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Bolsonaro admite que perdeu para Barroso a guerra do voto
Para o presidente, pouco importava vencer ou perder. O que importa é criar tumulto para justificar sua eventual derrota no ano que vem
Ricardo Noblat / Blog do Noblat / Metrópoles
O presidente Jair Bolsonaro não tem muito mais o que fazer para reverter a clara tendência da Câmara dos Deputados em votar contra o restabelecimento do voto impresso. Só faltava que admitisse a própria derrota – e ele finalmente o fez em entrevista ao canal da TV Piauí, no Youtube.
“Eu não quero adiantar, eu tenho que no plenário temos mais do que suficiente, mas como está se encaminhando essa votação na comissão a tendência é ser rejeitada na comissão por interferência do ministro Barroso”, disse Bolsonaro. Barroso é Luís Roberto, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
O projeto do voto impresso será votado no âmbito de uma comissão especial da Câmara e, mais adiante, submetido ao exame do plenário. Para ser aprovado ali, precisará de um mínimo de 308 dos 512 votos possíveis, uma vez que o presidente da Câmara só vota em caso de empate. Não há sinais de que isso acontecerá.
“O ministro Barroso foi para dentro do Congresso brasileiro, se encontrou com vários líderes e no dia seguinte, vários desses líderes começaram a trocar os integrantes da comissão por aqueles que votariam contra o voto impresso”, acusou Bolsonaro, e mais uma vez mentiu, como de resto está acostumado.
Barroso, que é também ministro do Supremo Tribunal Federal, foi convidado pela comissão especial para discutir o projeto do voto impresso, e explicou por que é favorável à manutenção do voto eletrônico que existe por aqui há 25 anos. Onze partidos lhe deram razão. Barroso não venceu, foi Bolsonaro que perdeu.
A história do voto em cédula no Brasil é a história de eleições fraudadas em série. Não há um único registro de eleição fraudada com o voto eletrônico. Os atuais deputados e senadores, e os que o antecederam, e Bolsonaro e seus filhos foram eleitos com o voto eletrônico. Por que duvidar dele agora? Com base no quê?
Bolsonaro diz que duvida para desacreditar os resultados das próximas eleições se for derrotado. Salvo os parlamentares bolsonaristas de raiz, os demais nada têm a ver com isso, é problema dele. Qual parlamentar bolsonarista vitorioso em 2022 dirá que a eleição foi fraudada? Político morre, mas não se suicida.
Só o presidente Getúlio Vargas, em 1954, suicidou-se – e mesmo assim para continuar vivo na memória dos brasileiros.
Alexandre de Moraes guarda forte munição contra o clã Bolsonaro
Uma história que ficará na gaveta ou que sairá dela um dia
O inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal para investigar a produção de fakes news e o financiamento de manifestações contra a democracia trouxe à luz uma série de subprodutos, e um deles é nitroglicerina pura contra a família Bolsonaro – o pai, presidente da República, e os filhos Flávio, Carlos e Eduardo, os três zeros.
Puxa daqui, puxa dali, aceitas contribuições espontâneas de terceiros, dados cruzados, e de repente viu-se contada a história da construção da fortuna do clã desde que Bolsonaro se elegeu vereador pelo Rio e depois passou a ajudar a eleger os filhos. A história cobre o período de 30 anos – de 1989 até 2019.
Registra passo a passo a evolução patrimonial da família confrontada com a renda obtida por meio do exercício dos mandatos. A conta simplesmente não fecha. Foi renda de menos para aquisições demais. O ministro Alexandre de Moraes, que preside o inquérito, guarda tudo isso em segredo.
Alexandre sucederá o colega Luís Roberto Barroso na presidência do Tribunal Superior Eleitoral. É ele que comandará as eleições do próximo ano.
Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/bolsonaro-admite-que-perdeu-para-barroso-a-guerra-do-voto
O Estado de S. Paulo: Bolsonaro acusa Barroso de 'militância política' por CPI da Covid e cobra impeachment de ministros
Barroso ordenou ontem que o Senado instale a chamada 'CPI da Covid', que tem o apoio de mais de um terço dos senadores, mas sofria resistência do presidente da Casa
BRASÍLIA - Em uma reação ao novo revés sofrido no Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro acusou nesta sexta-feira, 9, o ministro Luís Roberto Barroso de "militância política" e "politicalha" por ter determinado a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a atuação do governo na pandemia.
Em postagem nas suas redes sociais, o presidente afirmou que falta "coragem moral" ao ministro por se omitir de também ordenar a abertura de processos de impeachment contra integrantes da Corte.
"A CPI que Barroso ordenou instaurar, de forma monocrática, na verdade, é para apurar apenas ações do governo federal. Não poderá investigar nenhum governador, que porventura tenha desviado recursos federais do combate à pandemia", postou Bolsonaro em suas redes sociais. "Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política."
Barroso ordenou ontem que o Senado instale a chamada "CPI da Covid", que tem o apoio de mais de um terço dos senadores, mas sofria resistência do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado do Palácio do Planalto. A exemplo da CPI, a análise sobre pedidos de impeachment de ministros do STF cabe ao Senado e depende de aval de Pacheco.
Ao falar com apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro adotou um tom ainda mais duro, e acusou o magistrado de promover uma "jogadinha casada" com a oposição ao seu governo. "Uma jogadinha casada entre Barroso e bancada de esquerda do Senado para desgastar o governo. Eles não querem saber o que aconteceu com os bilhões desviados por alguns governadores e uns poucos prefeitos também", afirmou o presidente.
"Barroso, nós conhecemos seu passado, sua vida, como chegou ao Supremo Tribunal Federal, inclusive defendendo o terrorista Cesare Battisti (italiano extraditado em 2019 após ser condenado por homicídios em seu país). Use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Supremo", completou o presidente, cobrando a abertura de impeachment contra ministros da Corte.
A criação da CPI da Covid preocupa Bolsonaro por aprofundar o desgaste do governo em um momento de queda de popularidade de Bolsonaro e de agravamento da pandemia. Uma vez criada, a comissão poderá convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilo telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar pedido de abertura de inquérito para o Ministério Público. Veja perguntas e respostas sobre a CPI da Covid.
Conforme dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa, divulgados na noite de ontem, o Brasil registrou 4.190 novas mortes em decorrência da covid-19 nas últimas 24 horas. O número é equivalente a 174 mortes por hora. Foi a segunda vez que o País superou a marca de 4 mil vítimas em um único dia. O total de mortes na pandemia chegou a 345.287.
A reação agressiva de Bolsonaro contra Barroso remete aos embates ocorridos no ano passado, quando o STF impôs diversas derrotas ao Palácio do Planalto, revogando atos e até a tentativa de nomear o delegado Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, como diretor-geral da Polícia Federal. A nomeação foi anulada na época pelo ministro Alexandre de Moraes.
O Supremo já abriu uma investigação relacionada à atuação do governo na pandemia. Um inquérito apura se houve omissão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise que levou o sistema de saúde de Manaus (AM) ao colapso no início do ano, quando pacientes morreram asfixiados por falta de estoque de oxigênio nos hospitais. O caso foi enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal após Pazuello deixar o cargo e perder o foro privilegiado.
A decisão de Barroso foi tomada no mesmo dia em que o Supremo frustrou novamente as pretensões do Planalto, ao permitir que governadores e prefeitos de todo o País proíbam a realização de missas e cultos presenciais na pandemia. Bolsonaro é crítico a medidas de restrições adotadas para conter a propagação da covid-19.
Além disso, o Supremo já havia imposto uma série de derrotas a Bolsonaro em ações relativas ao enfrentamento da pandemia. Foi assim, por exemplo, ao garantir a Estados e municípios autonomia para decretar medidas de isolamento social, decidir a favor da vacinação obrigatória contra a covid-19 e mandar o governo detalhar o plano nacional de imunização contra a doença.
Pedido da oposição. A decisão de Barroso atendeu a pedido formulado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que contestaram a inércia de Pacheco, que segurou por 63 dias o requerimento pelo início da investigação. Eles reuniram a assinatura de 32 parlamentares em apoio à CPI, mais do que o mínimo de 27 assinaturas necessárias.
“O perigo da demora está demonstrado em razão da urgência na apuração de fatos que podem ter agravado os efeitos decorrentes da pandemia da covid-19”, observou Barroso em sua decisão. “Ressalto que é incontroverso que o objeto da investigação proposta, por estar relacionado à maior crise sanitária dos últimos tempos, é dotado de caráter prioritário”, disse. O ministro submeteu a liminar para análise dos demais integrantes da Corte. O julgamento está previsto para começar no dia 16 de abril no plenário virtual do STF, uma ferramenta digital que permite julgar sem que os ministros se reúnam presencialmente.
Um ministro do Supremo ouvido reservadamente pela reportagem concordou com a decisão de Barroso e avaliou que a posição pacífica do Supremo é de que é direito da minoria a abertura de uma CPI, se ela tiver objeto específico e um terço de assinaturas, como houve.
O decano da Corte, ministro Marco Aurélio Mello, considerou a medida “importantíssima”. “Porque precisamos realmente apurar a responsabilidade quanto ao procedimento, quanto ao atraso em tomada de providências.”
Pacheco criticou ontem a decisão judicial determinando a instalação da CPI, mas disse que pretende cumprir a ordem. Para cumprir a determinação de Barroso, o próximo passo do Senado é a leitura do requerimento de abertura da CPI, o que deve ocorrer na semana que vem. O colegiado será formado por 11 senadores titulares e sete suplentes, que serão indicados pelos partidos. O prazo de duração da comissão é de 90 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período
El País: Investigação sugere elo entre grupo que tentou derrubar site do TSE e bolsonaristas
Ataque teria como objetivo "inocular na população o vírus da dúvida” sobre as eleições. Na darkweb, tentativa semelhante de ofensiva hacker custa apenas 1.000 dólares e é paga com bitcoins
Afonso Benites, El País
Ataques como o que sofreu o site do Tribunal Superior Eleitoral na manhã de domingo, durante o primeiro turno das eleições municipais no Brasil, custam apenas 1.000 dólares (cerca de 5.400 reais) em redes clandestinas de hackers. Essa compra ilegal pode ser feita na darkweb e até em sites abertos ao público sediados no exterior, com o pagamento por meio da moeda virtual bitcoin, que é mais difícil de ser rastreada. É um tipo de ataque de negação de serviços no qual redes de computadores zumbis, infectados por vírus e manipulados sem que seus donos saibam, tentam promover milhares de acessos simultâneos a um portal com o objetivo de retirá-lo do ar. Os dados foram levantados a pedido do EL PAÍS pela ONG SaferNet, que enxerga no ataque deste domingo a intenção de abastecer teorias conspiratórias.
No caso do site do TSE, o ataque foi de 30 gigabites por segundo durante uma hora. No período, era como se 436.000 computadores tentassem acessar a página a cada segundo. Ele foi repelido, e causou apenas uma lentidão nas informações acessadas no portal. Mas só a notícia de que o site estava sob risco já gerou um tsunami de teorias conspiratórias de que toda eleição poderia ser fraudada
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Uma apuração iniciada pela SaferNet, que tem parceria com o Ministério Público Federal no combate à desinformação, mostra que a tentativa de derrubar o site do TSE teve uma ação coordenada que tinha como objetivo final desacreditar as eleições. E, entre os divulgadores das informações falsas difundidas poucos minutos ao ataque, estavam dezenas de militantes bolsonaristas, alguns deles investigados nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos, que tramitam no Supremo Tribunal Federal.
A conclusão da SaferNet é que o ataque foi uma operação em cadeia, iniciada em outubro, quando um grupo de hackers conseguiu obter informações dos recursos humanos sobre ex-servidores e ex-ministros da Corte. Esses dados só foram vazados por volta das 9h25 de domingo e, às 10h41, começou o ataque. Que foi repelido. Caso conseguisse retirar o site do ar, o efeito obtido seria apenas cosmético, pois não não teria a capacidade de alterar qualquer apuração eleitoral.
É o que o presidente da SaferNet, Thiago Tavares, chamou de “combustível das teorias da conspiração”. “Em caso de sucesso, os atacantes só trariam o inconveniente de a população ficar sem acesso ao serviço por um tempo. É uma operação cujo objetivo não era causar um dano material, mas psicológico. É você criar a suspeita, inocular na população o vírus da dúvida sobre a integridade, a lisura e a segurança do processo eleitoral”, disse Tavares ao EL PAÍS.
As informações obtidas pela equipe da ONG em tempo real no domingo foram compartilhadas com o TSE e com a Procuradoria Geral da República. Nelas há a comprovação que postagens com fake news resultaram em mais de um milhão de compartilhamentos o Facebook e no Instagram, em poucas horas.
Diante desses dados, o presidente da Corte, o ministro Luís Roberto Barroso, encaminhou o documento para a Polícia Federal que abriu uma apuração. O ministro suspeita que houve “uma motivação política na operação” e uma “orquestração para desacreditar o sistema e as instituições”.
“Milícias digitais entraram imediatamente em ação tentando desacreditar o sistema. Há suspeita de articulação de grupos extremistas que se empenham em desacreditar as instituições, clamam pela volta da ditadura e muitos deles são investigados pelo STF”. A rede zumbi envolvia computadores sediados no Brasil, na Nova Zelândia e nos Estados Unidos, conforme a apuração inicial do próprio TSE.
Essa milícia digital aproveitou a crise de imagem do tribunal para voltar a defender o voto impresso e para dizer que as urnas eletrônicas não são confiáveis, apesar de serem usadas há 24 anos no Brasil sem qualquer comprovação de fraude. “Se alguém trouxer um documento, uma prova, de que ocorreu alguma coisa errada, nós vamos imediatamente investigar. Ninguém aqui é apaixonado por urnas eletrônicas, somos apaixonados por eleições limpas”, afirmou Barroso.
Atraso na apuração
Um outro evento que impulsionou a rede de boatos foi o atraso em quase três horas na apuração dos votos. Neste caso, a demora, conforme o TSE, ocorreu porque não foi possível fazer todos os testes necessários no supercomputador que passou a ser usado na totalização dos votos neste ano. Antes, essa apuração era realizada pelos 26 tribunais regionais eleitorais. Neste ano, por sugestão da Polícia Federal, passou a ser centralizado o TSE.
O computador deveria ter sido entregue pela empresa Oracle, que venceu uma licitação, em março. Mas só o foi em agosto. Esse atraso afetou a inteligência artificial da máquina, porque fez com que menos testes fossem realizados, o que comprometeu a conclusão da apuração. “Ele [o computador] aprendeu pouco a entender o fluxo de informação que chega, que é uma quantidade muito alta de dados em um período muito curto”, explicou o secretário de tecnologia da informação do TSE, Giuseppe Janino.
Ainda assim, Barroso minimizou o atraso. Comparou a demora a um carro de fórmula um que precisa parar no box para fazer um reparo e, ainda assim, vende a corrida. “Tem país esperando há 14 dias a divulgação final dos resultados e o mundo não desabou por causa disso”, disse o ministro em alusão ao pleito nos Estados Unidos. Por lá, boa parte dos votos são em cédulas e impressas e, em alguns Estados, a contagem não foi concluída, apesar de o pleito ter ocorrido em 3 de novembro.
El País: 'O ataque às instituições, a pretexto de salvá-las, já nos trouxe duas ditaduras', diz Barroso
Em posse no TSE, ministro envia indiretas ao presidente, que emite nota em tom ameno para dizer que confia no arquivamento de inquérito que o investiga e respeita os demais Poderes
Afonso Benites, do El País
Empossado no cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso, mandou diversos recados à classe política e às autoridades do Brasil em um momento em que o país vive uma pandemia e uma crise institucional diante de radicalismos provindos, principalmente, do Palácio do Planalto e dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O ministro afirmou em seu discurso de posse que “o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República”. Entre os espectadores virtuais da cerimônia estavam, além dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o próprio presidente Bolsonaro, que participou de manifestações antidemocráticas que pediam o fim, entre outras coisas, do Supremo Tribunal Federal.
Na posse, Barroso celebrou que o país tem vivido um longo período de estabilidade e alertou que não seria correto romper com ele. “Temos três décadas de estabilidade institucional, que resistiu a chuvas, vendavais e tempestades. Não há volta nesse caminho”. Ainda destacou que em regimes democráticos, as diferenças têm de ser respeitadas. “A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. Nela só não há lugar para a intolerância, a desonestidade e a violência”.
Também cobrou que haja maior atenção com a educação da população. “A educação, mais que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré-iluministas do mundo. Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência”. As sensatas palavras seriam óbvias, se o Brasil não estivesse vivendo momentos de extrema tensão em que os termos impeachment, golpe militar, autogolpe, radicalismo e armamento da população para resistir a atos políticos são discutiras pelas principais autoridades da República a quase todo momento.
Nas últimas semanas, o nível de ataques proferidos por Bolsonaro e por sua militância contra o Supremo Tribunal Federal aumentou. Acossado por uma investigação que apura se ele tentou interferir politicamente na Polícia Federal, o presidente tenta, a todo custo, desacreditar o relator do inquérito na Corte, o ministro decano Celso de Mello. Na sexta-feira, disse que descumpriria uma decisão judicial que obrigasse a entregar o telefone celular para ser periciado, em referência a um pedido feito por partidos de oposição e enviado por Celso de Mello para consulta na Procuradoria-geral da República. “Só se eu fosse um rato”, disse.
A postura do presidente teve o aval de dois generais-ministros. Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, emitiu uma nota para dizer que eventual apreensão traria consequências “imprevisíveis” para a “estabilidade nacional”. Enquanto Fernando Azevedo e Silva, da Defesa, tratou o tema como de “segurança institucional” e afirmou que estava “preocupado em relação a harmonia e independência entre os poderes”.
Calibrando o tom
Depois de participar, mais uma vez, de uma manifestação contra as instituições no domingo, nesta segunda-feira Bolsonaro disse em seu Twitter que Mello estaria cometendo o crime de abuso de autoridade ao determinar a divulgação da íntegra do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril. O vídeo faz parte de uma investigação em que se apura se Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal, conforme acusação do ex-ministro Sergio Moro.
Os atos que se seguiram à saída do ministro do cargo demonstram que a intenção do presidente de fazer mudanças na PF, conforme a acusação de Moro, teria o interesse em proteger a família dele de eventuais apurações. Reportagem publicada pela Folha de S. Paulonesta segunda mostra que a Polícia Federal identificou o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, como um dos articuladores de um esquema ilegal de disseminação de notícias falsas. A apuração está no Supremo, mas depende de investigações no Rio de Janeiro, onde o presidente queria trocar a chefia da polícia. E, de fato, o fez, após a queda de Moro e do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.
Também na segunda, Bolsonaro fez outros dois movimentos simbólicos: emitiu uma nota em tom ameno para dizer que nunca interferiu na polícia e que acredita “no arquivamento natural do inquérito”. Fez ainda uma visita não agendada ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que é o responsável por denunciá-lo à Justiça caso entenda que algum crime foi cometido. No mesmo documento, Bolsonaro afirmou que mantinha o seu “compromisso e respeito com a democracia e membros dos Poderes Legislativo e Judiciário”.
O encontro com Aras ocorreu logo após a cerimônia de posse do procurador Carlos Alberto Vilhena na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. A antecessora dele na função, Deborah Duprat era considerada uma adversária dos bolsonaristas por ser uma ferrenha defensora dos direitos humanos. Sua saída do cargo foi comemorada nas redes de apoio do presidente. Com exceção dos procuradores, os demais convidados para assistir ao evento o faziam por meio de videoconferência. Quando foi convidado a se manifestar, Bolsonaro perguntou a Aras se poderia ir pessoalmente apertar a mão de Vilhena. Ao que Aras consentiu. Dez minutos depois, a comitiva presidencial desembarcou na procuradoria, como quem chega na casa de um amigo. “Fomos pegos de surpresa. Até achávamos que o presidente estava fazendo piada, de repente, ele apareceu”, relatou ao EL PAÍS um procurador que assistia à cerimônia.
Luiz Carlos Azedo: Supremo vexame
O caso Lula está gerando muita tensão no STF, cuja sessão de ontem foi suspensa por causa de um bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia marcou para hoje o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de fortes pressões de seus pares para colocar a matéria em votação. Estão em jogo não apenas a iminente prisão de Lula, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), mas também a jurisprudência da Corte que determina a execução imediata da pena para condenados em segunda instância de toda ordem, do político corrupto ao estuprador. Como o julgamento do embargo de declaração da condenação da defesa de Lula pelos desembargadores federais de Porto Alegre foi marcado para segunda-feira, a ministra Cármem Lúcia decidiu pautar o habeas corpus.
O caso Lula está gerando muita tensão na Corte, cuja sessão de ontem foi suspensa por causa de um bate-boca entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Os dois ministros já andavam se estranhando. Gilmar Mendes criticava decisões intempestivas do Supremo, sobretudo a proibição de doações eleitorais de empresas, quando fez referência à decisão da Primeira Turma de 2016 que revogou a prisão preventiva de cinco médicos e funcionários de uma clínica de aborto. O voto de Barroso orientou a decisão. Gilmar aproveitou para insinuar que o colega havia manobrado para pôr em votação a questão do aborto: “Ah, agora, eu vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto, de preferência na turma com três ministros. E aí a gente faz um 2 a 1”, disse o ministro.
Barroso levou o comentário para o lado pessoal. Reagiu duramente: “Me deixa de fora desse seu mal sentimento, você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. Isso não tem nada a ver com o que está sendo julgado. É um absurdo vossa excelência vir aqui fazer um comício cheio de ofensas, grosserias. Vossa excelência não consegue articular um argumento, fica procurando, já ofendeu a presidente, já ofendeu o ministro Fux, agora chegou a mim. A vida para vossa excelência é ofender as pessoas, não tem nenhuma ideia, nenhuma, nenhuma, só ofende as pessoas”, disse.
Diante do confronto, Cármen Lúcia suspendeu a sessão. Mesmo assim, Gilmar retrucou: “Presidente, eu estou com a palavra e continuo, presidente. Continuo com a palavra, presidente, eu continuo com a palavra. Presidente, eu vou recomendar ao ministro Barroso que feche seu escritório, feche seu escritório de advocacia”. A sessão acabou aí. Foi o maior vexame. Gilmar e Barroso estão em polos opostos na questão do habeas corpus de Lula. O primeiro era a favor da execução da pena após condenação em segunda instância, mas mudou de entendimento. Com isso, a possibilidade de a jurisprudência ser alterada no julgamento de hoje parece predominante, uma questão a conferir logo mais.
Sob pressão
O Supremo está sob forte pressão dos políticos enrolados na Lava-Jato, não somente Lula. Os demais envolvidos não querem que o petista seja preso, temem que isso ocorra com eles também. Há mais de 400 políticos com foro privilegiado denunciados no Supremo, aguardando julgamento. Os políticos que estão sem mandato, porém, estão sendo julgados e condenados, alguns já estão cumprindo pena na cadeia. Com a proximidade das eleições, o risco de não serem reeleitos assombra os políticos e acirra as contradições no Supremo. Gera também uma cadeia de solidariedade em relação ao ex-presidente Lula.
O presidente Michel Temer também pressiona os ministros diretamente envolvidos nos processos nos quais está sendo investigado, principalmente o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, de quem cobra acesso às investigações. Suas pressões se dão por meio dos advogados, nos termos do devido processo legal, mas também ocorrem nas articulações de bastidores do tribunal. A discussão de ontem começou por causa da atual legislação de financiamento de campanha, uma vitória inequívoca de Barroso no Supremo. Voto vencido no caso, Gilmar criticou duramente o fim das contribuições de empresas para candidatos com o argumento de que a nova legislação terá efeito contrário e estimula o uso de caixa dois.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-supremo-vexame/