Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Exortação à brava gente brasileira

Longe vá temor servil

Racismo não existe. Tampouco desmatamento da Amazônia e, nesse caso, embaixadores de países europeus puderam conferir ao vivo. Pantanal em chamas? Que é isso? Começou a chover por lá. Quanto à pandemia, não passou de exagero da Organização Mundial de Saúde. Foi uma gripezinha. Só os mais fracos, que mais dia, menos dia, morreriam, de fato morreram.

E antes de dar por findo o rol de fake news criadas pelos verdadeiros inimigos do Brasil – sim, os extremistas de esquerda -, acrescente-se que ditadura militar, por aqui, nunca houve. Nem assassinatos de inimigos de um regime que, no limite, pode ser chamado de autoritário. Necessariamente forte na época em que o comunismo ameaçava a civilização ocidental e cristã.

Resta desmentir o apagão que deixou às escuras 13 dos 16 municípios do Amapá esquecido durante 14 anos pelos governos do PT e de Michel Temer. Exagero chamar de apagão o que ocorreu por lá. Um raio queimou duas subestações de energia. Quem pode prever um raio e o local onde ele vai cair? De imediato, o governo federal tomou as providências cabíveis.

Diga-se que o governo federal nada teria a ver com isso. A responsabilidade é do governo local. Mas o presidente da República não ficaria de braços cruzados enquanto uma fatia dos brasileiros enfrentasse dificuldades mesmo que temporárias. Em breve, a luz voltará a iluminar o Amapá. E as vozes isoladas que, ontem, hostilizaram o presidente se calarão arrependidas.

O país está em ordem. Reina a paz. E dará em nada a tentativa em curso de importar o vírus da segregação social para se jogar irmãos contra irmãos só porque dois policiais mal treinados mataram sem querer uma pessoa de cor. Somos todos daltônicos, e assim deveremos ser. As cores que enxergamos são o verde e o amarelo. Nossa bandeira jamais será vermelha. Deus acima de tudo!


Cristovam Buarque: Dúzia de Trumps

Partidos sem estratégia para o Brasil

Na mesma semana em que Donald Trump afirmou sua vitória contra Biden, dirigentes do PT comemoraram vitória nacional do partido nas eleições municipais. Sofrem da mesma doença: o negacionismo. Mas não são os únicos. Nos mesmos dias, outros comemoraram o fim do PT, negando duplamente a realidade: primeiro, porque este partido tem uma base sólida, está longe de acabar; segundo, porque estes que comemoram a derrota do PT, não têm vitória a comemorar, ao negar a verdadeira dimensão de nossa crise de falta de coesão e rumo, e não terem alternativa para o futuro do país.

O PSOL que se apresenta como vencedor sobre o PT e os partidos conservadores, é uma simpática novidade no nome e na sigla, mas não traz novo rumo para um Brasil sintonizado com o futuro: eficiente na economia, justo na sociedade e sustentável na natureza. Tem a mesma matriz ideológica do PT, sem o ônus de ter passado pelo poder. É a mesma concepção negando as mudanças que ocorrem na civilização industrial: os limites ecológicos ao crescimento, o esgotamento fiscal do Estado, o reacionarismo do corporativismo, a globalização, a instantaneidade nas comunicações, a elitização das classes trabalhadoras do setor formal, a mudança no perfil da pirâmide etária, a robotização e a inteligência artificial. A vitória fez bem ao cenário nacional do presente, mas não aponta uma esperança para o futuro.

Na direita, os que comemoram a vitória são responsáveis, juntos com os democratas-progressistas, pelo Brasil com dramáticos e vergonhosos indicadores sociais, com uma economia ineficiente, sem competitividade, nem inovação, salvo no mesmo setor de 500 anos atrás, agricultura e mineração.

Nenhum dos vitoriosos, na direita ou na esquerda, tem projeto estratégico para o país. Negam responsabilidade nas décadas de atraso e de injustiça, sem vigor transformador, sem olhar para o futuro; imaginando que basta arrumar a sociedade atendendo aos interesses corporativos e identitários, graças a recursos ilimitados do Estado. Negam a realidade e acreditam em mágica. Os centros comemoram vitória sem perceber que são muitos e sem propostas, divididos entre uma parte que quer aderir e outra que quer derrotar o governo.

Não estão vendo a realidade: o estancamento econômico, o tamanho da tragédia social, nem o vazio de propostas para o futuro. Uma dúzia de Trumps.

*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador


Ricardo Noblat: A segregação, no Brasil, é social, racial e dissimulada

O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, casado, pai de quatro filhos e negro

Subiu o preço das ações do Carrefour no fechamento da Bolsa de Valores de São Paulo. O motivo, segundo analistas do mercado financeiro: os maiores fornecedores de produtos da rede de supermercados não reagiram ao assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, negro, espancado até morrer por dois seguranças do Carrefour na Zona Norte de Porto Alegre.

Em pronunciamento de cinco minutos, Eduardo Leite (PSDB), governador do Rio Grande do Sul, só chamou o morto pelo nome uma vez. Falou em “excesso de violência” como causa da morte, o que permite concluir que se não tivesse havido excesso seria um episódio menor. Disse que “os excessos serão apurados”. E por duas vezes referiu-se ao ato como “crime” e “fato lamentável”.

No início da tarde, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, lamentou a morte de João, mas negou que exista racismo no Brasil: “Não, para mim no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar, isso não existe aqui. Eu digo para você com toda tranquilidade, não tem racismo”. O presidente Jair Bolsonaro escreveu no Twitter perto da meia-noite:

“O Brasil tem uma cultura única entre as nações. Somos um povo miscigenado. Brancos, negros, pardos e índios compõem o corpo e o espírito de um povo maravilhoso. […] Aqueles que instigam o povo à discórdia, fabricando e promovendo conflitos, atentam não somente contra a nação, mas contra nossa própria história. Quem prega isso está no lugar errado. Seu lugar é no lixo!”

Qual será o lugar de quem tratou a pandemia como gripezinha, prescreveu remédio que não curava a doença, e nega tudo o que o contraria? Em aparições públicas passadas, Mourão referiu-se a negros como “pessoas de cor”, associou indígenas a “certa herança de indolência” e revelou ter um neto bonito devido ao “branqueamento da raça”. Presidente e vice se merecem.

Fazem parte do currículo de Bolsonaro as seguintes declarações:

– Ele [o deputado Hélio Lopes, negro] demorou pra nascer e deu uma queimadinha.

– Eu não aceitaria ser operado por um médico cotista.

– Não sou racista. Tenho até um cunhado negro.

– O afrodescendente mais leve pesava sete arrobas [sobre os quilombolas].

Informa o Fórum Brasileiro de Segurança Pública: a quantidade de mortes entre pessoas de pele preta ou parda cresceu 33% entre 2007 e 2017. Entre não negros, subiu apenas 3,3%. Ou seja: dez vezes menos. Em 2019, a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 75 eram negras. A chance de um jovem negro ser assassinado é 2,7 vezes maior do que a de um jovem branco.

Nos Estados Unidos, os negros representam 13% da população, mas são 25% dos mortos pela polícia. No Brasil, a soma de pretos e pardos representam 55%, mas são 75% dos mortos pela polícia. Ainda que a população norte-americana seja maior que a brasileira, a polícia de lá matou no ano passado 1.099 pessoas. A de cá, em igual período, 5.804, quase seis vezes mais.

No país que foi o último das Américas a abolir a escravidão, a soma dos deputados federais eleitos há dois anos que se autodeclaram pretos (21) e pardos (104) cresceu 5%. Os brancos são 75% da Câmara. Há uma indígena. Somente daqui um quarto de século o quadro de juízes no país será composto por, pelo menos, 22,2% de pessoas negras e pardas, segundo o Conselho Nacional de Justiça.

A primeira transmissão da televisão no Brasil ocorreu há 70 anos. Desde então, e por curto período de tempo, o país teve um negro como dono de uma concessão de TV, de acordo com uma pesquisa da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. O jornalista Roberto Marinho foi até hoje o mais poderoso empresário da área de comunicação. Sabem como a ele se referiam seus desafetos?

Africano (alcunha criada por Assis Chateaubriand, fundador do Grupo Diários Associados); Neguinho (Leonel Brizola, uma vez governador do Rio Grande do Sul, duas do Rio); Crioulo (Manoel Francisco do Nascimento Brito, dono do Jornal do Brasil); e Marinho Quase Negro (Carlos Lacerda, o político que derrubou dois presidentes da República, Getúlio Vargas e Jânio Quadros).

Em 2018, pretos e pardos eram apenas 13,5% dos jornalistas em postos formais no estado de São Paulo, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Ganhavam, em média, salários 30,4% menores do que os pagos aos colegas brancos. Em 2019, homens negros não passavam de 2% dos colunistas da Folha, O Estado de São Paulo e O Globo.

“Não há como concorrer de igual para igual quando não se tem oportunidades de vida iguais”, observou a primeira colocada no vestibular para medicina da Universidade de São Paulo em 2017. E acrescentou: “A casa-grande surta quando a senzala vira médica”. Se a senzala não se rebela, a casa-grande jamais reconhecerá seus direitos – entre eles, o da igualdade.

A segregação, no Brasil, é social, racial e, como tudo aqui, dissimulada.


Ricardo Noblat: Arraes é o novo!

Na guerra dos primos, Marília, candidata do PT, sai na frente com apoio da direita

O novo virou velho e o velho o novo na guerra pela prefeitura do Recife travada por João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) – ele, filho do ex-governador Eduardo Campos que morreu em um acidente aéreo em agosto de 2014; ela, filha de um dos 10 filhos de Miguel Arraes que governou Pernambuco três vezes. Portanto, João, bisneto de Arraes, e Marília, neta.

Se a idade pesasse na definição de quem seria o novo, João venceria Marília. Ele tem 26 anos, ela 36. Mas na política, o novo e o velho se alternam a depender do que cada candidato representa. Coube a João representar um conjunto de forças que ocupa há 14 anos o Palácio do Campo das Princesas, sede do governo de Pernambuco, desde que ali chegou seu pai, neto de Arraes.

João foi o candidato mais votado no primeiro turno com 29,13% do total de votos válidos. Marília, o segundo com 27,90%. Pesquisa do Ibope aplicada entre a última segunda-feira e ontem conferiu a Marília 53% das intenções de voto e a João, 47%. Para Marília migrou parte dos votos de Mendonça Filho (DEM) e da Delegada Patrícia (PODEMOS), terceiro e quarto colocados.

Se a direita não tivesse se dividido no primeiro turno, ela estaria no segundo. Somados, Mendonça Filho e a Delegada Patrícia obtiveram 40% do total dos votos válidos. O PT só disputa o segundo turno em duas capitais – Vitória e Recife. Deve perder em Vitória e ganhar no Recife onde o PT e a direita se uniram para derrotar o PSB de Eduardo Campos e de João, seu herdeiro.

Marília foi três vezes vereadora do Recife– uma pelo PSB e duas pelo PT. Sua votação cresceu a cada eleição. Lançou-se candidata pelo PT a governadora há dois anos, mas na última hora, o partido passou-lhe a perna e apoiou o atual governador do PSB Paulo Câmara. Ela então disputou uma vaga de deputada federal. Elegeu-se como o segundo nome mais votado – o primeiro foi João.

Criada pelos pais livre e solta, Marília meteu-se na política desde cedo e à sombra do avô. João começou a despontar para a política quando apareceu no alto de um carro do Corpo de Bombeiros que conduzia o caixão com o corpo do seu pai. Foi uma das cenas mais comoventes que o Recife testemunhou. Menos de 2 anos depois, foi nomeado chefe de gabinete de Câmara.

Sob o comando do senador Humberto Costa, o PT de Pernambuco tentou barrar a candidatura de Marília a prefeita. Desta vez, a direção nacional do PT bancou a candidatura. O PT de Costa tem cargos no governo estadual e torce sem discrição para que Marília perca. Lula gravou mensagem pedindo votos para ela e prometeu comparecer à sua eventual posse como prefeita.

O PODEMOS da Delegada Patrícia e o PTB do senador Armando Monteiro Neto que apoiou Mendonça Filho anunciaram o apoio a Marília. O Cidadania, que votou em Patrícia, mas faz dura oposição ao PSB, deverá ir pelo mesmo caminho. O bolsonarista Anderson Ferreira (PL), prefeito reeleito de Jaboatão, município vizinho ao Recife, aderiu a Marília. O PL votou em Mendonça Filho.

João conseguiu no primeiro turno esconder o apoio dos dois maiores caciques locais do PSB – Câmara, o governador, e Geraldo Júlio, prefeito do Recife. É grande a reprovação aos dois. Esse será um dos trunfos de Marília no horário de propaganda eleitoral e nos debates de televisão com João. O PSB foi amplamente derrotado nas eleições para prefeito nas maiores cidades do Estado.

Se ocorrer de fato, a vitória de Marília poderá marcar o início do declínio do PSB como partido nacional de médio porte. Em 2012, liderado por Eduardo, pai de João, o PSB conquistou 433 prefeituras. Em 2016, sem Eduardo que morrera, 405. Agora, 250.


Ricardo Noblat: Bolsonaro requenta notícia velha para livrar-se de culpa

Madeira extraída ilegalmente no Brasil fica por aqui mesmo

Junto com a madeira do Brasil contrabandeada, o presidente Jair Bolsonaro quer exportar para países europeus a culpa pelo desmatamento da Amazônia.

Países não compram madeira – são pessoas que compram. Como compram também pedras preciosas, ouro, cocaína e tudo o mais que possa ser revendido com bom lucro.

O crime organizado, aqui, alimenta-se de armas compradas no mercado internacional. Aos governos, transações ilegais não interessam porque são isentas de impostos, e eles a combatem.

Ex-garimpeiro malsucedido, terrorista frustrado que acabou afastado do Exército ao descobrir-se que planejara detonar bombas em quartéis, Bolsonaro sempre teve um pé na ilegalidade.

Empregou funcionários fantasmas em seu gabinete de deputado federal. Destacou um amigo parceiro de milicianos (Queiroz) para cuidar do seu filho mais velho na Assembleia Legislativa do Rio.

Incentivou-o, e também ao filho vereador, a prestigiar notórios milicianos, vários deles acusados de assassinato, com discursos e honrarias concedidas pelo poder público.

Isso não o impediu de conquistar o apoio dos generais para barrar a eventual volta do PT ao Palácio do Planalto. E ali permanece a exercer o poder para muito além do limite da irresponsabilidade.

Quando seus atos ou a sua omissão o tornam alvo de críticas, culpa os outros. A degradação da Amazônia cresceu nos seus primeiros dois anos de governo, mas ele nada tem a ver com isso, diz.

Como não tem? A máquina de fiscalização do Ibama foi desmantelada. Em fevereiro último, o instituto dispensou-se de ter que autorizar a exportação de madeira nativa brasileira.

Bolsonaro se opôs à destruição de equipamentos usados para pôr florestas abaixo. Tomou partido, portanto, dos que desmatam ao arrepio das leis. No mínimo, é cúmplice de crime.

Menos de 15% da madeira contrabandeada tem como destino outros países. O resto é para consumo interno. O transporte é feito a céu aberto. Se a fiscalização falha, se o governo faz vista grossa…

Uma operação da Polícia Federal, em dezembro de 2017, à época do governo Michel Temer, apreendeu 120 contêineres com 2.400 m³ de madeira extraída ilegalmente.

Ela seria vendida com base em certificados falsos expedidos pelo Ibama para empresas importadoras na Alemanha, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, Portugal e Reino Unido.

A notícia é velha. Mas foi requentada, ontem, por Bolsonaro ao participar da cúpula virtual dos Brics (grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Bolsonaro prometeu revelar o nome das empresas importadoras. Fará isso com as americanas? Os governos desses países ficarão gratos pela informação que já lhes deveria ter sido repassada.

É mais uma bravata de um presidente acuado. Se for dada publicidade ao nome das empresas, elas poderão processar o governo brasileiro sob a alegação de que foram enganadas. E aí?


Ricardo Noblat: A orfandade dos que ainda acreditavam na força de Bolsonaro

Por mais que ele negue, como negou a pandemia, perdeu

São Paulo, em 2022, estará para Jair Bolsonaro como a Filadélfia esteve há pouco para Trump? Há dois anos Bolsonaro venceu em São Paulo, como há quatro Trump havia vencido na Filadélfia. São Paulo, na eleição de ontem, deu as costas a Bolsonaro e deixou os bolsonaristas órfãos de um candidato a prefeito.

Farão o quê quando tiverem de comparecer outra vez às urnas no próximo dia 29? Votar em Guilherme Boulos (PSOL), um candidato de esquerda que mimetiza Lula, nem pensar. Até hoje ainda fazem questão de lembrar que o desequilibrado mental que esfaqueou Bolsonaro em Juiz de Fora era filiado ao PSOL.

Votar em Bruno Covas (PSDB), mas como? O partido de Covas faz oposição a Bolsonaro. O governador João Doria foi escolhido por Bolsonaro como seu inimigo número um. Doria fez questão de dizer que Bolsonaro foi o grande derrotado no primeiro turno da eleição na capital paulista. Covas já avisou que quer distância dele.

Na eleição da pandemia, cresceu por toda parte a parcela do eleitorado que preferiu abster-se. Com 99,89% das urnas apuradas, o país registrou 23,14% de abstenções, o maior índice para eleições municipais dos últimos 20 anos. No Brasil, o voto é obrigatório. Talvez no futuro próximo se torne facultativo.

A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) revelou a perplexidade dos bolsonaristas de raiz ao escrever no Twitter: “O que houve com os conservadores? Erramos, nos pulverizamos ou sofremos uma fraude monumental?”. A hipótese de fraude é para relativizar a derrota. Os erros e o racha da direita aconteceram.

Era uma vez um presidente que quis mandar sozinho no partido pelo qual foi eleito. Como não conseguiu abandonou-o, como antes abandonara outros nove partidos. Lançou-se à aventura de construir um para chamar de seu, mas fracassou. Então imaginou que mesmo assim os eleitores votariam em candidatos que ele indicasse.

Não podia dar certo, como não deu. Perdeu na Filadélfia – ou melhor: em São Paulo. Perdeu no berço onde se criou – o Rio, onde Eduardo Paes (DEM) dará um passeio em Marcelo Crivella no segundo turno. Dos 45 candidatos a vereador que apoiou em diversas cidades, pelo menos 33 não se elegeram.

Bolsonaro apoiou também 13 candidatos a prefeito – e apenas dois venceram – Mão Santa (DEM), em Parnaíba, no Piauí, e Gustavo Nunes (PSL), em Ipatinga (MG). Na eleição suplementar para o Senado em Mato Grosso, sua candidata, Coronel Fernanda (Patriota), perdeu. Como justificar tão pífio desempenho?

Bem, segundo Bolsonaro afirmou tarde da noite, a ajuda dele “a alguns candidatos a prefeito resumiu-se a 4 lives num total de 3 horas”. Se foi capaz de negar uma pandemia e tantas outras coisas, por que não negaria a derrota no seu primeiro grande teste político desde que assumiu a presidência da República?

O deputado Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, disse que estas eleições servirão para devolver Bolsonaro ao seu verdadeiro tamanho, muito menor do que aparenta ter. Pode ser que sim. Pode ser que não. Vai depender das lições que Bolsonaro extraia do episódio. O tempo ainda joga a seu favor.

Centrão espera tirar vantagem de um presidente enfraquecido

Reforma ministerial à vista

O presidente Jair Bolsonaro não deve temer que o Centrão afaste-se dele. Isso não acontecerá. Quanto mais fraco ele estiver, mais o Centrão ficará ao seu lado pelo menos até às vésperas das eleições presidenciais de 2020. O Centrão quer é entrar mais no governo, jamais sair. A não ser para aderir a um novo governo.

Mas para que fique e sustente Bolsonaro em votações no Congresso, o Centrão cobrará mais cargos, mais vantagens e mais favores, confessáveis ou não. Bolsonaro será pressionado a fazer a reforma ministerial que tem administrado a conta-gotas. E a entregar cabeças que gostaria de preservar.

Em fevereiro próximo serão escolhidos os presidentes da Câmara e do Senado. O DEM e o MDB saíram fortalecidos das eleições de ontem, e os dois, e mais o PSDB de João Doria deverão se aliar de olho em 2022. Bolsonaro não terá vida fácil no Congresso. O mais bobo dos parlamentares sabe tirar a meia sem descalçar o sapato.


Ricardo Noblat: Estas eleições enterram o que Bolsonaro chamou de Nova Política

Para onde o vento sopra

Em suas lives semanais no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro pediu votos para 55 candidatos a prefeito e a vereador. Mas ontem, em mensagem postada nas redes sociais, reduziu para apenas 7 seus candidatos a prefeito, e 5 a vereador.

Os candidatos a prefeito: Coronel Menezes, em Manaus; Sartori em Santos; Delegada Patrícia no Recife; Bruno Engler em Belo Horizonte; Capitão Wagner em Fortaleza; Celso Russomanno em São Paulo; e Marcelo Crivella no Rio.

Salvo se as pesquisas de intenção de voto errarem feio, o que em tempos de epidemia é mais do que possível, estas eleições enterrarão o que Bolsonaro chamou de Nova Política quando candidato a presidente e depois de ter sido empossado.

Foi ele que matou a Nova Política, que nunca explicou direito do que se tratava. E o fez entre final de abril passado e final de maio ao concluir que se não vestisse a fantasia de presidente normal correria o risco de não completar o mandato.

No final de abril, ele ainda desafiava o Congresso e a Justiça, embora já se rendesse ao Centrão loteando o governo em troca de votos. Chegou ao ponto de ameaçar fechar o Supremo Tribunal Federal. No final de maio, depois da prisão de Queiroz, amansou.

Deu por esquecido o que dissera em sua primeira viagem a Washington como presidente quando defendeu que era preciso quebrar o “sistema” para no futuro reconstruí-lo. Bons tempos aqueles em que se apresentava como o Trump do Brasil.

O “sistema” venceu. Das 82 candidaturas mais bem posicionadas nas pesquisas em 26 capitais (Brasília não tem eleição), apenas 4 são de nomes que podem ser considerados estreantes, segundo levantamento feito pela repórter Júlia Dualibi.

As ferramentas tradicionais de disputa, como dinheiro, alianças partidárias e tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão foram reabilitadas. O espaço para surpresas foi reduzido a um tamanho insignificante. Virou pó a influência de Bolsonaro.

Se não desistir da reeleição em 2022, Bolsonaro será obrigado a se reinventar. É possível? Sim, é possível. Mas a conta da pandemia ainda não chegou para ele com todo o seu horror. E o estado da economia até lá não será seu maior trunfo.


Cristovam Buarque: Olhando para o umbigo do passado

Os erros dos progressistas

Os conservadores olham para trás, por isto é importante conhecer os erros dos progressistas que devem acenar para a construção do futuro.

O primeiro erro é não perceberem que nos, tempos atuais, Confiança é um fator determinante para o avanço de qualquer economia. Ela não funciona satisfatoriamente sem estabilidade monetária, ética na política, instituições sólidas com regras permanentes, participação no mundo global, capacidade de poupança, distribuição de renda, paz nas ruas, todos os ingredientes para dar confiança ao mercado, consumidores e investidores.

O segundo erro foi não perceberem que no longo prazo o vetor do progresso está na educação de base com qualidade para todos, tanto para aumentar a produtividade, criar tecnologia e inovação, além de ser o caminho para distribuir renda.

Os progressistas, especialmente aqueles mais à esquerda, não perceberam que “estatal” não é sinônimo de “público”. Este foi o terceiro erro. Uma empresa pode ser do governo, seus trabalhadores empregados públicos, mas seu serviço não servir à população, pela má qualidade, pela ineficiência e custo elevado. Este erro levou-os a preferir apoiar as reivindicações dos sindicatos de servidores do Estado, do que atender às necessidades da população. No lugar de sociais, os progressistas ficaram corporativos.

A base destes erros é que os progressistas não perceberam que os esquemas do passado para explicar e orientar o processo político-social não se aplicam aos novos tempos da globalização, da inteligência artificial, da robotização, das comunicações de massa personalizadas e instantâneas. Por isto, os esquemas de organização partidária baseada na divisão binária, “a favor” ou “contra”, capital versus trabalho, estatal contra privado já não servem para orientar o progresso do país em busca de coesão social e rumo histórico. Isto já aconteceu no passado, quando muitos progressistas republicanos se opuseram à Abolição da Escravidão, porque ela chegava pelas mãos de governo conservador e pelas mãos do Imperador. Eles ficaram prisioneiros dos esquemas políticos tradicionais, monarquia versus república, sem entender que o progresso não estava no regime político, mas no trabalho livre e na abertura do país ao comércio internacional.

Os progressistas de hoje não respondem ao povo e para o futuro, mas aos eleitores do momento emperrando a marcha ao futuro. Não é por acaso que depois de 26 anos no poder, nós progressistas deixamos o quadro social trágico que as estastíscas divulgadas ontem mostram. Os progressistas também não se livraram da tradição sociológica de explicar pobreza como falta de renda e não como falta de acesso aos bens e serviços essenciais, nem todos comprados no mercado.

O maior erro é ficar preso às ideias do passado e ficarem tão reacionários quanto os conservadores. Estes olhando para o passado e nós, progressistas, presos ao presente, olhando para o umbigo.

*Cristovam Buarque foi senador e governador


Ricardo Noblat: Está cada vez mais pesado o ar que Bolsonaro e Mourão respiram

Mas o show tem que continuar

Evite convidar para a mesma mesa o presidente Jair Bolsonaro e seu vice, o general Hamilton Mourão. Eles ainda convivem por obrigação. São capazes de aparecerem juntos e sorridentes em fotos para causar boa impressão. Mas tudo não passa de fingimento. Mourão não fala mal de Bolsonaro nem em público nem em particular. Bolsonaro desanca Mourão sempre que pode.

Só nesta semana foram duas vezes. Na última segunda-feira, em declaração à CNN, rebaixou Mourão ao afirmar que não conversa com ele sobre Estados Unidos nem sobre qualquer outro assunto. Mourão havia dito que “na hora certa” o presidente falaria sobre o resultado das recentes eleições americanas. Bolsonaro não perdeu a oportunidade de deixar seu vice em maus lençóis.

“O que ele (Hamilton Mourão) falou sobre os Estados Unidos é opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele”, disse Bolsonaro, que ainda não se manifestou sobre a vitória de Joe Biden e teima em aguardar o fim das ações judiciais movidas pelo presidente Donald Trump, seu aliado.

Desta vez, Bolsonaro chamou de “delírio” a existência de um plano para criar mecanismos de expropriação de propriedades, no campo e nas cidades, com registros de queimadas e desmatamentos ilegais. A medida consta de documento do Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido por Mourão ‘Se alguém levantar isso, eu demito. A não ser que seja indemissível’, bateu Bolsonaro

E acrescentou: “Para mim a propriedade privada é sagrada. O Brasil não é um país socialista/comunista”. Tampouco Mourão é um general socialista/comunista. Indemissível, é. E de vez em quando é frouxo. “Eu me penitencio por não ter colocado grau de sigilo nesse documento”, desculpou-se o vice. “Isso é um estudo. Se eu fosse o presidente, também estaria extremamente irritado”.

A Constituição prevê expropriação de imóveis rurais e urbanos em apenas dois casos: de cultivo ilegal de drogas e exploração de trabalho escravo. A proposta em estudo no Conselho da Amazônia inclui os crimes ambientais, uma forma de punir quem desmata a floresta ilegalmente. Bolsonaro está nem aí para quem faça isso. Por isso entrou na mira do futuro presidente americano.

Nos anos 80, Bolsonaro foi afastado do Exército por conduta antiética. Para complementar seu salário, e às escondidas dos seus superiores, foi garimpeiro. Planejou atentados terroristas em quartéis. Negociou a patente de capitão em troca de deixar a farda sem fazer maior escarcéu. Por muito tempo, nem ele nem seus filhos puderam frequentar colégios ou clubes militares.

A impressão que dá desde que assumiu a presidência da República é que sente especial prazer em humilhar militares que lhe prestam vassalagem incondicional. Outro dia, humilhou Eduardo Pazzuelo, ministro da Saúde, o único general da ativa em cargo de governo. Combinara com ele que a vacina Coronavac seria comprada. Desautorizou-o em seguida. Pazuello sequer reclamou.

O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo da Presidência, demitido sob pressão dos filhos de Bolsonaro, quebrou mais uma vez o seu silêncio e escreveu no Twitter:

“CANSADO DE SHOW. O Brasil não é um país de maricas. É tolerante demais com a desigualdade social, corrupção, privilégios. Votou contra extremismos e corrupção. Votou por equilíbrio e união. Precisa de seriedade e não de show, espetáculo, embuste, fanfarronice e desrespeito.”

Por mais que o general reclame, o show do palhaço vai continuar.


Ricardo Noblat: Bolsonaro é a mais perfeita tradução do seu (des) governo

De volta à normalidade

Em dia de fúria, o presidente Jair Bolsonaro teve pelo menos um momento de argúcia. Foi quando desabafou, em cerimônia no Palácio do Planalto: “Não estou preocupado com a minha biografia. Se é que eu tenho biografia”. De fato, não está. Do contrário, não teria feito o que fez em um período de poucas horas.

Começou o dia celebrando o falso insucesso da vacina chinesa contra a Covid-19. Depois disse que o Brasil, temeroso do vírus, não passa de um país de maricas. Por fim, afirmou que se não houver entendimento com o futuro governo de Joe Biden em torno do futuro da Amazônia, chegará a hora de usar a pólvora.

Biden ameaça o Brasil com sanções econômicas se Bolsonaro não cuidar melhor da Amazônia, onde aumenta o desmatamento e multiplicam-se os focos de incêndio. Bolsonaro tenta vender aos brasileiros a ideia de que outros povos querem ocupar a Amazônia porque ela é muito rica em minérios. Daí a referência a guerra.

Foram os chineses que inventaram a pólvora. Segundo garantiu há oito anos o general Maynard Marques Santa Rosa, ex-secretário de Política, Estratégia e Assuntos Internacionais do Ministério da Defesa, as Forças Armadas do Brasil não possuem munição suficiente para sustentar uma hora de combate.

Bravata pura de Bolsonaro! Que mereceu, uma hora mais tarde, a resposta indireta do embaixador americano no Brasil. Viralizou nas redes sociais o vídeo postado pelo embaixador sobre a passagem de mais um aniversário do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. Uma demonstração de força bem a propósito.

O saldo do dia em que Bolsonaro despiu a fantasia recém-vestida de presidente normal e reconciliou-se com o que sempre foi, é e será, pode ser resumido assim:

  • Aumentou a desconfiança em relação a uma vacina promissora como tantas outras que estão sendo testadas aqui e lá fora;
  • Aumentou também a desconfiança nas decisões técnicas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, até aqui amplamente respeitada no exterior;
  • O Supremo Tribunal Federal sentiu-se obrigado a interferir na questão dando um prazo de 48 horas para que o governo explique por que suspendeu os testes com a Coronavac;
  • Outra vez, os governadores se uniram contra o presidente da República e o acusaram de politizar o combate à pandemia.

O que mais, além do medo de não se reeleger em 2022, levaria Bolsonaro a comportar-se da forma estúpida e amadora como se comportou criando uma uma nova crise? Não é possível que a derrota do seu ídolo Donald Trump o tenha afetado tão gravemente a ponto de ele perder o juízo.

Maior do que o medo de não se reeleger deve ser o medo de assistir ao colapso da carreira política do seu filho mais velho Flávio Bolsonaro, réu pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no esquema de desvio de dinheiro público à época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro.

O presidente acidental eleito há dois anos transformou-se num presidente atormentado. Ruim para ele, pior para o país.

Para o livro dos pensamentos de um presidente atormentado

Medo de perder a cadeira e apelo para que deixem sua família em paz

  • “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o [governador João Doria] queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”, escreveu o presidente como resposta. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”.
  • “Tudo agora é pandemia. Tem que acabar com esse negócio. Lamento os mortos, todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade, tem que deixar de ser um país de maricas”.

(Maricas, segundo os dicionários, quer dizer: que tem comportamentos tidos como femininos; efeminado; que é homossexual; gay; repleto de covardia e medo.)

  • “Começam a amedrontar o povo brasileiro com a segunda onda. […] O que faltou para nós não foi um líder, foi não deixar o líder trabalhar”.
  • “Vem uma turminha aí falar ‘queremos o centro’, nem ódio para cá nem ódio para lá. Ódio é coisa de maricas. Meu tempo de bullying na escola era porrada. Agora chamar um cara de gordo é bullying. Nós temos como mudar o destino do Brasil, não terão outra oportunidade”.
  • “Querem chegar lá [na presidência] não pelos seus próprios méritos. Não querem chegar pelos seus méritos, mas derrubar quem está lá. Se alguém acha que tenho ‘uma tesão’ por aquela cadeira lá está completamente enganado.”
  • “Não teremos um líder feito no Brasil de dois anos, não vai aparecer. A não ser montado na grana, comprando um tantão de coisa por aí, em especial os marqueteiros. Fora isso, não terão outros líderes num curto espaço de tempo”.
  • “O Brasil não pode ir para esse lado (da esquerda), meu Deus do céu. Minha cadeira está à disposição. [Vejo pessoas] criticando, falando mal, falando besteira, mentindo, provocando, caluniando, perseguindo meus familiares o tempo todo”.

Ricardo Noblat: O centro está engarrafado com aspirantes a candidatos em 2022

Política é a arte da conversa em busca do entendimento

Sem conversa não se faz política. É saudável que os diretamente interessados nas eleições presidenciais de 2022 comecem a conversar. Daí porque é estranha a reação do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, à notícia de que o apresentador Luciano Huck e o ex-juiz Sérgio Moro se reuniram.

Huck ainda não teve coragem para se assumir como candidato à sucessão de Jair Bolsonaro, e pode ser que jamais venha a ter. Mas ele se mexe como se pudesse ser. Moro é mais discreto. Mas mesmo que não concorra, seu apoio será disputado.

Maia disparou em Moro ao dizer que não apoiará “uma chapa integrada por alguém de extrema-direita”. A mulher de Moro, no passado, disse que o marido e Bolsonaro são a mesma coisa. À época, Moro e Bolsonaro estavam de bem.

Foi a declaração de uma mulher eufórica com a perspectiva de ver o marido ocupar uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Ela não repetiria, hoje, o que falou. De resto, se Moro é um extremista de direita como quer Maia, Bolsonaro é o quê?

Lula e Ciro Gomes também conversaram. Lula nada revelou a respeito. Ciro, provocado, afirmou: “Lavamos roupa suja pra valer. Sob o ponto de vista das compreensões da questão brasileira, continuamos como estávamos antes de conversar”.

Fiel ao seu estilo briguento, Ciro aproveitou para bater em Moro, no governador João Dória (PSDB) e indiretamente no ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta que andam tendo muitas conversas. Acusou-os de ser de direita. De centro, seria ele, Ciro.

O “Efeito Joe Badin” já se faz sentir nas preliminares da eleição presidencial de 2022. São muitos os aspirantes a candidatos desejosos em se credenciar como possíveis nomes do centro. Ou de centro-esquerda. De centro-direita, só se for muito necessário.

Derrotado nos EUA, Bolsonaro prepara-se para perder aqui

Deve haver alguma razão para que ele se comporte assim

Foi ontem que o presidente Jair Bolsonaro, no que chama de seu programa eleitoral gratuito no Facebook, apareceu ao lado da Delegada Patrícia Amorim (PODEMOS), candidata a prefeita do Recife. Mas foi na semana passada que anunciou seu apoio a ela.

Até então, Patrícia estava bem nas pesquisas de intenção de voto. Superara o candidato do DEM, Mendonça Filho. E ameaçava atropelar Marília Arraes (PT) para disputar o segundo turno com o deputado João Campos (PSB). Por enquanto, já não ameaça.

A mais recente pesquisa Ibope mostra que Patrícia caiu quatro pontos percentuais, que Mendonça Filho cresceu e Marília também. O índice dos eleitores que dizem que não votarão de jeito nenhum em Patrícia dobrou nos últimos sete dias.

Em São Paulo, Celso Russomanno (Republicanos), o candidato festejado por Bolsonaro, continua andando para trás. Despencou de 20% para 12% e ficou um ponto percentual atrás de Guilherme Boulos (PSOL). A rejeição a Russomano bateu a casa dos 40%.

Bolsonaro ainda tem esperança de que seu candidato a prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), dispute o segundo turno com Eduardo Paes (DEM). Ele está um ponto à frente da Delegada Martha Rocha (PDT), mas cresce entre os eleitores mais pobres.

Cresce também a torcida de Paes para enfrentar Crivella no segundo turno. Seria para ele o adversário mais fácil de derrotar. Em sua live no Facebook, Bolsonaro citou outros candidatos que têm o seu apoio nas capitais. Todos na rabeira das pesquisas.

Votar neles, segundo disse Bolsonaro, seria uma maneira de fortalecê-lo e ao seu governo, e de derrotar os que lhe fazem oposição. Sim, Bolsonaro disse isso, sujeitando-se a que se diga mais tarde que seu apelo não foi atendido e que ele perdeu.

Bolsonaro começou a cavar sua derrota nas eleições deste ano quando abandonou o PSL pelo qual se elegeu presidente da República, e tentou, mas não conseguiu criar um partido para chamar de seu. Prometeu então que ficaria neutro. Não ficou.

No caso das eleições americanas, para quem se diz amigo de Trump que não fala a sua língua, nem Bolsonaro a dele, poderia até ser compreensível que apostasse em sua vitória. Mas não a ponto de negar-se a reconhecer que Joe Biden ganhou.

Escolheu, portanto, comportar-se como se ele, Bolsonaro, também tivesse perdido, e, como Trump, alimentasse a esperança de reverter a derrota no tapetão da Suprema Corte. A opção por ser vencido lá e cá deve ter alguma misteriosa explicação.

Dizem ministros que o cercam que Bolsonaro com isso quer dar mais uma demonstração de fidelidade à sua base eleitoral de raiz que não admite recuos. Ela está incomodada com o fato de ele ter se rendido à política tradicional que antes dizia abominar.

É, pode ser. Mas essa base já foi muito maior. E tende a encolher mais quando aparecerem nomes para disputar seus votos com Bolsonaro em 2022. Aí o bicho vai pegar para ele.


Roberto Freire: Os democratas saúdam Biden (um recado para Bolsonaro)

Vitória democrata mostra que há caminho para derrotar um líder autoritário

Os democratas de todos os matizes, em todos os lugares do mundo, saúdam a vitória de Joe Biden, o 46º presidente eleito dos Estados Unidos da América. Com ele, a primeira vice-presidente da história do país, a senadora Kamala Harris, uma mulher negra, símbolo de que a luta contra o racismo e pelo processo de integração étnica, apesar dos pesares, continua naquele país.

E, ao saudarem a vitória, comemoram a derrota do obscurantismo, do negacionismo, do preconceito e da xenofobia de Donald Trump e de sua retórica tão divisa quanto corrosiva para os valores universais e democráticos – não apenas nos EUA, mas em todo o mundo. O baguncismo trumpista, como se sabe, estendia seus tentáculos para além de suas fronteiras, inspirando líderes extremistas em outros países e ameaçando o concerto entre as nações.

O muro de hipocrisia entre os EUA e o México; os campos de detenção de imigrantes, separados de seus filhos e deportados; as sinalizações a grupos supremacistas brancos dentro e fora de seu país; a saída dos norte-americanos do Acordo de Paris; os ataques à Organização Mundial da Saúde; a verdadeira cruzada contra os direitos das mulheres na Organização das Nações Unidas; as medidas protecionistas e a paralisação da Organização Mundial do Comércio; a ameaça, enfim, à governança global.Tudo isso é um resumo incompleto das razões por que um pouco mais de sensatez, racionalidade e humanismo à frente daquela que ainda é a maior potência mundial é salutar.

É um passo adiante no processo civilizatório, certamente com imensos desafios pela no porvir, mas deixando para trás um período sombrio e os riscos mais iminentes de uma convulsão social de desdobramentos incalculáveis.Para nós, brasileiros, as relações diplomáticas entre os dois países não mudariam substancialmente. Não fosse a condução desastrosa, pessoal e sabuja da política externa pela trinca formada por Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores; Filipe Martins, assessor internacional e vidente de filme B que garantira aos bolsonaristas a vitória de Trump; e Jair Bolsonaro, o presidente que pensa ser amigo, mas é constantemente humilhado em sua subalternidade ao norte-americano.

O país nada ganhou com a histeria fanática de Bolsonaro, que colocou seus interesses pessoais com Trump acima dos interesses de Estado. Falam por si as sobretaxas ao aço brasileiro, um déficit explosivo na balança com os EUA, retaliações da China, nosso maior parceiro comercial, e um crescente isolamento no exterior. Ao ponto de a nulidade que comanda o Itamaraty ostentar orgulhosamente o título de pária internacional.

Mas esse alinhamento bisonho a Trump terá ao menos um efeito colateral positivo mais imediato: a pressão que Biden certamente passará a fazer contra a ação de criminosos na Amazônia e no Pantanal, que continuam a ser destruídos pelo fogo, e pela leniência de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, e Bolsonaro.Para a política, o exemplo da vitória democrata mostra que há um caminho para derrotar um líder autoritário, extremista e populista. Os democratas trilharam o caminho do centro, reunindo todas as forças do partido, a esquerda, os liberais, de Bernie Sanders a Pete Buttigieg, e venderam união e esperança.

Em seu protofascismo, Bolsonaro é um seguidor e imitador barato de Trump. Caberá a nós, aqui, reunirmos o pólo democrático, buscando mais as nossas convergências do que as divergências, para oferecer aos brasileiros, em 2022, um projeto alternativo aos extremos. Que ouça e enxergue os que se sentem esquecidos, fale a todos os brasileiros em sua diversidade e lhes dê esperança de um futuro melhor.

Quanto a Biden, seguiremos vigilantes. Como pedem as democracias.

*Roberto Freire é presidente nacional do Cidadania