bebianno

Julianna Sofia: Fora das catacumbas

Hesitação de Bolsonaro em defenestrar Bebianno fragiliza Planalto do embate pela nova Previdência

A cada vez que um deputado se aboletar na tribuna da Câmara para esmagar uma laranja podre, a exemplo do “pornopeesselista” Alexandre Frota (SP), ficará mais custoso para Jair Bolsonaro persuadir sua base de sustentação, ainda em estado gelatinoide, a votar pela reforma da Previdência.

A hesitação de Bolsonaro em defenestrar Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) do Palácio do Planalto fragilizou o governo e expôs falta de firmeza para lidar com o escândalo dos candidatos laranjas de seu partido. Situação ridícula e insustentável depois de o ministro ter sido chamado de mentiroso não só por Carluxo, o filho 02 do capitão reformado, como pelo próprio presidente da República. Qualquer caminho de volta à normalidade nos corredores palacianos passaria pela demissão voluntária, ou não, do subalterno.

Não se fez isso às claras nesta sexta (15), e o cheiro de fritura empesteou a Praça dos Três Poderes. A atmosfera infectada contamina o ambiente para tramitação da reforma das aposentadorias, que chegará na próxima semana ao Congresso.

Apesar do discurso buscando pacificação e uma tentativa de mostrar que Bebianno poderia ficar no governo, pairaram ao longo do dia conversas sorrateiras sobre como garantir uma saída honrosa ao ministro ou como isolá-lo e drenar paulatinamente seu poder.

O ex-presidente do PSL chegou a insinuar manter confidências da campanha presidencial do partido; depois retrocedeu (em nota diz que o presidente “não tem qualquer relação com outras candidaturas”); por fim vazou conversas privadas mantidas com o capitão reformado.

Bebianno no cargo não seria o primeiro zumbi a viver fora das catacumbas na Esplanada dos Ministérios.

O mais recente enfrentou do terceiro andar do Planalto a maldição da JBS e viu seus planos de aprovar uma nova Previdência serem sepultados em cova rasa. Assim como Michel Temer não tinha os votos para mudar as regras das aposentadorias, Bolsonaro também ainda não os tem.


Ricardo Noblat: Bye, bye, Bebianno

A crise fica

Se Gustavo Bebianno ficasse no governo seria porque Jair Bolsonaro teria se demitido de suas funções. Onde já se viu um presidente da República chamar de mentiroso um dos seus ministros e depois deixar tudo por isso mesmo, inclusive o ministro?

E Bebbiano não é qualquer ministro. É o secretário-geral da presidência da República. Tem gabinete no Palácio do Planalto, a poucos metros de distância do gabinete de Bolsonaro, e assento garantido nas reuniões diárias do presidente.

Como é possível que Bebianno, por mentiroso, não sirva para permanecer ministro, mas sirva para ser diretor de uma empresa estatal? Pois esse foi o prêmio de consolação que lhe foi oferecido. Se tiver juízo, Bebianno voltará ao escritório de advocacia onde trabalhava no Rio.

É fato que o governo está prestes a despachar para o Congresso a proposta da reforma da Previdência. E que o mercado e seus satélites, inclusive grande parte dos políticos, estão dispostos a tolerar todas as suas fraquezas desde que se consiga aprovar a reforma.

Mas não dá para seguir fingindo que tudo vai bem, que tudo parece normal, quando bem não vai, e de normal há quase nada ou muito pouco. Certa balbúrdia é compreensível em todo início de governo. Leva algum tempo para que se comece a conhecer e a dominar a máquina.

A balbúrdia seria maior no caso de um governo cuja maioria dos seus titulares nunca passou pela administração pública. São pessoas inexperientes, a começar do presidente. Não foram selecionadas levando-se em conta um projeto de governo porque faltava um.

Bolsonaro se surpreendeu ao pressentir que poderia se eleger. Seu plano era ser candidato para ajudar os filhos a se reelegerem. Depois, outra vez casado com uma mulher jovem, e pai de uma menina, iria desfrutar a vida com a gorda aposentadoria de quem fora deputado por 28 anos.

Aí veio a facada de Juiz de Fora. O louco do Adélio Bispo, que se sentia perseguido pela Maçonaria, quis matar Bolsonaro e acabou por empurrá-lo para o alto das pesquisas de intenção de voto. A vida tem desses imprevistos, e Bolsonaro soube dar a volta por cima.

Decorridos 47 dias desde a posse, seu governo mal está montado. Há vagas à beça a serem preenchidas, e falta quase tudo. Falta coordenação e também comando. De sobra, só amadorismo e desencontros. O principal responsável por isso é o presidente.

Uma vez, na segunda metade dos anos 80, o então senador Fernando Henrique Cardoso disse a propósito do presidente José Sarney que estava no exterior: “A crise viajou”. Sarney nunca o perdoou por essa e outras mais. De Bolsonaro, por ora, pode-se dizer que ele é a crise onde estiver.


Hélio Schwartsman: Os três filhotes

Rebentos já deram indícios de que vão criar problemas para o pai e o país

Se tivesse senso de institucionalidade ou mesmo um pouco mais de juízo, Jair Bolsonaro deserdaria seus três filhos envolvidos com a política. O governo ainda não completou dois meses, mas seus rebentos, cada um à sua maneira, já deram indícios de que vão criar problemas para o pai e o país.

O primogênito, o senador Flávio Bolsonaro, embora seja o mais moderado dos três, converteu-se ele próprio no centro da primeira crise enfrentada pela nova administração. Seu envolvimento com Queiroz e as milícias tende a tornar-se uma assombração permanente a pairar sobre a Presidência.

Carlos, o vereador, a quem o próprio pai apelidou de “pit bull”, tem o hábito de jogar gasolina nas questões em que se mete, como acabamos de ver na fritura de Gustavo Bebianno. Além disso, Carlos anda armado ao lado do presidente e, aparentemente, tem acesso a suas senhas nas redes sociais. É incrível que um governo tão densamente povoado por militares admita tal nível de riscos de segurança.

Há, por fim, o deputado federal Eduardo, aquele que gosta de despachar cabos e soldados para fechar o Supremo. A crer nas notícias de bastidores, é o responsável pela indicação de alguns dos personagens teletransportados diretamente da “twilight zone” para a Esplanada dos Ministérios. Na realidade paralela em que esses espécimes habitam, o mundo é dominado por comunistas com o propósito de criar um governo global e destruir a família.

Apesar das dores de cabeça que os três filhotes já causaram e ainda causarão, é improvável que Bolsonaro venha a afastá-los. O problema de fundo é o descompasso entre a nossa programação biológica original (que nos faz proteger filhos e parentes) e o ambiente moderno em que vivemos (que exige do presidente uma impessoalidade institucional). Basicamente, estamos diante de uma armadilha evolutiva, o que significa que a natureza tende a prevalecer sobre o bom senso.


Merval Pereira: Uma demissão desnecessária

O caso Bebianno não poderia se encerrar com a aparente derrota de Carlos Bolsonaro, o filho 02, ou a do próprio presidente, obrigado a suspender, pelo menos temporariamente, a demissão do chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Mágoas certamente ficariam, de todos os lados, e dificilmente seriam superadas.

O vereador Carlos, ao retomar suas funções, assinou uma petição na Câmara do Rio para homenagear o vice-presidente da República Hamilton Mourão. De quem insinuou certa vez ter interesse na morte de seu pai. É um recuo e tanto para um pitbull como Carlos que, ao contrário de seu poodle Pituka, não é de amansar a troco de nada. Vê-se agora que sabia que venceria essa queda de braço.

O caso fora resolvido com a desistência temporária de demitir seu ministro porque Bolsonaro fora confrontado com a gravidade da situação por ministros militares do nível do Chefe do Gabinete Institucional (GSI) Augusto Heleno, e políticos, como o Chefe do Gabinete Civil Ônix Lorenzoni.

O primeiro, dando a dimensão da crise institucional que a demissão intempestiva acarretará, o outro mostrando a importância politica de manter-se o governo fora de turbulências desnecessárias, especialmente agora que a maioria potencial do governo precisa ser organizada para aprovar a reforma da Presidência.

Essa dimensão do cargo que ocupa, de que não é mais um deputado, como salientou o presidente da Câmara, é o que parece estar faltando a Bolsonaro. A foto dele despachando com ministros e assessores vestindo a camisa falsificada do Palmeiras é exemplo de que não respeita a liturgia do cargo, de que não tem nem quer ter a compostura que a presidência da República exige.

Bolsonaro precisa descer do palanque imediatamente. As sandálias de plástico que usava na foto oficial são da mesma origem das caspas que Jânio Quadros jogava sobre os ombros, para compor um personagem “gente como a gente”. Mas Jânio deixava o populismo para o palanque, era até excessivamente formal no cotidiano presidencial.

O agora ex-ministro Gustavo Bebianno negociou sua permanência no cargo com políticos e militares, e surpreendeu o presidente Bolsonaro no primeiro momento com o apoio que recebeu. Agora o governo terá que dobrar esforços no Congresso para superar a falta de intermediários gabaritados durante as negociações sobre a reforma da Previdência. Um dos casos que tocou um nervo exposto da família Bolsonaro foi o contato de Bebianno com interlocutores considerados “inimigos”, na busca de ampliar apoios para a aprovação da reforma.

A demissão do ministro Gustavo Bebianno é a confirmação de que existem no governo três figuras mais importantes que ministros, ou qualquer outro assessor, ou mesmo aliado político: os filhos do presidente.

Para piorar, os três têm mandatos eleitorais, Flávio de senador, Eduardo de deputado federal e Carlos de vereador. Podem, portanto, defender suas ideias e projetos das respectivas tribunas, e cada palavra que proferirem será considerada uma mensagem do presidente à sua base política.

A saída de Bebianno gera uma crise política extemporânea, no momento em que o governo quer aprovar a reforma da Previdência. Bolsonaro tem apenas uma suposição de base majoritária na Câmara, que vai precisar ser organizada, e os coordenadores do PSL não têm experiencia.

Bebianno seria um interlocutor do governo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que deverá comandar as negociações. Não foi por acaso que Maia deu uma declaração forte, afirmando que Bolsonaro não é presidente da associação dos militares.

A relação do presidente da Câmara com o ministro do Gabinete Civil nunca foi boa, apesar de os dois serem do mesmo partido, o DEM. A conexão entre Rodrigo Maia e Bebianno, assim como com o ministro da Economia Paulo Guedes, é que ajudaria a facilitar a tramitação da reforma da Previdência.

A impressão que ficou entre os políticos é que o presidente estava usando o filho para forçar a saída de Bebianno. E o sentimento generalizado é de preocupação, pois Bebianno era considerado um homem de confiança de Bolsonaro, e nessa qualidade ganhou a simpatia dos políticos como canal de comunicação com o Palácio do Planalto.

Se na primeira discussão com um dos seus filhos o presidente joga ao mar um aliado de primeira hora, o que dizer de outro qualquer? Os militares também se preocupam com a ingerência dos filhos, pois acham que nenhum ministro ousará discordar deles, o que causa imensa insegurança institucional.


João Domingos: A crise no ar

Por enquanto, fica a impressão de que os militares fazem pressão para que Bebianno fique

A demora do presidente Jair Bolsonaro em tomar uma decisão sobre o afastamento ou não do advogado Gustavo Bebianno da Secretaria-Geral da Presidência não contribui em nada para debelar a maior crise política de seus 45 dias de administração.

Enquanto Bolsonaro pensa no que fazer, prevalecerá a impressão de que o grupo de militares que atua no governo trabalha para que não se mexa com o ministro. Ou, então, que Bebianno sabe de coisas demais e que há risco de, na saída, sair atirando. Corre no governo a informação de que os militares preferiram ficar ao lado do ministro, que disse ter falado com o presidente quando este ainda estava no Hospital Albert Einstein, mas foi desmentido pela rede social por um dos filhos, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). O desmentido foi corroborado pelo pai um pouco depois.

A melhor solução para esse caso seria o afastamento imediato do ministro Bebianno. Se não em definitivo, pelo menos temporariamente, até que tudo seja esclarecido. Afinal, existe a suspeita de que o PSL, partido do presidente, usou candidatos laranja para a distribuição do dinheiro do Fundo Eleitoral. Por determinação de Bolsonaro, o ministro da Justiça e Segurança, Sérgio Moro, terá de cuidar da apuração do caso. Durante a campanha Bebianno presidiu interinamente o PSL. Foi ele o responsável por levar todo o grupo de Bolsonaro para o partido. Chefiou ainda a equipe de juristas e cuidou do caixa.

Quanto ao afastamento de Carlos Bolsonaro da possibilidade de dar pitacos nas questões de governo, decidida pelo pai, esse é um ato que se faz necessário de fato. O eleitor votou em Jair Bolsonaro para presidente da República. Não num mandato colegiado, que inclui também os filhos. Quem gosta de mandato coletivo é o PSOL. Em alguns locais, em Pernambuco e em São Paulo, por exemplo, o eleitor votou num candidato e levou cinco.

Voltando à crise política, ela veio forte porque envolveu de novo um filho do presidente em questões de governo, o próprio presidente, que deu apoio a Carlos, e o chefe da campanha vitoriosa, tornado ministro. Tudo isso, nas vésperas do anúncio do conteúdo do projeto de reforma da Previdência, a mais esperada e mais comentada reforma a ser feita pelo governo, um assunto sensível e de aprovação difícil. Ainda mais sabendo-se que o governo não teve competência para montar uma equipe de articuladores políticos que consiga garantir uma base de sustentação forte no Congresso.

Como admitiu o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), o governo não tem os 308 votos na Câmara e os 49 no Senado para aprovar a reforma da Previdência. Para construir a governabilidade, disse Waldir, sem nenhuma cerimônia, terá de oferecer cargos no governo aos partidos, e dar garantias de que vai liberar o dinheiro das emendas parlamentares ao Orçamento da União.

Pelo que se vê, a maçaroca para Bolsonaro desenrolar é grande. Vai do envolvimento de familiares nas questões de governo, na falta de uma solução para o ministro Gustavo Bebianno, e na confissão, pelo líder do partido do governo, de que o jeito será recorrer aos costumes da velha política, de construção de uma base governista sustentada no “toma lá, dá cá” que o presidente tanto combateu durante a campanha.

Fazer o quê? Como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao analisar esse momento da vida política brasileira: “Inicio de governo é desordenado. O atual está abusando. Não dá para familiares porem lenha na fogueira. Problemas sempre há, de sobra. O presidente, a família, os amigos e aliados que os atenuem, sem soprar nas brasas. O fogo depois atinge a todos, afeta o País. É tudo a evitar.” Taí um conselho que, mesmo detestando Fernando Henrique como detesta, Bolsonaro deveria seguir.


Bruno Boghossian: Resistência de Bolsonaro à reforma da Previdência pode contaminar Congresso

Ressalvas do presidente até a última hora mostram que negociação política será custosa

Jair Bolsonaro se comportou como um líder hesitante até definir sua proposta de reforma da Previdência. Na véspera de bater o martelo, admitiu com certo pesar que “nem gostaria” de fazer a mudança. “Mas sou obrigado a fazê-la. Do contrário, o país quebrará”, completou.

A resistência demonstrada pelo presidente em relação a um ajuste rigoroso deve ter reflexos no Congresso. Durante a elaboração do texto, o próprio Bolsonaro expôs publicamente sua relutância em relação a diversos pontos da reforma. A atitude pode contaminar a visão dos parlamentares sobre o tema.

Um dia antes de definir a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres, o presidente disse numa entrevista que esses números poderiam ficar em 62 e 57. Ao expor a hipótese, Bolsonaro deu guarida a deputados e senadores que gostariam de pleitear a redução.

Nas discussões sobre a reforma, Bolsonaro se esforçava para demonstrar sensibilidade social. Afirmou que o ajuste não pode “matar idosos” e usou dados distorcidos de expectativa de vida para justificar uma idade de aposentadoria menor. Agora, esses argumentos serão aproveitados com gosto pela oposição.

Com três décadas de vida no Congresso, o presidente foi o primeiro teste de articulação política da reforma. A equipe econômica conquistou uma vitória ao fechar um acordo em torno do texto, mas o debate também revelou os custos da negociação. Se o próprio presidente fazia ressalvas até a última hora, não se deve esperar caminho livre nem entre os aliados mais fiéis do governo.

Quando estava prestes a escorregar do precipício, Gustavo Bebianno se agarrou ao presidente. Nas últimas 24 horas, o ministro atacou Carlos Bolsonaro (a quem chamou indiretamente de moleque) e transferiu as suspeitas sobre o laranjal do PSL para outros dirigentes do partido. Em algum momento, Jair precisará exercer autoridade e decidir se algum deles será atirado do penhasco.


Hélio Schwartsman: Vocação para a picaretagem

Reportagens mostraram que o PSL lançou candidatas de fachada

O PSL, legenda do presidente Jair Bolsonaro, vai se revelando um partido bem picareta. Reportagens da Folha mostraram que a siglalançou candidatas de fachada para manipular dinheiro do fundo público de financiamento de campanhas reservado para mulheres.

O presidente nacional do PSL, Luciano Bivar, sem ter como explicar as peculiaridades das operações, preferiu atacar a legislação, que estabelece uma cota mínima de 30% das candidaturas (e das verbas) para mulheres. Para Bivar, política é uma questão de vocação.

Cotas para Parlamentos funcionam? A literatura, como em tantos outros temas polêmicos, traz estudos que contentam a todas as freguesias. A comparação internacional é difícil, porque existem diferentes modelos de cotas. Há desde países, como Ruanda, que reservam cadeiras apenas para mulheres em eleições paralelas nas quais apenas mulheres podem votar, até nações como a Suécia, nas quais alguns partidos decidiram voluntariamente equilibrar melhor o gênero das candidaturas.

Para complicar mais as coisas, os efeitos de cada uma dessas alternativas variam conforme o sistema eleitoral. Uma cota partidária de candidatas significa uma coisa num modelo de listas abertas e outra, bem mais forte, num país que adota a lista fechada.

Se é lícito tirar uma lição geral dessa salada, acho que dá para afirmar que a adoção de algum tipo de cota tende a ampliar a participação das mulheres na política. Mas fazê-lo não é condição necessária para atingir um patamar elevado. Nos países escandinavos, mulheres já haviam superado a marca de 30% das cadeiras em 1990, antes da moda das cotas.

O Brasil está tão atrás na representação feminina (pouco mais de 10%, o que é menos da metade da média mundial) que eu penso que a utilização de uma cota “soft”, sem reserva de assentos, não nos fará mal. Ajudaria bastante se legendas como o PSL não pervertessem o sistema.


Claudia Safatle: Governo familiar não tem como dar certo

Bebianno não foi demitido nem vai pedir demissão

Governar é algo bem mais complexo do que parece supor o presidente Jair Bolsonaro. Não há modelo bem-sucedido de um governo em que o filho do presidente da República chama um ministro de Estado de "mentiroso" pelo Twitter. E, mais grave, com o aval do pai, que, algumas horas depois, replicou o tweet do filho sem a menor atenção aos ritos do cargo para o qual ele foi eleito, e não a sua família.

O caso, que envolveu o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, demandou ação dos ministros militares, que, ontem, não escondiam a preocupação com os rumos de um governo que, recém empossado, já está criando suas próprias crises ao tratar a Presidência da República como extensão da sua casa.

Na área econômica também havia inquietação, ontem pela manhã, com os possíveis efeitos desse episódio no ambiente político do Congresso, que, no dia 20, receberá a proposta da reforma da Previdência. A base de apoio do governo não está tão sólida que não possa, de repente, ruir.

"Esta é uma situação desagradável que precisa ser resolvida. Tem muitas coisas importantes e a atenção deve ser focada em itens relevantes e produtivos", disse um ministro com gabinete no Palácio do Planalto.

Ontem esse mesmo ministro, assim como o vice-presidente Hamilton Mourão, dentre outros, pretendiam conversar com Bolsonaro sobre as sérias implicações que esse modelo de gestão familiar pode trazer para o país. Na noite de quarta feira o presidente recebeu a visita, no Palácio da Alvorada, dos ministros do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

As relações de Bolsonaro com Bebianno, alvo do filho vereador no Twitter, não estão boas desde o governo de transição. O ministro, que conduziu o PSL (partido do presidente da República) durante a campanha eleitoral está, agora, no centro de uma denúncia de desvio de R$ 400 mil do fundo partidário para candidatura "laranja" do partido.

Na quarta-feira, questionado por um jornalista sobre eventual mal-estar no governo frente à denuncia, Bebianno respondeu que não havia mal-estar algum, tanto que ele tinha conversado três vezes com Bolsonaro.

Pela rede social, Carlos chamou o ministro de "mentiroso" e negou que o pai, ainda internado no hospital Albert Einstein, tivesse atendido as suas ligações.

À noite Bolsonaro declarou em um programa de televisão que, se o ministro da Secretaria de Governo estiver envolvido no laranjal de falsas candidaturas, ele voltará "às suas origens". O caso já está sob investigação da Polícia Federal.

As relações de Bebianno com os parlamentares que primeiro apoiaram a candidatura de Bolsonaro à Presidência também não estavam nada bem. Durante a campanha eleitoral, o ministro tratou de afastar os assessores e os deputados mais próximos do candidato. Vencido o pleito, as reações e queixas contra ele não tardaram a aparecer.

Do comando do PSL, Bebianno pretendia ser alçado a ministro da Justiça. Não foi. Ele demorou a ser oficializado como chefe da Secretaria de Governo, posto que ficou sem atribuições por que dele foram retirados a gestão do PPI (Projetos Prioritários de Investimentos) assim como a área de comunicação de governo, responsável pelas verbas publicitárias.

Foi exatamente nessa área que ocorreu o primeiro atrito público entre o Carlos e Bebianno, quando o presidente eleito pensou em colocar o filho no controle da comunicação do governo.

O ministro também tem seus defensores, como o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de quem ele é interlocutor no Palácio do Planalto. "Bebianno é um cara muito correto", disse o parlamentar.

Ontem o ministro não foi trabalhar. Sua aguardada demissão não aconteceu e, pelo que disse à revista "Crusoé", ele também não vai pedir demissão. Quanto ao motivo de ele estar sob ataques, respondeu: "O presidente deve estar com medo de receber algum respingo" das investigações sobre desvio de recursos do fundo partidário com uso de falsos candidatos.

Na entrevista que concedeu à uma rede de TV, que foi ao ar na noite de quarta-feira, o presidente disse: "Querem me colocar contra os meus filhos".

O receio de que a forma de administrar o país envolvendo a família não dê certo e possa produzir mais ruídos do que acertos nem de longe significa querer colocar Bolsonaro contra os seus filhos.

Pretende, sim, que seu governo respeite a liturgia do cargo, que não confere aos filhos o direito de governar.

Estatais
As 18 empresas estatais dependentes de recursos do Tesouro Nacional demandam cerca de R$ 14 bilhões por ano e empregam 75 mil funcionários. Essa é uma lista de companhias que está na mira do ministro da Economia, Paulo Guedes, quando ele menciona a possibilidade de extinção de estatais.

Mas nem tudo é liquidável e esse é um conjunto de estatais que tem que ser visto com cuidado. Há empresas dependentes do Tesouro que não devem desaparecer do mapa.

Um exemplo é a Embrapa. Com 97% do seu orçamento vindo de recursos da União, ela é uma empresa de pesquisa de importância inquestionável na área agropecuária.

Na mesma lista das dependentes do Tesouro Nacional tem, também, a Valec Engenharia e Construção de Ferrovias S/A. Criada nos anos 1970, ela foi redimensionada e ampliada pelo governo do PT em setembro de 2008, para aumentar os investimentos em ferrovias.

Além da construção da quarentona Norte-Sul que já era da sua alçada, a Valec tornou-se mais recentemente sócia da Transnordestina e responsável pela construção da Oeste-Leste, outro investimento multibilionário que, ao lado da Transnordestina, hoje está entregue às baratas. Essa é, portanto, uma forte candidata à extinção.


El País: Aliados saem em defesa de Bebianno e cobram de Bolsonaro pulso com filho

"Misturar família" gera insegurança, diz Rodrigo Maia. Presidente vai dar "ordem unida" à "rapaziada", diz Mourão. Ministro, ligado a escândalo das candidaturas de fachada do PSL, resiste no cargo, por enquanto

Gustavo Bebianno passou de estratégico dirigente da campanha de Jair Bolsonaro a cambaleante ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República em apenas poucos dias. No comando do governista PSL quando supostas candidatas-laranja receberam verba pública na campanha eleitoral, Bebianno estava na berlinda e isso por si só já era uma dor de cabeça para a gestão. Mas, ao entrar na linha de ataque de um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, o vereador carioca Carlos, o ministro acabou ganhando apoio de integrantes do núcleo militar do Governo, de parlamentares do PSL e até do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Todos têm um ponto comum: estão preocupados com a escalada da crise –quando o Planalto apenas dá os primeiros passos na reforma da Previdência– e com o tamanho da influência da prole do mandatário nos destinos do Governo.

Durante toda a quinta-feira, nos bastidores do poder em Brasília, a principal discussão era sobre o momento em que Bebianno seria demitido pelo presidente –até a conclusão desta reportagem, isso não havia acontecido. Nesta quinta-feira, o ministro passou boa parte do dia no hotel onde mora, em Brasília. Não foi recebido por Bolsonaro, que ainda se recupera da cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia. O presidente recebeu apenas um grupo de ministros e assessores no Palácio da Alvorada para tratar quase que exclusivamente da reforma da Previdência que enviará ao Congresso Nacional nos próximos dias.

Sempre que indagado se pediria demissão, Bebianno disse que não o faria. Como alguém que acompanhou de perto a trajetória do presidente, soou como quem enviava recados. Ao jornal O Estado de S. Paulo, provocou: “O que chamam de inferno, eu chamo de lar”. À revista eletrônica Crusoé, negou qualquer irregularidade nos repasses às candidatas do PSL, disse que não é moleque para ficar debatendo assuntos como esse na rede social e que Bolsonaro deve estar com medo de receber algum "respingo" da crise. “Não sou moleque e o presidente sabe. O presidente está com medo de receber algum respingo. Ele foi um mero candidato. Ele não participou da Executiva, ele não tinha mando no partido. Ele não tem responsabilidade nenhuma”.

A crise na qual se viu envolvido começou com as supostas candidaturas laranjas do PSL no período em que ele presidia interinamente o partido a mando de Bolsonaro. E chegou ao ápice – ao menos por enquanto – quando Carlos o chamou de mentiroso pelo Twitter e acabou replicado pelo seu pai. Seu processo de fritura pública começou na quarta-feira. O então ministro havia dito à imprensa que tinha conversado três vezes por telefone com Bolsonaro no período em que ele estava internado. O vereador entendeu que ele tinha tratado com o presidente sobre o suposto laranjal do PSL e quis afastar esse vínculo de uma possível irregularidade da campanha de seu pai. Carlos, então, publicou um áudio que Bolsonaro teria enviado a Bebianno em que ele se nega a atender seu assistente. Essa foi umas das mensagens replicadas pelo próprio Bolsonaro ainda na quarta. Mais tarde, em entrevista à TV Record, foi o presidente que chamou seu auxiliar de mentiroso e que, caso tivesse cometido algum erro, ele poderia “voltar às origens”.

Aproximação e defesas

Advogado de formação, Bebianno trabalha com Bolsonaro há apenas dois anos. Sua aproximação célere do presidente se deu um pouco antes da campanha eleitoral e sempre foi questionada por Carlos. Ambos chegaram a disputar quem comandaria a comunicação do Governo. Por fim, oficialmente, nenhum dos dois ficou com a máquina na mão. A Secretaria de Comunicação é hoje vinculada à Secretaria de Governo, ministério sob a batuta do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Na prática, contudo, é Carlos quem administra as redes sociais de seu pai.

Colocado como presidente interino do PSL de janeiro do ano passado até as eleições, cabia a Bebianno as decisões estratégicas da campanha. Ele foi o responsável por levar negociar a ida do então presidenciável ao partido ao invés de ir para o Patriota, com quem estava negociando antes de ser oficializado concorrente.

Se a queda de um ministro da cozinha do Planalto com menos de dois meses de Governo já preocupava governistas, a participação de Carlos Bolsonaro no episódio acendeu de vez os alertas. Desde antes mesmo da posse, o braço militar do Governo Bolsonaro tenta afastar a influência dos filhos dele na gestão. A questão ficou explícita nesta quinta-feira, quando, em entrevista à agência Reuters, o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, disse que o presidente vai dar uma ordem aos seus filhos. “A minha visão é que estamos num momento de acomodação. Também tem que ser levado em conta que o presidente vem passando por uma série de problemas de saúde. É óbvio que isso deixa a pessoa numa situação mais frágil. Agora está voltando sem a preocupação de ter de fazer mais cirurgias, de correr riscos, então eu acredito que ele vai dar uma ordem unida aí nessa rapaziada”.

No Congresso, alguns dos representantes do PSL e outros aliados, como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), queixaram-se da postura de Carlos e dessa interferência familiar em assuntos de Estado. “A impressão que dá é que o presidente está usando o filho para pedir para o Bebianno sair. E ele é presidente da República, não é? Não é mais um deputado, ele não é presidente da associação dos militares”, reclamou Maia ao portal G1. "Ele tem que comandar a solução, e não pode, do meu ponto de vista, misturar família com isso porque acaba gerando insegurança."

Um outro que reclamou foi o líder do PSL no Senado, major Olímpio Gomes. “Carlos é um amigo. Eu o respeito. Algumas atitudes podem ser tomadas de filho em relação ao pai. É simplesmente ajustar a sintonia e se distinguir o que é a defesa, uma manifestação em função do pai, e quais são as atividades, as competências e o tamanho da responsabilidade da presidência”, afirmou. Já a oposição, segue na clara tentativa de constranger o Governo. Nesta semana, representantes de dois partidos opositores, PSOL e PCdoB, apresentaram requerimento de convocações de ministros e entraram com representações junto à Procuradoria-Geral da República.

Indícios de candidatura de fachada

O esquema de candidaturas laranjas do PSL foi revelado pelo jornal Folha de S. Paulo. Em reportagens publicadas nas últimas duas semanas, há indícios de que, enquanto o partido era presidido interinamente por Bebianno, ao menos três mulheres de Minas Gerais e de Pernambuco, sem nenhuma expressão ou militância política, teriam se candidatado a cargos de deputada estadual e federal apenas para compor a cota de 30% obrigatório definido pela legislação eleitoral. Essas candidaturas laranjas são consideradas um delito, pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Os contornos negativos foram amplificados quando se revelou que recursos públicos foram investidos nessas campanhas, por meio do fundo partidário. Uma delas, a de Maria de Lourdes Paixão, recebeu 400.000 reais provindos do diretório nacional, dirigido por Bebianno. A maior parte desse valor foi gasta em uma gráfica aparentemente de fachada. Outra concorrente, Érika Siqueira Santos, recebeu 250.000 reais, da mesma maneira. Os valores estão entre os maiores repasses do partido. No caso de Paixão, ela recebeu mais recursos que o próprio presidente e que a deputada federal mais votada do país, Joice Hasselmann. Nenhuma delas se elegeu. Paixão teve 274 votos para a Câmara. Érika, 1.315 para a Assembleia Legislativa de Pernambuco.

Além das duas candidaturas laranjas, também há suspeita de que algo similar tenha acontecido em Minas Gerais, onde o partido é comandado pelo deputado federal e ministro Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG). Todos esses esquemas passaram a ser investigados pela Polícia Federal.


Bruno Boghossian: Bolsonaro aterrissa no laranjal do PSL e leva crise para o Planalto

Chamado de mentiroso pelo presidente, Bebianno pode cair atirando

Liberado do hospital após 17 dias, Jair Bolsonaro embarcou no avião presidencial em São Paulo e pousou no meio do laranjal do PSL. As falcatruas dos aliados e as barbeiragens da família levaram para dentro do Palácio do Planalto as suspeitas sobre o esquema de candidaturas de fachada revelado pela Folha.

O novo governo mostrou mais uma vez sua inabilidade em construir barreiras para a contenção de crises.

Acuado, Bolsonaro decidiu jogar na fogueira o ministro Gustavo Bebianno, que comandou o PSL durante a campanha eleitoral.

O auxiliar sofreu um ataque público inusual. Para negar rumores de que seria demitido, Bebianno declarou que havia conversado com Bolsonaro sobre os repasses financeiros feitos a candidatas suspeitas. O presidente e um de seus filhos fizeram questão de detonar a versão.

Em uma publicação nas redes sociais, Carlos acusou Bebianno de mentir sobre esses diálogos. Reproduziu ainda uma gravação em que Bolsonaro dizia ao ministro que não trataria do assunto. No fim do dia, o presidente repetiu essa informação.

Chamado de mentiroso pelo chefe, Bebianno perde condições de ficar no cargo, mas diz que não deixará o governo. É vergonhoso, aliás, que Bolsonaro escolha queimar um auxiliar em vez de apenas demiti-lo.

Uma eventual saída de Bebianno seria insuficiente para estancar a crise. Sua dimensão pode até crescer. O ministro sabe que tem responsabilidade pelos cheques que assinou pelo partido, mas também conhece o caminho do dinheiro. Exposto em praça pública, ele pode cair atirando.

Os primeiros alvos seriam o ministro Marcelo Álvaro Antônio(Turismo) e o atual presidente do PSL, Luciano Bivar, que direcionaram os recursos para as candidaturas laranjas. Se a lei da gravidade funcionar, a queda da dupla será inevitável.

As sequelas do conflito podem ainda causar novas dores de cabeça em Bolsonaro. Homem de confiança do presidente na disputa eleitoral, Bebianno conhece como poucos aliados os segredos de sua campanha.


Bernardo Mello Franco: O pit bull que morde o governo

Sem cargos no governo, os filhos de Bolsonaro vão se especializando em fabricar crises. Desta vez, o tumulto tem origem no dedo nervoso de Carlos, o Zero Dois

Jair Bolsonaro costuma chamar o filho Carlos de “meu pit bull”. Ontem o cão raivoso voltou a morder o governo. O Zero Dois atacou o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Chamou de mentiroso um dos ministros com gabinete no Planalto.

O tuíte de Carluxo abriu uma nova crise no bolsonarismo. O ministro já estava na berlinda desde que reportagens da “Folha de S.Paulo” revelaram um laranjal nas campanhas do PSL. Agora é fritado a fogo alto pelo filho mais próximo do presidente. O Zero Dois é vereador no Rio, mas prefere disputar poder em Brasília.

Na transição, ele escreveu que morte de Bolsonaro não interessaria “somente aos inimigos declarados, mas também aos que estão muito perto”. A frase foi interpretada como um recado ao vice Hamilton Mourão.

Desta vez, o ataque foi mais direto. Carluxo desmentiu Bebianno, que disse ter falado três vezes com o presidente na terça. O relato foi uma “mentira absoluta”, rebateu o herdeiro do presidente. Ele também divulgou um áudio em que o pai se recusa a atender o ministro.

Os latidos do pit bull já causavam incômodo no governo, especialmente entre os ministros militares. Ontem, parlamentares aliados também reagiram. “O filho do presidente está tentando criar uma crise dentro do governo”, acusou a deputada Joice Hasselmann. “É uma coisa de louco”, acrescentou. Não foi a primeira a associar a palavra ao Zero Dois.

Bebianno presidia o PSL durante a campanha e era responsável pela divisão do fundo eleitoral. Há fortes indícios de que o partido desviou dinheiro público. A sigla informou à Justiça que direcionou quase R$ 700 mil a cinco candidatas que somaram apenas 2.348 votos. O ministro deve explicações, mas Carluxo elevou a pressão sobre o Planalto ao torpedeá-lo.

Sem cargos no governo, os filhos do presidente vão se especializando em fabricar crises. Antes da eleição, o Zero Três ameaçou fechar o Supremo com “um cabo e um soldado”. Depois o Zero Um entrou na mira do Coaf, sob suspeita de embolsar salários de assessores. Agora o tumulto tem origem no dedo nervoso do Zero Dois.


El País: Na TV, Bolsonaro diz que ministro mentiu e adverte o vice Mourão

Filho do presidente chamou ministro do núcleo duro do Planalto de "mentiroso" e foi retuitado pelo pai. Onyx defende colega, mas parlamentares se queixam de desgaste por causa dos indícios de sigla usou candidatas-laranja

Após 17 dias afastado do centro do poder político, o presidente Jair Bolsonaro(PSL) teve alta hospitalar e desembarcou nesta quarta-feira em Brasília com algumas bombas a desarmar. A principal delas é a crise provocada pelos indícios de que seu partido, o PSL, usou candidaturas-laranja na eleição e o mal-estar com o seu ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que comandava a sigla durante a campanha. Bolsonaro endossou críticas públicas a Bebianno feita por um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro. A conta oficial do Twitter do mandatário replicou a mensagem de Carlos que acusava o ministro, até então um dos homens-fortes do Planalto, de mentir ao mencionar contatos com o presidente. Depois, o próprio Bolsonaro disse o mesmo em entrevista à TV Record.

"É mentira", disse o presidente na entrevista ao canal de TV, negando ter conversado com seu ministro a respeito da crise enquanto ainda convalescia de uma operação intestinal no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Bolsonaro não anunciou, no entanto, que Bebianno deixaria o cargo. O mandatário disse ter ordenado à Polícia Federal que investigue os casos suspeitos no PSL. "Se (Bebianno) tiver envolvido, logicamente, e responsabilizado, lamentavelmente o destino não pode outro a não ser voltar às suas origens", seguiu.

Advogado de formação, Bebianno se aproximou de Bolsonaro há apenas dois anos. Em 2018, a pedido do então pré-candidato a presidente, assumiu interinamente o comando do PSL no período eleitoral, quando ao menos três candidaturas aparentemente fictícias foram lançadas pela legenda. Uma delas, a de Maria de Lourdes Paixão (PSL-PE), abocanhou 400.000 reais do fundo partidário, que é composto de dinheiro público. Outra, de Érika Siqueira Santos (PSL-PE), recebeu 250.000 reais, autorizados pelo hoje ministro. Os casos foram revelados pelo jornal Folha de S. Paulo.

O incômodo político-familiar cresceu depois que o ministro afirmou à imprensa que tinha conversado com Bolsonaro sobre as candidaturas-laranjas na terça-feira, quando ele ainda estava internado. Em um aparente movimento para blindar o pai do desgaste do escândalo, Carlos, usou suas redes sociais para dizer que Bebianno mentiu. “É uma mentira absoluta de Gustavo Bebbiano (sic) que ontem teria falado 3 vezes com Jair Bolsonaro para tratar do assunto citado pelo Globo e retransmitido pelo Antagonista.” Em mais um ineditismo de um Governo que orbita nas redes sociais, o vereador ainda publicou no Twitter um áudio no qual o presidente diz que não iria conversar com Bebianno naquele dia. “Ô Gustavo,  complicado de conversar, ainda. Eu não vou falar, não vou falar com ninguém, a não ser estritamente o essencial. Estou em fase final de exames para possível baixa hoje. , ok? Boa sorte, aí”, diz a gravação.

Horas depois, o presidente replicou as mensagens de Carlos. Já em Brasília, seguiu para o Palácio da Alvorada e não teve agenda pública. Bebianno, por sua vez, também não participou de eventos públicos nem respondeu às perguntas da reportagem, por telefone e por e-mail, sobre o tema. Ao G1, Bebianno disse que não pretende pedir demissão e que aguardará a decisão do mandatário.

Carlos Bolsonaro

@CarlosBolsonaro

Ontem estive 24h do dia ao lado do meu pai e afirmo: “É uma mentira absoluta de Gustavo Bebbiano que ontem teria falado 3 vezes com Jair Bolsonaro para tratar do assunto citado pelo Globo e retransmitido pelo Antagonista.”

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Carlos Bolsonaro

@CarlosBolsonaro

Não há roupa suja a ser lavada! Apenas a verdade: Bolsonaro não tratou com Bebiano o assunto exposto pelo O Globo como disse que tratou: pic.twitter.com/pJ4bkvMMGj

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Desgaste na base

Mesmo antes da entrevista da TV Record ir ao ar, entre assessores da presidência e alguns aliados do Governo a demissão de Bebianno era dada como quase certa. No plenário da Câmara, o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) queixou-se das críticas que a legenda vem recebendo. “A maioria dos partidos de esquerda que subiram aqui [na tribuna da Câmara] falou que o PSL é um partido de laranjas. O PSL não é um partido de laranjas”. Disse ainda que ninguém será protegido pelo Governo, caso cometa alguma irregularidade. “Qualquer secretário, deputado, ministro envolvido em qualquer coisa, essa laranja podre vai cair.”

Outra parlamentar que atua na linha de frente de Bolsonaro, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), reclamou das postagens de Carlos. “Não pode se misturar as coisas. Filho de presidente é filho de presidente. Temos que tomar cuidado para não fazer puxadinho da Presidência da República dentro de casa para expor um membro do alto escalão do governo dessa forma”, criticou.

O chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), amenizou a crise e defendeu seu colega na Esplanada dos Ministérios. “Ajustes nas relações são normais. Temos 40 dias de Governo. O presidente ficou quase 20 hospitalizado. Temos de ter calma. O ministro Gustavo Bebianno é uma pessoa superdedicada ao projeto, é um homem sério, responsável, correto”.

De oposição a Bolsonaro no Congresso, o PSOL apresentou um requerimentopedindo a convocação dele para prestar esclarecimentos na Câmara e uma representação criminal na Procuradoria-Geral da República.

Outras bombas a desarmar e advertência a Mourão

Em menos de dois meses de um Governo eleito com a bandeira anticorrupção, é o segundo caso em que o presidente é cobrado a se explicar. O outro, também em investigação, trata de movimentações suspeitas de um ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro. Se não bastasse isso e agora a crise em seu partido, Bolsonaro terá ainda nos próximos dias de resolver problemas pontuais –e não tanto– nas mais diversas áreas. Na econômica, terá de dar encaminhamento à sua reforma da Previdência, escolhendo qual proposta será enviada ao Congresso até o dia 20. Na entrevista à TV Record, o presidente prometeu "bater o martelo" sobre a questão na tarde desta quinta-feira. Em outra frente, terá também de conter uma queda de braço entre os ministros Paulo Guedes (Economia) e Tereza Cristina (Agricultura), que não se entenderam sobre a taxação de leite que é importado pelo Brasil. A taxa caiu. Depois da reclamação da bancada ruralista, voltou.

Todos esses ruídos já acendem os primeiros alertas nos investidores do mercado financeiro, que esperam ansiosos por sinais de estabilidade que possam reforçar as chances de o Governo aprovar no Legislativo reformas econômicas liberais, especialmente a mudança nas aposentadorias. A questão é que, na relação com o Congresso, o presidente também terá de deter os primeiros danos: as críticas feitas ao seu inexperiente líder na Câmara dos Deputados, o major Vitor Hugo (PSL-GO), um parlamentar em primeiro mandato. Com Bolsonaro hospitalizado, Hugo tentou reunir os líderes do partido aliado e não conseguiu. Tem sido vítima até de fogo amigo do PSL. Deputados entendem que era necessário ter alguém mais experiente no trato com os colegas. Por ora, o presidente deverá mantê-lo na função.

Já no Senado, o presidente também está em busca do líder de seu Governo. A ideia é que seja algum político fora do PSL. O nome ventilado até agora é o de Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Dois fatores pesam contra ele, no entanto, ser do MDB e aliado de Renan Calheiros (MDB-AL), o cacique que foi derrotado por Davi Alcolumbre (DEM-AP) na disputa pela presidência do Senado. Ainda falta definir também o líder do Governo no Congresso. Segundo o ministro Onyx, os nomes serão levados a Bolsonaro neste fim de semana e devem ser anunciados em breve.

Na entrevista à TV Record, o presidente acrescentou ainda um item na agenda de arestas: afinar os ponteiros com o vice-presidente, Hamilton Mourão. Questionado sobre a atuação do vice durante sua convalescência, Bolsonaro afirmou que o vice dá "escorregadas" ao falar com a imprensa, mas frisou que há harmonia entre os dois. "Circulou pela mídia que os generais do governo queriam que eu me afastasse para o Mourão assumir. Isso não houve, estamos muito bem no Governo".