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Bernardo Mello Franco: Culpa pelo laranjal não é das mulheres

O escândalo do lançamento de candidatas laranjas resultou no desvio de dinheiro público. Reclamar do TSE e da cota das mulheres é atirar nos alvos errados

O deputado Rodrigo Maia atribuiu a proliferação de candidaturas laranjas a uma resolução do TSE que tentou aumentar a participação feminina na política. No ano passado, o tribunal decidiu que 30% das verbas do fundo eleitoral deveriam ser reservadas para as mulheres. “Toda vez que o Judiciário legisla, dá problema”, reclamou o presidente da Câmara.

Na quarta-feira, o senador Angelo Coronel apresentou um projeto para acabar com a cota de candidaturas femininas, que também é de 30%. “Mulheres têm sido compelidas a participar do processo eleitoral apenas para assegurar o percentual exigido”, escreveu.

Investigado no escândalo do laranjal, o presidente do PSL, Luciano Bivar, também criticou a cota feminina. “A política não é muito da mulher”, disse o deputado à “Folha de S.Paulo”. “Se os homens preferem mais política do que a mulher, tá certo. Paciência, é a vocação”, prosseguiu. Ele acrescentou que “a vocação da mulher para bailarina é muito maior que a do homem”.

O argumento não é propriamente novo. Na Constituinte de 1890, o deputado Pedro Américo disse que “a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política”. O senador Lauro Sodré emendou que permitir o voto feminino seria uma medida “anárquica” e “desastrada”.

Hoje as mulheres são 52% do eleitorado, mas ainda ocupam pouco espaço no Congresso. No ano passado, o Brasil amargou o 152º lugar num ranking que mediu a participação feminina em 190 parlamentos. O dado mostra que o país precisa de medidas para reduzir o desequilíbrio na representação política.

O lançamento de laranjas resultou no desvio de dinheiro público — seja para candidatos homens ou para o bolso de dirigentes partidários. Reclamar do TSE e da cota feminina é atirar nos alvos errados.


Ascânio Seleme: Concessões de Bolsonaro

O ministro demitido muito provavelmente tem razão

O governo Bolsonaro parece ter dado uma boa afrouxada na sua anunciada política de moralidade e de combate intransigente à corrupção. Há sinais nesse sentido bastante claros. O primeiro e mais eloquente deles foi a decisão de fatiar o pacote anticrime, retirando do corpo principal da proposta a tipificação do crime de caixa 2. Mais grave foi o ministro da Justiça admitir que fez a concessão atendendo demanda de parlamentares. Um dos ícones anticorrupção do governo, Sergio Moro acrescentou que “crime de caixa 2 não é corrupção”.

Caixa 2 é pior do que corrupção, porque o dinheiro desviado dos cofres públicos não vai para o bolso de quem o roubou, mas sim para financiar ilegalmente partidos políticos e campanhas eleitorais, manipulando a vontade do eleitor. Se corrupção é crime, caixa 2 deveria ser considerado crime hediondo. Por outro lado, o governo que se elegeu prometendo mudar a forma de fazer política, não se submetendo a partidos e políticos, na primeira proposta enviada ao Congresso cedeu à vontade dos parlamentares.

Alguém poderia dizer que é assim que se governa e que Bolsonaro caiu na real. Verdade, governar é saber ceder. O problema é que, para aprovar leis contra milicianos e traficantes, o governo abriu mão da lei que alcançaria corruptos. Não dá para saber se os eleitores do presidente Jair Bolsonaro perceberam, mas parte substancial do compromisso assumido com eles durante a eleição foi abandonada. E este não foi o único episódio na linha de concessão à corrupção do governo.

O caso que culminou na demissão de Gustavo Bebianno do Ministério é outro exemplo de como Bolsonaro age erraticamente nessa questão. Numa das conversas com Bebianno tornadas públicas pela revista “Veja”, onde se refere ao laranjal do seu partido, o presidente sugere que o ministro estava jogando o caso no seu colo. Não reclamou do crime, mas sim de que poderia sair respingado. Bebianno explicou que cada diretório do PSL cuidava das suas próprias contas. Disse que no caso de Pernambuco, onde uma candidata do partido ganhou R$ 400 mil para a campanha e obteve apenas 274 votos, o responsável era o deputado Luciano Bivar (PSL-PE).

O ministro demitido muito provavelmente tem razão. Bivar licenciou-se da presidência nacional do partido entregando-a provisoriamente a Bebianno para concorrer a uma vaga na Câmara por Pernambuco, seu estado. Lá, quem dá as cartas no PSL é Bivar. E o que fez Bolsonaro? Brigou com Bivar? Detonou o deputado com o auxílio do seu filho nas redes sociais como fez com Bebianno? Nada disso. Antes mesmo de a poeira baixar, chamou o deputado pernambucano para almoçar com ele no Palácio do Planalto. Ao chegar para o almoço, terça-feira, Bivar disse aos jornalistas que a questão era “tão pequena que nem merecia seu comentário”.

Outro envolvido no laranjal, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, não teve sequer seu nome citado pelo governo ou seu porta-voz. Ele foi acusado por uma mulher usada como laranja em Minas Gerais de ser o principal beneficiário dos desvios do fundo partidário destinado ao PSL no estado. A ex-candidata Cleuzenir Barbosa disse ao jornal “Folha de S. Paulo” que Álvaro Antônio, presidente estadual do PSL, usou dois assessores para tentar convencê-la a transferir dinheiro da campanha para uma gráfica com a qual não tinha feito nenhum serviço.

E o que aconteceu? Nada. O ministro do Turismo, que não tem desavenças com filhos do presidente, segue ministro. Ao que parece, o governo vai aguardar as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público para só então tomar uma decisão sobre o seu futuro. Nesse ponto, o novo governo é a cara de quase todos os que o antecederam.

Simbolismo
O presidente fez bem ao atravessar a Praça dos Três Poderes e levar pessoalmente a proposta de reforma da Previdência aos presidentes da Câmara e do Senado. Foi um gesto que dá a dimensão da importância do projeto entregue por Jair Bolsonaro a Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. O movimento também pretendia servir para reduzir um pouco a temperatura da crise gerada pela demissão de Bebianno e a divulgação dos áudios das conversas entre ele e Bolsonaro. Nesse caso, não se pode dizer que o objetivo foi alcançado.


Ricardo Noblat: Oferta ainda de pé

Prêmio de consolação

O fato de Gustavo Bebianno ter dito de público que recusou o convite do capitão para ser diretor da usina de Itaipu ou embaixador do Brasil em Roma inviabilizou de fato a reabertura das negociações para que ele venha a ocupar um dos dois cargos.

Mas um terceiro lhe foi oferecido, e sobre esse Bebianno nada disse: o de embaixador do Brasil em Lisboa. É um posto de muito prestígio. A sede da embaixada, à estrada das Laranjeiras 144, no bairro de Sete Rios, é magnífica e bem localizada.

Por ali já passaram diplomatas de alto nível, mas também políticos de renome que desfrutaram um doce exílio. O ex-presidente Itamar Franco foi um deles. De resto, não seria nenhuma complicação tirar de lá o atual embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado.

Experiente e respeitado no Itamaraty e fora dele, Figueiredo Machado já serviu em Santiago, Washington e Ottawa. Foi ministro das Relações Exteriores do primeiro governo de Dilma Rousseff. Bolsonaro quer em Lisboa um embaixador para chamar de seu.

A bola está no pé de Bebianno. Antes de chutá-la, é bom saber o que o vereador Carlos Bolsonaro pensa a respeito.

Bolsonaro e Bebianno, já, já de boa!

Nada como um dia após o outro
A terceira-feira, 19 de fevereiro, foi um dia para ser esquecido pelo presidente Jair Bolsonaro. A VEJA publicou as mensagens de áudio trocadas por ele com Gustavo Bebianno, a quem Bolsonaro chamara de mentiroso. Bebianno disse que perdera o cargo de ministro porque o vereador Carlos Bolsonaro o perseguia.

A Câmara dos Deputados rejeitou o decreto do governo que desfigurava a Lei da Transparência. Foi a primeira derrota do governo ali. A Justiça condenou Bolsonaro por ofensa à deputada Maria do Rosário (PT-RS), e absolveu o ex-deputado Jean Wylys (PSOL-RJ) da acusação de ofensa a Bolsonaro. Que sufoco!

O dia seguinte será lembrado por Bolsonaro para sempre. Ele foi ao Congresso entregar a proposta de reforma da Previdência. Falou ao país por meio de uma cadeia de rádio e de televisão. E recebeu a notícia de que em breve ele e Bebianno poderão estar numa boa. Que alívio! E sem ele que precisasse meter a mão no bolso.

Duas coisas preocupavam o presidente. Bebianno foi seu advogado em várias causas na Justiça. E se ele decidisse cobrar o que Bolsonaro lhe devia? Bastaria cobrar um preço justo para que Bolsonaro fosse obrigado a vender parte do seu patrimônio à falta de dinheiro vivo. Mas tinha coisa pior a preocupar Bolsonaro.

Saíra uma nota no jornal Folha de S. Paulo dando conta da disposição de Bebianno para reunir documentos e escrever um livro sobre sua vida ao lado de Bolsonaro durante pouco mais de um ano. E se Bebianno contasse coisas que pudessem comprometer a boa reputação de Bolsonaro junto aos seus devotos?

Antes do cair da noite sobre Brasília, o sol piscou para Bolsonaro. Ele soube que procurado a seu pedido por Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil da presidência da República, Bebianno, generosamente, garantira que nada cobrará pelos serviços prestados como advogado. Quanto ao livro, disse que jamais pensara em escrevê-lo.

A radiante quarta-feira, 20 de fevereiro, poderá ter sido o dia que marcou o recomeço do governo do capitão. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos.


Vinicius Torres Freire: Congresso desgovernado

Escândalos ainda não são problema, mas inépcia política e birutice causam desordem

O Congresso continua a fazer cara feia para Jair Bolsonaro. Era evidente e previsível desde o começo do ano parlamentar. O Planalto ainda vai apanhar, como nesta terça-feira (19), quando levou uns tapas de graça.

A Câmara derrubou aquela medida infame, inútil e contraproducente que facilitava a decretação de sigilo sobre documentos do governo.

Dado o tamanho da desordem, o DEM quer assumir de fato a liderança do governo por meio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, um improviso aguado de parlamentarismo, digamos, ao menos para assuntos de reformas. Não resolve o problema do comitê central de birutice odienta do Planalto.

O governo não tem coalizão, é cada partido por si e vários contra o Planalto. Não tem guichê de negociação, no bom e no mau sentido, e lideranças reconhecidas.

A desordem por enquanto nada tem a ver com a incompetente demissão de Gustavo Bebianno, em câmara lenta de horrores.

Entre as motivações importantes do Congresso estão: 1) acordos estáveis de divisão de poder; 2) a confiança de que não vai levar rasteiras do Planalto; 3) os humores da opinião pública.

Faltam acordo e confiança, óbvio. Mas ainda não há evidências, pesquisas ou clamores “nas ruas e nas redes”, de que o governo caiu pelas tabelas no prestígio popular.

O caso do ex-ministro, agora inimigo íntimo, pode ser um pretexto ou instrumento de cobrança futura de dívidas. O laranjal do PSL até pode desordenar ainda mais o partido do presidente, essa mistura incongruente de influenciadores digitais e militares. A crise ferve, pois os Bolsonaro querem a cabeça do presidente do partido, Luciano Bivar. Mas não é o centro do problema.

Uma pesquisa da XP Investimentos, feita, vá lá, por telefone entre 11 e 13 de fevereiro, indicava que o prestígio de Bolsonaro continuava na mesma, embora já tenha decrescido a opinião de que a corrupção vá diminuir. A pesquisa foi realizada antes do caso Bebianno. Mas a julgar por governos passados, essas confusões palacianas em geral demoram a “pegar” na opinião mais geral, pelo menos quando o povo acabou de eleger um novo governo. De início, prevalece a paciência de esperar para ver algum resultado prático para a vida muito sofrida.

Em resumo, esses rolos são passivos grandes e vão ficar pelo menos como brasa dormida. O fogo pode pegar outra vez, a depender da vontade parlamentar e do nível de insanidade do governo, que até agora não demonstra racionalidade básica, no nível primário da autopreservação.

No entanto, mesmo agora nem tudo é lama no Congresso. Maia continua a articular com o Ministério da Economia medidas de socorro aos estados, em troca de apoio para a reforma da Previdência.

É uma tentativa de colocar alguma ordem na geleia e de estabelecer um canal entre a Câmara e o governo, na verdade entre deputados e o Ministério da Economia. Por outro lado, apoio de governador jamais bastou para organizar coalizão no Congresso (isto é, em “tempos modernos”, pós-redemocratização).

No mais, mesmo os governistas fritam os líderes políticos do governo. Ressalte-se, na primeira votação, o governo levou um pescotapa de alerta, caso da derrubada do decreto sobre sigilos. O governo foi incapaz até de contar quais eram as linhas gerais da reforma da Previdência aos líderes partidários, que ameaçaram boicotar um café da manhã com Bolsonaro, amanhã, que acabou cancelado.


Bernardo Mello Franco: Áudios de Bolsonaro acenderam alerta laranja em Brasília

As gravações reveladas ontem mostraram que Bolsonaro mentiu ao negar as conversas com Bebianno. Agora a questão é saber se o ex-ministro continuará atirando

O governo chegou aos 50 dias sem motivos para festa. A divulgação dos áudios do presidente e a primeira derrota na Câmara indicaram que a crise pode estar só no começo. Acendeu-se o alerta laranja, cor da moda no bolsonarismo.

As gravações reveladas pela revista “Veja” mostraram que o presidente mentiu ao negar as conversas com Gustavo Bebianno. O barraco no WhatsApp criou uma situação inusitada: a voz de Bolsonaro derrubou a versão de Bolsonaro para a queda de seu ex-ministro.

O vazamento parece ter sido o primeiro capítulo da vingança de Bebianno. Ele voltou a atacar à noite, ao acusar o vereador Carlos Bolsonaro de agir como um “destruidor de reputações” e manipular o pai. Depois de assistir a uma demissão em câmera lenta, podemos estar diante de uma retaliação a conta-gotas.

Em seu primeiro desabafo público, o ex-ministro expôs detalhes constrangedores da operação montada para comprar seu silêncio. Ele confirmou a oferta de uma sinecura em Itaipu com “salário de R$ 1,1 milhão por ano, fora benefícios”. Além disso, disse ter sido convidado a escolher entre as embaixadas de Roma e Lisboa.

Os relatos compõem o flagrante de mais uma prática que Bolsonaro havia prometido abolir: a distribuição de cargos públicos para benefícios pessoais. Agora a questão é saber se Bebianno continuará atirando.

No mesmo dia em que os áudios vieram à tona, a Câmara impôs o primeiro revés ao governo. O plenário derrubou o decreto que enfraquecia as regras da Lei de Acesso à Informação. Os partidos do centrão isolaram o PSL e se juntaram à oposição para derrotar Bolsonaro.

O placar expôs a debilidade da articulação do Planalto, entregue apolíticos inábeis e generais que nunca pediram voto. O tombo vem na pior hora para o presidente. Hoje ele apresenta o projeto da reforma da Previdência.

O fatiamento do pacote anticrime mostra que Sergio Moro muda de ideia muito facilmente. Até outro dia, ele jura vaque o caixa dois era um crime “pior” que a corrupção. Ontem, disse se tratar de um delito “não tão grave ”.


Merval Pereira: Jogando conversa fora

Crise é consequência, sobretudo, da falta de lideranças capazes de apaziguar os ânimos

Oque mais impressiona nos áudios das conversas entre o presidente Jair Bolsonaro e seu ex-ministro Gustavo Bebianno é sua irrelevância. Nada de importante foi tratado, e mesmo as queixas do presidente são desimportantes. Não que não pudesse demitir seu ministro da Secretaria-Geral da Presidência, mas não precisava arranjar desculpas esfarrapadas para fazê-lo.

Nem usar o filho Carlos para criar o clima propício. Como disse o vice-presidente Hamilton Mourão, alguma coisa amais deve ter acontecido. Porque, se o bate boca não tem nada por trás, estamos diante de um presidente que trata questões pessoais como se fossem crises de Estado. E acaba criando mesmo uma crise do nada.

Essa crise política, completamente desnecessária, é consequência da precariedade do apoio parlamentar do governo e, sobretudo, da falta de lideranças capazes de apaziguar os ânimos quando necessário. Os articuladores políticos são do baixo clero do Congresso, assim como Bolsonaro, que nunca teve uma atividade parlamentar importante nos quase 30 anos de deputado federal.

Era um político de nicho corporativista, que se lançou como defensor dos direitos dos militares, seus companheiros de farda, e acabou ampliando sua ação para o campo da extrema direita, levado a defender extemporaneamente a ditadura militar, inclusive torturas.

Quando a maioria dos militares já havia deixado para trás os anos de chumbo e cuidava de seus deveres profissionais dentro dos quartéis. A visão democrática dos militares, aliás, é um dos pontos altos da atual administração, até prova em contrário.

Mesmo claramente contrários a governos petistas, nunca houve registro de reações a ordens recebidas ou descontentamento com as nomeações de ministros da Defesa pelos governos petistas. Tanto que Jaques Wagner, com o tato político que lhe é natural, conseguiu até mesmo indicar para seu vice uma militante do MST.

Só quando ela, assumindo interinamente o ministério, publicou um decreto transferindo para o Ministério da Defesa a capacidade de intervir no currículo dos colégios militares é que houve uma reação, mesmo assim sem alardes.

E quando a presidente Dilma tentou decretar o estado de emergência que, na prática, paralisava o processo de seu impeachment e alargava seus poderes, o comandante do Exército, general Villas Bôas, fez-lhe saber que não teria o apoio das Forças Armadas.

Mesmo que, até agora, tenham demonstrado uma tendência democrática e conciliadora, aponto de até parte da esquerda preferir o vice general Mourão a Bolsonaro —que já abordou esse fato em entrevista —, os militares não são o melhor caminho para negociações políticas.

Por escassez de talentos políticos conciliadores, Gustavo Bebianno estava preenchendo essa lacuna. Seu gabinete estrategicamente plantado no Palácio do Planalto lhe dava a aparência de poder necessária para negociar com o Congresso.

Agora, será preciso encontrar outro homem ou mulher capaz de fazer essa ponte, dentro de um PSL que é um bando de neófitos desequipados para a missão, ou membros da velha política tentando encontrar um espaço novo para continuar suas práticas deletérias. Isso num momento crítico em que chegam ao Congresso os dois principais projetos do governo, a reforma da Previdência e o combate à corrupção e ao crime organizado.

Não é à toa que os ministros Paulo Guedes e Sergio Moro estão eles mesmos negociando pessoalmente com os parlamentares. O motivo de “foro íntimo” dado oficialmente como razão para a demissão de Gustavo Bebianno envolve, em bom português, questões morais.

Se for isso, é preciso que o Palácio do Planalto revele esses motivos, camuflados por uma discussão pública ridícula. Vários ministros, em diferentes governos, foram demitidos por estarem envolvidos em investigações de corrupção, e o governo seguiu em frente.

Não há razão para que, agora, num governo que teoricamente defende a transparência como forma de combatera corrupção, fique no ar a desconfiança de que existe algo escondido nessa demissão ministerial.

Ontem, o Congresso derrubou uma decisão estapafúrdia adotada logo no início do governo, que ampliava para servidores de segundo escalão a possibilidade de classificar documentos como sigilosos ou confidenciais, o que os deixaria secretos por dezenas de anos.

Um estímulo à burocracia estatal para esconder malfeitos. A tentativa de acobertara verdade através de decretos ou mensagens oficiais nebulosas vai de encontroa oque seria a transparência do novo governo.


Clóvis Rossi: Presidente não tem 'foro íntimo'

Função pública não admite esconder-se nele

Ao alegar uma questão de “foro íntimo” para demitir o ministro Gustavo Bebianno, Jair Bolsonaro dá uma demonstração definitiva de que não tem a menor qualificação para exercer função pública.

Foro íntimo não cabe no exercício de funções públicas, quaisquer que sejam e menos ainda na mais elevada, que é a Presidência da República.

Decisões nessa esfera só podem ser tomadas em função do interesse PÚBLICO, que, por definição, é oposto ao foro ÍNTIMO. Inacreditável que tenha que escrever uma coisa tão óbvia, mas no planeta dos Bolsonaros não vigora o sentido comum.

Foro íntimo o presidente poderia invocar para, por exemplo, não convidar Bebianno para almoçar no Palácio, ou por ter mau hálito ou o cabelo desalinhado ou pelo hábito de usar sapatos em vez de chinelos, o que contraria o sentido “íntimo” de elegância do presidente.

Mas, para convidar ou demitir alguém de algum ministério, o único critério que vale é o interesse público. Para demitir, é obrigatório dizer se o defenestrado é corrupto ou incompetente ou as duas coisas ao mesmo tempo e talvez acrescentar mais algum deslize.

Para piorar as coisas, se fosse possível, Bolsonaro constrangeu seu porta-voz, Otávio do Rêgo Barros, a usar em público a indecente explicação de “foro íntimo” para a saída de Bebianno. Um general deveria saber perfeitamente que interesse público prevalece, sempre, sobre qualquer questão de foro íntimo.

O general viu-se perdido, repetindo uma e outra vez a tal muleta do “foro íntimo", sem explicar as causas do afastamento, sem se referir ao imenso laranjal abrigado no PSL, o partido do presidente.

Ao esconder-se atrás do “foro íntimo", o presidente continua devendo explicações sobre as suspeitas de trambiques em que estão envolvidos seu filho Flávio, seu ministro do Turismo e seu ex-ministro Bebianno.

Falar abobrinhas em discurso gravado ou emitir tuítes é mais uma demonstração de que não tem noção do que é o exercício de uma função pública. Pode até atingir, atrás dessas barricadas, o seu público, mas convém prestar atenção ao fato de que os 57,7 milhões que votaram nele são menos do que os 89 milhões que ou votaram no adversário ou votaram em branco ou anularam o voto ou nem sequer compareceram às urnas.

O homem público deve satisfações a todos eles, que não querem saber de seu foro íntimo mas precisam saber que interesse público foi violado para Bebianno ser demitido.


Bruno Boghossian: Inabilidade de Bolsonaro envenena lua de mel do início do mandato

Largada desastrosa tem derrota no Congresso e auxiliar que contesta presidente

A caminho da lua de mel, Jair Bolsonaro pegou o desvio errado na estrada. O presidente insistiu em dirigir com os olhos vendados, enquanto as crianças berravam no banco de trás. Trocou meses de romance com aliados, eleitores e o Congresso por uma temporada no meio de uma praça de guerra.

Bolsonaro jogou fora o período em que os governantes tradicionalmente aproveitam sua popularidade para aprovar projetos importantes e contornar assuntos espinhosos. O vazamento de gravações que sugerem que o presidente falsificou uma versão sobre a queda de Gustavo Bebianno e a lavada que o governo levou na Câmara nesta terça (19) marcam uma largada desastrosa.

Já se previa certa hostilidade nas relações políticas de Bolsonaro, mas não se imaginava que os duelos surgiriam tão cedo. Em 50 dias de mandato, ele comprovou sua inabilidade para lidar com o Parlamento e gerenciar crises dentro de casa.

Chamado de mentiroso, Bebianno divulgou as conversas que precederam sua demissão. Nas gravações, o ex-ministro mostra que trocou mensagens com o presidente enquanto a crise das candidatas laranjas do PSL se desenrolava —o que o próprio Bolsonaro havia negado.

Não é normal que um auxiliar revele diálogos privados para desmentir um presidente. Para piorar, Bebianno diz que o chefe foi “envenenado” pelo filho e que Carlos fez uma “macumba psicológica na cabeça do pai”. A influência nociva da família sobre Bolsonaro ganha contornos de lavagem cerebral.

O governo ainda amargou derrotas humilhantes no Congresso. O Senado aprovou um convite para que Bebianno dê explicações sobre o laranjal do PSL, e a Câmara deu uma surra no presidente ao votar contra o decreto que permite expandir o sigilo de documentos públicos.

Na véspera da visita de Bolsonaro ao Congresso para apresentar a reforma da Previdência, a articulação política fracassou, e os partidos resolveram atacar. Agora, eles prometem cobrar caro por uma conciliação.


Míriam Leitão: A exoneração que desvia o foco

Briga foi criada para tirar o foco de um caso de desvio de fundo eleitoral, acontece na pior hora para a Previdência e tira do governo um aliado íntimo

Se o governo estava pensando em atrapalhar a reforma da Previdência, fez tudo certo até agora. Esses dias que precedem a entrega oficial da proposta foram de fratura exposta nas hostes governistas. A escolha desse estilo de exoneração, com humilhação e em câmera lenta, só faz sentido se o objetivo era ampliar ao máximo o tempo da exposição negativa do governo e alimentar a dispersão da base que ainda nem se formou adequadamente. A decisão foi anunciada três dias depois de tomada, com a única explicação de que era “de foro íntimo do presidente”.

A briga Bebianno-Bolsonaros foi em torno de uma espuma e não sobre o centro do problema. Isso foi deliberado. A reportagem da “Folha de S. Paulo” mostrou um caso claro de candidatura laranja. Para não se falar nisso, criou-se outro foco de atenção. A discussão passou a ser sobre se Bebianno havia falado ou não com Bolsonaro, se era mentiroso ou não. Permanece sem explicação o dinheiro enviado para uma candidatura laranja de Pernambuco, pelo PSL. Bebianno era presidente do partido e coordenador da campanha do presidente. Isso é o relevante. E não os maus modos de Carlos Bolsonaro, ou mesmo o fato de ter sido apoiado pelo pai presidente em suas ofensas ao ex-aliado. Desviar a atenção é truque tão velho quanto usar de forma tortuosa dinheiro do fundo eleitoral. A demora da exoneração de Bebianno e as ofertas de prêmios de consolação, que foram de cargo em estatal a embaixada, só aumentaram os indícios de irregularidade.

Uma crise política antes de uma reforma complexa é o pior que existe porque drena forças quando o governo deveria estar fazendo o movimento oposto: acumulando forças. Ao mesmo tempo, informa-se que o presidente e sua família pensam em se mudar para um novo partido, a UDN. E isso antes de se costurar qualquer coisa parecida com unidade dentro do PSL, partido que é capaz de se meter numa discussão pública sobre uma missão à China, ou expor uma disputa de egos, como a que houve entre os deputados Eduardo Bolsonaro e Joyce Hasselmann. O PSL virou o partido de passagem dos Bolsonaros enquanto não se ressuscita a UDN.

No roteiro de como enfraquecer a própria reforma tem também o item conhecido que é o de alterar o projeto para que ele seja mais aceitável. A tramitação normalmente enfraquece qualquer proposta de ajuste fiscal, por isso não se deve desidratá-la antes.

A melhor estratégia teria sido, como disse ontem o economista Marcos Lisboa, neste jornal, aproveitar a reforma apresentada pelo ex-presidente Michel Temer e fazer ajustes. Mas falou mais alto a vaidade de ter uma marca própria. No conteúdo, a reforma Bolsonaro tem caminhos muito parecidos, a mesma idade mínima, diferenças nas regras de transição. Quem está dando os retoques finais no projeto diz que ele será forte ao tratar o regime dos servidores públicos e que retoma algumas das ideias que foram abandonadas durante a tramitação da PEC do governo Temer.

Não adianta ter um bom diagnóstico sobre a necessidade da reforma, como tem a equipe econômica, não adianta ter reunido tão bons profissionais. Tudo isso já aconteceu antes. É preciso ter estratégia para encaminhar a proposta e fazê-la tramitar. A ideia de o presidente ir pessoalmente ao Congresso para entregar a PEC pode apagar um pouco a impressão deixada por suas inúmeras declarações contrárias à reforma e às ideias da sua equipe econômica.

Como faz diante de qualquer crise ou dilema, o presidente Jair Bolsonaro nomeou um general para o Ministério. Até agora, escolheu militares com qualificações para os cargos que exercem, e o general Floriano Peixoto tem também bom currículo. Mas o governo precisará de negociadores políticos. E conta para isso com dois generais, Onyx Lorenzoni e um líder do governo na Câmara que a base não prestigia.

Tudo segue o roteiro de como atrapalhar a própria reforma. O espetáculo da demissão de Bebianno, fritado em público pelo filho do presidente, deixa sequelas, mesmo que o ministro demitido nunca siga o caminho do ex-deputado Roberto Jefferson. O episódio mostrou que o novo governo não é dado a lealdades políticas. E o foro íntimo que demitiu Bebianno não funcionou para o ministro do Turismo, também dono de um laranjal.


Merval Pereira: Uma questão pessoal

Presidente Bolsonaro demonstra uma maneira de lidar com as crises políticas que não o ajuda a governar

Ao definir como “de foro íntimo” os motivos para a demissão do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, seu ex-amigo Gustavo Bebianno, o presidente Bolsonaro revela muito mais do que parece, não se sabe se intencionalmente. Pelo depoimento gravado divulgado no final da noite, onde diz que continua acreditando na seriedade de Bebianno, o uso da expressão “foro íntimo” pode ter sido apenas um vício de linguagem.

Colocando a demissão no campo pessoal (“julgamento da consciência acerca de coisas morais”), Bolsonaro confirma, porém, que não houve razão funcional para descartar Bebianno com 50 dias de governo. O presidente Bolsonaro demonstra, assim, uma maneira de lidar com as crises políticas que não o ajuda a governar. A decisão de ir pessoalmente ao Congresso para entregar a reforma da Previdência, porém, mostra que o presidente procura reconstruir a confiança abalada entre os políticos.

Dizia-se, e Fernando Henrique assumiu essa definição, que as crises saíam menores de seu gabinete. Com Bolsonaro, é o contrário até o momento. Embora tenha dado sinais, esta semana, de que não pretende atear mais álcool na fogueira de vaidades que sempre cerca um presidente, Bolsonaro saiu menor desse episódio, seja pelo bate-boca com seu ministro, humilhando-o publicamente, seja pela demora de uma decisão.

Temos exemplos ultimamente de presidentes que demitiram ministros sem dó nem piedade, desde Dilma, que bateu recorde em quantidade, mas não em rapidez, marca que fica com Bolsonaro, passando por Lula e Fernando Henrique. Lula demitiu José Dirceu e Palocci, quando estes passaram a ser um fardo político. Fernando Henrique não hesitou em demitir seu amigo Clóvis Carvalho, para avalizar posições do ministro da Fazenda, Pedro Malan.

O ex-ministro Bebianno em si não tem importância, não tinha passado político nem mandato popular, e só ganhou importância devido ao bate-boca com Carlos, o filho de Bolsonaro vereador que se coloca como defensor do pai em várias situações.

Carlos, aliás, foi quem anunciou praticamente todos os ministros pelo Twitter, mas se recusou a anunciar a nomeação de Bebianno. Os dois disputavam, desde a campanha presidencial, o controle da comunicação digital de Bolsonaro, um instrumento básico para sua atuação política.

Bebianno levou para a campanha, e depois para o grupo de transição, o empresário Marcos Aurélio Carvalho, dono da agência AM4, identificado como o responsável pela campanha digital do presidente eleito, o que irritava Carlos. Como de hábito, essa irritação transbordava para o Twitter e tinha acolhida pelo pai. No caso da dispensa de Carvalho, que não ficou nem mesmo um dia no grupo de transição, a nota oficial do Palácio do Planalto o identificava como “o autointitulado marqueteiro digital da campanha”. Justamente o que Carlos postara mais cedo em sua conta pessoal.

A demissão de Bebianno, um dos primeiros a aderir à candidatura de Bolsonaro, afeta muito a confiança dos políticos no presidente, e está preocupando militares e assessores mais próximos, que alegam que não terão mais confiança nas conversas com ele sem saber o que os filhos pensam. Ou já colocaram no risco a possibilidade de ver um WhatsApp para o presidente vazar para o público. O Twitter dos filhos é um fator sem controle e pode alvejar qualquer um.

A Secretaria-Geral da Presidência, que agora será ocupada pelo general Floriano Peixoto, sempre teve papel importante na estrutura palaciana, pois seu titular é quem lida diretamente com o presidente da República, entra sem bater no gabinete presidencial e cuida da sua agenda — é uma espécie de secretário particular com todo o poder que secretários particulares sempre tiveram.

Exemplos claros desse poder são José Aparecido, com Jânio; Heitor Ferreira, com Geisel e Figueiredo; e Gilberto Carvalho, com Lula, já sob o nome de Secretaria-Geral da Presidência. É um lugar que pode ser estratégico, a depender da confiança do presidente em seu secretário particular.

A de Bolsonaro em Bebianno, que parecia grande, se deteriorou já na campanha, tanto que a estrutura do cargo foi esvaziada, e o general Floriano Peixoto foi colocado logo abaixo dele. Dizia-se que fora Bebianno quem o escolhera, para ter acesso aos militares que trabalham diretamente no Palácio do Planalto e adjacências. Com sua nomeação para substituí-lo, é mais provável o contrário.


Vera Magalhães: Episódio levou presidente à capitulação pública

Carlos Bolsonaro pode cantar vitória e se vangloriar de ter derrubado um desafeto. Mas o filho mais ativo do presidente da República tratou de criar a primeira fissura importante no casco da popularidade do pai, o forçou a uma capitulação pública em vídeo para evitar (ou tentar) que Gustavo Bebianno falasse o que viu no tempo em que foi um aliado da família e bagunçou o coreto da política às vésperas de o governo enfrentar sua principal batalha, a da reforma da Previdência.

O vídeo em que, visivelmente constrangido, Bolsonaro fala nada com nada a respeito da saída de seu secretário-geral da Presidência e diz que “tem de reconhecer” a dedicação, o empenho, o esforço, o comprometimento (só faltou falar dos belos olhos) de um de seus apoiadores de primeira hora é uma confissão pública de que o presidente tem o que temer.

Nada disso teria sido necessário se não fosse o afã de Carlos de derrubar um desafeto – que só o é por conta da paranoia ideológica que guia a leitura de mundo e de política dos filhos do presidente. Conseguiu seu intento, mas a que preço?

Corroeu parte da credibilidade do pai junto aos militares, que se assustaram com a presença tóxica da família em assuntos de Estado, escancarou o telhado de vidro do clã com o que Bebianno pode saber e queimou todo o seu próprio crédito logo na primeira mesada como filho do presidente.

Sim, porque se Bebianno caiu, Carluxo também terá de sair de cena publicamente, ao menos por um tempo. Foi com isso que Bolsonaro se comprometeu diante dos muitos bombeiros que tentaram apagar o fogo que ele mesmo acendeu.


Luiz Carlos Azedo: Arrivederci, Bebianno!

“A embaixada em Roma foi a última oferta feita pela turma do deixa-disso ao ministro Gustavo Bebianno, então secretário-geral da Presidência, para que deixasse o cargo sem estrilar”

O Palazzo Pamphilj, sede da embaixada do Brasil em Roma, no bairro Parioni, é um luxo. Localizado na Piazza Novona, começou a ser construído em 1630 pela poderosa família Pamphilj, à qual pertenceu o papa Inocêncio X. Em 1644, ganhou estruturas projetadas pelos arquitetos Girolamo Rainaldi e Francesco Borromini, que trabalhou também na construção da Basílica de San Pietro. E foi decorado com afrescos de Pietro da Cortona. Na reforma feita em 2000, restauradores brasileiros descobriram afrescos do século XVII, de Andrea Camassei, Gaspar Dughet e Giacinto Brandi. Mas a grande atração ainda é a Galeria Cortona, cujo teto tem um afresco de 33 m de Pietro Cortona, concluído em 1654. Com 12 portas de acesso, a galeria tem vista para a Piazza Navona e a famosa Fontana del Moro.

O núcleo originário do Palácio, na Praça Pasquino, foi adquirido em 1470 por Antônio Pamphilj, procurador fiscal da Câmara Apostólica, cujo filho, Angelo, casou-se com Emilia Millini, rica aristocrata romana. O dote dela incluía diversas casas na Praça Navona, o que possibilitou a junção das propriedades. A família Pamphilj morou no Palácio até meados de 1700, quando a última descendente, Anna Pamphilj, casou-se com Giovanni Andrea III Doria e se transferiu para outra luxuosa residência, na Via deI Corso. Desde então, as dependências do Palácio Pamphilj foram alugadas para intelectuais, cardeais e diplomatas. O grande salão do primeiro andar, consagrado ao compositor Pier Luigi da Palestrina, foi palco de apresentações da Academia Filarmônica Romana, depois de restaurado pelo arquiteto romano Andrea Busiri Vici. No andar térreo, havia lojas, garagens, oficinas de restauração e armazéns diversos.

Em 1920, parte do Palácio foi alugada ao governo brasileiro pela Princesa Orietta Doria Pamphilj. Em 1960, o contrato foi transformado em ato de venda. O embaixador do Brasil em exercício, Hugo Gouthier de Oliveira Gondim, foi o responsável pela compra, por 900 milhões de liras, o que gerou muita polêmica no Brasil e na Itália. No ano seguinte, foi concluída a restauração completa do Palácio, em conformidade com a orientação da Superintendência das Belas Artes da Itália, o que custou mais 350 milhões de liras. Desde então, é um dos postos mais cobiçados do Itamaraty.

Perde-perde
A embaixada em Roma foi a última oferta feita pela turma do deixa-disso ao ministro Gustavo Bebianno, então secretário-geral da Presidência, para que deixasse o cargo sem estrilar. A proposta anterior, uma diretoria na Itaipu Binacional, outro cargo muito cobiçado, também foi recusada. Ao presidente da República, Jair Bolsonaro, não restou alternativa a não ser encerrar a novela e exonerar o ministro, com os agradecimentos de praxe. A última conversa entre ambos, na sexta-feira passada, havia tornado a situação insustentável. No fim de semana, um festival de plantações na mídia, de ambos os lados, com troca de ameaças e farpas, inviabilizou as negociações de bastidor. Nas conversas com interlocutores, o ministro mostrava-se inconformado; nas declarações lacônicas à imprensa, mandava recados para Bolsonaro.

A turma do deixa-disso evitou um fogaréu ainda maior, mas era um jogo de perde-perde. Não se sabe qual seria o maior desgaste, a permanência de Bebianno, que daria veracidade à suposta tutela do presidente pelos militares, ou uma saída barganhada, na qual fosse nomeado embaixador brasileiro na Itália, o que passaria a impressão de que haveria algo a temer. Seria maior ainda o desgaste do governo, que estava na defensiva desde quando Bolsonaro deixou o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e voltou a Brasília, convencido pelos filhos Carlos (vereador), Eduardo (deputado federal) e Flávio (senador) de que Bebiano era uma espécie de quinta-coluna no Palácio do Planalto.

Previdência
O governo quer virar o jogo e retomar a sua agenda, como foi esboçado na entrevista do porta-voz da Presidência, Rêgo Barros, ao anunciar a exoneração e, logo depois, várias medidas administrativas sobre Brumadinho, portos e aeroportos, para mostrar que a vida do governo segue seu curso. A grande aposta é a ida do presidente Jair Bolsonaro ao Congresso, amanhã, para apresentar a reforma da Previdência, que prevê idade mínima de aposentadoria de 65 anos para homens e de 62 anos, para mulheres, ao fim de um período de transição de 12 anos. A proposta de emenda à Constituição (PEC) começará a tramitar pela Câmara dos Deputados. Volta a ser a prioridade, depois de quase uma semana de uma crise política que teve combustão espontânea, no círculo mais próximo do presidente da República.

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