Benito Salomão
PEC do Teto não sufoca crescimento da economia, diz Benito Salomão
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de julho, economista chama de falaciosas o que chama de acusações contra a proposta
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Em meio à proliferação dos casos confirmados de coronavírus ao longo do território nacional, o país tem de lidar com uma segunda pandemia, a de ideias erradas, analisa o economista Benito Salomão.” Dentre as muitas propostas estapafúrdias que vêm à baila, surge a ideia oportunista e ideológica de revogar o Novo Regime Fiscal (NRF)”, observa ele, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de julho.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todas as edições, gratuitamente, em seu site. “Como toda falácia, ideias erradas portam maquiagem e alguns argumentos acerca dos efeitos da Emenda Constitucional 95, que, embora pareçam verdadeiros, não resistem a uma simples consulta aos dados”, analisa o economista.
A primeira acusação falaciosa acerca da PEC do Teto, segundo Salomão, é de sufocar os investimentos públicos e, portanto, a capacidade de crescimento da economia. “Ambos os argumentos são falsos”, assevera. “Os limites para crescimento do gasto público do NRF entraram em vigor apenas em 2017; os investimentos públicos do governo federal vinham em queda desde meados de 2013”, continua.
Além disso, segundo o artigo do economista publicado na revista Política Democrática Online, grande parte dos investimentos públicos anteriores até então eram financiados via pedaladas fiscais, ou seja, o Tesouro utilizava temporariamente os bancos públicos para pagar obras do PAC e do Minha Casa Minha Vida. “É falso que o limite imposto ao crescimento do gasto público tenha prejudicado as despesas com investimentos”, afirma o economista.
De acordo com Salomão, o grande inibidor do investimento no Brasil é o crescimento inercial do componente permanente do gasto público (previdência e salários). “Sobre isto, a PEC tem exercido papel interessante. Primeiro, porque, após a incorporação do NRF, se contava com a aprovação de uma reforma da Previdência que atenuasse a tendência de crescimento do gasto previdenciário”, disse.
O economista pondera que o segundo ponto é que a PEC impõe uma dinâmica ao gasto com pessoal da União, distinta do verificado ao longo das últimas décadas. “Sob os limites do NRF, a elite da burocracia passa a competir com as demais rubricas do orçamento, de forma que reajustes salariais devem necessariamente ser compensados por quedas em outras áreas, o que aumenta o custo político dos reajustes concedidos”, analisa.
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RPD || Benito Salomão: PEC do Teto e Investimento Público
Sufocar os investimentos públicos e, portanto, a capacidade de crescimento da economia, é uma das falácias que ameaça a Emenda Constitucional 95, avalia o economista Benito Salomão em seu artigo
Em meio à proliferação dos casos confirmados de coronavírus ao longo do território nacional, o país tem de lidar com uma segunda pandemia, a de ideias erradas. Dentre as muitas propostas estapafúrdias que vêm a baila, surge a ideia oportunista e ideológica de revogar o Novo Regime Fiscal (NRF). Como toda falácia, ideias erradas portam maquiagem e alguns argumentos acerca dos efeitos da Emenda Constitucional 95 que, embora pareçam verdadeiros, não resistem a uma simples consulta aos dados.
A primeira acusação falaciosa acerca da PEC do Teto é de sufocar os investimentos públicos e, portanto, a capacidade de crescimento da economia. Ambos os argumentos são falsos. Os limites para crescimento do gasto público do NRF entraram em vigor apenas em 2017; os investimentos públicos do Governo Federal vinham em queda desde meados de 2013. Além disso, grande parte dos investimentos públicos anteriores até então eram financiados via pedaladas fiscais, ou seja, o Tesouro utilizava temporariamente os bancos públicos para pagar obras do PAC e do Minha Casa Minha Vida. É falso que o limite imposto ao crescimento do gasto público tenha prejudicado as despesas com investimentos.
Na verdade, o grande fator inibidor do investimento no Brasil é o crescimento inercial do componente permanente do gasto público (Previdência e salários). Sobre isto, a supracitada PEC tem exercido papel interessante. Primeiro, porque, após a incorporação do NRF, se contava com a aprovação de uma reforma da Previdência que atenuasse a tendência de crescimento do gasto previdenciário. Tal reforma estava prevista para ocorrer em 2017. Em razão, porém, do conjunto de choques políticos que se sucederam, ela foi aprovada apenas em finais de 2019. Segundo, porque a PEC impõe uma dinâmica ao gasto com pessoal da União, distinta do verificado ao longo das últimas décadas. Sob os limites do NRF, a elite da burocracia passa a competir com as demais rubricas do orçamento, de forma que reajustes salariais devem necessariamente ser compensados por quedas em outras áreas, o que aumenta o custo político dos reajustes concedidos.
Para além do crescimento inercial de despesas permanentes, outros fatores limitam a capacidade de investimento do setor público no Brasil. O primeiro é a dificuldade em classificar investimento. A Lei 4.320/64 estabelece investimento apenas como dispêndios ligados ao capital físico, tais como obras, equipamentos e materiais permanentes. A legislação atual não contempla capital humano como um tipo de investimento. Como efeito sobre o crescimento econômico, uma obra que demore 4 anos para ser concluída, por exemplo, afeta o PIB ao longo desse período, pela contratação de trabalhadores e de insumos para executá-la. Um investimento em educação, por sua vez, que mitigue o analfabetismo e aumente as habilidades básicas e específicas da população, tem potencial de elevar o crescimento do PIB de forma perene, ainda que na contabilidade pública não seja apresentado como um investimento.
Por outro lado, em se tratando exclusivamente dos investimentos em capital físico, a Lei 8.666/93, que regulamenta a forma como são feitas as licitações e, portanto, contratados os serviços e obras públicas no Brasil, precisa de reformas. O processo de licitação tem de ser mais ágil, transparente e mais aberto à ampla concorrência, aí incluídas empresas estrangeiras. A forma como essas obras são fiscalizadas e pagas também deve ser ajustada. Novos processos carecem de reflexão por parte das instituições de controle, no tocante ao encurtamento dos prazos para certidões, medições e demais exigências, de forma a que os cronogramas das obras não sejam atrasados (e, por conseguinte, tenham os preços ajustados). Urge, ainda, ainda pensar-se um sistema de garantias de obras públicas, evitando-se, assim, que uma obra construída reclame tão cedo reparos, com oneração ao Tesouro.
São várias as razões porque o investimento público se tem comportado no curso desta década da maneira como conhecemos. Isto pouco tem a ver com o Novo Regime Fiscal, vigente há poucos anos. Solucionar isto envolve um conjunto de micro reformas a ser considerado após a pandemia. O que não se pode é, a pretexto de fomentar o crescimento e o desenvolvimento social via gasto público, revogar uma regra fiscal conquistada graças ao grande esforço legislativo que legou ao Brasil taxas de juros e inflação historicamente baixas, segundo os padrões nacionais. A PEC do Teto dos Gastos precisa ser preservada.
- Doutorando em Economia UFU, Visiting Researcher at UBC.
Benito Salomão: Renovar o auxílio emergencial?
O Brasil caminha para adentrar no quinto mês de Coronavírus e é o atual epicentro mundial da pandemia. O conjunto de erros cometidos pelo governo federal na gestão da pandemia, deu ao Brasil este nefasto status, o Brasil é hoje o exemplo mundial do que não se fazer em termos de medida de combate a uma crise sanitária. Diante da evidente deterioração do panorama econômico, em simultâneo ao descontrole do quadro epidemiológico, a proposta de prorrogar por mais 3 ou 4 meses o auxílio emergencial pago a trabalhadores informais ganha força na Câmara dos deputados.
No começo da crise escrevi o artigo Macroeconomia em Tempos de Coronavírus em que defendi um auxílio emergencial de 1 salário mínimo para as camadas vulneráveis, a ser pago pelo tempo que durasse a quarentena. No meu entendimento, para que o programa cumprisse sua finalidade, deveria o pagamento deveria ser condicionado a uma rigorosa quarentena entre 2 a 3 meses. Os 53 milhões de brasileiros atendidos por um coronavaucher de R$1.000,00/mês, custaria aos cofres públicos cerca de R$212 bilhões em quatro meses. Isto ao lado de outras medidas também adotadas como a antecipação do 13°, a liberação de saques do FGTS, além do pagamento serviriam para arrefecer a ansiedade das populações, sobretudo as mais pobres, para cumprirem seu isolamento social com segurança. Investir R$212 bi na segurança da população não seria um custo, se a quarentena tivesse sido respeitada e talvez hoje tivéssemos 20 ou 25 mil mortos a menos.
Ao contrário da nossa sugestão inicial, Executivo e Legislativo negociaram em conjunto um auxílio emergencial de R$600,00/mês por três meses e o custo total da política foi de aproximadamente R$95,4 bilhões. Entretanto, o isolamento social foi definitivamente abandonado como estratégia sanitária de enfrentamento da proliferação da doença e o Brasil se aproxima de 60.000 óbitos pela síndrome. Ultima vez que um episódio exógeno ceifou a vida de 50 mil brasileiros foi há 150 anos atrás, na guerra do Paraguai que durou 6 anos. Agora que o desastre humanitário já é um fato e a economia vai apresentar uma queda de dois dígitos em 2020, novamente executivo e Legislativo dialogam no sentido de prorrogar o Coronavaucher. Isto deverá causar um gasto primário extra de R$95,4 bi, ou seja, ao final de setembro o Tesouro terá gasto cerca de R$201 bilhões no pagamento do auxílio para os informais.
Não é sobre gastar ou poupar recursos públicos, é sobre qualidade do gasto público. Ao final o Brasil gastará em 6 meses um montante muito próximo do que gastaria em 4 meses pagando minha proposta inicial de 1 salário mínimo. No entanto, o pagamento do auxílio na ausência da obrigação de uma quarentena efetiva gerou a despesa, mas não evitou os 60 mil óbitos. Como sempre gasto público no Brasil é empenhado em função das suas intenções e não em função dos seus resultados e a prorrogação do coronavaucher por mais três meses novamente vai se orientar por esta lógica. A pergunta é, qual o motivo de se ampliar o tempo do benefício sem a exigência de uma contrapartida da população? Defendo até que dadas as condições socioeconômicas vigentes o auxílio seja estendido, no entanto, isto precisa estar atrelado a outras políticas e a resultados, não pode ser apenas um benefício.
Mas não foi apenas no pagamento do Coronavaucher que a política pública fracassou, praticamente todas as medidas de enfrentamento ou foram tímidas, ou foram concebidas com atraso, ou simplesmente não existiram. O SUS foi realmente fortalecido? O número de leitos ampliados de forma não apenas a socorrer neste momento de pandemia, mas de suprir deficiências históricas que o sistema apresentava? Tais como filas em cirurgias eletivas, falta de leitos, insuficiência de insumos e equipamentos descoordenação?
E a educação? Em todos os seus níveis parada sob pretexto de que uma porção relevante dos seus alunos não dispõem de instrumentos básicos como computadores e acesso à internet para acompanhar o ensino remoto, ou ainda que parte expressiva dos professores não domina o uso de tecnologias que já apontam para o futuro da docência no século XXI. Tal constatação é perfeitamente pertinente, mas as crianças do resto do mundo estão tendo aula remotamente mesmo diante da pandemia. Por que o MEC não aproveitou o pretexto da pandemia para lançar um amplo programa de inclusão digital das famílias e regiões mais pobres do Brasil? Utilizando bancos públicos para subsidiar parte dos equipamentos adquiridos por estes alunos e vinculando inclusive (e apenas neste caso já que se trata de um subsídio) a compras de computadores e tablets produzidos pela indústria doméstica?
Muito se argumentou que “iriam morrer mais pessoas de fome do que pelo Coronavírus”, de repete se descobriu que na maior potência produtora de alimentos do mundo, existem pessoas que passam fome. Por que não se criar consórcios públicos de compra de alimentos da agricultura familiar e utilizar o exército ou até mesmo a expertise dos Correios (uma das poucas empresas de logística no mundo com estas características) para distribuir alimentos nos subúrbios das grandes cidades? Ou mesmo nos rincões do país? E o envio através do exército de caminhões pipas para que os 39 milhões de brasileiros desabastecidos de água tratada pudessem se higienizar nas periferias das grandes capitais?
O Brasil vai ter um déficit primário de 12% do PIB este ano, deve se desfazer ainda de uns 4% do PIB em reservas internacionais com impacto fiscal e a sensação que se tem é a de onde está sendo empregado este dinheiro? Não se vê o emprego destes recursos acontecendo na prática. Se o déficit era inevitável que ao menos fosse utilizado salvando a população e construindo um novo Brasil.
Benito Salomão é doutorando em Economia UFU e visiting researcher na UBC.
‘Não há solução econômica sem solução sanitária’, diz economista Benito Salomão
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, pesquisador aponta ‘recuperação econômica errante’
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Não há solução econômica sem prévia solução sanitária, de acordo com o economista Benito Salomão, doutorando em Economia pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e pesquisador visitante da University of British Columbia. Em artigo de sua autoria que publicou na 20ª edição da revista Política Democrática Online, ele critica o governo. “O Brasil fracassou ao lidar com a pandemia quando o presidente [Jair Bolsonaro] se aliou ao vírus e sabotou as medidas de isolamento social”, afirmou.
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De acordo com Salomão, a postura do governo brasileiro, fatalmente, levará ao fracasso da recuperação econômica. “Não existe retomada sem a construção de um estado de confiança prévio, capaz de induzir agentes econômicos a consumir e investir”, observa. “Sob este aspecto, a incapacidade do governo em lidar com as medidas de isolamento social criou ambiente de desconfiança, alimentado interna e externamente, que se estende também à sua capacidade de lidar com as pautas necessárias para reaquecer a economia”, afirma.
Duas preocupações preponderam no caso brasileiro, de acordo com o economista. “A primeira diz respeito à visão equivocada do Ministério da Economia acerca da natureza da crise e dos instrumentos necessários para enfrentá-la”, diz ele. Na avaliação do autor, a mescla da visão liberal antiga com um fiscalismo exagerado pode ser perigosa neste momento; será preciso certo nível de pragmatismo para passar por este momento com danos minorados.
“Não é possível delegar a recuperação à simples trajetória do ciclo econômico”, escreve Salomão, para continuar: “A dívida pública vai crescer, estimativas apontam para uma necessidade de financiamento do setor público de R$ 800 bilhões, em 2020. Ora, se este passivo é inevitável, é importante que cada real empenhado neste contexto cumpra seu papel de salvar vidas, empregos e empresas. Infelizmente, não é o que acontece”, analisa.
A segunda preocupação, segundo o economista, é com o que ele chama de “recuperação econômica errante”, que é reflexo da letargia das ações”. “O governo não só se empenha em insistir em uma agenda que não cabe no contexto, mas também demora em implementá-la”, afirma. Segundo ele, o mundo começa a se preparar para o relaxamento das medidas de isolamento social e discutir as medidas de estímulo econômico que envolvem equilíbrio macroeconômico, desenvolvimento social e humano, redução das desigualdades e deslocamento da fronteira tecnológica.
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RPD || Benito Salomão: Onde estará o Brasil no Novo Normal?
A pandemia causada pelo Covid-19 desafia a busca de soluções para evitar a recessão na maior parte das economias que integram o Fundo Monetário Internacional
A pandemia do corona vírus foi implacável ao inverter as prioridades das políticas macroeconômicas pelo mundo. Durante o Spring Summer do Fundo Monetário Internacional (FMI), foi previsto um impacto econômico de longe superior ao da crise global de 2008. Das 190 economias pertencentes ao Fundo, previu-se recessão em 179 delas em 2020. A recessão é um fato com o qual o mundo terá que lidar, e os instrumentos de ação dos governos ainda estão sendo pensados.
Uma tendência consolidada na compreensão moderna da economia, enquanto ciência, é que problemas econômicos dependem de soluções que muitas vezes não são econômicas. A crise do Covid escancarou este desafio, de forma que a simples compreensão do funcionamento das políticas macroeconômicas será insuficiente para conduzir resposta robusta à crise. Não há solução econômica sem prévia solução sanitária. Do ponto de vista sanitário, governos ao redor do mundo atuaram em três frentes: i) implementação de medidas de isolamento social; ii) testagem em massa de suas populações; e iii) investimentos em pesquisas na busca de vacinas e remédios. Enquanto a vacina não é descoberta e disponibilizada, o sucesso das medidas sanitárias diante do vírus dependerá do sucesso de cada governo em testar sua população e manter o isolamento.
O Brasil fracassou ao lidar com a pandemia quando o Presidente se aliou ao vírus e sabotou as medidas de isolamento social, o que fatalmente levará ao fracasso da recuperação econômica. Não existe retomada sem a construção de um estado de confiança prévio, capaz de induzir agentes econômicos a consumir e investir. Sob este aspecto, a incapacidade do governo em lidar com as medidas de isolamento social criou ambiente de desconfiança, alimentado interna e externamente, que se estende também à sua capacidade de lidar com as pautas necessárias para reaquecer a economia.
Duas preocupações preponderam. A primeira diz respeito à visão equivocada do Ministério da Economia acerca da natureza da crise e dos instrumentos necessários para enfrentá-la. A mescla da visão liberal antiga com um fiscalismo exagerado pode ser perigosa neste momento; será preciso certo nível de pragmatismo para passar por este momento com danos minorados. Não é possível delegar a recuperação à simples trajetória do ciclo econômico. A dívida pública vai crescer, estimativas apontam para uma necessidade de financiamento do setor público de R$ 800 bilhões, em 2020. Ora, se este passivo é inevitável, é importante que cada real empenhado neste contexto cumpra seu papel de salvar vidas, empregos e empresas. Infelizmente, não é o que acontece. Pelo que se sabe até agora, os auxílios prometidos chegam com atraso e em magnitude aquém do necessário. Corre-se o risco de o Brasil chegar a 2021 com o passivo fiscal do Covid, em contraste com as mortes e a desestruturação dos setores produtivos, absolutamente evitáveis.
A segunda preocupação com a recuperação econômica errante é a letargia das ações. O governo não só se empenha em insistir em uma agenda que não cabe no contexto, mas também demora em implementá-la. Graças a isto, o mundo começa a se preparar para o relaxamento das medidas de isolamento social e discutir as medidas de estímulo econômico que envolvem equilíbrio macroeconômico, desenvolvimento social e humano, redução das desigualdades e deslocamento da fronteira tecnológica. Enquanto isto, o Brasil segue preso no debate acerca dos retrocessos democráticos recentes e na equalização da questão fiscal não solucionada no quadriênio 2015/19. Causa tristeza a percepção que estamos saindo de uma década perdida e entrando em outra, de forma que o país, que era a 7ª economia mundial, em 2010, ocupa hoje a 9ª posição e talvez não esteja entre as dez nos próximos quatro ou cinco anos.
É preciso sair desta armadilha, e o Brasil superar as polêmicas de natureza política, por cujo conduto sairíamos também das crises sanitária e econômica. A economia apenas recomenda, mas a política executa. Precisamos resolver o curto prazo e, ao mesmo tempo, redescobrir estratégia de longo prazo que permita ao país crescer e distribuir, mitigar pobreza, gerar oportunidades, conviver civilizadamente com o meio ambiente e desenvolver novas tecnologias, competências, oportunidades e elevar a produtividade. Há muito a ser feito, não podemos perder as esperanças.
*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Visiting Researcher at University of British Columbia.
Benito Salomão: Novo mundo, nova década, velhos problemas
No Brasil, diferentemente de países cujo governo federal atua com eficiência, a crise sanitária se agrava na mesma proporção em que se agravam os indicadores econômicos. A pandemia atingiu Brasil cerca de 1 mês após ter atingido a Europa continental e 2 meses após ter atingido a China e alguns vizinhos asiáticos. Poderíamos ter aprendido com os erros dos outros, tendo assim minimizado os impactos humanos e sanitários, reduzido os efeitos da quarentena no tempo e criado as bases para uma recuperação econômica em um futuro próximo.
Pelo contrário, as atitudes do presidente Bolsonaro criaram uma crise institucional dentro das já graves crises sanitária e econômica em curso que tendem a se prolongar, a sanitária até o final do ano e a econômica até 2021. O Brasil foi atingido pela Pandemia em uma situação fiscal frágil, as soluções emergenciais para reagir ao COVID-19 exigem necessariamente expansão do gasto público. Neste sentido, quanto mais rápido resolvermos a crise sanitária, menos dinheiro público precisará ser dispendido em socorro aos Estados e Municípios e no pagamento de Coronavaucher às famílias afetadas, ou ainda ao socorro das empresas proibidas de funcionar.
Não quero com este argumento, simplesmente transmitir a visão fiscalista de que dinheiro público não deve ser gasto, a dívida pública pode e deve amortecer o sofrimento humano durante esta pandemia, mas a ausência de uma política sanitária responsável fará com que os custos fiscais sejam maiores e menos efetivos do que seriam. Qual o problema disto? O problema é que em função disto as medidas de ajuste pós pandemia deverão ser mais drásticas do que também seriam e como já adiantamos no artigo anterior, a indesejada CPMF estará inevitavelmente presente neste pacote.
Isto é péssimo porque o Brasil sairá de uma crise e cairá em outra. Explico! Sairemos da crise do Coronavírus com um passivo fiscal entre 95 e 100% do PIB, isto terá que ser enfrentado. Também não sabemos ainda quais serão as condições políticas para resolver tal problema, isto também preocupa. O problema é que voltaremos novamente para a agenda de curto prazo, ao debate pobre sobre cortar gastos ou aumentar impostos que dominou toda a década de 2010.
Enquanto isto o Brasil continuará crescendo pouco, é possível que a renda per capita do país continue crescendo negativamente tornando nosso país, na média, ainda mais pobre. As desigualdades sociais tendem a se ampliar com os efeitos deletérios da Pandemia sobre o desemprego e a renda e com isto a exacerbação dos ânimos políticos. Pior, sairemos também mais isolados do restante do mundo, acordos que tenderiam a beneficiar em larga escala a economia brasileira como o Mercosul – UE devem ser paralisados, também sairemos desta crise mais distantes da China, do mundo Islâmico e até do Mercosul.
Um outro aspecto que certamente irá contribuir para a estagnação da economia brasileira, trata-se do gap tecnológico existente entre o Brasil e as demais economias importantes. Agendas do século XXI como o carro elétrico e uma economia de baixo carbono, a internet 5 G, a internet das coisas, big data e a utilização de algoritmos no setor de serviços entre inúmeras outras transformações que já são realidade no mundo desenvolvido, no Brasil não encontram espaço pela ausência de uma política de desenvolvimento científico e tecnológico.
Nós entraremos na década 2020 resolvendo problemas fiscais que tínhamos em 2013 enquanto a nossa defasagem tecnológica para com as economias importantes aumenta. A começar pelo desenvolvimento da vacina ao COVID-19, ao que tudo indica, estaremos mais uma vez dependentes da pesquisa desenvolvida em outros países para lidar com este assunto. Isto é ruim, porque uma política educacional e científica demora pelo menos uma geração para produzir frutos, envolve muitos mandatos presidenciais e uma cultura de política de Estado que se perdeu no Brasil entre os governos Dilma e Bolsonaro.
É bem verdade que, justiça seja feita, a defasagem educacional e científica não começou com Bolsonaro, perpassa inúmeros governos. É bem verdade também, que seu governo representa uma sensível piora neste quesito. Isto significa que além de termos um déficit tecnológico e, portanto, de produtividade com o resto do mundo, este déficit está aumentando cada vez mais e logo não teremos condições de competir em vários setores da economia em que um dia já tivemos protagonismo global.
O Brasil está à deriva, sem rumo, sem governo e sem noção de prioridades. Refém de corporações públicas e privadas. Também de narrativas políticas estapafúrdias que não encontram respaldo nos fatos, não se debate o que interessa. Éramos a 7ª economia mundial em 2010, hoje somos a 9ª, talvez em 3 anos não estejamos mais entre as 10. Não tenho otimismo sobre a inclusão de uma agenda de desenvolvimento de longo prazo para o Brasil, nossos problemas de curto prazo serão muitos e graves, devendo asfixiar todo o debate de economia, também dependem da política, que no Brasil dos últimos anos se transformou em um nó. Estamos entrando em um novo mundo, em uma nova década reféns dos nossos velhos problemas.
Benito Salomão – Doutorando PPGE UFU e Visiting Researcher VSE UBC.
Benito Salomão: Lei de Responsabilidade Fiscal 20 anos, o que nós aprendemos?
“Isto poderia ser claro que nenhuma instituição iria (ou poderia, talvez) prevenir um governo ou uma legislatura executar déficits, se isto é o que eles estão realmente determinados a fazer”. (Alesina e Perotti, 1996).
No dia 04/05, comemoramos 20 anos desde a implantação da Lei Complementar 101/2000 ou Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O destino e suas ironias quis que comemorássemos seu 20º aniversário em meio a uma aguda crise fiscal, iniciada em meados desta década a partir de contabilidades criativas (Gobetti e Orair, 2017), e que será inevitavelmente ampliada durante a pandemia.
Os cálculos do Professor Josué Pellegrine estimam uma necessidade de financiamento (NFSP) de aproximadamente R$980 bilhões em 2020, sendo R$267 bi referentes ao déficit primário já previsto para este ano mais o socorro aos Estados e municípios em trâmite no Congresso, mais R$454,4 referentes a medidas de enfrentamento ao COVID-19, chegando a um resultado primário de -R$721 bi. Some-se a isto um provisionamento de despesas nominais (serviços da dívida) estimadas na casa de R$380 bi, chegaríamos aos R$980 (ou 14% do PIB). Parte disto está sendo suavizado pela venda de reservas cambiais, cujo impacto, porém, é limitado, Pellegrine trabalha com um saldo líquido de 10% do PIB de NFSP em 2020. Nada impede, que estes cálculos sejam revistos para cima se: 1° os efeitos da pandemia durarem mais tempo do que o previsto e demandarem mais socorro do governo e, 2° se o custo de rolagem da dívida pública aumentar como aliás já está sinalizado.
A pandemia fez com que os objetivos de curto e longo prazo da política fiscal no Brasil, se descolassem. A PEC 10/2020 de autoria da Câmara, deu ao governo Federal as condições legais necessárias para que o governo financiasse todas as despesas de curto prazo da Pandemia através da emissão de títulos do Tesouro, que excepcionalmente podem ser comprados pelo Banco Central (prática vedada pelo art. 34 da LRF). No longo prazo, no entanto, o objetivo inevitavelmente será conter a trajetória de expansão da dívida. O fato é que a crise fiscal era um dado da realidade antes da pandemia, fruto de erros evitáveis da política econômica e não totalmente corrigidos nos anos recentes. Mas como lidar com ela? No Brasil, diferentemente do resto do mundo, o primeiro passo para lidar com um problema fiscal é considerar que ele existe, parece uma obviedade, no entanto, existem grupos de economistas que estão convencidos que uma dívida de 90% ou 95% do PIB não é um problema. Eu, evidentemente discordo e vejo que existem três formas de lidar: 1° elevar tributos, 2° cortar gastos públicos e, 3° privatizações.
Se após a Pandemia, o estoque de dívida for, por exemplo 90% do PIB e o PIB brasileiro crescer a uma média de 1% ano, tendo um custo de rolagem da dívida constante e próximo a 4% ano, o esforço fiscal para manter a relação dívida/PIB é de um superávit primário da ordem de 3% ano (próximo de R$180 bilhões). Se levarmos em consideração que o Brasil sem Pandemia já apresentava um déficit fiscal previsto para 2020 de R$124 bi, estaremos falando de um esforço da ordem de R$304 bilhões no primeiro ano do ajuste. Um esforço desta magnitude certamente exigirá uma combinação de aumento de impostos e corte de gastos.
Pelo lado dos gastos, a reforma da previdência aprovada deve começar a ser sentida no caixa. Se estimou um potencial de economia total de R$900 bilhões em 10 anos, porém, dado que as novas regras incidem sobre trabalhadores que irão se aposentar, a maior parte desta economia ficará concentrada nos anos finais da estimativa. O gasto com pessoal do governo federal em 2019 foi da ordem de R$313 bilhões, esta rubrica estará congelada pelos próximos 2 anos, considerando que seriam gastos a simples reposição da inflação para tais salários, o efeito orçamentário disto é simbólico, próximo a R$22 bilhões em 2 anos. A margem para cortar despesas discricionárias, dentre elas, o investimento público foi praticamente exaurida nos anos anteriores e, talvez, teremos um congelamento real do salário mínimo em 2021 que pode criar uma folga de mais uns R$15 bi no orçamento.
Pelo lado dos gastos a situação está no limite, pelo lado das receitas, é preciso ser realista e dizer que novos impostos serão criados. Não que eu goste da ideia, mas a recriação da CPMF parece inevitável neste novo cenário. A estimativa do Ministério da Economia é de uma arrecadação próxima de R$150 bilhões. Recriar um imposto em períodos recessivos é sempre perigoso, por isto seriam necessárias duas ações adicionais: 1° aprovação da reforma tributária nos moldes do projeto da Câmara e, 2° sinalizar ao país que este seria um imposto temporário, com validade de no máximo 5 anos, para que a sociedade entenda este movimento como um esforço de ajuste e não como um aumento perene do tamanho do Estado.
Há ainda outras medidas como privatizações e revisões de incentivos fiscais a setores empresariais que podem ter grande impacto fiscal neste momento. Sobre isto, dissertarei em artigo futuro. Por hora, saliento que qualquer estratégia de ajuste, deve considerar a permanência das regras fiscais como a LRF e o Teto de Gastos, que têm um efeito disciplinador e distributivo sobre o Estado e um papel fundamental na credibilidade da política macroeconômica e na ancoragem de expectativas.
*Benito Salomão – Doutorando em Economia PPGE-UFU, Visiting Research VSE-UBC.
Referências
ALESINA, A. PEROTTI, R. Fiscal Discipline and the Budget Process. American Economic Review. 1996.
Benito Salomão: Perspectivas para o pós-Bolsonaro
Nicolau Maquiavel (1532) em “O Príncipe” disserta sobre a postura ideal de um governante visando sua permanência no poder. Para o autor, há momentos em que o soberano é levado a escolher entre ser amado ou ser temido, nestas situações a escolha deve ser temido, pois sem temor o governante perde o respeito dos seus governados e, portanto, as condições de governabilidade. Já Weber (1919) em “Política como Vocação” discorre que um homem público é guiado por duas éticas e em alguns momentos a ética da responsabilidade se opõe a ética da convicção, o que leva o governante a escolher entre o que ele gostaria de fazer ou o que ele deve fazer pela imposição das circunstâncias.
Neste contexto, o governo Bolsonaro ao completar 16 meses agoniza fruto de uma impressionante sequência de erros. Em um momento em que o mundo luta contra uma crise sanitária que causará inevitavelmente uma crise econômica, as condições de governabilidade no Brasil estão se esvaziando fruto do apego excessivo à ética da convicção, isto é, os valores e crenças pessoais que guiam as ações do Presidente da República o colocando em oposição frontal à ética da responsabilidade, ou seja, às medidas recomendadas pelo melhor conhecimento disponível que propõem o isolamento social temporário como forma mais eficiente de se lidar com a crise sanitária.
Em regimes democráticos caracterizados pela informação instantânea e pela organização social de massas, a opinião pública oscila pendularmente e, neste contexto, a estratégia do conflito só prejudica quem está no governo e precisa prestar contas e entregar resultados. Neste sentido, diante da incapacidade de Bolsonaro convencer a maioria da população brasileira acerca da viabilidade de sua convicção, somado a atitudes recentes destrambelhadas e incompatíveis com a postura requerida de um chefe de Estado, lhe custaram a credibilidade, esta certamente lhe fará falta no momento em que a crise econômica se impor como realidade e demandar ações efetivas do governo federal em estímulo a economia.
Retomando Maquiavel, ficou claro para os governados que o governante não é capaz de liderar o país em uma crise sanitária e não será capaz de apontar saídas para a crise econômica que pode se estender para 2021. Afinal, se Bolsonaro não se valeu da ética da responsabilidade para apoiar medidas sanitárias corretas, quem garante que o mesmo o fará para adotar medidas econômicas que, em geral, sofrem de um nível maior de subjetividade? Em outras palavras o fracasso do governo Bolsonaro já aponta no horizonte de curtíssimo prazo e, sem o respeito de seus governados, esta é uma tendência irreversível.
No entanto, Bolsonaro não é único culpado do fracasso que se tornou o seu governo, parte expressiva do eleitor brasileiro que abraçou um presidente cujo discurso não se encaixava no modelo institucional brasileiro, deve assumir a sua parcela de responsabilidade. Em outras palavras, o fracasso do governo Bolsonaro não começou agora flagrante nas ações atrapalhadas no combate à pandemia, o candidato Bolsonaro sempre demonstrou desconhecimento e má vontade em aprender sobre temas técnicos que deveriam nortear o dia a dia do presidente. Desde a eleição, os posicionamentos de Bolsonaro sobre educação, economia, meio ambiente, diplomacia, entre outros, eram guiados por uma pitoresca combinação de achismos, superficialidade e teorias da conspiração.
Evidentemente que isto não tinha como dar certo. Agora, o governo caminha para o seu final, o que pode se dar pelo processo de impeachment oriundo das dezenas de crimes de responsabilidade cometidos durante sua rápida passagem pelo governo. Ou ainda, seu governo pode acabar com Bolsonaro permanecendo no cargo como um presidente decorativo, com seus poderes e atribuições cada vez mais esvaziadas por determinações do legislativo e judiciário, como já vem acontecendo. O impeachment será menos danoso, primeiro porque o executivo tem atribuições que não podem ser exercidas por outros poderes, segundo, porque um novo governo pode resgatar a credibilidade no sentido maquiavélico.
Um eventual governo Mourão resgatando a harmonia institucional entre o executivo e os demais poderes certamente contribui para o estado de expectativas da economia ora sem rumo. No entanto, paira o medo dos retrocessos, tendo em vista os movimentos recentes da ala militar do governo em interferir na ala econômica propondo um plano de estímulo a economia com elevado custo fiscal, relembrando as já fracassadas tentativas de estimular a economia via gastos públicos e subsídios ao setor privado que deram errando nos governos Lula e Dilma. Até que ponto este ideário desenvolvimentista norteará um futuro governo Mourão? É difícil prever, mas não custa alertar os riscos.
*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Visiting Researcher at University of British Columbia.
Benito Salomão: Política Monetária em tempos de Coronavírus
Conforme o mundo mergulha na crise sanitária hora vista, fica evidente que a crise econômica será aguda e inevitável. As medidas anunciadas até aqui e defendidas nos últimos dois artigos neste espaço, sem dúvidas ajudam a diminuir o sofrimento humano diante de uma catástrofe destas proporções, mas não evitam a crise e nem tão pouco sustentam uma recuperação. Ainda é prematuro se falar de recuperação quando os dados da real magnitude da crise ainda são desconhecidos. No entanto, já é possível pensar em instrumentos. A política fiscal, parece que encontrará o seu limite após a vigência do decreto de calamidade em curso. Estima-se que a monta de gastos do orçamento de guerra somado a queda nas receitas eleve a dívida pública para próximo de 90% do PIB. Diante deste provável cenário e num contexto de regras fiscais como o teto de gastos, haverá pouca margem para utilização dos instrumentos fiscais com efeitos estabilizadores do ciclo aos moldes do que propunha Barro (1979).
O Brasil será chamado a recorrer a sua política monetária para estimular a atividade a médio prazo. Isto, no entanto, não significa meramente manusear as operações de open market controlando a liquidez por vias da taxa de juros. Primeiro, porque as taxas de juros da economia brasileira já estão demasiadamente baixas e devem permanecer assim durante enquanto a economia mundial operar com taxas reais negativas. Ademais, novos cortes na taxa nominal devem exercer um efeito nulo sobre a atividade. O canal de transmissão da política monetária para a economia real é o crédito, em tempos normais uma redução da taxa de juros de 3,75% para 3,25% demoraria entre 6 a 9 meses para incentivar o crédito (Cardim et. al. 2007), em tempos de crise tal medida fará pouca diferença. Segundo, porque durante a vigência do orçamento de guerra, no qual o Banco Central excepcionalmente comercializará títulos do Tesouro, é possível que durante um tempo, o excesso de demanda do Banco Central por títulos do Tesouro cause um descolamento entre a meta fixada pelo Copom para a taxa Selic e a taxa verificada nas operações de open market Selic over. Sendo possível que as taxas de mercado perdurem, por algum tempo, abaixo da meta fixada.
Simplesmente imprimir monetizar a economia através da expansão do M1, como proposto por renomados economistas, pode não funcionar. Isto porque a moeda emitida pelo Banco Central chega na economia real através dos bancos comerciais, vários obstáculos se colocam para que o dinheiro novo entre em circulação: O primeiro obstáculo consiste nos quase 50 milhões de pessoas desbancarizadas no Brasil, a mera injeção de liquidez via bancos terá dificuldades para atingir esta quantidade de pessoas. O segundo obstáculo é que períodos de incerteza são caracterizadas pela preferência pela liquidez (Keynes, 1936), isto significa que o aporte monetário pode ser empoçado no caixa dos bancos ou mesmo entesourado já que é sabido que sob incertezas as famílias recorrem a formação de poupança precaucionaria (Carroll e Samwich, 1998).
Se os efeitos tradicionais da política monetária tais como a redução da taxa de juros e a expansão monetária tendem a ter efeitos limitados no curto prazo, qual seria a solução? Uma política monetária que pretenda dinamizar a economia, deve ter por objetivo principal fomentar o gasto privado em um momento de incerteza. Em um contexto recessivo a resposta virá muito mais da microeconomia (porém com impactos agregados) do que da macroeconomia tradicional. É preciso olhar para as famílias e firmas e compreender qual a causa da sua demanda reprimida. Observando os dados de endividamento das famílias, percebe-se claramente que o excessivo endividamento é uma das razões que inibem o consumo. O Gráfico 01 mostra a evolução do endividamento das famílias como proporção da sua renda acumulada em 12 meses. Verifica-se que as famílias bancarizadas possuem um endividamento de 45% da sua renda, ao se excluir os financiamentos habitacionais, este endividamento cai para 26% da sua renda.
Fonte: Banco Central do Brasil
Os dados retratam ainda uma piora do perfil deste endividamento nos últimos anos, isto porque cerca de 50% do compromisso orçamentário das famílias com dívidas (excluindo financiamentos habitacionais) é direcionado ao pagamento de juros e apenas os 50% restantes é direcionado para amortizações. Dados da Serasa Experian de 2019 mostram que 63 milhões de pessoas possuem dívidas atrasadas a mais de 90 dias, isto é, inadimplência. Este cenário traz efeitos agregados não desprezíveis sobre o comportamento do consumo e isto irá se agravar fortemente com a elevação projetada do desemprego e com a queda na renda.
Sob a óptica das firmas o cenário vinha apresentando uma significativa melhora, a inadimplência das empresas de pequeno porte vinha se retraindo desde a crise de 2015. O Gráfico 02 mostra este comportamento para microempreendedores, microempresas e empresas de pequeno porte no Brasil. É bem possível que a inadimplência das PJs volte a crescer nos próximos trimestres em face dos efeitos do Coronavírus na economia. É também plausível acreditar que empresas de médio porte ou menores venham a sofrer com insuficiência de capital de giro em função de uma eventual retração do crédito esperada para este período o que ampliaria ainda mais suas dificuldades de caixa.
Fonte: Banco Central do Brasil
Em um cenário de restrições ao crédito das famílias e insuficiência de liquidez nas empresas os efeitos da crise tendem a ser amplificados. Dadas as supracitadas limitações dos instrumentos tradicionais de política fiscal e monetária, a proposta de política monetária aqui trazida é um tanto quanto ousada. O Banco Central possui um instrumento de política monetária comumente aplicado ao salvamento de bancos comerciais, que felizmente nesta crise apresentam-se sólidos. Trata-se das operações de redesconto. Na prática, em economias caracterizadas por crises bancárias, o Banco Central atua como emprestador de última instância assegurando a liquidez das instituições em dificuldades através de empréstimos.
Dado que as dívidas aqui tratadas são do público para com o sistema bancário, propõe-se uma espécie de operações de redesconto para a economia real, sobretudo para a pequena economia que se financia a altas taxas. Na prática o Banco Central age como pagador de última instância comprando (liquidando) os passivos creditícios (atrasados e a vencer [exceto os habitacionais]) de famílias e firmas para com os bancos, mitigando restrições ao crédito e abrindo espaço no orçamento corrente das mesmas para que ampliem os seus gastos. Uma medida como esta teria algumas vantagens no momento: i) certamente custará menos do que os tradicionais salvamentos de bancos, ii) não pode ser acusada de provocar efeitos inflacionários, iii) não custará dinheiro do Tesouro, a liquidação destes créditos é uma mera operação contábil no balanço do BC em que sai moeda do seu passivo e entram estas dívidas do público no seu ativo e, iv) dado que é uma medida direcionada para a pequena economia, um alivio orçamentário destas firmas e famílias pode significar demanda instantânea para reaquecer a economia.
*Benito Salomão – Doutorando Economia Universidade Federal de Uberlândia e Visiting Researcher University of British Columbia.
Referências
BARRO, R. J. On Determination of the Public Debt. Journal of Political Economy. Vol. 87(5). October 1979.
CARDIM, F. J. C. SOUZA, F. E. P. SICSÚ, J. PAULA, L. F. STUDART. R. Economia Monetária e Financeira. Ed. Campus Elsiever. 2007.
CARROLL C, SAMWICK A. How important is precautionary saving? Review of Economics and Statistics, vol. 80 (pg. 410-19). 1998.
KEYNES, J. M. Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. 1936.
Benito Salomão: Política Fiscal em tempos de Coronavírus
Desde que esta pandemia desafiou os Estados nacionais no mundo todo, ficou evidente que a economia mundial caminharia rapidamente para uma recessão e que isto demandará esforços significativos dos governos para evitarem que os efeitos econômicos deste novo choque causem rupturas sociais. O cenário é desafiador, no artigo anterior publicado neste espaço, defendi a ação direta do Tesouro de forma que a política macroeconômica fosse direcionada a proteger camadas mais vulneráveis da população, bem como pequenos negócios. Mas afinal, pode o Tesouro arcar com os custos de políticas assistenciais em meio a uma crise fiscal pela qual o país vem passando a anos?
É preciso reconhecer que o momento fiscal brasileiro não é dos melhores, a dívida pública de 76% do PIB é elevada para padrões emergentes. Desde que Reinhart e Rogoff (2010) mostraram que dívidas públicas causam redução do crescimento econômico, um conjunto de evidências empíricas tem se debruçado a estudar este fenômeno. Por exemplo Carner et. al. (2010) mostram que o ponto de inflexão a partir do qual a dívida pública prejudica o crescimento é 77% do PIB. Neste cenário, pensado na ausência de catástrofes, a margem fiscal para expansão do gasto público no Brasil é realmente bastante limitada.
Vários fatores, no entanto, devem ser acrescentados nesta discussão. Primeiro que o conjunto de reformas aprovadas no Brasil pós impeachment estabilizou a trajetória da dívida, que hoje é alta, porém não explosiva. Isto ajuda a compreender de onde vem a margem fiscal para a implementação de políticas de combate ao Coronavírus. Segundo, graças a estas reformas, o custo de rolagem desta dívida pública é baixo para os padrões históricos brasileiros. Conforme visto pelo Gráfico 1, a estrutura a termo da taxa de juros para Letras do Tesouro Nacional (LTNs) é baixa tanto na ponta curta (títulos de 1 mês), quanto na ponta longa (títulos de 12 meses). É bem verdade que aqui não estou tratando do problema do custo das compromissadas, no entanto, a intenção é convencer o leitor que não temos problemas de financiamento desta dívida no curto prazo. Terceiro, o estado de expectativas dos agentes econômicos diante desta pandemia mudou de forma que quem não esperava intervenções fiscais na economia no cenário anterior, hoje espera.
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional (STN)
Os instrumentos fiscais requerem momento certo para serem utilizados. Sob certas condições, DeLong e Summers (2012) e Blanchard (2019) discorrem que expansões fiscais podem não ter custos. Tais condições, no entanto, como taxa de juros inferiores a taxa de crescimento econômico não se verificam aqui, deve-se, portanto, esperar que a dívida pública cresça no curto prazo. Em uma conjuntura como esta, isto não é problema, uma vez que estimativas apontam para uma retração do produto entre -1,5% e -3,4% em 2020, neste cenário uma expansão dos gastos públicos pode amortecer sensivelmente a retração da atividade uma vez que, segundo Auerbach e Gorodnichenko (2013), os efeitos multiplicadores são maiores na fase recessiva do ciclo econômico.
Dadas as condições macroeconômicas postas, é evidente a necessidade de se expandir o gasto público durante este período de pandemia. No entanto, é preciso separar a política fiscal de calamidade da política fiscal de longo prazo. Neste cenário é preciso garantir que o regime fiscal volte após a pandemia, para seu enquadramento institucional anterior à pandemia, caracterizado pela responsabilidade fiscal e pela emenda constitucional 95 (teto de gastos públicos). Isto porque a política fiscal brasileira é enquadrada na taxonomia spend-tax, de Peacock e Wiseman (1979), o que significa que elevações temporárias de gastos podem levar à expansão permanente dos tributos que são prejudiciais ao crescimento de longo prazo.
Neste contexto, a resposta dada pela Câmara dos Deputados, propondo e aprovando a PEC 10/2020 denominada popularmente como “orçamento de guerra” parece ser bastante satisfatória no sentido de que fornece os recursos necessários para que o executivo faça o devido combate ao Coronavírus no front sanitário e social. No seu § 4º a proposta aprovada na Câmara estabelece a criação de um orçamento paralelo de caráter temporário e cujas despesas devem ser empenhadas exclusivamente no combate ao Coronavírus e seus efeitos sociais, sendo financiadas, conforme previsto em seu § 8º, em caráter de excepcionalidade pela emissão de dívida do Tesouro podendo ser adquirida pelo Banco Central (prática hoje vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal).
O projeto em tramitação no Senado faz face ao problema social de curto prazo já que se estima um montante próximo de R$700 bilhões ou 10% do PIB para fazer face as despesas necessárias. Porém, não altera o ordenamento normativo que regula as finanças públicas no Brasil, principalmente a Lei 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e a Emenda Constitucional 95 (emenda do Teto de Gastos), mantendo assim o compromisso de equilíbrio fiscal no longo prazo e, com isto, o estado de expectativas. O projeto se vale apenas de dispositivos legais vigentes, uma vez que o artigo 167 da Constituição Federal em seu inciso XIII e § 3º admite a abertura de crédito suplementar em face de excepcionalidades imprevistas tais como guerras ou calamidade. A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê em seu artigo 65, parágrafo II que o cumprimento dos limites legais de despesas com pessoal e endividamento ficam suspensos em face de calamidade pública, já no artigo 66, a lei prolonga os prazos para que o setor público volte aos limites estabelecidos.
Trata-se, portanto, de dinheiro novo injetado na economia, endividamento que em última instância será financiado por emissão monetária do Banco Central, que durante a pandemia está autorizado a adquirir títulos do Tesouro acomodando o passivo fiscal em seu balanço. Esta solução, não tende a ser inflacionária no curto praz por três motivos: primeiro, em função da queda repentina e aguda do gasto privado que deve provocar deflação nos próximos meses, segundo, em função do novo estado de expectativas de curto prazo desta economia em calamidade e, terceiro, em função desta medida não ter alterado os objetivos de longo prazo da política fiscal cristalizados na LRF e na EC 95, que voltam a vigorar após o estado de calamidade.
*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia e Visiting Researcher na University of British Columbia.
REFERÊNCIAS
Auerbach, A. J., Gorodnichenko, Y., 2013. “Fiscal Multipliers in Recession and Expansion.” In Fiscal Policy after Financial Crisis. Edited by Alberto Alesina and Francesco Giavazzi. University Chicago Press.
Blanchard. O. 2019 “Public Debt and Low Interest Rates.” American Economic Review. Vol. 109(4): p. 1197-1229.
Caner, M., Grennes, T., Koehler-Geib, F., 2010. Finding the tipping point – when sovereign debt turns bad, World Bank Policy Research Working Paper No.5391.
DeLong, J. B; Summers, L. H., 2012 “Fiscal Policy in a Depressed Economy.” Brookings Papers on Economic Activity. Brookings Institutions, p. 233 – 297.
Peacock, A. T; Wiseman, J., 1979. Approaches to the Analysis of Government Expenditure Growth. Public Finance Review. Vol. 7. N. 1 p. 3 – 23.
Reinhart, C.M., Rogoff, K.S., 2010. Growth in a time of debt. American Economic Review. 100 (2), 573–578.
Benito Salomão: Macroeconomia em tempos de Coronavírus
Desde o começo deste ano o mundo está em guerra declarada contra o novo Coronavírus, parasita celular transmissor de doença de alto contágio. No Brasil, além do inimigo microscópico, temos também uma guerra declarada contra a desinformação e irresponsabilidade que muitas vezes emana do próprio governo, que deveria estar atuando para atenuar os efeitos desta doença na população. Eis que em meio as incertezas causadas por um vírus que contamina em progressão geométrica, há gente patrocinando a falsa narrativa da dicotomia entre cuidar de doentes e salvar a economia.
Falsa dicotomia porque as expectativas de crescimento econômico para 2020 já estavam sendo revistas para baixo após a divulgação do PIB de 2019 pelo IBGE que trouxe um resultado bastante insatisfatório, em grande medida pela inabilidade do governo de agilizar reformas. Os crentes na tese de que a paralisação pela quarentena irá derrubar a economia, ignoram por cinismo ou despreparo, que a economia mundial irá se retrair em 2020 e, portanto, com ou sem quarentena o crescimento deste ano já está comprometido.
O Coronavírus exercerá o seu efeito, mas mesmo na ausência de quarentena, os canais de transmissão da crise externa e interna derrubariam o PIB deste ano.
A quarentena é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), endossada no Brasil pelo Conselho Nacional de Medicina (CNM) e pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI). Ela deveria estar sendo adotada no Brasil com mais organização, de forma a minorar os impactos econômicos. O esvaziamento do governo federal neste assunto, no entanto, favoreceu ações descoordenadas dos Estados causando ruídos e aumentando as desconfianças acerca da necessidade da quarentena adotada em dezenas de países. Hoje empresários e trabalhadores no Brasil já sofrem por antecedência os efeitos de uma crise econômica que ainda sequer começou e que ainda não conhecemos as proporções.
Do ministério da economia, o silêncio, as poucas propostas que surgem vêm de economistas de fora do governo. Fazer política anticíclica com pouco dinheiro é sempre um desafio, um teste de stress para muitos economistas. A ação da política monetária está se exaurindo pelo atual nível da taxa SELIC de 3,75%, o país irá precisar da política fiscal. Está claro que neste momento de choque estritamente exógeno que a agenda fiscal será postergada para o longo prazo. A situação fiscal não é boa, mas também não é dramática como era em 2016, medidas como a PEC do teto e a reforma da previdência estabilizaram a relação dívida/PIB, que terá que crescer diante desta nova realidade.
Dada a condição fiscal do momento, não basta gastar, é preciso gastar bem e isto significa um posicionamento claro do governo e da equipe econômica sobre quais as prioridades. A economia recomenda, mas quem executa é a política. Sem orientação política sobre quem estes recursos extra deverão beneficiar, os esforços da economia serão desperdiçados. Mais do que isto, os esforços pela recuperação econômica devem ser multidisciplinares, isto é, reunir ao mesmo tempo área econômica, desenvolvimento social, saúde, além de atuar em conjunto com Estados e municípios que manuseiam políticas assistenciais melhor do que o governo federal.
É evidente que a política não basta ser anticíclica, é preciso que ela seja focada nas pessoas mais pobres. Por mais óbvio que pareça, o primeiro passo é tranquilizar a população, não menosprezando a doença, mas sim mostrando que o Estado tem instrumentos para assegurar a saúde e a subsistência de todos. Dito isto, a política não deve estar focada em grandes obras como normalmente é proposto, mas sim em uma assistência temporária focada em famílias de baixa renda e trabalhadores informais. Deve também ser mais ambiciosa do que o vale de R$200 anunciado pelo executivo e que o Congresso já transformou em R$300, creio que devemos trabalhar com um salário mínimo. Uma renda mínima para informais e desempregados é consumo imediato e dadas as dificuldades de locomoção impostas pela quarentena, este dinheiro tende a circular majoritariamente no pequeno comércio dos bairros.
Quanto as empresas, novamente o foco deve ser as micro e pequenas empresas, o decreto de calamidade permite compras públicas por inexigibilidade de licitação, melhor que uma parte destas compras fossem fornecidas por empresas de pequeno porte. Ademais o Tesouro controla dois grandes bancos públicos, estes bancos já anunciaram a postergação de financiamentos por 60 dias, no entanto, dados os baixos custos de captação oriundos de uma SELIC baixa, é viável pensar em uma modalidade de crédito para capital de giro a baixo custo e com prazo de carência capazes de compensar a perda temporária de caixa. Evidentemente, que tal instrumento deve cobrar a manutenção de postos de trabalho das empresas beneficiadas como instrumento de capitação.
O Estado brasileiro tem instrumentos para proteger a economia e a saúde de seu povo simultaneamente, mas está atrasado em adota-las, neste tipo de situação, tanto quanto as medidas adotadas em si, o timing de adoção é igualmente importante, ao improvisar nas medidas econômicas como improvisou no caso da quarentena, pode condenar as medidas a ineficiência. Não basta agir, é preciso agir bem e rápido.
Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia – atualmente é visiting researcher na University of British Columbia.
Benito Salomão: Coronavírus, efeitos na economia e possíveis respostas
O pânico instituído em função da rápida proliferação do Covid-19 já apresenta sua face mais dura sobre a rotina das pessoas ao redor do mundo. No Brasil não será diferente, os efeitos até aqui sentidos na Bolsa e no câmbio serão em breve transmitidos para a economia real, principalmente produto e emprego. O que podem fazer as autoridades econômicas para minorar o impacto? O trabalho começa em tratar o assunto com seriedade e não contribuir com a difusão de falsas narrativas, teorias da conspiração, ou insistir na tese estúpida da histeria propagada por Bolsonaro, aquele presidente da república de comportamento estranho que passeou em Miami durante o Carnaval com dinheiro público e até o fechamento da sua coluna tem 14 membros da sua comitiva diagnosticados com a doença.
Mas falemos primeiro de políticas públicas para “domar” a pandemia. Da mesma forma como no caso da dengue, os esforços preventivos são muito mais eficientes do que as políticas corretivas. O melhor a se fazer, neste instante, é impedir que o vírus se prolifere. Aliás, no Brasil cuja epidemia está ocorrendo tardiamente em relação aos países do hemisfério norte, alguns agravantes podem dificultar a ação das autoridades. Por exemplo, o surto de casos de infecção pode coincidir com a sazonalidade de doenças como dengue, zica e chicungunha transmitidas pelo Aedes Egypt, isto certamente causará uma sobrecarga na rede pública de atendimento e dificultará os atendimentos aos doentes. Países com disponibilidade de leitos por cada mil habitantes muito superiores a nossa e que não coexistem com doenças tipo a dengue (em função do clima), tiveram sobrecarga do sistema público de saúde e escassez de leitos, não é razoável acreditar que no Brasil a situação será melhor.
É importante saber que no curto prazo é impossível aumentar o número de leitos, portanto minorar os impactos humanos da doença, envolvem a ação não só do governo que cancelou eventos públicos, artísticos, acadêmicos ou esportivos, também através de campanhas de prevenção que envolvem o comportamento da população. Tanto no que se refere ao CODIV-19, quanto no que se refere à dengue, os esforços preventivos da comunidade são fundamentais para o enfrentamento. Portanto, o isolamento, a quarentena e a higiene pessoal, devem ser adotadas pela população. Episódios como a manifestação pró Bolsonaro ocorrida em inúmeras cidades no último domingo, mais do que uma irresponsabilidade, foi uma covardia para com a população brasileira.
Sobre os impactos econômicos é preciso primeiro decompor o que já iria acontecer em termos de economia independentemente da doença e o que foi agravado pela pandemia de Covid-19. O Brasil já apresentava problemas econômicos anteriores ao vírus, o crescimento de 2,5% já não ia se verificar e correções na Bolsa e no Câmbio já estavam a caminho, evidentemente que bem mais suaves do que vimos nos últimos dias. O mundo também está em sérias dificuldades e isto certamente refletirá na economia doméstica. Sob o novo cenário é possível trabalhar com a ideia de PIB muito próximo de 0 podendo ser até negativo em 2020. É importante lembrar que uma eventual paralização por 2 ou 3 meses de vários setores econômicos causa danos agregados na economia que se estendem para os meses seguintes. Ademais, se a crise for superada em junho, por exemplo, o Brasil já estará às vésperas do seu processo eleitoral. Reformas econômicas tendem inevitavelmente a ser adiadas.
O que o governo pode fazer neste momento? Infelizmente o campo de ação é muito limitado, o pedido de abertura de crédito suplementar de R$5 bi que o Congresso certamente atenderá pode ser insuficiente. Ademais, o dinheiro será muito melhor gasto se for utilizado em conjunto com os municípios. É importante lembrar que as pessoas contraem a doença nos municípios e certamente os prefeitos tem melhores condições de aplicar este dinheiro, sob determinados critérios e metas, do que o governo central.
Políticas de controle de demanda, como propostas pelos macroeconomistas são ingênuas, revogar PEC do Teto sob pretexto de que o investimento público pode suportar o choque é desconhecer a realidade. Projetos de infraestrutura demoram meses desde a sua concepção até a sua execução, dependem de licitação e licenças além de não surtirem efeitos de curto prazo. De forma que a revogação da PEC pode inverter as curvas de juros de longo prazo da economia brasileira e pressionar a carga tributária sendo recessivo. As políticas de antecipação do 13° e abono e as carências de impostos como o Simples Nacional são bem-vindas, mas criam pouco dinheiro novo, apenas transferem dinheiro do futuro para o presente. Seus efeitos macroeconômicos são limitados, as razões são óbvias, não adianta injetar dinheiro em circulação se a população não pode circular.
*Benito Salomão é economista, doutorando em Economia PPGE – Universidade Federal de Uberlândia e Visiting Researcher na University of British Columbia.