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Bernardo Mello Franco: Engavetador em campanha

Um assessor parlamentar deposita R$ 89 mil na conta da primeira-dama. Quando a história vem à tona, o presidente diz que o dinheiro era para ele. Ao ser questionado sobre o motivo dos cheques, o político se descontrola. Fecha a cara, solta palavrões e ameaça agredir o jornalista com um soco na boca.

A pergunta do repórter do GLOBO ganhou as redes sociais: “Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”. Nove meses depois, Jair Bolsonaro ainda não se dignou a respondê-la. Se depender da Procuradoria-Geral da República, continuará em confortável silêncio.

Na segunda-feira, o procurador Augusto Aras rejeitou abrir inquérito sobre o caso. Ele afirmou ao Supremo que não vê “lastro probatório mínimo” contra o capitão. O parecer contrariou o advogado Ricardo Bretanha Schmidt, autor do pedido de investigação. “Quando se trata do presidente, a PGR nunca tem disposição de elucidar os fatos”, protesta.

Desde que foi nomeado por Bolsonaro, Aras se comporta como um aliado do governo. Virou o novo engavetador-geral da República, título inaugurado por Geraldo Brindeiro na Era FH. O procurador já arquivou múltiplas representações contra o presidente. Entre outras coisas, recusou-se a investigar os desmandos na pandemia e o uso da Lei de Segurança Nacional contra opositores.

Em janeiro, a submissão de Aras ao Planalto tirou seus colegas do sério. Numa cobrança pública, seis integrantes do Conselho Superior do Ministério Público escreveram que ele “precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal”. Em outra frente, a Associação Nacional dos Procuradores da República afirmou que “a sociedade brasileira não admite omissão neste momento”.

A fidelidade de Aras a Bolsonaro tinha um motivo conhecido: ele sonhava ser nomeado ministro do Supremo. Como o capitão prometeu a vaga a um jurista “terrivelmente evangélico”, o procurador teve que mudar os planos. Virou candidato a um segundo mandato na PGR. Em 2019, ele convenceu o presidente a nomeá-lo fora da lista tríplice. Agora está em campanha para repetir a dose em setembro.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/engavetador-em-campanha.html


Vera Magalhães: Haja trator para tanto escândalo

Tratores são, como o nome indica, veículos de tração, responsáveis por movimentar cargas muito pesadas, de difícil deslocamento. Haja trator superfaturado para empurrar Jair Bolsonaro até o fim do mandato com tanto escândalo, tanto fracasso e tanta incompetência.

O escândalo do tratoraço, revelado pelo “Estadão”, que começou a puxar o fio da meada de um mecanismo novo de apropriação do Orçamento da União por pequenos grupos para dar sustentação a um governo insustentável, é a chave para ajudar a responder, juntamente com o fanatismo de um setor da sociedade, à pergunta de um milhão de dólares: por que Bolsonaro não cai?

O ministro Luiz Eduardo Ramos costuma se gabar de que, depois de sua passagem pela Secretaria de Governo da Presidência, a máxima segundo a qual não havia articulação política no Planalto foi derrubada.

Agora se sabe com que expedientes.

Uma engenhosa urdidura permitiu que o Centrão caísse no colo do presidente, e lá vai permanecer enquanto houver trator para arrancar. A base desse arranjo foi a criação de um tipo de superemenda (a RP9, domínio do relator do Orçamento), usada como uma conta-mãe de que parlamentares aliados sacam nacos para suas bases à custa de fidelidade nas votações e mediante ofícios por baixo dos panos.

Esse tipo de emenda chegou a ser vetado por Bolsonaro, aconselhado à época, em 2019, por aqueles que viam no expediente o que ele é: uma burla à fiscalização da aplicação das verbas orçamentárias pelos órgãos de controle e uma forma de injetar dinheiro público mais rápido e sem restrições nas bases de deputados e senadores leais.

O que se seguiu foi um roteiro sórdido, em que o Congresso não derrubou o veto, não aprovou um projeto, o PLN4, que o regularizaria de novo, mas passou a usar a superemenda a rodo.

O fio puxado pelo tratoraço deve revelar outros “aços” em pastas espalhadas pela Esplanada e suas estatais e autarquias, igualmente aparelhadas e desviadas de sua finalidade, como a Codevasf, a meca do tratorista Rogério Marinho.

Não foi à toa o silêncio de Paulo Guedes quando questionado por quatro horas a respeito do tema nesta terça-feira na Câmara: além de ser um esquema com todas as digitais de seu desafeto no Ministério, o tratoraço é tudo aquilo que o ministro da Economia, em sua ilusão de que ser liberal bastaria, achou que Bolsonaro enterraria na relação entre dinheiro público e política. Não só não enterrou, como aperfeiçoou.

Hoje a Codevasf virou uma estatal anabolizada, outra antítese da cantilena liberal com que Bolsonaro ludibriou o Posto Ipiranga e boa parcela do eleitorado.

O Centrão, que não se ilude com ninguém e só apoia quem lhe dá algo em troca, esperou calmamente a diatribe de “não preciso da velha política” do capitão passar e agora vive a febre do maquinário agrícola sem medo de ser feliz.

O que pode estragar a festa dos tratoreiros? Uma investigação mais a fundo do esquema, que comprove: 1) que o Orçamento secreto é uma forma de burlar a execução orçamentária; 2) desvio de finalidade de empresas públicas, como a Codevasf; 3) corrupção explícita, desvio de recursos na ponta do que é enviado via RP9 para as bases dos parlamentares; 4) favorecimento a empresas ligadas aos políticos na compra de serviços e maquinários.

Tudo isso está quicando, pronto para ser descoberto. O Tribunal de Contas da União já tem uma investigação aberta sobre irregularidades na Codevasf (quem se lembra dos Correios como piloto do mensalão, ou da Petrobras do petrolão?). Cabe à imprensa vasculhar os ofícios em todas as pastas e rastrear os recursos enviados pelo Orçamento secreto a estados e municípios. Quando esse edifício começar a ruir, os que subiram na boleia dos tratores serão os primeiros a descer, e a blindagem de Bolsonaro começará a ceder.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/haja-trator-para-tanto-escandalo.html