Blog do Noblat

Ricardo Noblat: Baleia Rossi será o candidato de Maia a presidente da Câmara

Falta o PT decidir se o apoiará desde já ou só mais adiante

Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, ou apenas Baleia Rossi como prefere que o chamem, 48 anos de idade, deputado federal no seu segundo mandato, ex-deputado estadual e ex-vereador de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, atual presidente nacional do MDB, será anunciado amanhã como o candidato do grupo montado por Rodrigo Maia (DEM-RJ) para disputar a presidência da Câmara.

O grupo é formado por 11 partidos – PT, PSL, MDB, PSB, PSDB, DEM, PDT, Cidadania, PV, PC do B e Rede. Juntos, eles somam 269 votos de um total de 513. Para eleger o presidente em primeiro turno são necessários 257 votos. Ao grupo ainda poderão se juntar o NOVO (8 deputados) e o PSOL (10 deputados). A disputa será contra o candidato de Bolsonaro, o deputado Arthur Lira (PP-AL)

Lira conta com o apoio do PP, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriota que, juntos, somam 204 votos. Ou seja: 65 votos a menos do que tem hoje o grupo de Maia, o atual presidente da Câmara. O Podemos (10 deputados) deverá aderir a Lira. A eleição será realizada em 1º de fevereiro e, como o voto é secreto, haverá traições nos dois lados.

O PT decidirá hoje se apresentará um pré-candidato à presidência da Câmara só para marcar posição ou se declarará desde já apoio a Rossi. Já foi maior a resistência ao nome de Rossi dentro do PT. Em carta enviada, ontem, aos seus colegas de bancada, o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) defendeu o apoio do partido ao candidato de oposição ao governo Bolsonaro.

No último sábado, por mais de duas horas, Maia e Rossi conversaram em São Paulo sobre a sucessão na Câmara com o ex-presidente Michel Temer (MDB). Até aquele momento, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) ainda era uma opção ao nome de Rossi. Deixou de ser porque seu partido, por larga maioria de votos, apoiará Lira. A conversa de Maia com Temer sacramentou a escolha de Rossi.

Levou-se em conta também a pretensão do deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) de ser candidato à presidência da Câmara. Ramalho já foi vice-presidente, é famoso pelos magníficos almoços e jantares que oferece no seu apartamento em Brasília, e calcula-se que possa atrair de 50 a 60 votos caso concorra. Mas dificilmente concorrerá contra o presidente do seu próprio partido.

A candidatura de Rossi reduzirá as chances de que seja lançado um nome do MDB para presidente do Senado. Dois nomes despontavam até então: Fernando Bezerra Coelho (PE), líder do governo no Senado, o que agradaria Bolsonaro, e Eduardo Braga (AM). Rara é a vez, como acontece agora no caso do DEM, de um partido presidir ao mesmo tempo a Câmara e o Senado.


Ricardo Noblat: Taokey, Jair Bolsonaro, você venceu!

Sociedade com o vírus pouco custou ao presidente até agora

Morreram quase 187 mil pessoas? Mais de 7 milhões foram infectadas? E daí? Quem tiver que morrer, morrerá. A pandemia só chegará ao fim depois que o vírus contaminar mais de 75% da população. É assim que o presidente Jair Bolsonaro sempre pensou desde quando o então ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, o pressionava para combater a pandemia. E assim será.

O governo não tem pressa em comprar vacinas. Ou melhor: gastar com vacinas, seringas, agulhas. Foi o próprio presidente da República quem o disse numa conversa com seu filho Eduardo, o Zero Três, deputado federal, lobista de empresas americanas de armas, o embaixador do Brasil em Washington que tentou ser, mas deu ruim. A natureza de Bolsonaro não mudou nem mudará.

Só tirou Abraham Weintraub do Ministério da Educação porque se sentiu ameaçado por um processo de impeachment. Weintraub havia sugerido a prisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal, “esses vagabundos”. Como prêmio de consolação, ganhou uma diretoria do Banco Mundial nos Estados Unidos. Salário em dólar. Aí começou a farsa de que Bolsonaro iria trocar de pele.

Dizia-se que, assustado, ele aprendera a respeitar a Justiça e o Congresso, escolhera o diálogo como principal instrumento de governo e decidira compartilhar o poder com os partidos. Tudo como fizeram seus antecessores. Finalmente, um presidente normal, e não um destruidor do sistema como ele se pretendia. A democracia estava salva. Aleluia, irmãos! Deus é pai!

Mas no final de maio último, Fabrício Queiroz, amigo há 40 anos de Bolsonaro, designado por ele para tutelar Flávio, o Zero Um, na Assembleia Legislativa do Rio, foi descoberto e preso numa casa no interior de São Paulo do advogado Frederick Wassef. Advogado de quem? Ora, de Flávio e do seu pai, embora os dois jurem de mãos postas que jamais souberam que Wassef escondia Queiroz.

Então o presidente normal ou normalizado reuniu ministros militares e anunciou que estava disposto a fechar o Supremo Tribunal Federal. Para tanto, talvez bastasse um cabo e dois soldados como Eduardo sugeriu. Não houve golpe porque, consultados, os chefes das Forças Armadas tiraram os deles das seringas. É no que dá ser um país de maricas…

Até o momento, não há plano estratégico do Ministério da Saúde para o enfrentamento da segunda fase da pandemia do coronavírus, concluiu uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União e apresentada no dia 8 deste mês. Falta a entrega de equipamentos de proteção individual, respiradores, kits de testes e sobram irregularidades em contratos assinados.

Não haverá vacina para todo mundo como Bolsonaro tem prazer de repetir. Estados Unidos e Inglaterra já começaram a vacinar. Chile e Colômbia começarão a vacinar em janeiro. A Índia prevê que terá vacinado 300 milhões de pessoas até agosto. É mais gente do que há por aqui. Bolsonaro tem 20 bilhões de reais para arcar com tudo isso, mas prefere pôr em dúvida a eficácia das vacinas.

Em poucos dias, 59 milhões de brasileiros deixarão de ter direito ao auxílio emergencial criado para atenuar os efeitos da pandemia. Isso quer dizer que, dos 68 milhões que receberam o auxílio de abril para cá, apenas os 19 milhões inscritos no programa Bolsa Família continuarão a contar com alguma ajuda do governo. Sem o benefício, 24 milhões de brasileiros voltarão à pobreza extrema.

E daí? E daí que Bolsonaro está pouco ligando porque para ele vidas pouco importam. Está mais preocupado em eleger os próximos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para poder aprovar, ali, propostas que lhe assegurem o apoio da parcela dos brasileiros, estimada em mais de 50%, que o isenta de responsabilidade pelas mortes que o vírus provocou.

Uma vez que preserve o apoio da metade dessa parcela, terá lugar garantido no segundo turno da eleição presidencial de 2022. E aí seja o que Deus quiser.


Ricardo Noblat: Bolsonaro volta a atacar a imprensa e humilha seu filho Eduardo

“Você teve um voto. O resto foi meu”

Ao assumir a presidência da República em janeiro de 2019, a prioridade número um de Jair Bolsonaro era reeleger-se dali a quatro anos. Quanto ao resto, empurraria com a barriga.

Depois, à medida que seus três filhos zeros começaram a ser alvos de denúncias por corrupção, a reeleição passou a ser a prioridade número dois. Se não salvar os filhos, não se salvará.

É preciso, pois, desacreditar os autores das denúncias, especialmente a imprensa, que as divulga e pressiona os demais poderes a investigá-las a fundo.

A mais recente denúncia bateu diretamente à porta do gabinete presidencial no terceiro andar do Palácio do Planalto, e isso explica a escalada recente dos ataques de Bolsonaro à imprensa.

Ele reuniu-se com advogados do seu filho Flávio, acusado de embolsar dinheiro público à época em que era deputado estadual no Rio, com o propósito de ajudá-los no que fosse possível.

Estavam presentes o ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e seu subordinado, o delegado Alexandre Ramagem, chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Dois relatórios, mais tarde, enviados por Ramagem aos advogados, são a prova de que a Abin deu o caminho das pedras para que eles fossem bem-sucedidos em sua tarefa.

A descoberta de que isso aconteceu, pode configurar crime de responsabilidade praticado por Bolsonaro e, no limite, até custar-lhe o mandato, deixou o presidente da República apoplético.

Sua entrevista, ontem, ao canal do filho Eduardo no Youtube não contém nada de novo, mas é uma demonstração de como ele está fortemente incomodado com o episódio.

“Me chama de corrupto, vamos lá”, desafiou Bolsonaro referindo-se à imprensa. “Me chama de corrupto, porra. Não tem mais grana mole para vocês. Acabou a treta. O fim de vocês está próximo”.

“Imprensa canalha, não vale nada”, insistiu. “Não leiam jornais. É tudo um lixo. Vão para a internet. […] Ai do ministro se eu souber que [no seu local de trabalho] tem jornais”.

Como seria impossível ocupar mais de uma hora de entrevista somente falando mal da imprensa, Bolsonaro revisitou seu estoque de temas preferidos. Ao fazê-lo, repetiu as velharias de sempre.

Sobre a facada que levou em Juiz de Fora: o caso foi mal apurado porque Sérgio Moro era o ministro da Justiça. Líderes políticos da esquerda queriam matá-lo, e ainda querem.

Sobre o voto eletrônico: não confia nele e, por seus cálculos, mais de 70% dos brasileiros também não. Perguntou: “Em que país do mundo esse sistema foi adotado?”

Sobre tortura no período da ditadura militar de 64: “[Os que reclamam] não eram presos políticos, eram terroristas. E eram tratados [nos porões do regime] com toda a dignidade”.

Sobre as eleições municipais: “A imprensa falou que eu perdi. Quantos prefeitos eu tinha? Zero. Então vou dar uma de Dilma aqui: Eu não ganhei nem perdi”.

E sobre a pandemia: “Ela está chegando ao fim. A pressa da vacina não se justifica. Vão inocular algo em você. O seu sistema imunológico pode reagir ainda de forma imprevista”.

Por último, em meio a risadas, humilhou o filho ao trocar de posição com ele. Travou-se então o seguinte diálogo:

– Vamos ver se você está ficando inteligente. Você teve quantos votos nas últimas eleições? – perguntou Bolsonaro.

– Eu fui eleito [deputado federal por São Paulo] com 1.843.735 votos em 2018 – informou Eduardo.

– Não aprendeu nada. Você teve um voto. O resto foi meu.

Enquanto o pai gargalhava, o filho apenas retrucou:

– Você não acha que foi o meu trabalho?

Bolsonaro não respondeu.


Cristovam Buarque: IDH - A culpa é nossa

Ignorar a responsabilidade dos governos anteriores é uma forma de negacionismo

O atual Presidente da República é o menos dotado de inteligência, capacidade gerencial, empatia social, espírito de tolerância e gosto pelo diálogo entre todos os que foram eleitos ao longo dos 130 anos de República; isto não justifica jogar sobre ele a responsabilidade pela queda da classificação do Brasil na escala do IDH. Ignorar a responsabilidade dos governos anteriores é uma forma de negacionismo, mentira que impede conhecer a realidade e aprender com os erros.

O IDH de cada país foi definido por dados de 2019, mas resultantes de anos e até décadas de descasos anteriores. A culpa, portanto, é dos governos precedentes ao longo de toda a República, especialmente nos 33 anos da nova democracia, dos quais 26 por governos progressistas, 13 dos quais de esquerda. A piora na renda per capita entre o IDH anterior e o atual não ocorreu por causa de 2019, mas devido a recessão iniciada em 2014. Os efeitos do período Bolsonaro serão vistos no futuro, e tudo indica que teremos quedas ainda maiores. Mas esta queda foi culpa nossa, não dele. Até porque nosso IDH melhorou ligeiramente, outros cinco países melhoraram mais e nos superaram.

Nisto está nossa falta: melhoramos ficando para trás, sobretudo em educação. Depois de quase 50 anos de medidas paliativas, avançamos piorando ao ampliar três brechas: avançamos, mas os outros países avançaram mais; a educação dos pobres melhorou, mas a dos ricos mais; estudamos mais, entretanto, o que ensinamos aumentou menos do que o que o mundo moderno exige.

Tudo indica que os países vizinhos, inclusive mais pobres, erradicarão o analfabetismo de adultos antes do Brasil. Os que se preocupam com a educação investem em escolas privadas para resolver o problema de seus filhos, não do país. Não têm educação de qualidade como propósito nacional, apenas para seus filhos, ignoram a educação de todos que é utilizada para calcular o IDH. Não vemos a necessidade de executarmos uma estratégia nacional consistente a longo prazo, para termos educação de qualidade para todos, sem o que o IDH não sobe em relação aos outros países.

A resistência à essa estratégia decorre, em primeiro lugar, de que não e gostarmos de longo prazo, preferimos as ilusões dos pequenos passos – Fundef, Fundeb I e II, Piso Salarial do Professor, Merenda, Livro Didático, PNE-I e II, IDEB, ENEM. Tudo certo e tudo insuficiente. Em segundo lugar, porque educação com a máxima qualidade pelos padrões internacionais não é um sonho brasileiro, ainda menos a crença de que a escola deve ter a mesma qualidade independente da renda e do endereço da família. Preferimos nos comparar pelo padrão FIFA do que pelo padrão PISA ou IDH. Nestas condições, dificilmente vamos ter uma estratégia de longo prazo para o governo federal adotar a educação de base nas cidades pobres. o apego municipalista prefere sacrificar as crianças das cidades pobres a entregar as escolas municipais ao governo federal.

Por isto, daqui a dois anos teremos novas surpresas tristes com o PISA e com o IDH e jogaremos a culpa no governo do momento, esquecendo os erros de todos nós no passado e relegando a tragédia no futuro.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador


Ricardo Noblat: O dia em que auxiliares de Bolsonaro se ocuparam em corrigi-lo

Vexame!

Na última quinta-feira à noite, depois de amargar uma série de derrotas no Supremo Tribunal Federal e no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou sua live semanal no Facebook para responder aos seus seguidores nas redes sociais que cobravam o pagamento da 13ª parcela do Bolsa Família como ele prometeu na campanha eleitoral de 2018.

E o que ele disse logo se espalhou com cheiro de queimado entre os principais ministros do governo. Bolsonaro culpou o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, por ter deixado caducar a Medida Provisória que garantia o pagamento este ano. Para variar, mentiu. Foi a pedido dele que a Medida Provisória deixou de ser votada. Faltou dinheiro para honrar o compromisso.

Maia reagiu chamando Bolsonaro de mentiroso e anunciou que no dia seguinte poria a Medida Provisória em votação. Tocou o Deus nos acuda dentro do governo. E a fórmula encontrada para reparar o estrago foi escalar auxiliares do presidente para corrigi-lo. Em entrevista coletiva, a pretexto de fazer um balanço do ano, o ministro Paulo Guedes, da Economia, admitiu:

– Sou obrigado, contra minha vontade, a recomendar que não seja dado o 13º do Bolsa Família. É lamentável, mas precisamos escolher entre um crime de responsabilidade [que seria o pagamento da 13ª parcela] e a lei [de responsabilidade fiscal que pune a realização de gastos sem previsão no Orçamento].

Enquanto o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo, disparava telefonemas para líderes de partidos insatisfeitos com o que dissera Bolsonaro, o deputado Ricardo Barros, líder do governo, reconhecia nas redes sociais que tudo não passara de um mal entendido do presidente da República. Mais tarde renovou o pedido de desculpas em discurso na Câmara.

O dia ainda não tinha terminado. Na contramão do discurso oficial do governo, o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Roberto Fendt, em evento virtual da Sociedade Nacional de Agricultura, afirmou que o Brasil nada ganhou com os acordos comerciais assinados recentemente com os Estados Unidos

“Se me prometerem que não vão contar ao presidente (Jair Bolsonaro) o que vou contar agora… Mas o protocolo é bom para eles [EUA]”, observou Fendt. “Não ganhamos nada com a aproximação com o presidente Donald Trump.” E repetiu: “Celebrou-se abertura de linha crédito nos EUA. Para quem? Para os exportadores americanos. Ganhamos muito pouco”.

Bastou por aí? Não. Bolsonaro criticou a decisão do Supremo Tribunal Federal de tornar obrigatória a vacinação em massa contra a Covid-19 e de impor restrições a pessoas que não quisessem se vacinar. Garantiu que o governo federal não imporia nenhuma restrição. Porém, em entrevista ao STB, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, disse o contrário:

– É uma decisão [a do Supremo] que vejo com muita naturalidade, porque já estava previsto por lei. Só está sendo ratificada e define o que o Ministério da Saúde vai dizer… Cabe a nós colocar quais são essas restrições. Então é uma coisa natural, isso será avaliado. Claro que não é uma obrigação forçada, ninguém vai tirar você da sua casa para vacinar. Ficou claro essa posição.

Bolsonaro disse que não haveria vacinas para todos. Pazuello disse:

– Existe um cronograma. Dentro de um cronograma será disponibilizada para todos […] Chegando ao final de um cronograma, considerando aí as entregas dos laboratórios, as produções nacionais, os registros da Anvisa, a logística como um todo, ao final nós teremos disponibilizado a todas as pessoas do nosso país, de forma gratuita, universal e igualitária.

Em tempo: embora tenha contraído o vírus e se recuperado, Pazuello antecipou que irá se vacinar, sim. Bolsonaro foi vítima do vírus, mas nega que tomará a vacina. Confia na sua saúde de atleta.


Ricardo Noblat: O dia amargo em que Bolsonaro só colheu derrotas

Seus seguidores estão ficando impacientes

Para o gosto do presidente Jair Bolsonaro, a quinta-feira 17 de dezembro até que começara bem. Em cerimônia no Palácio do Planalto, ele deu posse ao novo ministro do Turismo, Gilson Machado, líder de uma banda de forró em Pernambuco, e sanfoneiro que costuma tocar o instrumento nas lives semanais do presidente no Facebook. Uma vez até cantou a Ave-Maria.

O que disse Machado no seu discurso soou como música aos ouvidos de Bolsonaro e o deixou feliz a poucas horas de ter que voar para inauguração de obras em Minas Gerais e na Bahia. Refratário, como seu chefe, a medidas de isolamento social, Machado defendeu que festas de fim de ano reúnam ao menos 300 pessoas. Assim as aglomerações seriam evitadas.

“A gente tem que viver a vida, não morrer por antecipação”, argumentou o ministro, e recebeu aplausos. Em seguida, derramou-se em elogios a Bolsonaro: “O senhor está recuperando a autoestima do povo” (mais aplausos). “Aonde o senhor vai, o povo o aclama” (nesse momento, Bolsonaro sorriu). A cerimônia foi curta. O dia seria estafante para o presidente, e de fato foi.

Ele ainda estava em Jacinto, município de Minas Gerais, para o lançamento da pedra fundamental da implantação e pavimentação da BR-367, quando começou a receber notícias que o indignaram. O Supremo Tribunal Federal decidira que a vacinação contra a Covid-19 seria obrigatória. E também que governadores e prefeitos poderão impor restrições a quem não se vacinar.

Em Porto Seguro, na Bahia, segunda escala da viagem, Bolsonaro ficou sabendo que uma liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski autorizara Estados e municípios a comprar vacinas registradas por agências sanitárias de outros países. Foi em Porto Seguro que Bolsonaro resolveu passar recibo do seu desconforto. Sem referir-se às notícias, discursou:

– Se o cara não quer ser tratado, que não seja. Eu não quero fazer uma quimioterapia e vou morrer, o problema é meu, porra.

Ao desembarcar de volta a Brasília, seu humor só fez piorar. Foi quando conheceu trechos dos votos dos ministros do Supremo no julgamento das ações sobre a vacinação. Todos, à exceção do único ministro indicado por ele para o tribunal, Kássio Nunes Marques, bateram de frente com o que Bolsonaro pensa, fala e repete à exaustão país afora, dia sim e o outro também.

“A preservação da vida, da saúde individual ou pública, em país como Brasil com quase 200 mil mortos pela Covid-19, não permite demagogia, hipocrisia, ideologias, obscurantismo, disputas eleitoreiras e ignorância” (Alexandre de Moraes). “O egoísmo não é compatível com a democracia. A Constituição não garante liberdade a uma pessoa para ela ser egoísta” (Cármen Lúcia).

Para amargar ainda mais o dia de Bolsonaro, a Câmara endossou decisão do Senado e rejeitou ampliar o repasse de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica para escolas ligadas a igrejas. E, nas redes sociais, seguidores dele ocuparam-se em criticá-lo a pretexto de qualquer coisa – uma delas, o não pagamento este ano da 13ª parcela do Bolsa Família.

Bolsonaro jogou a culpa no deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Que retrucou chamando-o de “mentiroso”. O presidente só foi dormir depois de responder pessoalmente aos ataques dos que antigamente se limitavam a lhe dar razão em tudo ou em quase tudo:

– Impressionante, os caras descem a lenha em mim. Lógico que a esquerda bate palma para essa direita burra, direita idiota. Bateram palmas para vocês. Vocês não sabem, não interpretam, não conseguem saber o que foi votado e descem o cacete. Não fica agindo como papagaio, repetindo o que um idiota escreve.

A certa altura, cairá a ficha da maior parte dos brasileiros e eles descobrirão que o presidente acidentalmente eleito lhes fez muito mal. O risco é de que tal momento de iluminação só se dê depois de ele ser reeleito daqui a dois anos. Seriam mais quatro anos perdidos – e a que preço? Preservar o meio ambiente não lhe interessa como já demonstrado. Tampouco educação e cultura.

Reforma do Estado foi promessa para atrair o voto dos liberais. A combater a corrupção, prefere aliar-se a políticos corruptos. Segurança pública resume-se a facilitar o acesso a armas – e os milicianos agradecem. Enfrentar a pandemia é deixar o vírus livre para infectar o maior número de pessoas. Vidas não importam porque todos haverão de morrer um dia, e ele não é coveiro.


Ricardo Noblat: Doria derrota Bolsonaro, e o Brasil só tem a ganhar com isso

Presidente rende-se à vacina chinesa e à pressa do governador

Quando se vê em apuros depois de esticar a corda e ela dá sinais de que se romperá do seu lado, o presidente Jair Bolsonaro costuma recuar e falar manso. Foi o que fez mais uma vez – desta, no anúncio do que chamou de “plano de vacinação contra a Covid-19”, ao pregar “a união” para combater “algo que nos aflige há meses”.

O “algo”, tratado por ele como “gripezinha” incapaz de matar 8 mil pessoas, matou até ontem quase 184 mil e infectou mais de 7 milhões. A média móvel de casos chegou a 44.654. O país não atingia esse nível de contaminação desde 4 de agosto. Já a média móvel de mortes foi de 684, a maior desde 2 de outubro.

O recuo de Bolsonaro deve-se à iminente aprovação da vacina CoronaVac pela agência de vigilância sanitária da China, uma das quatro referências globais para a avaliação de novos medicamentos. Pela lei brasileira, tão logo isso aconteça, o uso da CoronaVac em território nacional torna-se imediatamente possível.

Daí porque o Ministério da Saúde anunciou que a CoronaVac será uma das vacinas a ser compradas, no caso ao Instituto Butantã, de São Paulo, encarregado de produzi-la. Vitória do governador João Doria (PSDB) que saiu na frente. Doria poderá se dar ao luxo de deixar por conta do ministério a aplicação da vacina.

Eduardo Pazuello, doublé de general especialista em logística e ministro da Saúde, disse não ver motivo para tanta “angústia” e “ansiedade”. Bolsonaro, que havia falado que o Brasil vive “o finalzinho da pandemia”, completou que o país vive agora uma “situação de quase normalidade”. Negacionismo na veia!

Não haverá normalidade até que todos ou quase todos os brasileiros sejam vacinados. Isso se dará só ali pelo final do próximo ano ou início de 2022 por culpa de um governo que não levou a pandemia a sério, não preparou-se para enfrentá-la e até aqui sequer dispõe de seringas e agulhas para aplicar as vacinas.

Edital do Ministério da Saúde publicado ontem prevê a aquisição de 300 milhões de kits de seringas e agulhas. A entrega será permitida até 31 de dezembro de 2021. O ministério ignora há 6 meses um pedido do Ministério da Economia para que diga se tem interesse ou não na importação de seringas da China.

“Com o desastre que é o ministro da Saúde, os militares vão perder o que ganharam de imagem nos últimos anos após a redemocratização”, afirmou Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. “Pazuello é um ótimo general para fazer a logística do Exército, mas, para fazer a logística da Saúde, é um desastre”.

Desastre maior é quem o escolheu para a tarefa.


Ricardo Noblat: Bolsonaro descumpre a Constituição que jurou respeitar

Comportamento criminoso

Jair Messias Bolsonaro tem o direito de comportar-se como um suicida diante da pandemia que matou mais de 182 mil pessoas no Brasil desde março último. A vida é sua e ele faz com ela o que quiser. Mas nem ele e nem ninguém tem o direito de pôr em risco a vida alheia por não dar valor à sua ou porque se julga imortal.

Direito à opinião todo mundo tem. Bolsonaro e seus devotos de raiz, por exemplo, acreditam que a Covid-19 é um vírus criado em laboratório e posto a circular pelo mundo para servir aos interesses geopolíticos da China. Direito a fatos ninguém tem. Fatos são verdades provadas, comprovadas e inquestionáveis.

Repete o presidente que sua saúde é de atleta. De fato, foi de atleta quando ele se destacava nos quartéis por correr a grande velocidade. Ganhou várias provas. Há registros no seu prontuário. Quanto a gozar ainda de saúde de atleta, não passa de opinião. Nunca mais deu provas disso. Foi vítima do coronavírus.

Somente ontem, em três ocasiões, protagonizou atos contra a vida – dos outros, diga-se. O primeiro ao reunir-se com milhares de produtores e de vendedores de frutas e legumes em São Paulo, quase todos sem máscaras, ele também. O segundo, outra vez sem máscara, ao visitar Sílvio Santos, um idoso de 90 anos de idade.

O terceiro foi o mais escandaloso. Bolsonaro aconselhou Eduardo Pazuello, doublé de general e de ministro da Saúde, a fazer uma campanha nacional de propaganda alertando os brasileiros para o perigo de se vacinarem. Desta vez não se referiu diretamente à vacina da China. Haveria perigo de morte em tomar qualquer uma.

Sua conduta não foi quase criminosa. Foi inteiramente criminosa. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão técnico do governo agora contaminado pelo vírus ideológico, existe para testar e conferir a eficácia de remédios e de vacinas. Sem o seu aval, nenhum produto médico é liberado para uso em massa.

Desacreditar a Anvisa, e é isso o que está em curso, e tocar horror nas pessoas para que elas fujam de vacinas que estão sendo aplicadas largamente em outros países, é atentar contra a vida coletiva. Haverá crime maior do que esse? E logo praticado por um presidente que ao tomar posse jurou cumprir a Constituição?

Diz o artigo 5º do Capítulo 1 da Constituição em vigor: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Inviolabilidade do direito à vida!

O que isso significa? Que na atual legislação brasileira “o direito à vida é tido como o alicerce para a prerrogativa jurídica da pessoa, motivo pelo qual o Estado tem por dever resguardar a vida humana, desde a concepção até a morte. Diante de sua importância o direito à vida é uma cláusula pétrea.”

E o que é uma cláusula pétrea? “É um artigo da Constituição que não pode ser alterado. Pétrea é um adjetivo para aquilo que é como pedra, imutável e perpétuo. Uma cláusula pétrea é, portanto, um dispositivo do texto constitucional que é estabelecido como regra e que não pode sofrer nenhuma mudança.”

Por quanto tempo mais o país assistirá inerte o presidente da República afrontar a lei? Não se trata de opinião que ele desrespeita a vida, é um fato que se sucede à vista de todos e quase que diariamente. Se apesar disso nada acontece, a Constituição então serve para quê?


Ricardo Noblat: Era Bolsonaro marca mais uma fase de fechamento político

A reabertura virá, só não se sabe quando

Ideias, princípios e valores que catapultaram Jair Bolsonaro para o cargo que ocupa foram convalidados na eleição municipal deste ano que deu a vitória às forças da direita e do centro, e outra vez assim será em fevereiro próximo quando a Câmara dos Deputados e o Senado escolherem seus novos dirigentes.

Candidatos a prefeito e a vereador apoiados por Bolsonaro podem ter sido derrotados, mas ele não foi. E disso também informam as pesquisas mais recentes de avaliação do governo, do presidente, e de intenção de votos para 2022. Com mais de 180 mil mortos pela pandemia, a aprovação de Bolsonaro permanece estável.

Os que apostam no seu eventual fracasso nas urnas daqui a dois anos argumentam que a economia em 2021 atravessará seu pior momento. Aumentará o número de desempregados e faltará dinheiro para quase tudo, inclusive para o pagamento do auxílio emergencial contra o vírus, tenha ele o nome que tiver.

De resto, de acordo com os mais otimistas, emergirão os dispostos a enfrentar Bolsonaro, o que fará muita diferença. Por ora, ele galopa sozinho sem que ninguém o acosse. O distinto público observa à distância e de maneira desinteressada. Quando os demais cavaleiros entrarem na raia, tudo mudará. A ver.

O raciocínio pode até fazer algum sentido, mas está longe de enfraquecer a condição de favorito de quem se candidata à reeleição. Dizia-se que Bolsonaro não sobreviveria a sua trágica performance durante a fase mais assassina do coronavírus. Pois sobreviveu sem que se registrassem danos à sua imagem.

Diz-se, agora, que corre o risco de ir para a estrebaria se a vacinação em massa, sem data marcada para começar e sem meios adequados para ser aplicada, frustrar a expectativa da população ansiosa por virar a página do ano mais sofrido de sua vida. Não é o que parece. O vírus ideológico joga a favor de Bolsonaro.

A resiliência do brasileiro é notável, o que significa sua capacidade de assimilar golpes sem reagir à altura. É o que explica o fato de o Brasil ser um dos países de maior concentração de riquezas do mundo. Explica porque nele dá-se o nome de “bala perdida” aos projéteis que matam inocentes, e fica tudo por isso mesmo.

O general Golbery do Couto e Silva, um dos arquitetos do golpe militar de 64 e, mais tarde, do processo de abertura política do regime, valeu-se de termos da cardiologia para ilustrar o que acontece também com a política. Sístole quer dizer fechamento. Diástole, distensão. São dois estágios do ciclo cardíaco.

Entende-se por sístole a fase de contração do coração, em que o sangue é bombeado para os vasos sanguíneos. Diástole é a fase de relaxamento, quando o sangue entra no coração. A ascensão de Bolsonaro ao poder é mais uma fase de sístole do processo político. A diástole virá, só não há sinais dela no horizonte. Isso é ruim.


Ricardo Noblat: Dê-se a Bolsonaro o que ele tanto se esforça por merecer

A coragem de um presidente que diz o que pensa e deseja

A lerem-se os fatos com as lentes dos bolsonaristas de raiz, o presidente da República acertou em cheio nos seus comentários sobre a pandemia da Covid-19 desde que ela se insinuou por aqui em março último. Pode ter errado ao estimar que o vírus mataria, se tanto, oitocentas pessoas. Corrigiu-se depois e falou em algo como três mil. O número já ultrapassou a casa das 180 mil mortes.

Sim, mas é daí? Quem poderia ter acertado na mosca? Bem, o ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, muito antes de ser demitido por Bolsonaro, disse a ele que se nada fosse feito para deter a pandemia, em dezembro o número de mortos chegaria a 180 mil. Mandetta disse isso a Bolsonaro de corpo presente e também por escrito para que ele não esquecesse. Não adiantou.

Outra vez: e daí? Bolsonaro não é coveiro. Prescreveu remédios para a cura do vírus – a cloroquina foi um deles. Ordenou ao Exército que os produzisse em grande quantidade. Milhões de brasileiros se encharcaram com eles. E não se assistiu a nenhuma marcha de consumidores enganados pelo presidente. O governo gastará mais de 200 milhões para desovar o estoque das drogas.

Quem tinha que morrer, morreu ou ainda morrerá – outra observação afiada de Bolsonaro que foi mal compreendida por muitos, mas que está sendo confirmada pela realidade. E não será o uso da máscara, nem medidas de isolamento que porá um fim ao avanço da doença. Ela só será detida, como Bolsonaro sempre garantiu, quando contaminar 70% da população. Taokey?

Daí porque não há pressa para dar início à vacinação em massa. E quando ela finalmente começar, só deve ser vacinado quem quiser. Quem não quiser, novamente como Bolsonaro afirmou, poderá estar sendo negligente com a própria vida, mas jamais com a vida dos outros. Afinal, liberdade é mais importante do que a própria vida mesmo que ponha em risco a vida alheia.

A mais recente pesquisa Datafolha, divulgada ontem, mostra que aumentou o número dos que não pretendem tomar uma vacina contra o novo coronavírus. 22% dos entrevistados disseram que não planejam se vacinar, enquanto 73% disseram que vão participar da imunização. Cerca de 5% declararam não saber o que fazer. Em agosto passado, os dispostos a se vacinarem eram 89%.

Sejamos isentos: trata-se ou não de mais um triunfo de Bolsonaro que costuma dizer o que pensa doa em quem doer? Sua posição sobre a vacina da China, berço do vírus, passou a ser compartilhada pelos que o escutam. Metade dos entrevistados do Datafolha respondeu que não tomará a Coronavac de jeito algum. Preferem uma vacina americana ou inglesa. Até mesmo russa.

O fato é que os verdadeiros ou falsos profetas só costumam ser reconhecidos para além do tempo em que pregaram.


Cristovam Buarque: Letras e Cores

Passadas as eleições municipais, as lideranças nacionais se dedicam a imaginar alianças para 2022. Tentam composições com base em nomes de candidatos e siglas. Não se fala qual o propósito de cada aliança, salvo vencer o nome e a sigla do adversário. Uma disputa por letras, não por cores.

Deve ser assim nos países onde tudo funciona bem e o presidente deve apenas gerenciar o governo. Mas diante da crise que o Brasil atravessa, as siglas deveriam ser menos importantes do que as cores das propostas para o futuro.

As alianças deveriam construir as bases políticas para enfrentar:

  • a violência generalizada que domina nossas cidades;
  • quais os instrumentos para manter a estabilidade monetária;
  • qual estratégia para retomar o crescimento econômico com sustentabilidade; para eliminar a tragédia da pobreza, e desfazer a brutal desigualdade de renda entre pessoas e regiões;
  • como dar eficiência na gestão, eliminar corrupção e garantir ética na definição das prioridades do Estado;
  • como elevar a qualidade e garantir equidade na educação de base, independente da renda e do endereço do aluno e como erradicar o analfabetismo de adultos;
  • o que fazer para transformar nossas “monstrópoles” em centros urbanos eficientes e conviviais;
  • o que fazer para assegurar acesso de milhões de brasileiros a um endereço limpo, com água potável, coleta de lixo e esgoto;
  • quais medidas poderão dar futuro à juventude;
  • como recuperar o prestígio perdido pelo Brasil no cenário internacional, por causa das decisões do governo, nos últimos dois anos;
  • que ações para assegurar emprego, sem perder eficiência, nem competitividade, neste tempo de modernização;
  • quais e como fazer as reformas do Estado: fiscal, trabalhista e política, para sintonizar o Brasil com os rumos do progresso mundial;
  • como eliminar os privilégios que caracterizam a sociedade brasileira e tiram legitimidade do poder público.

As letras de nomes e de siglas ficam sem sentido se não tiverem cores definidas pelos propósitos das propostas de cada candidatura para o futuro. Mas não se vê debate sobre cores, apenas letras que amarrarão o Brasil no seu passado, qualquer que seja a sigla e o nome vitorioso.

*Cristovam Buarque, Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)


Ricardo Noblat: A rendição de Bolsonaro ao sistema que prometera desmontar

Uma vez Centrão, sempre Centrão

Jair Bolsonaro chegou à presidência da República com uma ideia fixa, por sinal a única que lhe sopraram sem maiores detalhes e ele gostou logo de saída: quebrar o maldito sistema.

Não sabia bem o que era o sistema, mas de tanto ouvir falar dos seus males e da sua força intuiu que essa poderia ser uma bandeira atraente para despertar esperança.

Afinal, não tinha projeto para o país porque sempre fora incapaz de conceber um ou de sequer preocupar-se com isso. E a facada acabou salvando-o do risco de revelar-se um candidato vazio.

Em sua primeira visita aos Estados Unidos, limitou-se a repetir vagamente que destruiria o sistema para só mais tarde construir outro. Foi ouvido pelos americanos como um líder pitoresco.

Bem que ele tentou derrubar o sistema, se entender-se assim a fase em que provocou uma crise atrás da outra e ameaçou o Congresso e a Justiça com manifestações de rua antidemocráticas.

Recuou com medo de ter o mandato cassado e os filhos presos por corrupção. Desde então se rendeu ao sistema que pretendia demolir e se empenha em extrair o maior proveito dele.

A mais recente prova disso foi a demissão do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, um dos homens que o carregaram ensanguentado nos braços depois da facada redentora.

Marcelo não foi despachado porque havia sido denunciado por corrupção nas eleições de 2018. Nem porque chamou de “traíra” o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria do Governo.

O general é um pau mandado de Bolsonaro e está acostumado a ser desacatado por colegas. Ricardo Salles, do Meio Ambiente, já o chamou de Maria Fofoca e nada lhe aconteceu.

O de Bolsonaro não é um governo, mas um serpentário onde quase todos se golpeiam o tempo inteiro na tentativa desesperada de acumular mais poder e de agradar mais ao chefe.

Salles agradou Bolsonaro ao desqualificar o general que já teve na marca do pênalti várias vezes. Marcelo não o agradou por ter dito que o general negociava seu cargo com o Centrão.

Haverá algo que se identifique mais com o sistema, alvo pretérito de Bolsonaro, do que o Centrão? O cargo de Marcelo caberá ao Centrão na reforma ministerial prevista para janeiro próximo.

Bolsonaro, hoje, depende do Centrão para eleger o deputado Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara daqui a dois meses. E do Centrão depende para se reeleger em 2022.

Para quem acenara com a recriação da política, decorrência natural do baque a ser imposto ao sistema, o Centrão é tudo o que existe de velho, podre e corrompido desde que surgiu em 1988.

Nada de estranho para Bolsonaro. Ele já se filiou a cerca de 10 partidos nos seus quase 30 anos como deputado federal. E todos eles faziam parte do Centrão que agora se robustece.

Nem se poderá dizer que o filho pródigo retornou à casa porque Bolsonaro de fato jamais a abandonou.