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Bernardo Mello Franco: Genocídio com outro nome - CPI recua, mas enumera provas contra Bolsonaro

Índios não foram convidados nem para a sessão que ouviu parentes de vítimas da pandemia

Bernardo Mello Franco / O Globo

Em quase seis meses de trabalho, a CPI da Covid ouviu 68 pessoas em depoimentos transmitidos ao vivo na TV. Os senadores questionaram políticos, militares, empresários e lobistas. Mas não deram voz a um único representante dos povos indígenas.

Os índios não foram convidados nem para a sessão que ouviu parentes de vítimas da pandemia. Isso ajuda a explicar o tratoraço que removeu a acusação de genocídio do relatório final da CPI.

O texto do senador Renan Calheiros sugeria o indiciamento de Jair Bolsonaro pela prática do crime, tipificado na lei brasileira e no Estatuto de Roma. Também seriam enquadrados o presidente da Funai, Marcelo Xavier, e o secretário especial de Saúde Indígena, Robson Santos da Silva.

As propostas de indiciamento não significavam que os três seriam condenados. Mas retirá-los do relatório significa absolvê-los antes da abertura de uma investigação formal.

A CPI enumerou diversas ações e omissões do governo que transformaram os povos indígenas em alvo fácil para o coronavírus. Bolsonaro chegou a vetar 16 pontos de uma lei que o obrigava a proteger as aldeias. Negou-se a fornecer água potável, comida e material de higiene. O capitão ainda iludiu os índios com a distribuição de remédios ineficazes. E resistiu a incluí-los no grupo prioritário da vacinação, o que só ocorreu por ordem judicial.

Em parecer enviado ao Senado, a Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB apontou “graves indícios da prática do crime de genocídio”. O texto original de Renan concordava com a tese. “O que distingue a morte de centenas de indígenas da morte de centenas de milhares de concidadãos é, fundamentalmente, a intenção de submeter esse grupo específico da população ao risco de contágio. Atitudes deliberadas do governo ajudaram a produzir esse efeito”, escreveu o relator.

Na reta final da CPI, os senadores Omar Aziz e Eduardo Braga articularam a retirada da acusação de genocídio. Eles se elegem pelo Amazonas, onde vigora a máxima de que índio não dá voto. Militares, ruralistas e pastores evangélicos costumam endossar o discurso anti-indigenista do Planalto.

Para evitar uma derrota, Renan cedeu à pressão horas antes de ler do relatório. O presidente da Funai, delegado da PF, e o secretário de Saúde Indígena, coronel do Exército, livraram-se de qualquer tipo de indiciamento. No caso de Bolsonaro, o crime de genocídio foi trocado por crime contra a humanidade.

Apesar do recuo, o documento preservou 77 páginas que podem complicar o capitão num eventual julgamento no Tribunal Penal Internacional. O texto mostra que ele já perseguia e discriminava os índios antes da pandemia. Depois passou a sabotar as medidas que poderiam protegê-los.

“O estímulo à presença de intrusos nas terras indígenas e a negligência deliberada do governo federal em proteger e assistir os povos originários foram aliados do vírus, produzindo efeitos combinados”, afirma o relatório. “Com relação aos indígenas, o governo tratou o vírus não como um risco, mas como uma oportunidade”, conclui.

As marcas do genocídio ainda estão lá, mesmo que seja com outro nome.

Fonte: O Globo
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Bernardo Mello Franco: Mais fuzis, menos feijão

Bolsonaro deixará um país com mais fuzis e menos feijão. Em 2020, praticamente dobrou o número de armas registradas na PF

Bernardo Mello Franco / O Globo

Jair Bolsonaro tem um dom inegável: produz slogans contra seu próprio governo melhor que qualquer político da oposição. Na sexta-feira, o presidente defendeu que os brasileiros se armem com fuzis.

“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse. “Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, acrescentou.

O capitão estava no curralzinho do Alvorada. Em 25 minutos de monólogo, chamou um adversário de “gordo”, outro de “calcinha apertada”, o terceiro de “canalha” e o quarto de “bandido”. A cada insulto, colheu aplausos e gritos de “Mito”. Sem máscara, ele voltou a desdenhar a pandemia, que já matou 578 mil brasileiros. “Lamento. Acontece. A vida é essa”, comentou.

Bolsonaro deixará um país com mais fuzis e menos feijão. Em 2020, praticamente dobrou o número de armas registradas na Polícia Federal. Foram 186 mil, um aumento de 97,1% em relação ao ano anterior. O governo também facilitou o acesso a armas de alto poder ofensivo. Caso dos fuzis semiautomáticos, cujo uso era restrito às forças de segurança.

Enquanto os bolsonaristas se municiavam, a fome disparou. O número de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões em 2018 para 19,1 milhões em 2020. A alta da inflação ainda tende a agravar esse drama.

Não é preciso ser um idiota, como disse o presidente, para notar que os itens da cesta básica ficaram muito mais caros. Nos últimos 12 meses, o preço do feijão fradinho subiu 42,4%. O do arroz, 39,7%.

Em Cuiabá, capital do agronegócio, a imprensa mostrou famílias em fila para receber ossos com retalhos de carne. No curralzinho, Bolsonaro disse que só venezuelanos se alimentam de “resto de comida”.

Depois de ironizar a dificuldade dos pobres para comprar feijão, o presidente deixou claro que não perde o sono com o assunto. “Político preocupado com a vida do pobre tá de sacanagem. Tá preocupado é com o voto dele”, debochou.

Landim em campanha

O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, segue firme no projeto de transformar o clube num palanque para bolsonaristas. Nos últimos dias, abriu a Gávea para mais dois ministros: Ciro Nogueira (são-paulino) e Flávia Arruda (botafoguense).

Paes não entendeu

Eduardo Paes se disse “muito impressionado” com as críticas à tentativa de vender o Palácio Capanema num “feirão de imóveis”.

É muito impressionante que o prefeito não entenda a reação da cidade ao plano de rifar o edifício na xepa do governo Bolsonaro.

Paes se referiu ao palácio, uma joia da arquitetura moderna, como “um prédio estatal” que “as pessoas defendem sem nunca ter frequentado”.

A arquiteta Maria Elisa Costa, ex-presidente do Iphan, já resumiu esse tipo de manifestação em três palavras: “atestado de ignorância”.

Fonte: O Globo
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Instituições funcionando

Bernardo Mello Franco / O Globo
Foto: Alan Santos/PR

Millôr Fernandes tinha uma boa frase para ilustrar os perigos do otimismo em excesso. Para ele, o otimista era o sujeito que se atirava do décimo andar e, ao passar pelo oitavo, comemorava: “Até aqui, tudo bem!”. A imagem parece descrever os brasileiros que não veem ou fingem não ver as ameaças de golpe contra a democracia.

Há duas semanas, Jair Bolsonaro deu um ultimato: ou o Congresso ressuscita o voto impresso ou “corremos o risco de não ter eleição no ano que vem”. A chantagem foi tratada com condescendência. Em vez de ser processado por crime de responsabilidade, o capitão foi convidado para um cafezinho no Supremo.

Nesta quinta, o jornal O Estado de S. Paulo informou que o ministro da Defesa aderiu ao complô para tumultuar a sucessão presidencial. Braga Netto mandou dizer ao presidente da Câmara, Arthur Lira, que só haverá eleição com as regras impostas pelo governo. Usou o coturno de general para intimidar o poder civil.

Seguiram-se negativas pouco convincentes. O deputado Lira desconversou sobre o assunto. “A despeito do que sai ou não sai na imprensa”, disse, vamos todos à urnas em 2022. O general bolsonarista optou pelo cinismo. Tentou desqualificar a reportagem, mas reforçou, em papel timbrado, a pressão indevida pelo voto impresso.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, limitou sua reação a um tuíte. Disse que conversou com os envolvidos, e os dois “desmentiram, enfaticamente, qualquer episódio de ameaça às eleições”. O ministro acrescentou que o país tem “instituições funcionando”. Lembrou o otimista de Millôr antes de se esborrachar na calçada.

Desde que assumiu a chefia do Executivo, Bolsonaro submete os outros Poderes a uma rotina de intimidações e chantagens. Até aqui, a tática tem funcionado. O Supremo impede o avanço das investigações sobre o primeiro-filho, acusado de desviar verba de gabinete. A Câmara não toca na pilha de pedidos de impeachment do presidente, recordista de crimes de responsabilidade. Agora a impunidade se estende a Braga Netto, que se comporta como chefe de guarda pretoriana.

O general é reincidente em ameaças golpistas. Há pouco mais de duas semanas, atacou o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz. Queria interromper as investigações sobre corrupção na compra de vacinas, que atingem militares aboletados no Ministério da Saúde. Em nota assinada com os comandantes das três armas, o ministro insinuou uma quartelada contra o Senado. Como o arreganho não foi punido, ele se sentiu à vontade para repetir a dose.

Num país com instituições funcionando, militar não intimida o Congresso e não opina sobre o sistema eleitoral. Na hipótese mais branda, quem age dessa forma é afastado do cargo que ocupa. No Brasil de 2021, general que afronta a Constituição só corre o risco de ser promovido. E os otimistas continuam a repetir que tudo está sob controle — pelo menos até a próxima ameaça de ruptura.


Fonte:
O Globo
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Recibo de estelionato

A ida de Ciro Nogueira para a Casa Civil muda o desenho dos negócios em Brasília. Até aqui, o Centrão se limitava a fazer escambo: alugava apoio parlamentar e sacava sua parte em cargos e benesses. Agora o bloco vai trocar o balcão pela gerência da loja. Passará a mandar sem intermediários.

O chefão do PP se reaproximou do poder em junho de 2020, quando Jair Bolsonaro começou a sentir o cheiro do impeachment. Para socorrê-lo, Nogueira exigiu o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. A autarquia cuida de temas que não costumam emocionar os políticos, como a aquisição de livros didáticos e a organização do transporte escolar. Seu segredo está no orçamento, que ultrapassa os R$ 50 bilhões anuais.

Em fevereiro deste ano, Bolsonaro ajudou outro pepista, Arthur Lira, a se eleger presidente da Câmara. A ascensão do deputado aumentou o poder de barganha do Centrão. O grupo capturou o Ministério da Cidadania, abocanhou a Secretaria de Governo e agora assume a Casa Civil, coração da máquina federal.

No presidencialismo brasileiro, o chefe da Casa Civil acumula poderes próximos aos de um premiê. Coordena os ministérios, comanda investimentos em infraestrutura e filtra o que sai no Diário Oficial. É o cargo dos sonhos para quem gosta de políticas públicas e para quem busca outros tipos de recompensa do poder.

Para acomodar Nogueira, o capitão chutou mais um general: Luiz Eduardo Ramos será rebaixado a secretário-geral da Presidência. O militar se disse “atropelado por um trem”, mas não demorou a recuperar os sentidos. Horas depois da demissão, sorria ao lado do chefe num estádio de futebol.

O novo ministro é um bolsonarista tardio. Há três anos e meio, descrevia o capitão como “um fascista”. Seu modelo de estadista era Lula, “o melhor presidente da história deste país”. A seu favor, ele não é o único a mudar repentinamente de opinião.

Na campanha, Bolsonaro prometeu combater a “velha política” e definiu o Centrão como “a nata do que há de pior no Brasil”. Ontem ele escancarou que o personagem vendido em 2018 era pura ficção. “Eu sou do Centrão”, disse. “Eu nasci de lá.” Ao autografar a nomeação de Nogueira, o presidente assinará mais um recibo de estelionato eleitoral.


Bernardo Mello Franco: A mutação dos bolsonaristas

A CPI da Covid produziu uma mutação nos bolsonaristas. Diante dos senadores e das câmeras de TV, os defensores do capitão perdem subitamente a valentia. Passam a falar baixo, renegam suas bravatas e fingem esquecer o que já disseram.

Na semana passada, o fenômeno ocorreu com Fabio Wajngarten. Conhecido pela agressividade nas redes sociais, o publicitário afinou ao usar o microfone. Adotou um tom humilde, quase servil, para tentar escapar ileso do depoimento.

O ex-secretário de Comunicação se disse vítima de “boatos maldosos” sobre a intermediação da compra de vacinas. No entanto, perdeu a memória ao ser questionado sobre um termo usado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello. “Não sei nem o que significa pixulé”, desconversou. “Melhor assim, não é?”, ironizou o senador Renan Calheiros.

Ontem a foi a vez de Ernesto Araújo sofrer um surto de amnésia. Pivô de múltiplas crises com a China, o ex-chanceler jurou que nunca criou atritos com Pequim. Renegou até o artigo em que se referiu ao coronavírus como “comunavírus”, endossando a teoria conspiratória de que os chineses teriam lucrado com a pandemia. “Vossa excelência renega o que escreveu. Aí, não dá!”, protestou o senador Omar Aziz.

Em outro momento, Ernesto disse que o ideólogo Olavo de Carvalho não era o guru da sua política externa delirante. “O senhor de fato é um homem muito ousado, muito corajoso”, debochou a senadora Kátia Abreu, antes de chamar o ex-ministro de “negacionista compulsivo”.

Apesar dos recuos e das gaguejadas, Wajngarten e Ernesto não conseguiram blindar o chefe. O publicitário admitiu que Jair Bolsonaro ignorou ofertas de vacinas da Pfizer. E o ex-chanceler confirmou que o presidente deu ordens para negociar a importação de cloroquina.

Ernesto deixou claro que sua gestão estava mais empenhada em travar lutas ideológicas do que em salvar vidas. Por discordar do governo da Venezuela, o ministro se negou a colaborar com o transporte de cilindros de oxigênio de Caracas para Manaus. Depois que a doação chegou, ele se recusou a dar um mísero telefonema para agradecer.

PF laçou a boiada de Ricardo Salles

A Polícia Federal laçou a boiada de Ricardo Salles. O ministro do Meio Ambiente foi o principal alvo da operação deflagrada nesta manhã. A polícia investiga sua participação num esquema de exportação ilegal de madeira.

A ação apura crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Salles. Ele também afastou o presidente do Ibama, Eduardo Bim.

O governo de Jair Bolsonaro subverteu a razão de ser do Ministério do Meio Ambiente. Desde a posse do capitão, a pasta foi capturada por interesses econômicos ligados à exploração predatória dos recursos naturais.

Em vez de proteger as florestas, a gestão de Salles estimulou a ação de desmatadores, grileiros e garimpeiros. Na reunião ministerial de abril de 2020, ele escancarou sua estratégia: aproveitar a pandemia para ir “passando a boiada”. Era uma referência ao desmonte da legislação e dos órgãos ambientais no Brasil.

Em tempos normais, a operação da PF levaria à demissão imediata do ministro do Meio Ambiente. Como estamos no governo Bolsonaro, é preciso esperar para ver. A política antiambiental de Salles não é uma obra de um homem só. Estava sempre deixou claro que cumpre ordens do presidente.

Fonte:

O Globo

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Bernardo Mello Franco: Vinte anos depois, Bruno Covas repete drama do avô

Duas décadas depois, Bruno Covas repete o drama do avô. Mario Covas descobriu um câncer no auge da carreira política. Havia acabado de se reeleger governador de São Paulo. Ele rompeu uma tradição da política brasileira e manteve os cidadãos informados sobre a evolução da doença. Morreu em 2001, aos 70 anos.

O prefeito Bruno também escolheu enfrentar a tragédia pessoal com transparência. Além de explicar cada etapa do tratamento, usou as redes sociais para divulgar boletins médicos e mensagens de otimismo. Na quinta-feira, ele publicou a última foto no hospital. Morreu neste domingo, aos 41 anos.

O câncer de Bruno Covas interrompe uma carreira política promissora. Em 2016, ele se elegeu vice-prefeito na chapa de João Doria. Quando Doria renunciou para concorrer ao governo paulista, tornou-se o prefeito mais jovem da história da cidade.

Covas não herdou o carisma do avô, mas honrou sua trajetória de combate ao autoritarismo. Em 2018, foi um dos poucos líderes tucanos a negar apoio a Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial. Depois ofereceu ajuda para encenar peças de teatro boicotadas pelo governo federal.

Num ambiente político marcado pela radicalização, o prefeito se destacava pela moderação e pelo equilíbrio. Ele também representava uma face mais progressista do PSDB, partido que caminhou para a direita desde o fim do governo FH.

Em 2020, Covas se reelegeu ao vencer uma disputa civilizada com Guilherme Boulos. Chegou a se desculpar publicamente quando um aliado fez ataques pessoais ao candidato do PSOL. Um dos pontos fracos de sua campanha foi a escolha do vice Ricardo Nunes, num arranjo para garantir o apoio do MDB. Agora o ex-vereador assume o comando da maior cidade do país.

Fonte:

O Globo

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Bernardo Mello Franco: O silêncio do general

Há dez anos, o estamento militar se uniu para combater a Comissão Nacional da Verdade. Os generais temiam que a revelação de crimes da ditadura causasse dano à imagem das Forças Armadas. Faltou visão estratégica: o pior estava por vir com Eduardo Pazuello.

A passagem do general pelo Ministério da Saúde implodiu o mito da eficiência dos militares. O oficial afastou técnicos e aparelhou a pasta com coronéis, majores e capitães. O resultado foi uma gestão caótica, que abraçou o negacionismo, atrasou a compra de vacinas e deixou faltar oxigênio em hospitais.

Pazuello também desmontou o marketing da bravura dos homens de farda. Para não perder o cargo, o general se humilhou publicamente diante do capitão. “É simples assim: um manda, e o outro obedece”, explicou, ao ser desautorizado na negociação com o Instituto Butantan.

A CPI da Covid já causou novos desgastes a Pazuello e ao Exército. Depois de usar uma desculpa esfarrapada para adiar seu depoimento, o ex-ministro apelou ao Supremo pelo direito de permanecer calado.

O habeas corpus concedido pelo ministro Ricardo Lewandowski segue a jurisprudência do tribunal. A Constituição também é clara: ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. No entanto, a blindagem jurídica terá efeitos adversos. O silêncio do general deve agravar sua desmoralização diante dos senadores e da opinião pública.

Ainda que compareça em trajes civis, Pazuello representará o Exército na CPI. Ele é general da ativa, loteou o ministério entre colegas da caserna e agora é defendido pela Advocacia-Geral da União. É impossível separar o personagem da instituição que o abriga e acoberta.

Há outros riscos à vista para o general fujão. Apesar de ter garantido seu direito ao silêncio, Lewandowski ressaltou que ele precisará responder a perguntas que envolvam “fatos e condutas relativas a terceiros”. Nesses casos, valerá o compromisso de dizer a verdade. Se mentir aos senadores, o ex-ministro poderá ser responsabilizado por falso testemunho.

O relator Renan Calheiros deixou claro que o habeas corpus não resolve todos os problemas de Pazuello. “Interrogatório bom não busca confissões, quer acusações sobre terceiros. Com relação a ele, outros falarão”, avisou.

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O drama dos Covas

Duas décadas depois, Bruno Covas repete o drama do avô. Mario Covas descobriu um câncer no auge da carreira política. Havia acabado de se reeleger governador de São Paulo. Ele rompeu uma tradição da política brasileira e manteve os cidadãos informados sobre a doença. Morreu em 2001, aos 70 anos.

O prefeito Bruno também escolheu enfrentar a tragédia pessoal com transparência. Além de explicar cada etapa do tratamento, usou as redes sociais para divulgar mensagens de fé e otimismo. Na quinta-feira, ele publicou a última foto no hospital. Na sexta, os médicos informaram que seu estado de saúde era irreversível.

Fonte:

O Globo

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Bernardo Mello Franco: Engavetador em campanha

Um assessor parlamentar deposita R$ 89 mil na conta da primeira-dama. Quando a história vem à tona, o presidente diz que o dinheiro era para ele. Ao ser questionado sobre o motivo dos cheques, o político se descontrola. Fecha a cara, solta palavrões e ameaça agredir o jornalista com um soco na boca.

A pergunta do repórter do GLOBO ganhou as redes sociais: “Presidente, por que sua esposa, Michelle, recebeu R$ 89 mil de Fabrício Queiroz?”. Nove meses depois, Jair Bolsonaro ainda não se dignou a respondê-la. Se depender da Procuradoria-Geral da República, continuará em confortável silêncio.

Na segunda-feira, o procurador Augusto Aras rejeitou abrir inquérito sobre o caso. Ele afirmou ao Supremo que não vê “lastro probatório mínimo” contra o capitão. O parecer contrariou o advogado Ricardo Bretanha Schmidt, autor do pedido de investigação. “Quando se trata do presidente, a PGR nunca tem disposição de elucidar os fatos”, protesta.

Desde que foi nomeado por Bolsonaro, Aras se comporta como um aliado do governo. Virou o novo engavetador-geral da República, título inaugurado por Geraldo Brindeiro na Era FH. O procurador já arquivou múltiplas representações contra o presidente. Entre outras coisas, recusou-se a investigar os desmandos na pandemia e o uso da Lei de Segurança Nacional contra opositores.

Em janeiro, a submissão de Aras ao Planalto tirou seus colegas do sério. Numa cobrança pública, seis integrantes do Conselho Superior do Ministério Público escreveram que ele “precisa cumprir o seu papel de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e de titular da persecução penal”. Em outra frente, a Associação Nacional dos Procuradores da República afirmou que “a sociedade brasileira não admite omissão neste momento”.

A fidelidade de Aras a Bolsonaro tinha um motivo conhecido: ele sonhava ser nomeado ministro do Supremo. Como o capitão prometeu a vaga a um jurista “terrivelmente evangélico”, o procurador teve que mudar os planos. Virou candidato a um segundo mandato na PGR. Em 2019, ele convenceu o presidente a nomeá-lo fora da lista tríplice. Agora está em campanha para repetir a dose em setembro.

Fonte:

O Globo

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Bernardo Mello Franco: A polícia não mata sozinha

Uma operação com blindados e helicópteros aterrorizou o Jacarezinho e deixou 28 mortos no maior massacre da história do Rio. Na manhã seguinte, a Polícia Civil só havia identificado a vítima que usava farda. Sem conhecer as outras 27, o vice-presidente Hamilton Mourão sentenciou: “Tudo bandido”.

O general está afinado com a tropa no poder. O governador Cláudio Castro, aliado do Planalto, classificou a matança como fruto de um “detalhado trabalho de inteligência”. O vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, fez piada com o relato de uma viúva. Há poucos dias, seu pai ergueu um cartaz com a inscrição “CPF cancelado”. O capitão é um velho defensor de milícias e grupos de extermínio.

“A polícia não mata sozinha. Esse tipo de discurso legitima a barbárie e a violência policial”, afirma o advogado Joel Luiz Costa, coordenador do Instituto de Defesa da População Negra. Criado no Jacarezinho, ele voltou à favela horas depois do banho de sangue. Percorreu as vielas, ouviu testemunhas e saiu convencido de que ocorreu uma chacina.

Em 2018, o Rio elegeu um governador que se fantasiava de soldado do Bope e mandava a PM atirar “na cabecinha”. Seu substituto é mais discreto, mas quer provar que também tem DNA bolsonarista. Ao exaltar a inteligência da polícia, Castro ofende a inteligência alheia. A operação deveria cumprir 21 mandados de prisão, mas só cumpriu três. Além de produzir uma carnificina na favela, feriu dois passageiros dentro de um vagão de metrô.

Representantes da OAB e da Defensoria Pública apontam outros abusos. Os policiais modificaram cenas e removeram os corpos sem perícia. Depois levaram mais de 24 horas para entregá-los ao IML. Testemunhas relataram execuções sumárias e uso desproporcional da força. Apesar de tudo, a polícia se sentiu autorizada a comemorar a operação.

Na quinta, uma entrevista sobre o caso virou comício bolsonarista. O subsecretário Rodrigo Oliveira reclamou do “ativismo judicial” e disse que os defensores dos direitos humanos têm “sangue do policial nas mãos”. O delegado Felipe Curi julgou e condenou os 27 mortos pelos colegas. “Não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, homicida e traficante”, afirmou.

O chefe do setor que deveria investigar o massacre já se convenceu de que não há o que apurar. “Não houve execução. Houve sim uma necessidade real de um revide a uma injusta agressão”, disse o diretor do Departamento de Homicídios, delegado Roberto Cardoso. As declarações mostram o caso não pode ficar nas mãos da Polícia Civil.

Além de ignorar regras e protocolos, a matança pisoteou a decisão do Supremo Tribunal Federal que proíbe operações em favelas durante a pandemia, salvo em casos excepcionais. Numa clara provocação, a polícia batizou a ação no Jacarezinho de “Exceptis”. Os responsáveis pela barbárie também não fariam isso sozinhos. Eles sabem que têm cobertura para desafiar o Judiciário e as leis.

Fonte:

O Globo

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Bernardo Mello Franco: Tropa de trapalhões

Em duas semanas, o Planalto já acumula ao menos sete vexames na CPI da Covid. A série começou quando o UOL publicou uma planilha da Casa Civil com 23 acusações contra o governo. A lista foi redigida para ajudar os bolsonaristas. Ao vazar, virou arma para a oposição.

Na semana passada, O GLOBO revelou que requerimentos assinados por senadores governistas foram produzidos em computadores da Presidência. Os registros eletrônicos mostram que os parlamentares atuaram como laranjas do capitão.

Nesta terça, o ex-ministro Henrique Mandetta expôs mais uma lambança. O ministro Fábio Faria enviou para o celular dele, por engano, uma pergunta que seria feita pelos aliados de Bolsonaro.

No dia seguinte, os governistas protagonizaram outro papelão: tentaram impedir as representantes da bancada feminina de falar. Os senadores Ciro Nogueira e Marcos Rogério se esforçaram para calar as colegas no grito. Foram desautorizados até por Soraya Thronicke, uma bolsonarista de carteirinha.

O general Eduardo Pazuello ainda não deu as caras, mas já acumula dois vexames na CPI. Na terça, apresentou uma desculpa esfarrapada para adiar seu depoimento. Disse que teve contato com dois coronéis contaminados, embora não tenha se prestado a fazer um teste de Covid-19.

Ontem o drible se transformou em escárnio. Enquanto dizia estar isolado no hotel de trânsito do Exército, o general fujão recebeu a visita do ministro Onyx Lorenzoni.

O sucessor de Pazuello protagonizou a sétima trapalhada governista. Num depoimento arrastado, Marcelo Queiroga deixou dezenas de perguntas sem resposta. A cada enrolação, evidenciava o medo de dizer algo que desagradasse o chefe.

“O senhor é médico, fez o juramento de Hipócrates, mas não consegue responder àquilo que eu pergunto”, protestou o senador Otto Alencar. Queiroga continuou a embromar e voltou para casa com o apelido de ministro Rolando Lero.

Fonte:

O Globo

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Bernardo Mello Franco: Aposta na morte

No primeiro depoimento à CPI, Luiz Henrique Mandetta resumiu a atitude de Jair Bolsonaro na pandemia. Em vez de se guiar pela ciência, o presidente escolheu o caminho do negacionismo. Sabotou as medidas de distanciamento, receitou remédios milagrosos e tapou os ouvidos para as más notícias.

Mandetta evitou o embate direto, mas reforçou a principal suspeita da oposição. No lugar de combater o vírus, o capitão apostou na tese da imunidade de rebanho. Distribuiu cloroquina e mandou a população voltar às ruas antes da chegada da vacina. Foi uma aposta na morte, que ajuda a explicar as mais de 410 mil vidas perdidas até aqui.

O ex-ministro contou que o chefe tinha um “assessoramento paralelo”. Um dos conselheiros era o vereador Carlos Bolsonaro, suspeito de comandar a máquina de fake news do governo. Ontem o Zero Dois tuitou que o depoente deveria sair preso do Congresso. Se a CPI avançar sobre as milícias digitais, a maldição ainda pode se voltar contra ele.

Mandetta economizou nos adjetivos para Bolsonaro, mas soltou a língua ao criticar Paulo Guedes. Definiu o ex-colega como um personagem “desonesto intelectualmente” e “pequeno para estar onde está”. O ataque amplia o desgaste do ministro da Economia, que vem perdendo sustentação política e agora deverá ser convocado à CPI.

A sessão de ontem também serviu para mostrar o despreparo da tropa governista. Na véspera do depoimento, o ministro Fábio Faria enviou a Mandetta, por engano, uma das perguntas que seriam feitas pelo senador Ciro Nogueira. Ao revelar a gafe, o ex-ministro expôs mais uma trapalhada do Planalto.

Não foi a única do dia. O general Eduardo Pazuello virou piada após apresentar uma desculpa mambembe aos senadores. Ele pediu para adiar seu depoimento porque teve contato com pessoas infectadas pela Covid-19. Há poucos dias, foi flagrado sem máscara num shopping. Desprezou a ameaça do vírus, mas está morrendo de medo da CPI.

Fonte:

O Globo

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Bernardo Mello Franco: A aventura de Witzel

Terminou mal a aventura de Wilson Witzel, o Breve. O ex-juiz experimentou uma ascensão meteórica na política. Em poucas semanas, passou de candidato nanico a governador eleito do Rio. Depois de um ano e oito meses no poder, ele foi afastado sob suspeita de corrupção. Na sexta-feira, teve o mandato cassado em definitivo.

Witzel se tornou uma unanimidade ambulante. Em junho de 2020, a Assembleia Legislativa aprovou a abertura do processo de impeachment por 69 votos a 0. Em setembro, repetiu o placar para ejetá-lo da cadeira. Varrido do palácio, ele passou a ser julgado por um tribunal misto. Desembargadores e deputados também concordaram no veredicto: 10 a 0 a favor da cassação.

No início do ano, o governador havia sido derrotado em outra votação unânime. Por 13 a 0, os ministros do Superior Tribunal de Justiça aceitaram denúncia que o acusa de desvios na saúde. Numa inversão de papéis, o ex-juiz virou réu por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Witzel foi um fenômeno típico das eleições de 2018. Com discurso moralista, vestiu-se de verde e amarelo e surfou a onda conservadora que consagrou Jair Bolsonaro. No último debate na TV, ele demonizou a política e descreveu sua campanha como “uma luta do bem contra o mal”. “Sou um cidadão como você: indignado. Indignado com tanta corrupção”, bradou.

Deslumbrado com o poder, o ex-juiz nunca se preocupou em nomear bons secretários ou montar uma base de apoio na Assembleia. Também não disfarçou a intenção de usar o governo do Rio como um trampolim para concorrer ao Planalto. A soberba cobraria um preço alto. Quando caiu em desgraça, ele não encontrou ninguém para defendê-lo.

Apesar do isolamento, o governador manteve a empáfia até o fim. No dia da votação na Alerj, comparou-se a Tiradentes e Jesus Cristo. Na sexta-feira, descreveu o tribunal do impeachment como uma sucursal do Estado Islâmico. “Hoje não sou eu que sou cassado, é o Estado democrático de direito”, delirou.

O caso de Witzel evidencia o risco de entregar o poder a aventureiros. Sem passado na política, o ex-juiz se limitou a dizer que era diferente de tudo o que estava aí. A retórica seduziu quase cinco milhões de eleitores, que entregaram o Palácio Guanabara a um ilustre desconhecido.

Os desvios na saúde não são a única herança maldita do governador cassado. Ele deixa em seu lugar outro político sob investigação, que também foi alvo de buscas da PF. No fim de março, Cláudio Castro ofereceu mais um cartão de visitas. Dois dias depois de pedir que a população evitasse aglomerações, promoveu uma festa para celebrar o próprio aniversário.

Desde que assumiu o poder, o novo governador se comporta como um súdito da família Bolsonaro. Na ânsia de agradar o capitão, já chegou a desautorizar medidas de distanciamento social. Em entrevista à revista “Veja”, o dublê de político e cantor gospel explicou como foi parar na chapa de Witzel. “Virei vice porque não tinha outro”, admitiu.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/aventura-de-witzel.html