaro tem por hábito atacar seus desafetos, valeu-se do guaraná nas poucas horas que passou, ontem, em território “inimigo” para ofender ao mesmo tempo os maranhenses, os homossexuais e o governador Flávio Dino (PC do B).

Foi sua primeira visita oficial ao Maranhão e ele fez questão de torná-la inesquecível. Desembarcou em São Luís sem máscara e indiferente às medidas de prevenção ao novo coronavírus. Inaugurou um trecho da rodovia BR-135.

E antes de voar para Imperatriz, a segunda maior cidade do Estado, tomou um copo do Guaraná Jesus e debochou da sua cor. Enquanto sua equipe fazia uma transmissão ao vivo nas redes sociais, comentou com o dono de um bar que o recepcionava:

– Agora eu virei boiola. Igual maranhense, é isso? Guaraná cor-de-rosa do Maranhão aí, quem toma esse guaraná aqui vira maranhense. Guaraná cor-de-rosa. Fod…, fod…

Boiola, segundo os dicionários, é homem homossexual, indivíduo fraco ou medroso. Homofobia é uma série de atitudes e sentimentos negativos em relação a pessoas homossexuais. O comentário reforça a acusação de que Bolsonaro é homofóbico.

Não foi a primeira vez que ele se revelou assim. Em 2011, quando perguntado se receberia de bom grado o voto de um eleitor homossexual, respondeu:

– O voto é muito bem-vindo, e tão votando num macho, eles não querem votar em boiola, é que boiola não atende os sonhos deles, tão votando num macho.

Sobre a orientação sexual dos filhos foi taxativo:

– Eu não tenho qualquer informação que um filho meu tenha um comportamento homossexual com quem quer que seja, até porque tudo o que esses bichas têm para oferecer, as mulheres têm e é melhor.

Em 2013, declarou que preferia um “filho viciado a um filho gay”. Em 2014, que a maioria dos gays foi influenciada por “amizade e consumo de drogas”. Em julho último, repetiu que jamais iria a uma parada gay porque acredita em Deus e “nos bons costumes”.

Bolsonaro só deixou o Maranhão após afirmar que o Estado é o mais atrasado do país porque seu governador é comunista. À noite, em sua live semanal no Facebook, desculpou-se:

– Estava conversando com um cara: ‘Pô, o guaraná é cor-de-rosa aqui’. Falei uns troços lá, alguém pegou, divulgou, não sei o quê, como se eu tivesse ofendendo aí quem quer que seja no Maranhão. Muito pelo contrário. […] Agora, a maldade está aí.

Planeja-se em São Luís uma manifestação em desagravo aos maranhenses e ao Guaraná Jesus.

Governo volta a lavar roupa suja em plena luz do dia

Bonde fora dos trilhos

Não é à falta do que fazer que ministros de Bolsonaro entram em choque. É porque o mau exemplo que vem de cima os contamina. Se você tem um chefe que briga por tudo e por qualquer coisa, e depois dá o dito pelo não dito, por que não copiá-lo?

Há três dias, Bolsonaro recomendou aos seus ministros que não lavem roupa suja em público. O ministro do Meio Ambiente havia chamado o general ministro da Secretaria do Governo de Maria Fofoca. Uma humilhação para quem usa farda.

A recomendação foi para o lixo menos de 72 horas depois. Embora sem citá-lo, o ministro da Economia voltou a criticar seu colega do Desenvolvimento Regional, e se não bastasse, atacou a Federação Brasileira de Bancos, um reduto do lobby, segundo ele.

Paulo Guedes fala muito e com frequência diz besteiras. Lembra alguém? O ministro alvo dos seus vitupérios viajou ao Maranhão com Bolsonaro e foi publicamente elogiado por ele. O ministro do Meio Ambiente preferiu viajar em outra direção.

Do paraíso de Fernando de Noronha, mandou dizer que invadiram sua conta no Twitter e que ele nada teve a ver com a mensagem ali postada sobre a má forma física de Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Maia, de fato, está acima do peso ideal.

Mas isso uma pessoa educada não fala a respeito de outra. Salles é tudo, menos uma pessoa educada. E, estimulado pelos filhos do presidente, bate em quem eles querem bater. A conta de Salles no Twitter foi cancelada. Ignora-se se pelo Twitter ou por ele.

Maia não respondeu a Salles. Estava ocupado em rebater insinuações malévolas feitas sobre ele pelo presidente do Banco Central, que as negou, e Maia deu-se por satisfeito. O que não tem conserto é a relação de Bolsonaro com João Doria.

Outra vez por causa da vacina chinesa, Bolsonaro voltou a atacar o governador paulista que respondeu com gosto em cima da bucha. E assim segue o Bonde do Planalto, sem rumo certo, desgovernado e fora dos trilhos. Os próximos dois anos prometem.


Ricardo Noblat: Bolsonaro, um presidente acidental, outra vez dá meia volta volver

Marcha soldado, cabeça de papel

Bolsonaro nada aprendeu em 30 anos de vida pública. Em compensação, nada esqueceu. De duas, uma. A inclusão das unidades básicas de saúde num programa de parcerias com a iniciativa privada era uma boa ideia, e por isso ele assinou o decreto publicado, anteontem, no Diário Oficial. Ou então era uma má ideia, e por isso ele revogou o decreto 24 horas depois.

Algo semelhante aconteceu na semana passada quando Bolsonaro disse que a vacina chinesa contra a Covid-19 jamais seria comprada. Foi uma humilhação para o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, especialista em logística, que anunciara a compra da vacina. Mas, em seguida, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária desautorizou Bolsonaro, e ele calou-se.

O ator Ronald Reagan foi um dos presidentes mais aclamados da história dos Estados Unidos. Detestava pegar no pesado. Não gostava de governar. Entendia de poucas coisas. Soube cercar-se, porém, de auxiliares competentes. Bolsonaro é quase tão ignorante quanto Reagan. Pegar no pesado não é com ele. Gosta do poder, de governar, não. Cercou-se de auxiliares incompetentes.

Onde já se viu assinar um decreto de tal importância, que necessariamente alcançaria larga repercussão como era fácil de prever, sem antes discuti-lo com os mais diretamente interessados e também com representantes do distinto público? Por unanimidade, os secretários estaduais de Saúde rechaçaram o decreto. O distinto público matou-o a pau sem dó nem piedade.

O movimento nas mídias sociais em defesa do Sistema Único de Saúde registrou a maior repercussão negativa via Twitter de uma medida do governo Bolsonaro desde janeiro de 2019. Dados levantados pela consultoria Arquimedes registram que 98,5% das menções feitas sobre o tema foram desfavoráveis ao decreto. A consultoria analisou mais de 150 mil referências.

Se não liga para o que lhe diz o ministro da Saúde, Bolsonaro liga em demasia para o que lê nas redes. Ali, estava acostumado a ver suas decisões aprovadas sem grandes discussões. De uns tempos para cá, parte delas passou a ser rejeitada. Foi o caso da demissão de Sérgio Moro, do seu comportamento na batalha contra o coronavírus e da aliança com o malsinado Centrão.

O mais bizarro: ao anunciar a revogação do polêmico decreto, Bolsonaro afirmou que ele era muito bom, sim senhor, e que poderá mais tarde ser reeditado. É mais fácil concluir que ele simplesmente não sabe direito por que assina certas coisas. Só sabe por que recua depois – mas isso não conta. Recua com medo de não se reeleger. É só o que lhe importa e orienta.


Ricardo Noblat: Quando o presidente abusa dos seus poderes em socorro dos filhos

O país, anestesiado, considera tudo normal

Se nada havia de anormal, por que a presidência da República tentou esconder o encontro de Jair Bolsonaro com duas advogadas de defesa do seu filho Flávio, o Zero Um, denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por lavagem de dinheiro, apropriação de parte dos salários de funcionários do seu gabinete à época em que era deputado estadual, e organização criminosa?

O encontro ocorreu há pouco mais de dois meses no gabinete de trabalho de Bolsonaro que fica no terceiro andar do Palácio do Planalto. Dele participaram também o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, e o delegado Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência, órgão encarregado de espionar adversários do governo.

Discutiu-se como salvar Flávio dos problemas que enfrenta na Justiça, e como o aparelho estatal de segurança poderia ajudar na tarefa. As advogadas apresentaram um dossiê onde estão listadas supostas irregularidades cometidas por um grupo de funcionários da Receita Federal no fornecimento de informações sobre as contas bancárias de Flávio a órgãos oficiais de fiscalização.

O governo não diz como o caso evoluiu a partir do encontro. Tudo é segredo. O general Augusto Heleno só falou a respeito quando a imprensa descobriu o uso escandaloso da máquina pública para favorecer o filho do presidente da República. E o que ele disse? Que só participou do encontro porque lhe compete garantir a segurança da família presidencial. Nada demais.

O mundo quase desabou na cabeça da ex-presidente Dilma ao saber-se que ela avisou com antecedência ao marqueteiro de sua campanha em 2014 que a Polícia Federal poderia prendê-lo a qualquer momento. Diz-se, e com razão, que o gesto de Dilma, mais do que uma simples demonstração de afetividade, configura uma clara tentativa de obstrução da justiça.

Ela não poderia ter feito o que fez. Da mesma maneira como Bolsonaro também não. Os dois abusaram dos poderes e dos privilégios do cargo. Acontece que Dilma foi derrubada, mas não por isso. Bolsonaro continua presidente, apesar disso. É investigado porque quis intervir na Polícia Federal em defesa de Flávio e de Carlos, o Zero Dois. O processo dará em nada.

De tanto se sucederem anormalidades desde que Bolsonaro chegou à presidência da República, o país, anestesiado, já não parece se espantar com mais nada. Pandemia é uma gripezinha? Tudo bem. Gripezinha que não matará sequer mil brasileiros? Tudo bem. Cloroquina é o remédio ideal contra o vírus? Tome-se. Vacina só para quem quiser se vacinar? Assim deve ser. Vida que segue.

Poupe-se o Supremo Tribunal de legislar no lugar do Congresso

Sanções para quem não se vacinar

Faz bem Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, em tomar a iniciativa de tentar se entender com o governo em torno da aplicação obrigatória ou não de vacinas contra o coronavírus. Assim, poupa o Supremo Tribunal Federal de ter que se meter no assunto. Congresso existe para legislar.

O presidente Jair Bolsonaro é partidário de que se vacine quem quiser. Quem não quiser, não deve ser obrigado. Ocorre que a saúde coletiva não pode subordinar-se à saúde individual. A esmagadora maioria dos brasileiros diz querer vacinar-se. Há meios e modos legais de forçar os demais a se vacinarem também.

Um desses meios seria criar vários tipos de sanções para os que resistem à imunização. Quem não se vacinar, por exemplo, seria proibido de frequentar locais públicos onde possa haver aglomerações. Pela mesma razão, seria também proibido de usar o transporte coletivo e de viajar ao exterior. E assim por diante.


Ricardo Noblat: Um regime como o da Venezuela para Bolsonaro chamar de seu

Líder do governo na Câmara quer uma nova Constituição

Chico Rodrigues (DEM-RO), sim, o do dinheiro na cueca e entre as nádegas, foi destituído da função de vice-líder do governo no Senado porque o que ele fez poderia respingar na imagem do presidente Jair Bolsonaro. Não seria o caso, agora, e pelo mesmo motivo, de Bolsonaro destituir também Ricardo Barros (PP-PR) da função de líder do governo na Câmara dos Deputados?

Ex-ministro da Saúde do governo Michel Temer, Barros pegou carona no plebiscito do Chile que aprovou por quase 80% dos votos a convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte para sugerir que algo parecido ocorresse por aqui. Para ele, a atual Constituição, em vigor desde 1988, deve ser reescrita porque é impossível governar com ela, tantos são os seus defeitos.

Trata-se, segundo o ex-ministro Carlos Velloso, do Supremo Tribunal Federal, da “opinião de alguém que não sabe o que é Constituição, não sabe o que é política, não sabe o que é governabilidade”. Se política tem a ver com dinheiro sujo no bolso, Barros entende. Em meados do mês passado, ele foi alvo de operação que investiga crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

A operação teve como base os depoimentos de dois ex-executivos do grupo Galvão que fecharam acordos de delação premiada com a Lava Jato. Segundo os delatores, Barros recebeu mais de R$ 5 milhões em propina da empresa Galvão Participações, de 2013 a 2014. Na época, ele era secretário de Indústria e Comércio do Paraná. O deputado jura que é inocente.

Assembleia Nacional Constituinte só faz sentido quando há uma ruptura institucional. Aqui houve quando se esgotou em 1985 a ditadura militar de 64 e o Brasil reconciliou-se com a democracia. Era preciso uma nova carta para regular o novo regime. A democracia no Chile foi restabelecida em 1990, mas o país vive até hoje sob uma Constituição herdada da ditadura.

O Congresso tem como fazer mudanças pontuais na Constituição de 1988 por meio de propostas de emendas – e muitas já foram feitas. A Constituição suportou dois processos de impeachment de presidente da República – o de Collor e o de Dilma. E tem sobrevivido incólume às investidas de Bolsonaro contra ela. Não há sequer sinais de uma ruptura institucional por estas bandas.

Então para quê reformá-la de ponta a cabeça? Para aumentar os poderes de um presidente adepto da ditadura e defensor da tortura? Era só o que faltava. Bolsonaro denuncia os males do regime venezuelano de Chávez e Maduro e, no entanto, gostaria de poder cloná-lo. É porque esse é seu sonho que ele não destituirá Barros. Se não dá agora, quem sabe em um segundo mandato?

Vida é o que importa, o mais é negacionismo ou estupidez

A obrigatoriedade da vacina

Roga-se ao ministro da Justiça, ao advogado geral da União e ao Procurador-Geral da República que orientem o presidente Jair Bolsonaro em tudo o que diga respeito ao ordenamento jurídico do país, assunto que é de supor que eles dominem. Ou não?

Em mais um ato do seu teatro mambembe à entrada do Palácio da Alvorada, dessa vez Bolsonaro afirmou que nenhum juiz pode decidir “se você vai ou não tomar a vacina” contra a Covid-19. Disse ainda que seria mais fácil investir na cura do que na vacina.

Se ele admite que ministro do Supremo Tribunal Federal é também juiz, é bom que saiba que 7 dos 11 ministros do Supremo são a favor da vacinação obrigatória. E por uma razão muito simples: interesses coletivos estão acima de interesses individuais.

Quem se recusa a ser vacinado pode contrair o vírus e infectar outras pessoas. Não há garantia de que alguém que já teve a doença não possa voltar a ter. A imunização também não é para sempre. O vírus poderá ser para sempre como tantos outros.

Em abril último, Bolsonaro tentou impedir que estados e municípios pudessem decretar medidas de isolamento. Perdeu no Supremo por 9 a zero. Perderá outra vez se tentar. Quanto a sair mais barato investir na cura do que na vacina…

Por estúpido, o argumento dispensa comentários.


Ricardo Noblat: Bolsonaro mente enquanto a Amazônia pega fogo

O exercício permanente e obstinado do engodo

Por ignorância, estupidez ou conveniência, as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a Amazônia foram de um extremo a outro nesses quase dois anos de (des)governo. Ainda no primeiro semestre do ano passado, ele disse que a Amazônia estava oquei e chamou de feia a mulher do presidente francês, preocupado com a destruição da maior floresta do planeta.

Em meados deste ano, ante o aumento do número de focos de incêndio por lá, Bolsonaro negou que a Amazônia pegasse fogo porque o clima, ali, é úmido. O que pegava fogo, segundo ele, era a periferia. Não disse que o fogo ateado na periferia deve-se à ação humana criminosa e ao desinteresse do Estado em detê-la. A omissão do Estado só fez crescer desde que ele tomou posse.

Na última quinta-feira, durante cerimônia de formatura de alunos do Instituto Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, Bolsonaro deu pelo não dito até então para afirmar que não há “nada queimado” na Amazônia, sequer “um hectare de selva devastada”. Sim, foi isso mesmo que você leu: nada queima na Amazônia e nenhum hectare de selva foi devastado.

Aproveitou a ocasião para anunciar que, em breve, vai convidar diplomas estrangeiros para um sobrevoo de uma hora e meia de parte da floresta entre Manaus e Boa Vista. Assim eles poderão constatar que a Amazônia não arde. Na verdade, o sucesso da viagem dependerá da rota traçada e da perícia do piloto para passar longe dos trechos em chama e desmatados.

Ainda faltam dois meses para 2020 acabar, mas na Amazônia o número de focos ativos de calor já ultrapassou o total registrado nos 12 meses de 2019, informa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O bioma Amazônia registrou este ano 89.734 focos. Em todo o ano passado, 89.176. Até anteontem, o número já era quase o dobro do visto no mês inteiro de outubro do ano passado.

O que Bolsonaro diz não se escreve ou não deveria ser escrito. Mas o pior é que se escreve, quando nada porque não é normal que um presidente da República minta tanto ao seu país e ao mundo.


Ricardo Noblat: General Pazuello, pede pra sair!

Farda manchada

Como acreditar no que o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, disser ou fizer doravante? Se tivesse o mínimo de preocupação com a sua e a imagem dos colegas de caserna, pediria demissão depois de desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro no caso da compra da vacina chinesa contra a Covid-19.

Mas, não. Infectado pelo vírus, recolhido ao hotel do Exército em Brasília, onde mora, Pazuello foi acordado, ontem à tarde, para receber a visita de Bolsonaro. E foi constrangido a gravar uma parte de sua conversa com ele onde afirmou: “É simples assim, um manda e outro obedece. Mas a gente tem carinho”.

Vexame, vexame, vexame! Onde já se viu um general render-se a um capitão? Ou melhor: a um ex-capitão? Tudo bem, o ex-capitão é hoje o presidente da República, e o general ainda na ativa, seu vassalo. De toda forma, pegou muito mal para ele entre seus colegas de farda. Primeiro foi desautorizado. Depois, humilhou-se.

No último fim de semana, Pazuello havia combinado com Bolsonaro no Palácio da Alvorada o que diria quando se reunisse com os governadores para discutir a compra de vacinas. E cumpriu o combinado ao anunciar:

“A vacina do Butantan será a vacina brasileira. Já fizemos carta em resposta ao ofício do Butantan, e essa carta é o compromisso da aquisição das vacinas que serão fabricadas até o início de janeiro, em torno de 46 milhões de doses, e essas vacinas servirão para nós iniciarmos a vacinação ainda em janeiro. Essa é a nossa grande novidade e isso reequilibra o processo”.

Aí, o governador João Doria (PSDB), de São Paulo, o padrinho da vacina chinesa no Brasil, celebrou o anúncio nas redes sociais e por toda parte. Aí, no dia seguinte, os bolsonaristas de raiz foram para cima de Bolsonaro nas redes. Aí, furioso e a conselho dos três filhos zeros, Bolsonaro deixou Pazuello pendurado na brocha.

Militares próximos ao presidente, e militares da reserva ficaram indignados com o episódio. Inicialmente, com o que Bolsonaro fez. Ontem, com o que fez também Pazuello. Até porque a vacina chinesa, ainda em fase de teste como as demais, se aprovada acabará sendo comprada. Doria continua rindo à toa.

Essa parada foi ganha por ele, que mais e mais se oferece como o candidato capaz de derrotar Bolsonaro em 2022. Cerca de 70% dos brasileiros se dizem dispostos a se vacinar, segundo pesquisa Datafolha. E parte deles começa a ver Bolsonaro como inimigo de tudo o que possa salvar vidas.

Em tempo: Pazuello revelou que está sendo tratado com cloroquina. Bolsonaro ficou muito satisfeito com o que ouviu.

Delegadas em alta, candidatos a prefeito favoritos, preocupados

Russomano derrete e rejeição a Crivella aumenta

O sonho de qualquer candidato é poder escolher o seu adversário. O adversário dos sonhos do prefeito Bruno Covas (PSDB), de São Paulo, por exemplo, é o deputado Celso Russomano (Republicanos), apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Nas contas de Covas, se os dois disputarem o segundo turno, ele se reelegerá com o apoio dos eleitores de Guilherme Boulos (PSOL) e de Jilmar Tatto (PT), e de uma parte dos eleitores de Márcio França (PSB). O candidato mais difícil para Covas seria França.

O adversário dos sonhos de Eduardo Paes (DEM), candidato a prefeito do Rio, é Crivella (Republicanos). O mais perigoso, a Delegada Martha Rocha (PDT). No Recife, tanto faz para João Campos (PSB) enfrentar Marília (PT) quanto Mendonça (DEM).

Marília é prima de Campos, e o PT não está inteiramente fechado com ela. Uma fatia grande apoia Campos desde já. Mendonça, que estimula a campanha “Mendonça é Bolsonaro, Bolsonaro é Mendonça”, costuma perder as eleições majoritárias que disputa.

Quem poderia dar trabalho a Campos seria a Delegada Patrícia (Podemos), apoiada pelo Cidadania, antigo Partido Comunista Brasileiro. Pois foi justamente ela que cresceu e atropelou Marília e Mendonça na mais recente pesquisa Datafolha.

As delegadas estão em alta. Enquanto Crivella despenca e sua rejeição sobe, Martha Rocha empata com ele e deve superá-lo na pesquisa da próxima semana. Em simulação de segundo turno, Patrícia e Campos já aparecem empatados.

Russomano está ladeira abaixo, para aflição de Covas e felicidade de França. Parece escrito que ele cumprirá sua sina de ser líder na largada de campanha e em seguida começar a derreter. É como cavalo paraguaio: dispara na frente e depois perde o páreo.