Bancos

Luiz Carlos Trabuco Cappi: Pix, um salto de transformação

O sistema financeiro será mais competitivo, inclusivo, integrado e inovador

A entrada em operação do Pix, em novembro, será um salto de transformação na intermediação financeira brasileira. O embrião ocorreu há quatro décadas, com a implantação de máquinas de autoatendimento compartilhadas, o conhecido Banco 24 horas. Desde então, clientes de instituições diferentes passaram a poder sacar notas nos mesmos terminais. Duas décadas depois, outro avanço significativo foi o SPB (Sistema de Pagamentos Brasileiro), que possibilitou pagamentos rápidos em dias úteis no horário comercial. A TED (Transferência Eletrônica Disponível) mostrou-se novo passo adiante, ao dar mais agilidade ainda para as transferências financeiras.

Agora, o Pix possibilitará pagamentos instantâneos, com operações liquidadas em até dez segundos, sete dias por semana. Poderá incorporar-se gradualmente aos DOCs e às TEDs, na medida em que cair no gosto popular e conquistar a confiança das pessoas e empresas por sua eficiência.

A vida financeira será menos complicada com o Pix, pois o Banco Central desenvolveu uma arquitetura técnico-financeira sofisticada, que conectará todas as instituições. Nos primeiros dias de adesão, mais de 20 milhões de pessoas e empresas se cadastraram no sistema. Há apenas dois pré-requisitos para isso: ter conta e celular.

Com o Pix, o sistema financeiro brasileiro será mais competitivo, inclusivo, integrado e inovador. A qualidade no relacionamento com o cliente será fundamental enquanto fator de fidelização.

Para cada cidadão, a credibilidade de cada instituição, a parceria com o cliente e sua capacidade de oferecer soluções mais adequadas para cada cidadão contarão bastante na decisão de manter sua base de negócios.

A autoridade monetária assegura que o Pix será tão seguro quanto os demais meios de pagamento. Testes efetuados desde 5 de outubro, entre as mais de 677 instituições financeiras que aderiram ao modelo, têm simulado situações de estresse e risco, para demonstrar toda a sua capacidade operacional e malhas de proteção.

Em diferentes países, o sistema funciona sem problemas. Na China, o salto do uso do dinheiro físico para a disseminação do QR Code no comércio e nos serviços foi direto, uma vez que os cartões de plástico, para débito e crédito, não tinham escala. A Índia implantou a sua UPI – Unified Payments Interface em 2017 e agora, três anos depois, parcela significativa das transações financeiras no país já ocorrem por meio dela.

Como em outros países, outra discussão que se abre é a de que o Pix poderá reduzir a circulação de papel-moeda. Em se confirmando, o fenômeno representará ganho expressivo nos índices de eficiência não só do setor financeiro, mas de toda a economia.

No mundo ideal, a supervisão do sistema financeiro sem papel-moeda é mais abrangente e eficaz. Os pontos cegos de transações em dinheiro vivo são eliminados. Mas a sua supressão deverá ser paulatina no Brasil e ocorrer naturalmente, pela própria evolução dos meios digitais de pagamento. Pesquisa recente do BC apurou que 96,1% dos brasileiros têm no dinheiro físico o seu meio de pagamento mais utilizado. Isso se explica, em parte, pelo alto número de “desbancarizados” no País, que pode chegar a 50 milhões de pessoas.

Nosso sistema financeiro tem grande espaço para crescer em sua escala de atuação, desde que saiba absorver essas pessoas que ainda não têm domicílio bancário. Ao prometer uma inclusão digital rápida e sem custos a cidadãos de baixa renda, o Pix deve ser um dos caminhos para alavancar esse processo.

É um bom caminho a ser percorrido, em termos de oportunidades de eficiência e competitividade e ganhos de escala nos bancos, fintechs e meios de pagamento – e também da qualidade dos fluxos de recursos de todos os agentes econômicos. Sem dúvida, o Pix cria um ambiente instigante, que poderá nos surpreender positivamente em muitas direções.

O sistema financeiro será mais competitivo, inclusivo, integrado e inovador.

  • PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS

Luiz Carlos Trabuco: A distopia do novo anormal

Uma pergunta nos é feita nesta época de pandemia: como será a vida em sociedade, a economia, o trabalho, o lazer e as manifestações de cordialidade e de afeto, além de inúmeros outros aspectos de nossa rotina, quando a crise acabar?

A dúvida se justifica, diante de tantas modificações em nosso cotidiano trazidas pela covid-19. E o que nos angustia é que ainda não temos resposta, diante de um evento drástico e assustador.

Mas podemos fazer conjecturas a respeito do futuro. Sobre duas hipóteses. A primeira é o “novo normal”. A partir de agora, as pessoas procurariam isolar-se sempre que possível. As demonstrações de amizade e carinho, como o abraço e o aperto de mãos, seriam abolidas da etiqueta. Festas, comemorações, eventos artísticos e esportivos, tão importantes para a unidade social, em declínio. A busca do isolamento se repetiria no plano mundial. Teríamos de conviver com fronteiras fechadas e um nacionalismo inamistoso, além de toda sorte de preconceitos.

A globalização perderia impulso. O futuro se transformaria em algo de hostil. Seria o mundo da distopia do “novo anormal”, vida sem sonhos, propósitos, o reverso do avanço civilizatório. Viveríamos em uma sociedade feita de distanciamento e frieza.

Outra hipótese, mais provável, é que os incômodos provocados pela pandemia desapareçam com ela. Precisamos confiar no surgimento, em breve, de uma resposta científica para o vírus: a vacina. Afinal, a ciência do século 21 é poderosa, como prova a evolução da expectativa de vida. Os sistemas de saúde se fortaleceram na pandemia, que foi um alerta. Mostrou que precisamos nos preparar para eventos semelhantes, ou uma eventual segunda onda da doença.

Nesse aspecto, o “velho normal”, ou seja, a vida como a conhecemos até agora, deve predominar. O instinto gregário é próprio do homem e constitui o alicerce da sociedade.

A humanidade já passou por outros desafios graves; porém, o tecido social não se enfraqueceu. Ao contrário, a sociedade se aprimorou. Isso também é válido para os países. É possível que tenhamos, de início, uma elevação no grau do protecionismo, do nacionalismo e mais restrições nas fronteiras, mas as economias nacionais estão de tal forma conectadas e dependentes entre si que esses obstáculos para as interações internacionais tendem a cair com o tempo.

Mas a pandemia, é certo, trouxe mudanças de hábitos que permanecerão – porque são boas. Por exemplo, a maior preocupação com a higiene. O avanço do e-commerce garantiu a sobrevivência de milhares de empresas. O home office é uma realidade. Adotado como forma de preservar a saúde dos funcionários e evitar a disseminação do vírus, o trabalho em casa mostrou-se tão produtivo e eficiente quanto no escritório.

A experiência dos bancos é muito interessante. Praticamente todas as operações são feitas por canais digitais, sem comparecimento a agências. Aulas, consultas médicas, conferências - exemplos ocorrem em todas as áreas.

O que essas modificações têm em comum? Trouxeram comodidade, conforto, agilidade e economia de tempo para as pessoas. Para muitas empresas, abriram novas perspectivas. E ocorreram a partir de ferramentas tecnológicas já existentes. Ou seja, iriam mesmo acontecer. Nesse ponto, o que chamamos de “novo normal” já estava endereçado há bastante tempo.

É verdade, a crise da covid-19 trouxe perdas econômicas em escala global. Não será pouco trabalho, mas teremos êxito se tivermos foco. O primeiro item dessa agenda é o mercado de trabalho. A pandemia destruiu muitos empregos e mutilou chances de ingresso das novas gerações ao mercado. O resgate dessas perdas demanda reformas econômicas, que irão estruturar as bases de um ambiente renovado para o desenvolvimento.

A crise mostrou que é possível mudar em pouco tempo, a rapidez foi a ferramenta de adaptação a circunstâncias inesperadas. O senso de urgência é o tempo que vale, a partir de agora.

*Presidente do Conselho de Administração do Bradesco


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro vai encolher bancos?

PT estatizou crédito; mesmo com Temer, maioria dos empréstimos ainda é estatal

Jamais ficou claro para o cidadão comum que os governos petistas estatizaram a maioria do crédito no Brasil, o que aconteceu no restinho de Lula 2 e sob Dilma Rousseff.

Michel Temer começou a reprivatizar o sistema, mas 51,7% do total do dinheiro emprestado por bancos ainda é crédito de bancos públicos. Dificilmente Jair Bolsonaro conseguirá reverter toda a obra petista, até porque o desmanche não depende apenas dele.

Na prática, é como se Lula e Dilma tivessem criado um banco maior que um Itaú ou um Bradesco (em termos de carteira de crédito). Em novembro de 2008, cerca de 35% do estoque de crédito, do total de dinheiro emprestado, estava nos bancos públicos. No auge, em julho de 2016, a participação dos públicos foi a quase 57%.

Essa estatização começou na virada decisiva da política econômica lulista, depois de crise financeira mundial que explodiu de vez em meados de 2008. O crédito internacional secou, a atividade econômica entrou em colapso, inclusive no Brasil. Houve uma retração violenta no crédito dos bancos privados. O fim do mundo parecia próximo.

Parecia razoável expandir o gasto público e o crédito estatal (embora alguns economistas advogassem que uma alternativa melhor seria o Banco Central baixar rápido a taxa de juros). No entanto, os efeitos agudos da crise logo passaram no Brasil. O estímulo de crédito, não.

Nos anos Lula, o crescimento relativo mais acelerado foi do BNDES. Sob Dilma, dos demais bancos públicos. Depois de uma reanimada de meados de 2010 a 2012, os bancos privados voltaram a jogar na retranca.

Os bancões privados alegavam que não poderiam acompanhar o ritmo estatal: tinham limites de capital e de risco. Os bancos públicos em tese poderiam se aventurar mais (com a retaguarda do governo) e, grosso modo, eram capitalizados à larga com dinheiro público.

Seja qual for o peso desses motivos, o descompasso resultou na estatização. Temer procurou desmontar esse sistema (na verdade um projeto iniciado por Joaquim Levy, ministro da Fazenda no primeiro ano de Dilma 2). O governo pediu de volta dinheiro emprestado ao BNDES e começou a dar cabo do crédito subsidiado do banco.

Depois de mais de três anos em baixa, o estoque de crédito bancário no país voltou a crescer em novembro passado (em termos reais, na comparação anual). Mas o grosso do encolhimento se devia na maior parte ao BNDES (sem o bancão de desenvolvimento, o crédito estaria no azul desde março).

O BNDES oferece em geral empréstimos de longo prazo, muito raros e caros na praça bancária. Fez falta? No balanço geral, parece que não. Empresas levantaram dinheiro no mercado de capitais (debêntures, ações etc.) em volume várias vezes superior ao do decréscimo do crédito do BNDES, mesmo nestes anos conturbados.

O crédito do BNDES vai fazer falta?

1. Uma dúvida: não se sabe o que pode acontecer quando as taxas básicas de juros subirem.

2. Pode ser que não: mesmo menos com menos dinheiro, o banco pode mudar sua forma de atuação, dando impulso a operações maiores, em vez de emprestar tudo diretamente.

3. Pode ser que sim: empresas pequenas ainda têm grande dificuldade de se financiar.

O que vai ser dos demais bancos públicos sob Bolsonaro ainda é mistério. O presidente eleito não quer privatizá-los (aceita vender apenas braços do BB e da CEF). Mas vai diminuir a velocidade do crescimento do crédito estatal, a fim de reprivatizar o sistema?


Arnaldo Jordy: É preciso taxar os bancos

A direção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) admitiu, em audiência com representações de consumidores, na última semana, que o peso das tarifas no Brasil está atingindo “níveis preocupantes”. Eu diria que os níveis são exorbitantes e têm sacrificado sobremaneira a população, muitos deles acossados pelo desemprego, que atinge 12 milhões de brasileiros e expõe a face mais cruel da crise escancarada desde 2014, no governo de Dilma Rousseff.

Os paraenses conhecem bem a política tarifária injusta para energia. Aqui pagamos uma das tarifas mais caras do mundo, mesmo morando em um Estado produtor e exportador de energia hidrelétrica. O mesmo pode ser dito sobre os preços dos combustíveis e do gás de cozinha. O botijão teve, em 2017, a maior alta em 15 anos. A gasolina e o diesel dispararam com a política da Petrobras de repassar para o consumidor os impactos sazonais e variações externas nos preços do petróleo.

Isso mostra que o governo federal tenta sair do buraco da crise sacrificando o lado mais fraco, o das pessoas comuns, que já pagam a 5ª maior carga fiscal do planeta, muito mais que os bancos, em proporção aos seus parcos rendimentos. E agora, com a privatização da Eletrobras em curso, a lógica do lucro sobre o bolso do consumidor deverá ganhar contornos ainda mais preocupantes. Enquanto isso, o governo federal abre mão de R$ 238 bilhões em incentivos fiscais no Orçamento de 2018.

Então, como enfrentar o déficit fiscal de 170 bilhões de reais ao ano, que está na razão direta de todos esses arranjos econômicos que afetam o cidadão comum? A saída pelos empréstimos está fora de cogitação, pelo endividamento estratosférico que o Brasil apresenta. A receita é letal: a dívida é paga com juros, com o governo tendo um gasto ainda maior para quitá-la, o que resulta no aumento do rombo.

Economistas da USP informam que, este ano, os cinco maiores bancos do país terão lucro líquido total de 120 bilhões de reais. Por que não taxar excepcionalmente esses lucros para cobrir o rombo do país, cujo déficit primário, em doze meses, até janeiro, é de 100,3 bilhões, equivalentes a 1,53% de todo o PIB do Brasil.

Uma reforma tributária viria a calhar, neste momento, para propor uma solução parecida com a que foi adotada na Hungria, em 2010, quando o primeiro-ministro, Viktor Orban, em vez de aumentar o seu endividamento para tapar o rombo, que acabaria ainda maior pelo pagamento de juros dessa dívida, num ciclo vicioso que o Brasil conhece bem, resolveu incentivar a atividade produtiva, pela sua capacidade de gerar empregos e movimentar a economia, e anunciou um imposto especial, válido por três anos, sobre o setor bancário, depois de constatar que este havia sido o setor que mais havia lucrado nos anos anteriores.

Os bancos foram convencidos a contribuir com esse esforço nacional, para que o país saísse da crise. Ao salvar a economia com a taxação extra, a Hungria criou condições para que as empresas pudessem buscar crédito nos mesmos bancos que foram taxados e que recuperaram, no médio prazo, o sacrifício feito naqueles três anos.

No Brasil, bastaria que o país regulamentasse o que diz a Constituição de 1988, que instituiu a taxação sobre grandes fortunas, que nunca saiu do papel. Sem isso, quem ganha menos no Brasil acaba pagando mais imposto, já que a maior parte dos tributos, 56% deles, é cobrada de forma direta, embutida nos preços dos produtos e serviços, que consomem uma parcela bem maior dos rendimentos dos que ganham menos. Uma queda no desemprego já seria suficiente para aumentar a arrecadação e fazer o país sair da crise em que continua atolado e recuperaria a capacidade de investimento do governo nas obras de infraestrutura que o país precisa e no bem-estar da população.

* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA

 


A interminável crise política pode adiar a retomada econômica

Delação "do fim do mundo" e o avanço das investigações sobre a chapa Dilma-Temer colocam em xeque a habilidade do Governo para aprovar novas reformas

A convulsão política interminável no Brasil fez crescer o temor de que a ansiada retomada da economia não se concretize em 2017, ou seja aquém da esperada. Segundo economistas ouvidos pelo EL PAÍS, as investigações em curso derivadas da LavaJato  têm potencial para desestabilizar o Governo de Michel Temer e podem comprometer a habilidade do presidente promover novas reformas econômicas consideradas essenciais para o país, como a da Previdência e a trabalhista. Assim, mesmo com a troca de poder no Executivo, a crise instaurada em Brasília foi às alturas sob a luz das investigações sobre corrupção. O imbróglio político torna-se, assim, o maior entrave para tirar o país do atoleiro em que se encontra, segundo os especialistas.

Com um amplo horizonte de dificuldades, as estimativas de crescimento neste ano são bastante modestas. As estimativas das instituições financeiras sobre a atividade econômica brasileira também não são animadoras. O mercado financeiro projeta que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil feche 2016 com uma queda de 3,49% e calcula, para o ano que vem, um crescimento lento de 0,5%, segundo o último boletim Focus - o levantamento que escuta centenas de economistas de instituições financeiras.

"Estamos vendo o presidente sangrar com a crise ao redor dele. Há um temor muito grande em relação à delação da Odebrecht e o quanto ela pode atingir em peso o Governo Temer e afetar seu capital político", explica Sérgio Valle, economista-chefe da consultoria MB Associados. Para ele, com o ambiente rodeado de turbulências, é provável que Temer enfrente dificuldades em aprovar a impopular reforma da Previdência, considerada imprescindível para garantir o equilíbrio nas contas públicas brasileiras.

A possível decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2017, sobre a possibilidade de cassação da chapa Dilma-Temer apontam um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados – algo que tanto a ex-presidenta quanto o atual chefe do Executivo negam. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos. Seria algo muito turbulento", opina Valle.

É certo que há alguns sinais positivos no cenário, como a tendência de baixa dos juros nos próximos meses, depois que a inflação cedeu, uma vez que a recessão colaborou para a queda de preços. Além disso, há uma expectativa positiva de um ano próspero par ao setor agrícola, com uma esperada supersafra. Uma alta de matérias-primas pode contribuir para uma melhoria no âmbito internacional.  A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) projeta um aumento de 7,2% das exportações brasileiras em relação a 2016. Já as importações devem avançar 5,2% frente aos números registrados neste ano.

Até a chegada do controverso presidente americano  Donald Trump à Casa Braca poderia trazer surpresas. Num momento em que ele assume uma postura provocativa com a China, o xadrez do comércio internacional poderia ganhar novos lances e beneficiar, indiretamente o Brasil. “Somos concorrentes dos EUA em alguns produtos agrícolas que poderíamos importar para a China, por exemplo", explica.

Mas nada de concreto que assegure um futuro alentador para um governo frágil, sujeito até mesmo a ser cassado. O processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investiga as contas de campanha presidencial de 2014, pode ser definido em 2017, coloca uma espada na cabeça de Temer. Se houver comprovação de fraude, o TSE poderia pedir a cassação da chapa vencedora das eleições (Dilma-Temer), o que aponta um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos ”, opina Valle.

Para além da sombra da cassação, Temer é a vidraça em meio a uma colheita ruim de dados econômicos derivados da recessão, como o desemprego que penaliza 12,1 milhões de brasileiros – 1,9 milhão deles perderam seus empregos nos últimos 12 meses – e que deve piorar no ano que vem. É ainda o mandatário que aplica remédios amargos garantindo que é o único caminho para reverter o mau agouro. Depois de empenhar-se em aprovar um ajuste fiscal que estabeleceu um teto de gastos por 20 anos, ele trabalha para a reforma da Previdência no próximo ano que afeta diretamente os mais vulneráveis. Assim, sua popularidade, que já é baixa – 8% de aprovação – fica ainda mais comprometida com essa coquetel de más notícias.

Ciente do tamanho da encrenca que precisa administrar, Temer decidiu anunciar na semana do Natal um pacote de medidas para tentar reagir ao cenário pessimista: antecipou a liberação dos saques do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), prometeu a redução dos juros de cartão de crédito e repaginou um programa de manutenção de emprego herdado de Dilma Rousseff.

Para o economista Nelson Marconi as medidas anunciadas são uma resposta ao cenário político deteriorado. “A economia continua patinando e o apoio político está diminuindo. Ele apresenta propostas paliativas, não são de estímulo real à demanda", explica. “O que a economia brasileira precisa é retomar o investimento público. Ao investir, o Governo demande produtos, serviços, contrata mais pessoas e estimula a economia”, explica Marconi.

Silvia Matos, pesquisadora da área de Economia da FGV, observa que parte do inferno astral que o país vive veio de um excesso de otimismo de que haveria uma melhora com o impeachment de Dilma que não se concretizou. “Ficou parecendo que tudo estaria resolvido para a retomada da atividade econômica, mas estamos passando por uma recessão severa, que necessita reformas estruturais muito radicais”, explica.

Os desafios de retomar o crescimento do país não estão concentrados apenas no ano que começa, mas também no cenário político de 2018. Entre os especialistas escutados pela reportagem, há um consenso de que a estabilidade econômica só deverá voltar de forma definitiva caso haja uma eleição presidencial razoável daqui a dois anos. "Dada essa turbulência que estamos vendo nos últimos anos, a chance de você ter um cenário político bem atípico, com muitos nomes, com muitas incertezas está crescendo. Aí a chance de alguém, um salvador da pátria ganhar, e continuar com a instabilidade aumenta", explica o economista Sérgio Valle.

A economista-chefe da corretora XP Investimentos, Zeina Latif, também concorda que há risco das eleições de 2018 serem tumultuadas com candidatos com agendas que não são de continuidade do ajuste fiscal, comprometendo ainda mais a retomada do crescimento. Por isso, para a economista, o curto prazo e o 2017 serão fundamentais para a qualidade da política em médio e longo prazo. Em um cenário benigno, Lafit acredita que uma inflexão da atividade econômica pode ocorrer no último trimestre do próximo ano. "No entanto, até lá, ainda há muito em jogo", afirma.


Fonte: brasil.elpais.com