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Bernardo Mello Franco: O espírito de Luislinda baixou no STF

“Como é que eu vou comer? Como é que eu vou beber? Como é que eu vou calçar?”. O espírito de Luislinda Valois, a ministra que queria receber acima do teto, parece ter baixado no Supremo. Enquanto o país patina na crise, os juízes do tribunal aprovaram um aumento nos próprios salários.

Ao justificar o reajuste, o ministro Ricardo Lewandowski disse que aposentados do Judiciário estariam passando por uma “situação de penúria extrema”. “Se a magistratura não tem recompensa pela defasagem de 50% nos vencimentos, como é que os magistrados vão sobreviver?”, dramatizou.

Hoje os onze supremos sobrevivem com um salário de R$ 33,7 mil. Pela nova proposta, passarão a ganhar R$ 39,2 mil a partir do ano que vem. O efeito cascata, segundo cálculos da própria Corte, será de R$ 717 milhões apenas na Justiça Federal.

Também deve haver impacto sobre os orçamentos do Executivo e do Legislativo. Como o salário dos ministros é o teto do funcionalismo, o valor passou a ser usado como indexador. Quando os togados embolsam um a mais, os demais servidores reivindicam aumentos na mesma proporção.

A aprovação do reajuste é uma derrota da ministra Cármen Lúcia, que está prestes a deixar a presidência do tribunal. Ela tentou barrar o gasto extra, mas só teve apoio de três colegas. Foi um novo sinal de que o poder já se deslocou para seu sucessor, Dias Toffoli, que assume a cadeira em setembro. Ao que tudo indica, a gestão do ministro será mais sensível ao lobby das associações de magistrados.

As entidades não devem se saciar com o reajuste. Seus porta-vozes já deixaram claro que lutarão para manter penduricalhos como o auxílio-moradia, que continua a ser depositado na conta de magistrados que têm imóvel próprio. O juiz Sergio Moro, que tem apartamento e defende o pagamento do benefício, já alegou que o auxílio “compensa a falta de reajuste” nos contracheques.

Agora que o aumento passou, ele e seus colegas poderiam abrir mão da benesse.


Bernardo Mello Franco: Haddad e a sina do segundo poste

“Eu sou o segundo poste do Lula. Tão sabendo disso, né?”. Ao comemorar a eleição para a Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad ironizou quem duvidara do seu potencial. Seis anos e uma derrota depois, ele tentará repetir a proeza na corrida ao Planalto.

Desta vez, a tarefa promete ser mais difícil. Em 2012, Lula estava livre para comandar a campanha do afilhado. Agora só deverá aparecer em imagens de arquivo, gravadas antes de sua prisão. Haddad também perdeu a aura de novidade. Além disso, terá que explicar por que os paulistanos reprovaram seu desempenho. Ele tentou a reeleição, mas foi atropelado por João Doria no primeiro turno.

Quem entende de pesquisas diz que o petista tem boas chances de chegar lá. Apesar de aparecer com apenas 1% das intenções de voto, ele deve herdar grande parte do espólio de Lula. No último Datafolha, 30% dos brasileiros afirmaram que votariam “com certeza” no candidato apoiado pelo ex-presidente. Outros 17% responderam que “talvez” escolham o poste.

O primeiro desafio de Haddad é se tornar conhecido fora de São Paulo. Ele precisará ganhar terreno no Nordeste, onde Lula lidera com 49%. Lá seu adversário direto é Ciro Gomes. Ex-governador do Ceará, o pedetista apostava na região para se tornar competitivo. O acordo dos petistas com PSB e PCdoB tende a esvaziá-lo. Ciro já acusou o golpe, ao reclamar que levou uma “punhalada nas costas”.

Haddad também terá trabalho para seduzir os próprios aliados. Boa parte do PT preferia Jaques Wagner, que é mais identificado com as bases do partido. O professor universitário não tem a mesma capacidade de mobilização. À frente da maior cidade do país, foi acusado de dedicar mais tempo à intelectualidade uspiana do que aos eleitores da periferia.

Para um ex-ministro de Lula, o novo presidenciável terá que mudar o estilo na campanha. “O Haddad é ótimo para defender o nosso projeto, mas tem muita dificuldade na ligação com o povo”, define. Sem driblar essa limitação, ele diz que será quase impossível erguer o segundo poste.


Bernardo Mello Franco: De tédio, não morreremos

Nunca houve uma eleição presidencial tão estranha e imprevisível quanto a de 2018. Pelo que se viu nas convenções partidárias de ontem, ninguém morrerá de tédio até outubro

O fim de semana marca o início oficial da corrida ao Planalto. Nunca houve uma eleição tão imprevisível —e, ao mesmo tempo, tão estranha — quanto a de 2018. Para quem acompanhou as convenções de ontem, uma coisa ficou clara: de tédio, não morreremos até outubro.

Em São Paulo, o PT lançou um candidato fantasma e reeditou o tom raivoso do passado. A presidente do partido, Gleisi Hoffmann, declarou guerra contra a “elite política”, o “sistema financeiro” e a “mídia golpista”. “Essa é a ação mais confrontadora que fazemos contra esse sistema podre”, vociferou.

O dono da festa não compareceu por motivos de força maior. Preso em Curitiba, Lula teve que enviar um discurso por escrito. Os petistas ensaiaram projetar sua imagem num holograma, mas a ideia não foi adiante. Sem o recurso high tech, apelaram para máscaras de papelão.

Em Brasília, Geraldo Alckmin começou o dia na convenção do PR, comandado por Valdemar Costa Neto. Na ausência do mensaleiro, sentou-se ao lado de Tiririca. O palhaço havia prometido abandonar a política, mas concorrerá a mais um mandato de deputado.

Na convenção do PSDB, o presidenciável elevou o tom contra os petistas e disse que “ninguém aguenta mais um Estado infestado pela corrupção”. No mesmo discurso, agradeceu o apoio de poderosos chefões do centrão que fecharam negócio com ele, como Roberto Jefferson e Paulinho da Força.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso proclamou que é preciso “botar na cadeia quem for necessário”. Réu por corrupção e obstrução de Justiça, o senador Aécio Neves achou mais prudente ficar em casa.

Ministro dos governos Dilma e Temer, Gilberto Kassab fez discurso de oposição e disse que Alckmin vai “recuperar o Brasil”. Ele prometeu ao tucano que estará a seu lado no ano que vem. Se ele não chegar lá, repetirá as juras para quem se eleger.

A dez minutos dali, Marina Silva se lançou mais uma vez ao Planalto. Será candidata pela terceira vez e pelo terceiro partido diferente. O número da campanha mudou, mas o clima badauê continua o mesmo. Sua convenção teve ciranda, flauta peruana e barraquinha de artesanato indígena.

Ao microfone, a ex-senadora ensaiou um figurino mais agressivo. Em busca do eleitor indignado, elevou a voz contra os grandes partidos, a corrupção, o desemprego, a violência. “Não dá mais! Não dá mais! Não dá mais!”, gritou, batendo no púlpito. O número estava ensaiado. Enquanto ela engrenava o coro, as palavras piscavam no telão.

Pelo Twitter, Janaína Paschoal anunciou aos “amados” que não será vice de Jair Bolsonaro. “Peço desculpas ao Brasil”, escreveu, em tom solene. Sem a doutora, o capitão deve formar chapa com o príncipe Luiz Philippe de Orléans e Bragança. Cento e vinte e nove anos depois da Proclamação da República, um descendente de dom Pedro pedirá votos aos plebeus. Por essa os monarquistas não esperavam.


Bernardo Mello Franco: Polêmica é a arma de Bolsonaro

A arma do capitão

As escolas induzem as criancinhas ao homossexualismo. Os portugueses não pisavam na África no tempo da escravidão. A urna eletrônica é mais suscetível a fraudes do que o voto impresso. Não houve golpe militar no Brasil em 1964.

O deputado Jair Bolsonaro despejou seu repertório de mistificações no “Roda Viva” de segunda-feira. Muito do que ele disse não resiste a uma checagem básica, mas seu eleitorado parece não se importar. O programa registrou, de longe, a maior audiência da série com os presidenciáveis.

Bolsonaro não tenta desviar do estereótipo do milico brucutu. Ao contrário: seu discurso é claramente treinado para reforçá-lo. A principal arma do capitão é a polêmica. Quanto mais barulho, melhor. Foi assim que ele chegou à liderança das pesquisas nos cenários sem o ex-presidente Lula.

O candidato captou o espírito das redes sociais. Declarações bombásticas geram mais curtidas que argumentos. Radicalizar nos temas morais é mais atraente que formular programas de governo. Quando o eleitor está furioso, quem fala mais alto tende a vencer a disputa por atenção. Foi a receita da vitória de Donald Trump nos Estados Unidos.

A chave do sucesso é se descolar dos outros políticos. O deputado está no sétimo mandato consecutivo em Brasília, mas tem conseguido emplacar a imagem de que é diferente de tudo o que está aí. Não foi à toa que ele chegou a se dizer “meio maluco” durante a entrevista.

No centro da roda, Bolsonaro jogou em casa ao discursar contra defensores de direitos humanos, sem-terra, quilombolas e outras minorias. Ficou menos à vontade ao ser cobrado a apresentar propostas concretas para temas como saúde e economia.

Num de seus piores momentos, embananou-se quando a jornalista Maria Cristina Fernandes quis saber o que ele faria para reduzir a mortalidade infantil. A resposta mostrou que o preparo do capitão está muito aquém da sua capacidade de gerar memes. Os rivais devem pensar nisso se quiserem desconstruí-lo.


Bernardo Mello Franco: A volta de Paes e o fantasma de Cabral

Eduardo Paes troca de partido como Neymar muda de penteado. Começou no PV, migrou para o PFL, pulou para o PTB, voltou ao PFL, saiu para o PSDB e se bandeou para o PMDB. Quando a cúpula da sigla foi para Bangu, o ex-prefeito tomou um avião para Nova York. Agora está de volta ao Rio. Depois de negociar com PDT e PSB, será candidato a governador pelo DEM.

“Recebi o convite para disputar a eleição e resolvi disputar”, anunciou ontem, como se contasse uma novidade. Ele começou a organizar a campanha no ano passado, e já atraiu ao menos sete partidos para a sua coligação.

Em 2016, Paes deixou a prefeitura com um fracasso eleitoral. Depois de oito anos e uma Olimpíada, não conseguiu levar seu candidato ao segundo turno. Ao se despedir, disse que seria professor na Universidade Columbia. Nunca deu uma aula, e ressurgiu como executivo de uma montadora de carros elétricos.

Ontem ele contou que pediu demissão para ser candidato. Ao justificar a mudança, disse que o estado sofre de “falta de comando” e vive uma “situação terminal”. Pode ser, mas faltou reconhecer a sua responsabilidade no cartório.

Nos dois mandatos como prefeito, Paes foi unha e carne com Sérgio Cabral. Também manteve relações próximas com Jorge Picciani e Eduardo Cunha. O ex-deputado chegou a lançá-lo para voos mais altos. “Meu candidato a presidente é o Eduardo Paes”, repetia, antes de ser preso pela Lava-Jato.

O ex-prefeito nunca recebeu a visita da polícia, mas já foi chamuscado pelas investigações. Seu marqueteiro o acusou de montar um esquema de caixa dois com empreiteiras e empresas de ônibus. Seu secretário de Obras foi preso, acusado de levar propina na Transcarioca.

Paes deixou o MDB, mas o governador Luiz Fernando Pezão já disse que o partido “não tem como” não apoiá-lo em outubro. Mesmo que se esforce, o ex-prefeito não conseguirá fugir do fantasma do ex-padrinho político. Há farto material na internet para refrescar a memória do eleitor.

“Dedico esta vitória ao político que mudou a maneira de fazer política neste estado. O grande responsável por esta vitória é o governador Sérgio Cabral”, disse o ex-prefeito, emocionado, na noite em que se elegeu pela primeira vez.


Bernardo Mello Franco: A comédia dos vices

Primeiro ele convidou um dublê de senador e cantor gospel. Depois, um general de pijamas. Em seguida, a advogada que prometeu acabar com a “República da Cobra”. A novela dos vices de Jair Bolsonaro já parecia suficientemente bizarra. Agora entraram na dança um príncipe e um astronauta.

Luiz Philippe de Orleans e Bragança, o bolsonarista de sangue azul, sonha com a restauração da monarquia. Se não der certo, pode aceitar um cargo na linha sucessória da República. Enquanto não é convocado, ele produz vídeos para o Facebook. Há três dias, informou aos plebeus que está escrevendo uma nova Constituição.

Marcos Pontes, o cosmonauta brasileiro, parece fazer planos mais modestos. Depois de viajar de foguete, passou a ganhar a vida com palestras motivacionais. Agora quer trocar seus dez dias no espaço por quatro anos no Jaburu.

Bolsonaro não é o único presidenciável sem vice. A dois meses da eleição, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Marina Silva também penam para compor suas chapas. Entre recusas e desistências, ninguém consegue parceiro para concorrer ao Planalto.

Ciro já ofereceu a vaga aos conservadores do centrão e aos socialistas do PSB. O ex-ministro promete revogar a reforma trabalhista, mas também topa dividir chapa com Benjamin Steinbruch. O industrial já propôs coisas que nem o atual governo ousaria, como limitar o intervalo de almoço dos operários a 15 minutos.

Alckmin tentou se aliar a Josué Gomes, que também foi cotado para vice de Lula, Ciro e Flávio Rocha. O empresário fez charme, mas não subiu ao altar. Agora o tucano busca outra noiva no centrão. Entre os cotados, estão o privatista Mendonça Filho e o comunista Aldo Rebelo.

Na campanha de Marina, tudo anda a passos de tartaruga. Não seria diferente com a definição da chapa. Sem alianças, ela deve improvisar uma solução caseira. Estão no páreo o presidente do Flamengo, que nunca foi político, e um deputado federal de onze mandatos.

A comédia dos vices seria mais engraçada se o cargo fosse apenas honorífico. No Brasil, não é. Dos últimos sete presidentes, três chegaram ao poder sem votos, depois da morte ou da cassação do titular. Foi o caso de Michel Temer, aquele que não queria ser “decorativo”.


Bernardo Mello Franco: As veias abertas da Nicarágua e a miopia do PT

A morte da estudante brasileira despertou o Itamaraty para a escalada autoritária na Nicarágua. Falta saber quando a ficha vai cair para o PT, que continua a fechar os olhos para os desmandos do governo Daniel Ortega.

Em abril, as forças oficiais começaram uma repressão feroz aos protestos contra o presidente. A onda de violência já deixou ao menos 290 mortos. Há quem confunda a carnificina com uma resistência heroica ao imperialismo.

Na semana passada, a secretária de Relações Internacionais do PT, Monica Valente, saiu em defesa do velho companheiro. Em Havana, ela exaltou como “exemplo de luta” a “resistência às tentativas de desestabilização da Nicarágua”.

Não foi por falta de alerta. Desde o início da crise, vozes que festejaram a Revolução Sandinista levantam-se contra a guinada de Ortega. Elas afirmam que o ex-guerrilheiro, um dos líderes do movimento de 1979, é cada vez mais parecido com o ditador que ajudou a derrubar.

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, conhecido pelas críticas ao neoliberalismo, condenou o presidente por sufocar a oposição para se perpetuar no poder. “Por que é que boa parte da esquerda latino-americana e mundial manteve (e continua a manter) o mesmo silêncio cúmplice?”, questionou.

No Uruguai, o ex-presidente Pepe Mujica pediu a renúncia de Ortega. “Sinto que algo que foi um sonho se desvia, cai na autocracia”, disse. “Aqueles que ontem foram revolucionários perderam o sentido da vida. Há momentos em que é preciso dizer: ‘vou embora’”, cobrou.

Por aqui, o teólogo Leonardo Boff manifestou sua decepção com “um governo que está perseguindo, sequestrando e assassinando seus próprios compatriotas”. “A Nicarágua necessita de diálogo, mas, antes de tudo, necessita de que as forças repressivas parem de matar”, escreveu.

Em vez de se render aos fatos, o PT prefere questionar se os nicaraguenses que estão levando tiros da polícia fazem parte de um “fenômeno espontâneo”.

Não é o único exemplo da miopia do partido. No discurso de Havana, Monica Valente também elogiou a “rotunda vitória” de Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, manchadas por denúncias de fraude e pelo boicote da oposição.


Bernardo Mello Franco: Disque Maluf contra o estelionato

Em prisão domiciliar após uma temporada de três meses na Papuda, o deputado Paulo Maluf pretende se registrar como candidato à reeleição. É o que ele mesmo informa, por telefone, de sua mansão em São Paulo.

Aos 86 anos, o veterano afirma não ter planos de voltar ao Congresso. O objetivo do registro, diz ele, seria impedir que outros políticos usem o seu número. “Tem muita gente querendo usar o 1111 para ludibriar o eleitor. A última coisa que eu permitiria é fazerem estelionato eleitoral com o meu nome”, afirma, em tom de indignação.

Se aceito pela Justiça Eleitoral, o registro abriria caminho a uma reeleição quase certa. Em 2014, Maluf chegou a ser barrado pela Lei da Ficha Limpa, mas recebeu 250 mil votos. Depois da eleição, o TSE autorizou sua posse. “Posso registrar o número e cair fora no meio da campanha”, ele desconversa, alegando não ter mais saúde para as viagens semanais a Brasília.

No ano passado, o Supremo condenou o deputado a sete anos e nove meses de prisão por crimes da década de 1990. A Procuradoria afirma que ele superfaturou a construção de uma avenida e escondeu o dinheiro no exterior. A acusação de corrupção prescreveu antes do julgamento.

“Sou absolutamente inocente. Fui condenado por um crime que não cometi”, alega. Em abril, a Corte decidiu, por 6 a 5, que ele não podia mais recorrer em liberdade. “Se cinco ministros votaram na minha inocência, eu sou inocente”, absolve-se.

O Supremo também sentenciou Maluf à perda do mandato, mas a Câmara preferiu apenas afastá-lo. Ele cobra “reciprocidade”. “Se juiz pode cassar deputado, deputado também tem que cassar juiz”, discursa.

Fora da prisão há quatro meses, Maluf só pode sair de casa para fazer fisioterapia. Ele diz estar na cadeira de rodas e reclama do tratamento na Papuda. “Fiquei totalmente arrebentado. Lá tem uma médica, a doutora Etelvina, para atender 15 mil. Você morre antes da consulta!”, exagera.

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Jair Bolsonaro tem certa razão ao dizer que Geraldo Alckmin “uniu a escória da política” ao fechar negócio com o centrão. O problema é que ele também cortejou o PR, uma das maiores siglas do grupo, e foi rejeitado. Agora o capitão atualiza um velho ditado: quem desdenha quis comprar.


Bernardo Mello Franco: Clima de idolatria marca lançamento de Bolsonaro ao Planalto

"Mito! Mito! Mito!". O grito de guerra animou os militantes que lotaram a convenção do PSL. O clima de idolatria dominou o encontro, que lançou a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência.

— Este homem, para mim, é um herói nacional — derramou-se o presidente do partido nanico, Gustavo Bebianno. — Ele não prega a correção, ele é o exemplo de correção. Posso dizer que sou, de forma hétero, apaixonado por Bolsonaro — disse.

Um a um, os oradores cultuavam a personalidade do presidenciável.

— Ele é sincero. Correto. Patriota — elogiou o conselheiro Paulo Guedes, antes de autorizar o candidato a “matar as aulas de economia para caçar voto”.

— O Brasil quer um homem que tenha sangue nos olhos para emparedar vagabundo. Você tem — emendou o senador Magno Malta (PR-ES), que rejeitou a vaga de vice, mas prometeu pedir votos para o capitão.

Na entrada do centro de convenções, um boneco inflável de Bolsonaro saudava os militantes. No auditório, sua imagem se multiplicava em faixas e camisetas. Um fã mais empolgado desfilava com uma tatuagem do deputado na perna direita.

No palanque, as loas ao candidato só rivalizavam com a pregação contra a esquerda. No retrato pintado pelos bolsonaristas, o Brasil parece ser um país a dois passos de se converter ao comunismo.

— Os ladrões esquerdopatas estão roubando o nosso Brasil — bradou o deputado Major Olímpio (PSL-SP), um dos líderes da bancada da bala na Câmara.

— Dominaram as escolas com militantes disfarçados para pregar a ideologia de gênero — emendou o deputado Delegado Francischini (PSL-PR).

O general Augusto Heleno, que também recusou a vice de Bolsonaro, atacou o passado de Dilma Rousseff na luta contra a ditadura militar. A plateia engrenou um coro de “terrorista” para a ex-presidente.

Depois de onze homens discursarem, a advogada Janaína Paschoal foi à tribuna como representante solitária das mulheres. Ela começou atacando o “totalitarismo petista”, mas surpreendeu ao criticar o “pensamento único” dos fãs do capitão.

— Reflitam se não estamos correndo o risco de fazer um PT ao contrário — pediu.

Ao contrário dos outros, foi mais aplaudida antes do que depois de falar.

Bolsonaro começou em tom humilde, rejeitando o rótulo de “salvador da pátria”. No fim do discurso, já se apresentava como um “escolhido” para subir a rampa do Planalto.

— Para quem jurou dar a vida pela pátria, o que é dar a vida pelo mandato? — perguntou, para delírio dos seguidores.


Bernardo Mello Franco: Alckmin jogou água no chope de Ciro

Acordo tem potencial para ressuscitar Alckmin, que estava desacreditado. Geraldo Alckmin jogou água no chope de Ciro Gomes. O pedetista abre hoje a temporada das convenções partidárias. Ontem à noite, o tucano estragou os preparativos da festa. Ele venceu a disputa pelo apoio do centrão na corrida presidencial.

Alckmin estava desacreditado. Desde o início do ano, ele sofre para convencer aliados, empresários e eleitores de que não será um peso morto na eleição. O acordo tem potencial para ressuscitá-lo.

Ao fechar negócio com o centrão, o tucano garantiu um latifúndio no horário eleitoral. Ele poderá chegar a seis minutos a cada bloco de propaganda em rádio e TV. Agora Ciro é quem terá que se mexer para não sumir do radar do eleitor.

Até aqui, Alckmin só colecionava más notícias na pré-campanha. Ele foi sabotado pelo aliado João Doria e viu parte do eleitorado cativo do PSDB migrar para a candidatura de Jair Bolsonaro.

O tucano aparece em quarto lugar no Datafolha, com apenas 7% das intenções de voto. É um desempenho sofrível para quem já foi candidato ao Palácio do Planalto e governou por quatro vezes o estado mais poderoso do país.

Apesar de investir no discurso ético, o presidenciável pediu socorro a símbolos da velha política. Ele costurou o acordo do centrão com o ex-deputado Valdemar Costa Neto, o poderoso chefão do PR. Alguns dias antes, fechou negócio com Roberto Jefferson, dono do PTB.

É uma guinada curiosa. Na eleição de 2006, Alckmin apostou tudo na indignação do eleitorado com o mensalão do PT. Agora ele se alia a dois caciques que foram presos e condenados por corrupção no mesmo escândalo.

O acordo com o centrão também reforça o vínculo do candidato do PSDB com o governo Temer, do qual ele tentava se distanciar. Agora o tucano terá em seu palanque a maior parte da base aliada no Congresso. Não será surpresa se o MDB desistir de Henrique Meirelles para apoiá-lo.

O tempo de TV deve impulsionar Alckmin, mas não é garantia absoluta de sucesso na eleição. Em 1989, Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves tiveram as maiores fatias da propaganda na TV. Um terminou a disputa em sétimo lugar. O outro, em nono. E naquele tempo não havia celular, WhatsApp ou Facebook.


Bernardo Mello Franco: Quem dá mais? Partidos negociam apoios em clima de leilão

Que princípios republicanos norteiam o Partido da República? Chefiada por um condenado no mensalão, a legenda negocia ao mesmo tempo com Lula e Bolsonaro. Seria ingenuidade buscar razões ideológicas para o dilema.

O PR integra a sopa de letrinhas do centrão, um grupo de partidos fisiológicos que costumava seguir as ordens de Eduardo Cunha. A turma se destaca pelo forte apego a valores. Não exatamente os que são anunciados em microfones.

Até o início do mês, o centrão prometia migrar em bloco para uma única candidatura. Agora a tendência é voltar ao cada um por si. Ninguém quer perder a chance de baganhar seus próprios interesses no feirão partidário.

O presidente do PP, por exemplo, está preocupado com sua reeleição ao Senado. Ele mora em Brasília, mas tem domicílio eleitoral no Piauí. Lá seria suicídio político aderir a um candidato que se oponha ao lulismo.

Ligado à Igreja Universal, o PRB negocia de forma ecumênica. Seus bispos são próximos dos tucanos, mas participaram do governo petista. Hoje apoiam Temer, amanhã podem subir ao altar com qualquer um. O importante é não ficar com a sacolinha vazia.

O Solidariedade, controlado pelo notório Paulinho da Força, também avalia ofertas no varejo. O deputado lutou bravamente contra o fim do imposto sindical. Agora busca alternativas para compensar a perda de receita.

O DEM tem algo assemelhado a um programa, mas parece pronto para abandoná-lo. O partido se divide entre Geraldo Alckmin e Ciro Gomes. Um apoiou o impeachment e reza pela cartilha do mercado. O outro denunciou o “golpe” e promete revogar todas as reformas liberais.

Com o fim dos jogos da Copa, o leitor será obrigado a acompanhar o leilão de apoios até o início de agosto. À medida que as negociações avancem, os balões de ensaio se desmancharão no ar.

O último transportava Flávio Rocha, o queridinho do MBL. Para surpresa de ninguém, ele anunciou que não será mais candidato. O país não perdeu nada, mas o horário eleitoral ficará menos divertido. O funkeiro Latino já havia gravado o jingle da campanha.


Bernardo Mello Franco: Suprema loteria: azar de Lula, sorte de Dirceu

Antes de ser preso pela última vez, em maio, José Dirceu organizou um jantar de despedida. Aos 72 anos, o ex-ministro temia não sair nunca mais da cadeia. Hoje se vê que ele exagerou no pessimismo. Logo mais, deve receber amigos em casa para assistir ao duelo entre Brasil e Sérvia.

A reviravolta aconteceu na Segunda Turma do STF, onde se decide o futuro dos réus da Lava-Jato. Nos últimos tempos, o colegiado tem sido mais generoso com os acusados do que com os acusadores. Ontem, deu decisões favoráveis a políticos do PT, do PSDB e do PP.

O caso de Dirceu seguiu a regra. O relator Edson Fachin, que tem sofrido derrotas em série, ficou isolado mais uma vez. Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski aprovaram a soltura do petista por três votos a um. O decano Celso de Mello não estava presente.

A sessão foi tensa. Ao perceber que perderia a disputa, Fachin pediu vista do processo, numa tentativa de adiar a conclusão do julgamento e, ao mesmo tempo, a libertação do ex-chefe da Casa Civil.

Toffoli se antecipou e concedeu o habeas corpus “de ofício”, alegando que a situação era excepcional. Os dois ministros engrenaram uma discussão, que por pouco não descambou em novo bate-boca.

O resultado deu um sinal claro de que a Segunda Turma estava pronta para tirar Lula da cadeia. Isso não ocorreu ontem devido a outra manobra explícita de Fachin. Para evitar a derrota, o ministro direcionou o recurso do ex-presidente ao plenário do tribunal. Desta vez, conseguiu empurrar a decisão para agosto, o que manterá o petista preso em Curitiba.

Dirceu teve sorte, Lula teve azar. Assim tem se decidido a vida dos réus no Supremo, onde decisões importantes passaram a obedecer à lógica da loteria. A depender do sorteio inicial, os advogados costumam saber de antemão o que vai acontecer com seus clientes.

Alguns ministros falam abertamente sobre a divisão da Corte. A Primeira Turma, mais rígida, é chamada de “câmara de gás”. A Segunda Turma, mais garantista, de “Jardim do Éden". Quase todos fazem política com a toga, o que aumenta a sensação de que a balança da Justiça anda desregulada.