Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Saída de Pazuello do governo é só uma questão de tempo

Ou porque será sacrificado ou porque pedirá demissão

Até quando o general Eduardo Pazuello, ministro improvável da Saúde tanto quanto Jair Bolsonaro é presidente acidental, ainda suportará o desgaste que sofre em decorrência de sua abissal ignorância sobre assuntos que é obrigado a tratar? E até quando o Exército assistirá inerte à desmoralização de um dos seus oficiais?

Pazuello não é apenas mais um militar de alto coturno que serve ao governo de um ex-capitão afastado contra sua vontade da caserna por indisciplina e conduta antiética nos anos 80 do século passado. É o único general da ativa e, como tal, membro do alto comando do Exército. Isso faz muita diferença – ou melhor: deveria fazer.

Seu colega Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo, levou meses para finalmente se render à pressão superior e pedir passagem para reserva. Militar da ativa não pode ocupar os dois lados do balcão, ora sentando-se com os que governam o país, ora com os que ditam os rumos das Forças Armadas.

Uma coisa nada tem a ver com a outra. O Exército é uma instituição permanente e apartidária. Não deve confundir-se, nem deixar-se confundir com governos cuja duração máxima é de oito anos. Era de quatro até que nos anos 90 o presidente Fernando Henrique Cardoso pegou gosto e quis ficar mais quatro. Ficou.

O Brasil registrou, ontem, quase 800 mortes pela Covid-19 em 24 horas, e o total ultrapassou a marca de 178 mil. O número de infectados se aproxima dos 7 milhões desde o começo da pandemia. Na gestão de Pazuello, a quantidade de casos aumentou 30 vezes. E se não bastasse, ele continua a dizer asneiras.

Em debate com governadores, entre eles João Doria (PSDB), de São Paulo, o ministro bateu seu recorde de asneiras. Visivelmente desconfortável no papel que Bolsonaro o forçou a viver, Pazuello disse a certa altura do duro interrogatório que enfrentou:

“Eu já expus a todos os governadores: quanto à vacina do Butantã, que não é do Estado de São Paulo, é do Butantã, eu não sei por que o senhor [Doria] tanto fala como se fosse do Estado, ela é do Butantã. O Butantã é o maior fabricante de vacinas do nosso país e é respeitado por isso”.

Por descuido ou por pena do general, Doria não respondeu que o Instituto Butantã foi fundado pelo governo de São Paulo em 1901 e desde então faz parte da Secretaria de Saúde do Estado. Ele é o fabricante por aqui da Coronavac, a vacina chinesa que desperta em Bolsonaro seus instintos mais primitivos.

Em outubro último, em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro afirmou: “A vacina da China nós não compraremos. É decisão minha”. Está gravado, o que não o impedirá de desmentir como já desmentiu que tenha dito duas vezes que o coronavírus não passava de uma gripezinha. Também está gravado, mas e daí?

O ponto alto do discurso de Pazuello aos governadores foi sobre o futuro da CoronaVac: “Quando a vacina estiver registrada, avaliaremos a demanda, e se houver demanda e houver preço, nós vamos comprar. Havendo demanda, todas as vacinas serão alvo de de nossas compras”.

Havendo demanda? Já não há?

Falta um plano de vacinação em massa. O que existe é um arremedo de plano repleto de buracos. Falta senso de urgência. Falta planejamento. Falta articulação com Estados e municípios. Falta comprar vacinas que outros países já compraram. E faltam insumos básicos, como agulhas, para que a vacinação possa começar.

Pazuello não sabe o que diz. E tem medo de dizer o que possa enfurecer Bolsonaro. Há mais de um mês, autorizado por ele, o ministro anunciou a compra de 46 milhões de doses da CoronaVac. No dia seguinte, foi desautorizado. Pazuello então admitiu envergonhado: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Tem um general que se humilha e que é humilhado em praça pública dia sim, o outro também, e isso não é uma coisa que dignifique o Exército de Caxias.


Ricardo Noblat: O Supremo Tribunal salva-se do vexame de rasgar a Constituição

Menos mal, mas nada a celebrar

Nada a comemorar quando o Supremo Tribunal Federal decide que os atuais presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado não poderão ser reeleitos. Por maioria de votos, os ministros do Supremo limitaram-se apenas a respeitar o que está escrito no parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição que diz:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

A atual legislatura começou em fevereiro de 2019 com a eleição de David Alcolumbre (DEM-AP) para presidente do Senado, e a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para presidente da Câmara. E se estenderá até fevereiro de 2023. Logo, eles não poderiam permanecer onde estão a partir de fevereiro próximo.

O que espanta é que até a semana passada houvesse no Supremo uma maioria de votos para favorecer os dois e, na prática, rasgar a Constituição. Ministros que acabaram votando contra, como Luiz Fux, por exemplo, presidente do tribunal, admitiam votar a favor com a intenção de barrar o avanço de Bolsonaro no Congresso.

O presidente da República queria a recondução de Alcolumbre, seu aliado, mas não a de Maia a quem considera um desafeto e aliado do governador João Doria (PSDB-SP) que deseja concorrer com ele na eleição de 2022. Agora, para que Bolsonaro consiga o que quer, precisaria aprovar uma emenda à Constituição. Mas como?

Emendar a Constituição requer dois terços dos 513 votos possíveis na Câmara e dos 81 no Senado. Bolsonaro não conta com mais do que 200 na Câmara, e menos da metade necessária no Senado. Resta-lhe trabalhar para que os sucessores de Alcolumbre e Maia sejam nomes pelo menos simpáticos ao seu governo.

Na Câmara, esse nome seria o do deputado Arthur Lira (PP-AL). Acontece que Lira é alvo de denúncias de corrupção e Maia se opõe à sua escolha. A parada para Bolsonaro poderá ser menos difícil no Senado onde são muitos os que desejam seu aval para se eleger. Muita água ainda rolará por debaixo da ponte até lá.

O Supremo salvou-se da vergonha de se meter onde não deveria e fechar os olhos ao que manda a Constituição – menos mal. Mas só o fez, é bom reconhecer, porque foi grande e unânime a reação da opinião pública. Pena que tenha sido acima de tudo por isso. O episódio não engrandeceu a toga.


Cristovam Buarque: Sem Teto e Sem Futuro

Radicalismo solidário não é o bastante

Boulos trouxe uma cara nova para a esquerda, mas não apresentou ideias novas da esquerda. Trouxe o radicalismo solidário, decente e justo de não aceitar um sem-teto em frente a edifício sem morador, mas não defendeu reformas necessárias para fechar a fábrica de sem-teto que caracteriza a estrutura social brasileira. Ele aproximou a esquerda dos sem-teto, mas não dos sem-futuro: uma utopia para o Brasil, a ser construída sobre bases sustentáveis. Ele ressuscitou a solidariedade que a direita nunca teve nem terá, e a esquerda eleitoreira e sindical perdeu; mas passou a ideias que foram soterradas pela evolução da realidade. A impressão é que a esquerda não percebeu que o Muro de Berlim caiu, e a direita não aceita que a Lei Áurea foi proclamada.

Não percebemos que o Estado se esgotou financeira, ética e gerencialmente. Seu gigantismo se fez ineficiente e atende mais aos interesses da própria máquina do que aos da população. Não aceitamos que estatal não é sinônimo de público, ainda menos de popular. Não vimos que para servir melhor aos interesses do povo é preciso considerar a inversão na pirâmide etária e a velocidade do avanço técnico, que a realidade exige reformas econômicas.

Não entendemos que a globalização, não é uma invenção do capitalismo, mas uma marcha da civilização industrial, e que o papel do progressista é tirar proveito dela para todos.

Não percebemos que a política não se faz mais por partidos em polarizações nítidas, mas por meios complexos com divergências e convergências, dezenas de agentes nem sempre organizados. Ainda não entendemos que inflação é uma forma de corrupção que rouba o salário do trabalhador; e que por isto a estabilidade monetária é do interesse do povo, especialmente dos pobres. Não percebemos que além do trabalho e do capital, a Confiança dos investidores e consumidores também é um fator para o bom funcionamento da economia.

Ainda não queremos entender que os limites ecológicos ao crescimento exigem mais do que proteger a natureza, exigem substituir o PIB por novos indicadores de progresso.

Sobretudo, não entendemos que educação é o vetor do progresso, tanto econômico quanto social. Por isto não radicalizamos na defesa de que as escolas dos pobres devem ter a mesma qualidade que as escolas dos ricos Não apresentamos como se faria isto, em quanto tempo, quanto custaria e quem pagaria.

O problema da direita é seu reacionarismo, social, insensibilidade e opção pelos ricos, sem desejar um país integrado socialmente; o da esquerda é a opção pelos sindicatos, não pelo povo, e sua prisão ao presente eleitoral e a ideias progressistas em um mundo passado. Por isto, conseguimos cara nova para radicalismo solidário mas não radicalismo reformista para construir utopias novas. Queremos corretamente atender aos sem-teto, no presente, mas não propomos um Brasil futuro sem sem-teto. Não temos tido ousadia de olhar para o futuro, nem defender as ideias que ele exige. A direita não aceita plenamente a abolição da escravidão, a esquerda nega a queda do muro de Berlim.

*Cristovam Buarque, professor emérito da Universidade de Brasília


Ricardo Noblat: O Supremo tem direito de errar, mas não de fingir-se de cego

A marcha da insensatez

Se por “excesso de provas”, o Tribunal Superior Eleitoral deixou de condenar a chapa Dilma-Temer acusada de abuso do poder econômico na eleição de 2014, por que o Supremo Tribunal Federal não pode simplesmente mandar às favas a Constituição, permitindo a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ)) e de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para o comando da Câmara e do Senado?

Em maio de 2004, o presidente Lula quis expulsar do país Larry Rohter, correspondente do New York Times, que dissera em reportagem que ele bebia além de conta. Durante uma tensa reunião no Palácio do Planalto, um assessor de Lula, com um exemplar da Constituição aberto na mão, apontou o artigo que impedia a expulsão do jornalista. Lula respondeu de bate pronto:

– Foda-se a Constituição.

À época, este blog foi o único meio de comunicação que publicou a história. Editores-chefes de vários jornais me telefonaram perguntando se a informação merecia crédito. Respondi que sim e lhes contei mais detalhes. Ela jamais foi desmentida. Um amigo de Lula me disse que ele mandara o assessor se foder, não a Constituição. Como não colou, desculpou-se: “Deixa pra lá”.

O placar no Supremo estava até ontem à noite em 4 votos a favor da recondução de Maia e Alcolumbre, um só a favor da recondução de Alcolumbre e dois contra. Votaram a favor Gilmar Mendes, o relator da ação, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Levandowisk. Só à favor da recondução de Alcolumbre, Kássio Nunes. Contra, Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia.

Até o próximo dia 14, deverão votar Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, o presidente do tribunal. Marco Aurélio, em seu voto, foi curto, grosso e acertou no alvo:

“A tese não é, para certos segmentos, agradável, mas não ocupo, ou melhor, ninguém ocupa, neste tribunal, cadeira voltada a relações públicas. A reeleição, em si, está na moda, mas não se pode colocar em plano secundário o parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição”.

O parágrafo 4 do artigo 57 da Constituição afirma: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”. Mais claro impossível.

O Supremo usurpa o papel do legislador quando se mete em fazer política e se afasta do seu que é o de aplicar as leis com correção. Por mais malabarismos que façam, argumentos delirantes que apresentem e citações que ilustrem seus raciocínios, os ministros não vão conseguir disfarçar que nesse caso preferiram de fato despir a toga para exercer um poder que não lhes compete.

Valem-se – quem sabe? – do que o tribuno Ruy Barbosa, em sessão do Senado no início do século passado, disse para o colega Pinheiro Machado que se insurgira contra uma decisão do Supremo:

“Em todas as organizações, políticas ou judiciais, há sempre uma autoridade extrema para errar em último lugar. O Supremo Tribunal Federal, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último, a alguém deve ficar o direito de decidir por último, de dizer alguma coisa que deva ser considerada como erro ou como verdade.”

Sim, o Supremo tem direito a errar por último. Mas não quando o erro é clamoroso e só não o enxerga quem deliberadamente se finge de cego.


Ricardo Noblat: Só cabe ao Supremo Tribunal Federal respeitar a Constituição

Vale o que está escrito

Não fosse por um detalhe, a recondução de Rodrigo Maia (DEM-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro próximo, e a de David Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado seria bem vista por muitos que os enxergam como freios ao controle que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de exercer sobre o Congresso a dois anos de tentar renovar o seu mandato.

O ano da pandemia foi aquele onde, apesar da queda de popularidade por não ter sabido enfrentar a doença, e da derrota que colheu nas eleições municipais, Bolsonaro conseguiu mesmo assim aumentar o seu poder. Livrou-se de Sérgio Moro, passou a mandar na Polícia Federal e nomeou para o Supremo Tribunal Federal um ministro que obedece às suas ordens

É verdade que Alcolumbre tem se comportado mais como aliado do presidente da República do que como político à altura da grandeza do cargo que ocupa. De olho na eleição para governador do seu Estado em 2022, mendiga favores ao governo e em troca funciona como líder in pectore de Bolsonaro no Senado. Apesar disso, escuta Maia e nem sempre ultrapassa certos limites.

Mas é o detalhe que impede que ele e Maia fiquem por mais dois anos nos lugares onde estão. Infelizmente para os dois, e talvez também para o país, o parágrafo quarto do artigo 57 da Constituição diz de maneira a não restarem dúvidas:

“Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente”.

Alcolumbre e Maia foram eleitos para presidente do Senado e da Câmara em 2018. Ou seja: na atual legislatura que só se encerrará daqui a dois anos com a eleição de novos senadores e deputados. No caso de Maia, ele completou o mandato de Eduardo Cunha (MDB-RJ), presidente da Câmara, cassado em 2016 por quebra de decoro parlamentar. Reelegeu-se em 2017 e outra vez em 2019.

Bolsonaro quer ver Maia pelas costas porque acha que ele só lhe cria problemas e não o apoiará em 2022. Torce, porém, para que a Alcolumbre seja concedida a graça de se reeleger mesmo na contramão da Constituição. A graça a Alcolumbre e a Maia, ou apenas a um deles, só poderá ser concedida pelo Supremo Tribunal Federal que a partir de hoje começará a julgar a questão.

O resultado é imprevisível, embora não devesse porque a Constituição é clara e o Supremo deve respeitá-la. Mas ele já a ignorou pelo menos uma vez quando o Senado cassou o mandato da presidente Dilma, mas não os seus direitos políticos como previsto na Constituição. À época, a sessão do Senado foi comandada por Ricardo Lewandowski, presidente do tribunal.

Assim, Dilma pode ser candidata ao Senado por Minas Gerais na eleição de 2018. Os mineiros a cassaram.


Ricardo Noblat: Bolsonaro tenta desacreditar a eficácia das vacinas contra o vírus

Se insistir em proceder como o anjo da morte, impeachment nele!

O presidente Jair Bolsonaro gosta de viver perigosamente – e ontem à noite, depois de mais um expediente de trabalho no Palácio do Planalto, deu nova prova ao deparar-se à entrada do Palácio da Alvorada com um grupo de devotos que suplicava por um aceno dele, um mero sorriso ou – quem sabe? – a suprema graça de desembarcar do carro para uma rápida conversa.

A suprema graça foi obtida. E Bolsonaro, que antigamente costumava demorar por ali quando havia jornalistas para serem alvos de seus insultos e também dos seus adoradores, ouviu os costumeiros gritos de “Mito”, de “Aleluia, irmãos” e de “Deus seja louvado” antes de puxar o assunto que realmente lhe interessava – a aplicação de vacinas contra a Covid-19.

Deu alguma boa notícia a respeito? Não. Pelo menos deu alguma informação de utilidade pública? Tampouco. Aproveitou a ocasião para comportar-se como uma espécie de anjo da morte na sua pior versão, o que prefere infundir terror nos que em breve deverão ser chamados a prestar conta dos seus pecados. Foi logo advertindo para surpresa dos seus ouvintes:

“Vamos supor que em uma das cláusulas da vacina que eu vou comprar, vamos dizer que, lá no meio, está escrito o seguinte: ‘Nos desobrigamos de qualquer ressarcimento, de qualquer responsabilidade com possíveis efeitos colaterais imediatos ou futuros’. E daí, vocês vão tomar a vacina?”

Alguns responderam que não, a maioria ficou calada. Bolsonaro não se deu por satisfeito e completou antes de dar meia volta volver e embarcar no carro:

“Eu vou mostrar todo o contrato para vocês. Quem tomar vai saber o que está tomando e as consequências. Se tiver um problema, um efeito colateral qualquer, já sabe que não vão cobrar de mim porque eu vou ser bem claro”.

O recado foi dado. Não cabia contestação. Naquele espaço, a contestação é mal vista. O presidente pode sempre se indignar e responder com um palavrão, ou mandar o contestador calar a boca ou simplesmente dar-lhe uma banana. Quantas vezes já não agiu assim, não é verdade? Teria sido o caso de lhe perguntarem: E se a vacina demorar a chegar, a quem cobramos por isso?

Ou então: a quem cobraremos se a vacina demorar a ser distribuída? Ou se faltar vacina para todo mundo? Ou se a desconfiança do presidente em relação à vacina estimular seus seguidores a não se vacinarem? E se disso resultar um maior número de mortos e de doentes? A quem os brasileiros deverão cobrar? Bolsonaro não responderia a nenhuma dessas indagações.

No último fim de semana, o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, sanfoneiro medíocre e companheiro constante de Bolsonaro em suas lives das quintas-feiras no Facebook, , revelou que o governo não conta com a possibilidade de uma segunda onda da pandemia, e “torce e reza” para que ela não aconteça. Não há um Plano B. Gilson sabe o que diz, é amigo do homem.

Ao contrário do general Eduardo Pazuello, especialista em logística, ministro da Saúde, incapaz de dar vazão a quase 7 milhões de kits para exames do vírus estocados há meses em um armazém de Guarulhos, em São Paulo, e cujos prazos de validade deverão expirar até janeiro próximo. Pazuello pode ser também amigo do homem, e dos filhos do homem, mas não sabe o que diz.

Em depoimento, ontem, no Congresso, afirmou lá pelas tantas:

“Esse vírus se propaga por aglomeração, por contato pessoal, por aerossóis, e nós tivemos a maior campanha democrática que poderia ter o nosso país, que é a municipal, nos últimos meses. Se isso não trouxe nenhum tipo de incremento ou aumento em contaminação, não podemos falar em lockdown”.

Sabe nada. E quando sabe alguma coisa e Bolsonaro ordena que ignore, ele obedece. A Fundação Oswaldo Cruz anunciou que a Rede SUS na capital do Rio está com seu sistema de saúde pública em colapso. Há uma oferta mínima de leitos, demanda reprimida de pacientes e aumento de óbitos que ocorrem em casa. Na rede privada, 98% dos leitos de terapia intensiva estão ocupados.

As inevitáveis aglomerações nas festas de fim de ano não só nas grandes cidades do país deverão agravar a situação da pandemia. O governo federal não parece se importar. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, determinou o retorno das aulas presenciais em universidades federais e particulares a partir de 4 de janeiro. Os reitores ameaçam se rebelar.

Não se brinca com a vida alheia. Até o governo chinês cairia se brincasse. Se Bolsonaro perseverar no caminho de negar o que se recusa a ver, o país assistirá ao processo de impeachment mais rápido de sua história. É como ensinou, esta semana, o prefeito Alexandre Kalil, de Belo Horizonte: “Se faltar público não tem picadeiro. Sem picadeiro não tem palhaço”.


Ricardo Noblat: O que o futuro reserva para o presidente Jair Bolsonaro

No meio do caminho tem uma pedra – a economia

E o pior para o presidente Jair Bolsonaro ainda está por chegar. Como, sem partido, ele poderia sair-se bem das eleições que terminaram ontem? Nunca antes na história dos últimos 50 anos um presidente da República, mal começou a governar, abandonou o partido pelo qual se elegeu e ficou sem nenhum.

Bolsonaro perdeu feio no primeiro turno, e mesmo tendo apostado em poucos nomes no segundo turno, perdeu feio do mesmo modo. Conseguiu ser amplamente derrotado no seu berço político, o Rio de Janeiro. Só tem a comemorar a eleição do prefeito de Vitória, que é mais conservador do que propriamente bolsonarista.

Os discursos de vitória de Bruno Covas (PSDB), prefeito reeleito de São Paulo, e de Eduardo Paes (DEM) que volta a governar a cidade do Rio, apontaram na direção de uma frente de partidos do centro para tentar derrotar Bolsonaro daqui a dois anos. O PT conseguiu a proeza de eleger menos prefeitos e vereadores do que em 2016.

A próxima batalha a ser perdida por Bolsonaro é da eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados. Ele já trabalha a favor do deputado Arthur Lira (PP-AL), do Centrão, que diz contar ali com 200 dos 513 votos possíveis. DEM, PSDB, MDB e os demais partidos de esquerda deverão juntar-se em apoio a outro nome.

No fim de dezembro, expira o pagamento do auxílio emergencial para os brasileiros mais pobres atingidos pelos efeitos do Covid-19. Falta dinheiro ao governo para prorrogá-lo. O auxílio impediu que a popularidade de Bolsonaro medida pelos institutos de pesquisa sofresse uma queda abrupta. Sem ele, como será?

Em palestra virtual na semana passada para um grupo de empresários reunidos pela Associação Comercial de São Paulo, Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, traçou um quadro assustador da economia brasileira a partir de 2021. Segundo ele, o desemprego poderá bater na casa dos 21%.

Pastore afirmou que a crise que só tende a se agravar alimenta-se da combinação perversa de vários fatores – e citou dois deles. O primeiro: a fragilidade técnica da equipe liderada pelo ministro Paulo Guedes, da Economia. O segundo: o comportamento político errático de Bolsonaro que gera insegurança.

As eleições de 2022 girarão em torno da economia, da situação em que ela se encontre, do que Bolsonaro prometeu entregar e não entregou, e, naturalmente, do seu desempenho no combate à pandemia. Se for candidato à reeleição, é previsível que dispute o segundo turno. Mas tudo conspira para que perca.


Ricardo Noblat: Onde o coronavírus pode decidir quem será eleito hoje

Em algumas cidades, já decidiu

O recrudescimento da pandemia que no Brasil já matou quase 173 mil pessoas de março último para cá, infectando mais de 6.290.160, e o medo que isso provoca em pessoas dos grupos de risco e também nos jovens podem definir quem se elegerá prefeito em muitas das 57 cidades que irão hoje às urnas.

Em algumas delas, o vírus já votou e decidiu. É o caso de Manaus onde Amazonino Mendes (PODEMOS), três vezes prefeito da cidade, três vezes governador do Estado, deverá ser derrotado por David Almeida (Avante). Amazonino tem 81 anos de idade e uma saúde frágil que quase o impediu de fazer campanha.

O vírus já votou e decidiu que Manguito Vilela (MDB) será o próximo prefeito de Goiânia. Ex-governador de Goiás, em agosto passado ele perdeu duas irmãs para a Covid-19. Contraiu a doença e está internado em São Paulo desde o final de outubro. Entubado, não sabe que venceu o primeiro turno e que vencerá o segundo.

Pesquisas de intenção de voto divulgadas ontem apontaram Bruno Covas (PSDB) como o favorito para governar a capital de São Paulo. Guilherme Boulos (PSOL) sequer votará porque testou positivo para o vírus. Mas Covas teme a abstenção de eleitores idosos que em grande número declaram sua preferência por ele.

De fato, o vírus jogará um papel importante nos lugares onde as disputas serão as mais renhidas. Porto Alegre, Vitória e Recife estão entre elas. Ali, os números registram empate técnico. E mesmo pesquisas de boca de urna que ouvem os eleitores depois de votarem podem não conseguir antecipar os resultados.

Manuela d’ Ávila (PC do B) ficou em segundo lugar no primeiro turno. Virou o jogo e ultrapassou Sebastião Melo (MDB) por uma diferença de dois pontos – 51% a 49%. Melo é mais forte entre os eleitores idosos, ela entre os mais jovens. A abstenção promete ser grande em Porto Alegre. Quem mais se absterá?

O Ibope dá como empatada a eleição para prefeito de Vitória travada por Delegado Pazolini (Republicanos) e João Coser (PT). Mas dois respeitáveis institutos de pesquisa do Espírito Santo dão Pazolini na frente. O Ibope não mediu os efeitos do debate entre os dois da sexta-feira passada quando Pazolini saiu-se melhor.

Recife é palco da batalha mais original e talvez a mais eletrizante de sua história desde que, há 20 anos, bateram-se Roberto Magalhães (PFL, hoje DEM) e João Paulo (PT). Magalhães só não venceu no primeiro turno porque lhe faltaram pouco mais de 0,5% dos votos. Por essa mesma margem, acabou derrotado no segundo.

Marília Arraes (PT) é prima de João Campos (PSB) – ela, neta do ex-governador Miguel Arraes, ele, bisneto e filho do ex-governador Eduardo Campos. João teve mais votos do que Marília no primeiro turno, mas no segundo ela abriu mais de 6 pontos de vantagem. Ibope e Datafolha, agora, dão 50% dos votos para cada um.

A ação do vírus favorecerá um ou outro. O antipetismo pode ajudar a derrotar Marília, e a fadiga com o PSB, que governa Pernambuco há 14 anos, pode ajudar a derrotar João.


Ricardo Noblat: Tal pai, tal filho. Ou a arte dos Bolsonaros de negar o inegável

Quem puxa a quem

Como Jair Bolsonaro veio primeiro ao mundo e também à política, é de supor que seus três filhos zero tenham aprendido com ele a negar o inegável. Dito de outra maneira: a mentir.

Mas seria injusto não reconhecer que o pai também aprendeu com os filhos, principalmente com o mais ardiloso deles que o guia nas redes sociais – o vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois.

Ontem pela manhã, Carlos valeu-se de sua conta no Twitter para culpar a “mídia” por mentir ao dizer que o presidente Jair Bolsonaro anunciara o fim da Lava Jato. Ele escreveu:

“Mas segundo as antas e outros bichos a lava-jato não ia acabar? Toda semana o mesmo papo furado e grande parte da imprensa mentindo sem qualquer pudor!”

Referia-se a uma nova operação da Lava Jato. esqueceu, ou fingiu esquecer, que seu pai, no dia 7 de outubro último, em cerimônia no Palácio do Planalto, afirmou:

“É um orgulho, uma satisfação que tenho ao dizer a essa imprensa maravilhosa que não quero acabar com a Lava Jato. Acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo”.

Se apenas foi irônico, pouco importa. Ele disse. Está gravado. Como gravado está para a posteridade que Bolsonaro também afirmou o que ontem à noite teve a cara de pau de negar.

Na live semanal das quintas-feiras no Facebook, ele negou que alguma vez tenha comparado a pandemia do Covid-19 com “uma gripezinha”. Falou em “gripezinha” em mais de uma ocasião.

Ao contrário do pai, Carlos consegue muitas vezes ser engraçado, irônico e ferino quando ataca seus desafetos, ou desafetos do presidente. Ultimamente, quando bate em João Doria.

“O cara feia com gravata borrada, aquele que não engana ninguém, continua sujando babadores com seus alinhados. Prudência, sofisticação, calça encravada, socialismo e liberdade!”

Ou então quando atira a esmo.

“Qualquer matéria dos blogueiros gargantas profundas começam com um tema Y e terminam com Bolsonaro. A internet revolucionou a informação e o gasto com papel higiênico!”

Mas vai e volta e revela sua obsessão por teorias conspiratórias.

“Ao que tudo indica, os atos preparatórios para uma nova tentativa de assassinato contra o Presidente continuam… até hoje também não sabemos quem mandou matar @jairbolsonaro”.

Vazamento de dados sigilosos prova que o Brasil é uma peneira

Na internet, o histórico médico de Bolsonaro e de 16 milhões de vítimas do coronavírus

Quer ironia mais perversa? O maior vazamento de dados sigilosos na história do Brasil ocorreu durante o governo de um ex-capitão aterrorizado com a hipótese de o país vir a ser espionado pela China caso ela vença a concorrência para fornecer a tecnologia 5G que aumentará a velocidade de acesso à internet.

Ao menos 16 milhões de brasileiros, o equivalente à soma das populações de São Paulo, Brasília e Maceió, com diagnóstico suspeito ou confirmado de Covid-19, tiveram seus dados pessoais e médicos expostos na internet durante quase um mês devido a um vazamento de senhas de sistemas do Ministério da Saúde.

O ex-capitão é fissurado por informações – dos outros, naturalmente. Seu governo é povoado por militares que padecem da mesma fissura. Pois bem: a ficha médica do ex-capitão, a da mulher dele e a do ministro da Saúde, esse um general especialista em logística, estão entre as 16 milhões que se tornaram públicas.

Fora as fichas de outros seis ministros de Estado, as de 16 governadores e as dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, segundo o jornal O Estado de São Paulo. Não ceda à tentação de pensar que a exposição de dados foi causada por ataque de hackers ou por falhas de segurança do sistema.

Os dados foram abertos para consulta após um funcionário do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, divulgar uma lista com usuários e senhas que davam acesso aos bancos de dados de pessoas testadas, diagnosticadas e internadas por covid nos 27 Estados. O hospital tem acesso aos dados do Ministério da Saúde.

Com as senhas, era possível acessar os registros de Covid-19 lançados em dois sistemas: o E-SUS-VE, no qual são notificados casos suspeitos e confirmados da doença com sintomas leves ou moderados, e o Sivep-Gripe, em que são registradas todas as internações por Síndrome Respiratória Aguda Grave.

Os bancos de dados do ministério trazem, “além das informações pessoais dos pacientes, detalhes considerados confidenciais sobre o histórico clínico, como a existência de doenças ou condições pré-existentes, entre elas diabete, problemas cardíacos, câncer e HIV”. E também a lista de remédios usados durante a hospitalização.

Tais informações, segundo o advogado Juliano Madalena, professor de Direito Digital, ouvido pelo jornal, são ouro puro para “empresas do ramo que queiram criar produtos específicos voltados para determinado público, para empresas de seguro de vida e planos de saúde que poderão usá-las de forma até indevida”.

O Hospital Albert Einstein demitiu seu funcionário responsável pelo vazamento. O Ministério da Saúde disse que vai apurar o caso com rigor. Diplomatas chineses nada comentaram a respeito, mas é razoável supor que tenham achado muita graça. O ex-capitão presidente quer se alinhar aos Estados Unidos contra o 5G chinês.

Em 7 de julho de 2013, o jornal O GLOBO publicou extensa reportagem com a denúncia de que a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) espionara “nas últimas décadas cidadãos e empresas brasileiras”. Telefonemas e e-mails “foram rastreados por meio de programas utilizados pela agência”.

O Brasil aparecia com destaque em mapas da NSA “como alvo importante no tráfego de telefonia e dados ao lado de países como a China, Rússia, Irã e Paquistão”. Em Brasília, pelo menos até 2002, funcionou uma das 16 bases de espionagem “nas quais agentes da NSA trabalhavam em conjunto com agentes da CIA”.

Para escutar conversas por aqui e bisbilhotar o que se escreve em computadores, o governo americano não depende da incúria de um funcionário de hospital, nem de sistemas de dados desprotegidos. Dispõe de satélites que capturam tudo o que lhe interessa. O 5G, para ele, é apenas um negócio que quer ganhar.


Ricardo Noblat: [Des] governo de Bolsonaro ignora o vírus, Biden e a China

À caça de novos conflitos

Uma vez que desistiu, não se sabe por quanto tempo, de bater de frente com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro, que só vive à base de conflitos, saiu à procura de novos alvos. E, no momento, elegeu pelo menos três de grande porte: a pandemia, o futuro governo Joe Biden e a China.

Uma segunda onda, ou o recrudescimento da primeira, bate às portas do país segundo todos os indicadores conhecidos até agora. E o que faz o [des] governo? Por ora, nada. Estoca quase 7 milhões de kits de testes do Covid-19 por ser incapaz de distribuí-los com os Estados. Ou simplesmente porque não quer distribuir.

Arrasta-se no processo de compra de vacinas suficientes para imunizar toda a população do país. Persiste em discriminar a vacina chinesa que será produzida pelo Instituto Butantã, em São Paulo, Estado governado por seu arqui-inimigo João Doria (PSDB). E sequer tem um plano para a vacinação em massa.

Joe Biden, candidato do Partido Democrata, foi eleito presidente dos Estados Unidos há duas semanas. Estados onde ele venceu recontaram os votos e confirmaram sua vitória. Donald Trump, o tutor de Bolsonaro, ordenou o início da transição de governo. Nem assim, Bolsonaro cumprimentou Biden até hoje.

Difícil imaginar que os filhos Zero de Bolsonaro ajam à revelia do pai. Jamais ousariam desafiar um patriarca tão mão de ferro, e que os educou para que obedecessem às suas ordens. Carlos, o Zero Dois, quando foi para cima do general Santos Cruz, então ministro da Secretaria de Governo, tinha sinal verde do pai.

Eduardo, o Zero Três, teve o aval para escrever no Twitter que a adesão do Brasil ao programa Clean Netwok, dos Estados Unidos, sobre a tecnologia 5G, reforça a “aliança global por um 5G seguro, sem espionagem da China”. Verdade que Eduardo apagou o que havia escrito 24 horas depois, mas aí já era tarde.

Em uma longa e dura nota oficial, a embaixada da China no Brasil acusou Eduardo e “algumas personalidades” de produzirem “uma série de declarações infames que, além de desrespeitarem os fatos da cooperação sino-brasileira solapam a atmosfera amistosa entre os dois países e prejudicam a imagem do Brasil”.

E disse também: “Instamos essas personalidades a deixar de seguir a retórica da direita americana e cessar as desinformações e calúnias sobre a China. […] Caso contrário, vão arcar com as consequências negativas e carregar a responsabilidade de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil.”

A China é o maior parceiro comercial do Brasil no mundo. O tal programa americano citado por Eduardo quer convencer governos estrangeiros a somente permitir em suas redes 5G equipamentos de fornecedores não chineses. As principais empresas brasileiras já usam tecnologia chinesa em suas redes 4G.

O que Bolsonaro pensa ganhar com o avanço da Covid-19, a falta de cortesia com Biden e a hostilidade à China? Votos o bastante para se reeleger em 2022? É apostar que um raio é capaz de cair duas vezes num mesmo lugar. As chances disso acontecer são desprezíveis.


Ricardo Noblat: Ganha emoção a disputa entre Covas e Boulos em São Paulo

Diminui a diferença entre os dois

Bruno Covas (PSDB) ficou onde estava sem perder um único ponto percentual no total das intenções de voto na nova pesquisa Datafolha para prefeito de São Paulo no segundo turno cujos resultados foram divulgados na madrugada de hoje.

Foi Guilherme Boulos (PSOL) que cresceu, reduzindo a vantagem de Covas medida na pesquisa da semana passada. Cresceu em cima de parte dos eleitores que pretendiam votar em branco, anular o voto ou que se diziam indecisos quanto a apoiá-lo.

Se antes 18 pontos separavam os dois ao se computar apenas os votos válidos, excluídos os brancos, nulos e indecisos, agora são 10. Significa que Boulos precisará tomar de Covas 5 pontos de votos válidos para chegar empatado com ele no domingo.

É possível? Sim, fácil não é. Aumentou a certeza dos eleitores: agora são 86% os que dizem que igualmente votarão em Covas ou em Boulos. Entre os 14% que admitem mudar de idéia, 52% afirmam que migrariam para o voto nulo ou em branco.

O avanço de Boulos se deu principalmente entre os eleitores mais jovens e que revelam maior disposição para votar no domingo. A grande maioria dos eleitores mais velhos está com Covas, embora os efeitos da pandemia possam reter uma parte em casa.

Se houver um voto de protesto por conta do assassinato de João Alberto no Carrefour de Porto Alegre, Boulos se beneficiará disso. Entre os que se apresentam como pretos ouvidos pelo Datafolha, ele cresceu oito pontos percentuais no total das intenções de voto.

Em resumo: tudo pode acontecer nessa reta final de campanha, inclusive nada.


Ricardo Noblat: Em cena, o jogo sujo dos candidatos ameaçados de perder a eleição

Propaganda negativa para destruir os adversários

É assim por toda parte, aqui e no exterior, quando o fantasma da derrota bate à porta dos candidatos na reta final da campanha. Eles apelam para qualquer coisa, de preferência a mentira, como derradeira arma para impedir a vitória dos adversários.

A seis dias do segundo turno, a disputa em São Paulo parece uma guerra travada por monges piedosos desprovidos de armas letais se comparada com o que ocorre de maneira particularmente dura em pelo menos duas capitais: Rio e Recife.

Campeão nacional de rejeição entre os candidatos a prefeito das maiores cidades do país, Marcelo Crivella (Republicanos) mandou distribuir no fim de semana 1,5 milhão de panfletos impressos em uma gráfica do Rio com pesadas acusações a Eduardo Paes (DEM).

Acusações que, de fato, não passam de fake news. Crivella diz que Paes é a favor da legalização do aborto, da liberação do consumo de drogas e do uso do “kit gay” para educar alunos da rede municipal. “Kit gay” foi invenção de Bolsonaro na eleição de 2018.

A mais recente pesquisa Datafolha conferiu a Paes 71% das intenções de voto contra 29% de Crivella. Só entre os evangélicos, Crivella, bispo da Igreja Universal, ainda vence Paes. O apoio de Bolsonaro será incapaz de salvá-lo de uma derrota humilhante.

Nada indica que uma derrota por diferença gigantesca esteja no radar de qualquer dos candidatos a prefeito do Recife que restaram no páreo – João Campos (PSB), bisneto de Miguel Arraes que governou Pernambuco três vezes, e Marília (PT), neta.

Mas Campos, herdeiro do pai Eduardo, que governou o Estado e morreu em um acidente aéreo em 2014 quando concorria à presidência da República, foi ultrapassado pela prima nas pesquisas e 10 pontos percentuais separam os dois.

A luz vermelha acendeu para Campos. E a saída encontrada por estrategistas de sua campanha foi desqualificar Marília. Na propaganda de televisão, ela foi acusada de ser contra a Bíblia. Em panfletos apócrifos, de ser pau mandado do PT.

A justiça proibiu Campos de questionar a religiosidade de Marília, católica, e que ontem ganhou o apoio de 13 igrejas evangélicas. Quanto à suposta subserviência de Marília ao PT, nada fez nem poderia fazer. É uma acusação política. Ela que se defenda.

O antipetismo no Recife é forte, e nisso Campos joga sua última cartada. Acontece que ele e o PSB sempre foram aliados do PT. Estiveram juntos na campanha por Lula livre e Fernando Haddad presidente. Juntos, ainda governam Pernambuco.

Do primeiro para o segundo turno, Campos não conquistou novos apoios e viu Marília crescer no eleitorado que votou nos candidatos da direita – Mendonça Filho (DEM) e a Delegada Patrícia Amorim (PODEMOS), avalizada por Bolsonaro em live no Facebook.

Esta semana, 3 pesquisas de intenção de voto darão uma ideia de como vai o humor dos recifenses. Ou Marília ampliará a vantagem sobre Campos ou assistiremos, domingo, a uma apuração dramática de votos. A primeira hipótese parece mais provável.

No combate à Covid-19, um novo desastre se anuncia

Imunização parcial

Enquanto o Ministério da Saúde se cala, e os especialistas no assunto discutem se esta ainda é a primeira ou o começo da segunda onda, só no Estado do Rio de Janeiro, em comparação com duas semanas atrás, houve um aumento de 112% na média móvel de casos e de 153% na de mortos pelo coronavírus.

Pelo sexto dia consecutivo, a doença avança no Rio. Desde março passado, ali foram infectadas 338.263 pessoas, e mortas 21.974. No país, segundo números de ontem, o vírus já infectou 6.070.419 de pessoas, matando 169.197. Ele ganhou fôlego um pouco em toda parte com o relaxamento das medidas de isolamento.

A levar-se em conta o desempenho desastroso do governo federal no combate à pandemia, o próximo desastre ganha contornos nítidos. Um total de 6,86 milhões de testes para o diagnóstico do vírus comprados pelo Ministério da Saúde perde a validade até janeiro. Estão estocados num armazém em Guarulhos, São Paulo.

O ministério informou que assinará em breve “cartas de intenção não-vinculantes” para a compra de vacinas produzidas pela Pfizer, Janssen, Bharat Biotech, Fundo Russo de Investimento Direto (responsável pela Sputinik V) e Moderna. Não citou a Coronavac, a vacina chinesa aqui produzida pelo Instituto Butantã.

O general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, quer evitar colidir outra vez com o presidente Jair Bolsonaro que deu as costas à vacina chinesa porque ela será adotada pelo governo de São Paulo. Bolsonaro elegeu o governador João Dória (PSDB) como seu principal adversário nas eleições de 2022.

O governo federal diz haver previsão de acesso a 142,9 milhões de doses pelos contratos já firmados, o que garantiria a imunização de cerca de 30% da população brasileira. A imunização de toda a população dos Estados Unidos e dos principais países da Europa já foi garantida por seus respectivos governos.