banda tarifária
Fernando Exman: Sem base organizada não há pauta positiva
MP do Casa Verde e Amarela é objetivo de curto prazo
A decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de retomar o sistema de bandeiras tarifárias turvou os planos do governo de criar uma agenda positiva imediatamente após o segundo turno das eleições municipais. Não que o efeito da decisão seja dos mais desastrosos, mas não ajuda a estratégia desenhada no Executivo para tentar garantir um reposicionamento rápido e efetivo do presidente Jair Bolsonaro depois do retumbante fracasso da maioria dos seus aliados na disputa que se encerrou no domingo.
Prefeitos de cidades importantes que enfrentaram o discurso negacionista emanado do terceiro andar do Palácio do Planalto se deram bem nas urnas. O presidente está com claras dificuldades para manter o auxílio emergencial em R$ 300 a partir de janeiro ou criar um novo programa social e, agora, vê-se obrigado a responder ao eleitor de classe média por que as contas de luz podem voltar a subir.
Os danos gerados pelo apagão ocorrido no Amapá ao grupo do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM), relembraram às autoridades os potenciais prejuízos eleitorais que problemas de gestão no setor elétrico podem causar. A notícia positiva, por outro lado, é que a área técnica de um setor sensibilíssimo da administração federal teve autonomia suficiente para responder da forma que achou mais adequada à constatação de que os níveis dos reservatórios de usinas hidrelétricas estão chegando a níveis baixos demais.
No entanto, sabe-se no governo que esse tipo de sinal de reaquecimento do consumo não construirá sozinho um ambiente favorável aos negócios, se o Executivo não conseguir uma maior organização da base para destravar a agenda legislativa.
Na oposição, é crescente a visão de que o Congresso facilitou demais a vida do presidente quando deu a Bolsonaro a chance de ter a palavra final em relação ao valor do auxílio emergencial, que acabou ficando em R$ 600 na etapa mais aguda da crise. Dificilmente ela deixará caminho livre para se preservar o instrumento, agora em R$ 300 ou futuramente um pouco menos, que foi fundamental para a sustentação da popularidade do presidente, mesmo em tempos de crise.
Pouco avançaram as negociações da equipe econômica com o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento e da PEC Emergencial, cuja caneta pode viabilizar a criação do novo programa social que traria a assinatura de Bolsonaro. Resta ao governo neste momento, portanto, impedir que caduquem as medidas provisórias deixadas até agora de lado tanto pela cúpula do Congresso quanto pelos partidos aliados.
O objetivo de curtíssimo prazo passou a ser a aprovação da MP que viabiliza a criação do Programa Casa Verde e Amarela, que além de ser um mecanismo capaz de gerar investimentos e empregos, pode melhorar a relação do governo federal com os novos prefeitos. O programa foi criado para atacar um déficit habitacional que acumula um passivo de 6,5 milhões de moradias. Nas contas do Executivo, se projetado o crescimento da população até 2030, a expectativa é que o desafio de produção de unidades habitacionais seja de mais 1,23 milhão de casas por ano.
Para dificultar a situação dos articuladores do governo, Bolsonaro tornou-se alvo preferencial dos prefeitos que já começam a sinalizar novas medidas de contenção do coronavírus.
Avalia-se, na oposição e em partidos de centro-direita, que muitos dos candidatos que adotaram uma postura mais restritiva em relação à pandemia conquistaram a confiança do eleitor e apostarão nessa estratégia durante os próximos meses. Não se sabe ainda como isso irá reverberar no Parlamento.
Os prefeitos reeleitos de São Paulo e Belo Horizonte, Bruno Covas (PSDB) e Alexandre Kalil (PSD), são dois exemplos. No PT, é simbólico o caso do ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Edinho Silva, reeleito para a Prefeitura de Araraquara, no interior paulista.
Edinho fez parte da cúpula de um partido que segue sofrendo rejeição de parcela considerável dos eleitores. Também integrou o núcleo central de uma administração que enfrentou grave crise política e um processo de impeachment. Não pode se apresentar como representante da nova política ou antissistema. Teria tudo para ser levado pela onda antipetista, mas aproveitou a maré favorável aos gestores que conseguiram, a despeito da resistência bolsonarista a medidas restritivas, reduzir os danos provocados pelo vírus em suas cidades.
Araraquara tem um baixo nível de letalidade por covid-19 entre os grandes municípios de São Paulo. Mas, mesmo assim, a prefeitura local foi criticada algumas vezes pelo próprio Bolsonaro, em razão da detenção de uma mulher que teria desobedecido as determinações da guarda para que se retirasse de uma praça e a desacatado.
Esses prefeitos não tendem a abrir mão da autonomia que lhes foi garantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para regulamentar as medidas de isolamento social. Já possuem, por outro lado, uma ampla lista de demandas a ser endereçada ao Palácio do Planalto e o primeiro item dela é a manutenção das transferências financeiras da União para os entes subnacionais. A pressão dos gestores municipais na tramitação da reforma tributária, que nem mesmo tem ainda um parecer oficial apresentado pelo relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), não deve ser menosprezada.
A sorte de Bolsonaro, por ironia, é que a pandemia impedirá a realização da tradicional grande marcha de prefeitos eleitos neste fim de ano. Os gestores municipais muito provavelmente tampouco conseguirão falar em bloco com parlamentares, ministros e autoridades do Palácio no início de 2021. Nada de aglomerações no Congresso Nacional, na Esplanada ou na Praça dos Três Poderes, o que não reduz a urgência para que o governo enfim reorganize uma base que defenda seus interesses.