Banco Central

Gustavo Loyola: Ataque aos Bancos Centrais

Até em países tidos como institucionalmente desenvolvidos, como os EUA, a autonomia do BC é colocada em xeque

Em recente artigo, Bill Dudley, que foi vice-chairman do Fed de Nova York, opinou que qualquer estímulo adicional do Fed encorajaria Trump a ser mais agressivo em sua política comercial e traria prejuízos maiores à economia dos EUA no longo prazo. Essa opinião mereceu uma imediata resposta oficial do Fed no sentido de que considerações políticas não têm qualquer espaço em suas decisões de política monetária. Por si só, o fato de o Fed ter se preocupado em reagir de forma não usual a uma manifestação de um seu ex-dirigente indica o elevado grau de pressão a que a instituição está submetida nesses tempos "trumpianos".

Bancos centrais na mira de políticos eleitos não é novidade. Muito ao contrário. O inusitado do momento atual é que tal prática tem proliferado até em países tidos como institucionalmente mais desenvolvidos e coincide com o surgimento de políticos populistas como Donald Trump, Matteo Salvini e outros. O presidente americano tem sido pródigo em ataques ao Fed, que acusa de manter as taxas de juros excessivamente elevadas. Chegou até a ameaçar de demissão o chairman do Fed, Jerome Powell. No continente americano, até recentemente ataques e ameaças do gênero aos bancos centrais ocorriam apenas ao sul do Rio Grande.

Vale recordar que a ideia de que os bancos centrais necessitam de autonomia está de há muito consagrada na literatura econômica, embora muito frequentemente se alerte para o risco de um déficit democrático caso a autoridade monetária não tenha a necessária "accountability" perante os governantes eleitos e o parlamento, legítimos detentores do mandato popular. Por autonomia do banco central, entende-se principalmente sua capacidade de operar a política monetária longe das interferências políticas. Com isso, são evitadas decisões que satisfazem interesses eleitorais no curto prazo à custa de maiores custos no longo prazo.

De fato, a capacidade de os bancos centrais fixarem a taxa de juros é uma arma poderosa que lhes permite gerar surtos breves de crescimento, sacando contra o futuro da economia. Sua blindagem institucional, portanto, visaria evitar a ocorrência de tais comportamentos.

A conveniência da autonomia dos bancos centrais também se respalda em evidência colhida em vários trabalhos acadêmicos ao longo de várias décadas. Nesse sentido, por exemplo, Alex Cukierman em "paper" publicado em 2008, sumariando 25 anos de pesquisa a respeito do tema, menciona que a evidência empírica é consistente com a conclusão de que inflação e autonomia dos bancos centrais são negativamente correlacionadas, tanto em países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento.

Se os bancos centrais independentes tiveram tanto sucesso em manter a inflação baixa, então porque viraram alvo predileto de políticos populistas, como Donald Trump? Minha resposta é que, essencialmente, eles se tornaram vítimas de seu próprio sucesso em domar a inflação a partir dos anos 1990. Toda a teoria sobre autonomia dos bancos centrais foi cunhada durante um tempo onde a inflação era o maior problema macroeconômico enfrentado nas principais economias globais e quando ainda eram frescas as cicatrizes históricas de períodos de hiperinflação em países como a Alemanha. Com o longo período de inflação baixa, o risco inflacionário gradualmente foi se tornando distante e, com isso, a ideia da autonomia dos bancos centrais vem perdendo força na sociedade, nos países desenvolvidos. De certa forma, até os mercados abandonaram os bancos centrais à sua própria sorte diante dos ataques populistas, haja vista a placidez com que receberam as críticas de Trump ao Fed.

Para piorar a situação, numa situação em que as taxas juros estão na vizinhança de zero nas economias desenvolvidas, há uma crescente percepção entre economistas de matizes diversos dos limites da política monetária para lidar com os riscos de uma recessão que parece se avizinhar das principais economias do globo. Essa visão é compartilhada tanto por aqueles que pensam, como Larry Summers, que estamos hoje diante do fenômeno da estagnação secular, quanto pelos adeptos da MMT ("Modern Monetary Theory"), para os quais a independência dos bancos centrais não faz sentido algum.

Contudo, é importante chamar a atenção que os problemas do Brasil são distintos. No momento em que começa a tramitar no Congresso Nacional o projeto de lei concedendo mandatos aos dirigentes do Banco Central, é de fundamental importância que nossos políticos busquem olhar mais para a tragédia inflacionária que assola alguns de nossos vizinhos do que para a calmaria dos preços que caracteriza as economias desenvolvidas nas últimas décadas. Vale lembrar a eles que uma das razões do provável fracasso eleitoral de Macri na Argentina é certamente sua excessiva tolerância com a inflação e a opção equivocada pelo gradualismo em seu combate.

*Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.


José Luis Oreiro: Muito pouco, muito tarde

O corte na taxa Selic só impactará a economia no primeiro trimestre de 2020

Finalmente, o Banco Central do Brasil se rendeu à realidade do gravíssimo quadro de estagnação da atividade econômica vigente no país e decidiu reduzir a meta da taxa Selic em 0,5 ponto porcentual, para 6% ao ano. Trata-se do valor mais baixo da série histórica da taxa Selic. Essa decisão surpreendeu o mercado financeiro, o qual apostava numa redução de apenas 0,25 ponto porcentual; haja vista que a curva de juros futuro embutia uma probabilidade de 75% de ocorrer uma redução dessa magnitude. Com efeito, o presidente do BCB, Roberto Campos Neto, vinha afirmando reiteradas vezes para a imprensa de que a política monetária já se encontrava no campo estimulativo, pois o valor real ex-ante da taxa Selic se encontrava abaixo das estimativas existentes a respeito do valor neutro dessa taxa.

Campos Neto reiterou ainda que a aprovação da reforma da Previdência teria um impacto expansionista sobre a demanda agregada devido ao efeito da mesma sobre o (sic) espírito animal dos empresários, levando-os a desengavetar uma série de projetos de investimento, tornando desnecessária uma nova flexibilização da política monetária. Essas declarações levaram muitos analistas até mesmo a prever que, na reunião de julho do Copom, a Selic seria mantida inalterada. Felizmente, o BCB mudou o seu entendimento sobre o grau de estímulo da política monetária e não só reduziu a Selic, como ainda o fez numa magnitude maior do que o esperado. Essa decisão, contudo, veio muito tarde e numa magnitude menor do que a necessária para produzir um efeito expansionista relevante para a atividade econômica.

A última redução da taxa Selic ocorreu em 31/10/2018, quando o Copom decidiu reduzir os juros básicos da economia brasileira em 0,25 ponto porcentual, para 6,5% ao ano. Nove meses se passaram, portanto, desde a última flexibilização da política monetária. As expectativas de crescimento da economia brasileira foram reduzidas continuamente, passando de pouco mais de 2,5% ao ano em novembro para 0,8% ao ano em julho. Essa deterioração se deu num contexto no qual a economia brasileira apresentava a mais lenta recuperação cíclica desde a crise de 1981-1983, apresentando um hiato do produto de quase 6% no primeiro semestre de 2019. Por fim, projeções de inflação para 2019 apontam que a inflação ficará abaixo da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional pelo terceiro ano consecutivo; sinal evidente de que a condução da política monetária nos últimos três anos teém sido excessivamente conservadora, desconsiderando o protocolo do regime de metas de inflação. A redução da Selic veio muito tarde para salvar o ano de 2019, pois seus efeitos só começarão a se sentir sobre o nível de atividade no primeiro trimestre de 2020.

A projeção do BCB para a inflação de 2020 no cenário de mercado mostra que se a taxa de juros for reduzida para 5,5% ao ano, a inflação fechará em 3,9%, pouco abaixo da meta de 4,0%. Isso parece indicar que o BCB deverá fazer novo corte de 0,5 ponto porcentual na reunião de setembro do Copom, encerrando então o ciclo de redução da taxa de juros. Se essa conjectura se confirmar, a Selic real ex-ante será reduzida para 1,53% ao ano, ainda muito alta dado o grau de ociosidade dos fatores de produção e o cenário internacional no qual as taxas nominais de juros dos países desenvolvidos (Suíça e área do Euro) se encontram em patamar negativo.


Vinicius Torres Freire: Países ricos afrouxam taxas de juros e ajudam a acalmar finanças por aqui

 

A economia do Brasil continua entre a desordem e a estagnação, mas o mundo, vasto mundo, lá fora dá um rumo para a nossa bagunça, ao menos no que diz respeito às condições financeiras.

A decisão desta quarta-feira do Fed, o Banco Central dos EUA, nos ofereceu outra dose de ansiolítico monetário. A taxa básica de jurosdeles fica na mesma, mas já olhando para baixo. A nossa continua a olhar para os lados, pois o Banco Central do Brasil também nesta quarta decidiu manter a Selic já enferrujada em 6,5%, sublinhando e dizendo em negrito e maiúsculas que, tudo mais constante, vai se mexer apenas se vierem reformas.

Pelo terceiro ano consecutivo, é bem provável que este país em depressão tenha taxa de inflação abaixo da meta. Mas passemos. Por enquanto, convém observar como o barquinho brasileiro é arrastado pelas correntes mundiais. A gente é muito jeca e dada a olhar demais para o umbigo sujo.

Desde que os juros americanos começaram a rolar a ladeira no mercado, em meados de maio, deu-se o seguinte: 1) as taxas de juros brasileiras no atacadão de dinheiro pegaram carona na banguela; 2) o Ibovespa saiu do fundo do pocinho deste ano; 3) o dólar saiu das alturas de R$ 4,10, mesmo preço em que estivera durante as semanas quentes da campanha eleitoral, em agosto e setembro.

Dado o histórico nacional, podemos reagir a boas oportunidades nos dando um tiro no pé ou mesmo na cabeça. Entretanto, mesmo o tumulto político bolsonariano nos rende por ora apenas uns sorvetes na testa.

Tudo em paz? Nunca está. Donald Trump pode requentar a guerra comercial com a China ou fazer uma bobagem mortífera com o Irã, não convém subestimar o líder antiglobalista. Além do mais, os bancos centrais dos países importantes estão afrouxando a política monetária porque suas economias estão mais lentas.

Crescimento menor não costuma ser bom para ninguém. Neste caso, a desaceleração é paulatina e, nos Estados Unidos, pouco notável. No balanço dos problemas, uma alta de juros seria muito pior do que a calmaria monetária devida à freada por enquanto suave das economias centrais. Não é por causa da lerdeza lá fora que o Brasil não está crescendo nada, mas porque arruinou sua economia de modo extraordinário e está em tumulto político faz seis anos.

Ganhamos algum tempo para consertar os danos e até um motivo adicional para baixar as nossas taxas de juros. Como se tem escrito nestas colunas, os negociantes do dinheiro grosso, “o mercado”, já diminuíram as taxas de seus negócios, no atacadão de dinheiro. As expectativas de inflação de quem faz negócio na finança são menores do que as inertes previsões de seus pares dos departamentos de pesquisa macroeconômica, aquelas compiladas semanalmente pelo BC.

Nem é preciso dizer que o BC sabe disso muito bem e faz tempo. É também óbvio que um revertério na reforma da Previdência tende a enterrar nossas cabeças na lama que está pelos nossos narizes. Isto posto, assim que a reforma passar pelo mata-burro, o BC vai ser agressivo com os juros?

“Taxa de juros não resolve a crise brasileira”, diz a conversa mole. Não, nenhuma medida parcial resolve. De resto, estamos falando aqui de curto prazo, de minorar danos e de uma atitude razoável que não causará prejuízo algum para a suposta alternativa (reformas estruturais, aumento de produtividade). Não podemos abrir mão de impulso racional algum para empurrar esta carroça.


Zeina Latif: Sobrou para o BC

É recomendável evitar idas e vindas na Selic, em especial com mudança de membros

Os números falam por si só. A economia brasileira está praticamente estagnada e os sinais são de um crescimento modesto do PIB este ano. Analistas rebaixam as projeções, que estão agora em 2,1%. O risco é de número mais modesto. A fraqueza da economia acendeu o debate sobre a possibilidade de o BC retomar o ciclo de corte da Selic interrompido em maio de 2018, com a taxa em 6,5% ao ano.

Convém discutir o espaço para corte dos juros, mas não defender a redução com vistas a estimular a economia, como pregam alguns. A meta a ser perseguida pelo BC é de inflação, e, não, de crescimento do PIB.

A fragilidade da economia decorre de fatores conjunturais e estruturais. No primeiro caso, um País que sofre com os resquícios da recessão. Muitas empresas ainda enfrentam dificuldades financeiras, o que, aliado à ociosidade elevada, contém a contratação de mão de obra. No segundo caso, uma economia com potencial de crescimento muito baixo, possivelmente abaixo de 2%, devido aos limites de infraestrutura, mão de obra qualificada e capital instalado.

Questões conjunturais são assunto para o Copom. Se a economia evolui lentamente, a ponto de tornar a convergência da inflação às metas muito demorada, convém cortar os juros para evitar inflação abaixo da meta por muito tempo e sacrifício desnecessário da sociedade.

Já o baixo crescimento decorrente de limitações estruturais não deveria ser razão para redução dos juros. Pelo contrário. Um baixo potencial de crescimento poderá significar volta mais rápida da inflação no futuro. Afinal, facilmente um aquecimento da economia geraria descompasso entre demanda e oferta de bens e serviços, esta última limitada por fatores estruturais.

Difícil separar o que é estrutural e o que é conjuntural do fraco desempenho atual do PIB, o que dificulta a tomada de decisão do BC. De qualquer forma, no fim das contas, é o comportamento da inflação e das expectativas inflacionárias que deve guiar o BC.

O quadro inflacionário é benigno, sem tendência clara de aceleração. Mas o melhor já passou. O ciclo de desinflação foi concluído, a julgar pelo comportamento de várias métricas (núcleos de inflação) que ajudam a separar fatores transitórios e duradouros que têm impacto na inflação. Há uma tendência de aumento da inflação de bens finais, mesmo excluindo itens voláteis, como alimentos in natura e combustíveis (2,5% na variação anual em fevereiro ante 0,9% em 2018). Por outro lado, a inflação de serviços segue relativamente estável (em torno de 3,5%).

A estabilidade da inflação, a despeito da atividade tão fraca, sugere que a economia não está operando tão longe assim do potencial. Por exemplo, se o potencial de crescimento do PIB é 2,5% e a economia cresce apenas 1%, a ociosidade tende a aumentar e a inflação cai. Não é o caso. O espaço para redução da Selic, se existir, seria possivelmente modesto.

Além disso, a reforma da Previdência é importante fator de risco para a inflação. Uma reforma tímida terá repercussões na percepção de risco fiscal, pressionando a cotação do dólar e, portanto, a inflação. Convém o Copom aguardar para decidir sobre a política monetária. Como a inflação não está em queda e as expectativas de inflação de 2020 estão na meta, em 4%, o risco de cortar agora e ter de reverter pouco tempo depois não é desprezível. É recomendável evitar idas e vindas na trajetória da Selic, especialmente com a mudança dos membros do Copom. Construção de reputação não combina com precipitação.

Por mais que o baixo crescimento traga descontentamento e preocupação, o BC não tem instrumentos para resolver o problema, exceto no curto prazo quando a inflação permite. A contribuição do BC ao crescimento é justamente pela manutenção da inflação na meta. Promover o crescimento é missão do governo. Não é na porta do BC que devemos bater.

*Economista-chefe da XP Investimentos


Míriam Leitão: A emocionante história do BC

Registro dos primeiros 50 anos do Banco Central mostra períodos de crises da dívida, quebra de bancos, hiperinflação e reformas monetárias

Sentado na primeira fileira do auditório do Banco Central no Rio, Roberto Campos Neto viu passar pela sua frente flashs da história da instituição que deve presidir. Ex-presidentes contaram momentos dramáticos e decisões difíceis, crises da dívida, quebras de bancos, hiperinflação, reformas monetárias. Ao longo das falas no seminário ontem sobre a História Contada do Banco Central, ficou clara a dimensão da instituição.

Ilan Goldfajn, o atual presidente, resumiu ao fim da tarde e de três painéis mediados pela jornalista Claudia Safatle, do “Valor”, a evolução que houve:

— Não se fala mais de negociação da dívida externa, que foi o assunto dos primeiros depoimentos, porque ficou para trás. Espero que a inflação também tenha ficado para trás. Temos independência de fato, mas não temos ainda de direito. O assunto fiscal permanece conosco.

O BC foi criado por lei em 31 de dezembro de 1964, mas começou oficialmente em 1965. Completa 54 anos em 2019, mas o evento era para lembrar o registro histórico dos primeiros 50, que começou a ser feito com o CPDOC, em 1989, e foi retomado no período de Alexandre Tombini e completado agora com Ilan.

Ernane Galvêas, aos 96 anos e lúcido, contou que o BC foi filho da conferência que organizou o mundo monetário após a 2ª Guerra Mundial:

— Bulhões voltou de Bretton Woods com essa ideia de que o Banco do Brasil não podia ser a autoridade monetária.

Carlos Langoni foi presidente no começo dos anos 1980, quando estourou a crise da dívida externa que arruinaria a década. O Brasil não tinha dólares, créditos, nem petróleo:

— O presidente Figueiredo me chamou e disse: ‘pode negociar com os bancos, mas não deixa haver racionamento de combustível’.

Ele voou para Riad para negociar a liberação dos petroleiros com suprimento para o Brasil. Lá, por sorte, o presidente do BC era PhD pela Universidade de Chicago. Os colegas se entenderam.

Fernão Bracher contou como conseguiu manter o sistema financeiro em pé quando três bancos quebraram no governo Sarney: Comind, Auxiliar e Maisonnave. Fernando Milliet falou da tentativa de negociar com os bancos estrangeiros, completamente hostis, depois da moratória de 1987. Wadico Bucchi narrou as dificuldades daquele final do governo Sarney em plena hiperinflação. Ibrahim Eris não estava, mas seu período foi o do calote da dívida interna no governo Collor.

Pedro Malan foi presidente no Plano Real, que venceu a hiperinflação, e havia sido o negociador da dívida externa:

— Era uma guerra de trincheiras entre os países em desenvolvimento e os bancos.

Malan foi o responsável pelo acordo de paz nessa guerra. Persio Arida disse que olhou seu discurso de posse e sabatina e concluiu que a agenda continua a mesma: o crédito direcionado, a crise fiscal e a independência do BC.

Gustavo Loyola enfrentou a mais violenta crise bancária do país, em que quebraram Econômico, Nacional e Bamerindus, mantendo o sistema em pé, através do Proer. E saneou os bancos estaduais. Gustavo Franco manteve o câmbio no primeiro período do Plano Real, um tempo de enorme pressão.

— Cada um aqui vivenciou coisas diferentes, mas ninguém sentiu monotonia — disse.

Chico Lopes foi o responsável por uma instituição que é a semente do Banco Central independente: o Copom. Ele disse que discorda do ministro Paulo Guedes quando ele diz que a social-democracia levou 30 anos para aprender o que é preciso fazer na economia:

— Acho injustiça do meu amigo Paulo Guedes porque os social-democratas fizeram um grande trabalho. Deixaram tudo preparado para a liberal-democracia. Para não acertar o gol só se errar a bola.

Armínio introduziu as metas de inflação, política que está completando 20 anos, mas seu temor é o rombo das contas públicas:

— Não há Banco Central do mundo que resista à continuação de uma crise fiscal como a nossa. Uma reforma da Previdência mais ou menos não será suficiente.

Henrique Meirelles contou como conseguiu na prática que o Banco Central fosse independente no governo do ex-presidente Lula.

O neto de Roberto Campos, um dos criadores do BC, ouviu os recados dos que o antecederam entremeados de elogios ao seu avô. Armínio disse que chega a ser “desconcertante” ler como os alertas que ele fez nos anos 1970 sobre contas públicas permanecem atuais.


Cristiano Romero: O legado

O segredo de Meirelles sempre foi montar boas equipes

Um dos maiores talentos do ex-presidente do Banco Central (BC) e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, tanto no setor privado quanto na vida pública, foi montar boas equipes. E, por isso, as coisas sempre deram certo. Meirelles foi o mais longevo e bem-sucedido, considerando-se o conjunto da obra, presidente do BC brasileiro - oito anos, durante os dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). No comando da economia, tendo assumido o cargo em meio à mais longa recessão (2014-2016) da história do país, mudou, em pouco mais de dois anos, o rumo da economia - aqui, não se trata de opinião, mas de respeito à aritmética: o discurso, contundente, é dos números.

Meirelles foi chamado para assumir os dois postos públicos mais importantes da economia brasileira em momentos de crise severa. Em janeiro de 2003, chegou a Brasília com o país "em chamas", à beira de um possível calote na dívida externa. Por causa da desconfiança dos investidores nos propósitos do recém eleito governo de esquerda, investidores tiraram bilhões de dólares do país, levando a cotação da moeda americana para algo em torno de R$ 4,00.

As consequências, como diria o barão de Itararé, sempre citado pelo ex-senador Marco Maciel, vieram depois: a inflação anual, medida pelo IPCA, disparou (para 12,5% em dezembro 2002 e 17% em abril de 2003); a dívida pública superou os 60% do Produto Interno Bruto (PIB); a economia mergulhou em mais uma recessão, a segunda em menos de quatro anos; a taxa básica de juros (Selic) foi a 25% ao ano em dezembro de 2002, impondo às autoridades dilema de difícil solução, provocado pela chamada "dominância fiscal" - elevar os juros (Selic) para conter a escalada inflacionária e, com isso, aceitar o aumento explosivo da dívida pública, uma vez que, grosso modo, essa dívida é atrelada à Selic, ou não subir os juros e, assim, deixar a inflação crescer para evitar a expansão do endividamento;

No BC, mesmo vindo de uma vitoriosa carreira como executivo do BankBoston (Fleet), Meirelles, eleito deputado pelo PSDB em Goiás em 2002, foi recebido com extrema desconfiança pelo mercado. O que se dizia na época era: "Meirelles foi nomeado por Lula porque este não conseguiu convencer ninguém, à altura do cargo, a assumir a função naquele momento"; "Meirelles não entende nada de economia"; "o PT vai derrubá-lo em menos de seis meses".

De fato, antes de convidar Meirelles, Lula e Antonio Palocci fizeram sondagens para o Banco Central que não prosperaram. A razão era a falta de confiança daqueles interlocutores no compromisso do novo governo com o respeito aos contratos e à disciplina monetária e fiscal. É verdade que Meirelles não tinha formação macroeconômica, mas, daí a dizer que ele não entendia do assunto era um exagero, fruto de preconceito que o persegue desde sempre. Quanto ao PT, é fato que o partido tentou desestabilizá-lo, inclusive no auge do sucesso da gestão Lula na área econômica, mas o então presidente, sabedor da importância da estabilidade de preços para o sucesso de seu governo, manteve Meirelles no cargo até o último dia de seu mandato.

Subestimado, Meirelles atraiu para o BC economistas de sólida formação acadêmica, como Eduardo Loyo, Afonso Bevilaqua e Mário Mesquita, e de bem-sucedida experiência no mercado financeiro, como Rodrigo Azevedo, Mário Torós, Alexandre Schwartsman e Paulo Vieira da Cunha. A vida não foi nada fácil naqueles oito anos, mas, depois de enfrentar todo tipo de fritura política e a hostilidade de um Ministério da Fazenda dominado em mais de dois terços daquele período por economistas contrários ao que se fazia nas políticas monetária e cambial, o grupo entregou a inflação dentro do intervalo de variação da meta - depois de o IPCA ter ido a mais de 17% nos 12 meses até abril de 2003 -, a taxa Selic cadente e muito abaixo da encontrada e o PIB crescendo a um ritmo muito superior e com menor volatilidade (ver tabela).

Quando Meirelles assumiu o Ministério da Fazenda em maio de 2016, o fez novamente em meio a uma crise sem precedentes e em momento delicado da política nacional, uma vez que o segundo presidente, dos quatro eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar, sofria impeachment - Dilma Rousseff mostrou-se inepta para governar o Brasil, mas tanto a sua gestão abaixo da crítica quanto a maneira como foi cassada mostram que a democracia brasileira precisa ser fortalecida para impedir que a tirania tome lugar tanto em um caso como no outro.

Para comandar a economia, Meirelles escolheu, corretamente, economistas em sua maioria originários do setor público, como Eduardo Guardia, Mansueto Almeida, Marcelo Abi-Ramia e Marcos Mendes, conhecedores profundos das mazelas fiscais que resultaram na quebra do Estado brasileiro e na sabotagem do futuro da nação.

Os números dizem tudo: em maio de 2016, quando essa equipe assumiu suas funções em situação de emergência, o PIB encolhia 4,55% em 12 meses, a inflação estava em 9,32% e a taxa Selic, em 14,25% ano. Um mês atrás, o PIB estava em alta de 1,39%, a Selic no menor patamar da história (6,5% ao ano) e a inflação em 12 meses até novembro, em 4,05%, abaixo da meta.

Os resultados só não foram melhores porque a política não deixou, mas a virada que Henrique Meirelles produziu nos resultados dos cargos que assume fez Chico Mendez, jovem estrela do marketing político brasileiro, criar o mote "chama o Meirelles", usado na recente campanha eleitoral.


Míriam Leitão: O certo do jeito errado

A autonomia do Banco Central é uma boa ideia que nunca prosperou no Brasil. Agora, o esforço que se faz é para estragar a boa ideia defendendo-a da forma errada. A proposta do senador Romero Jucá tem a oposição de quem sempre a defendeu, a começar do próprio Banco Central. Além de garantir a estabilidade, o órgão também teria que perseguir meta de desemprego baixo.

O Brasil acaba de viver duas experiências didáticas. O BC não teve autonomia no governo Dilma e uma das demandas da presidente era juros bem baixos. Resultado: a inflação ficou sempre alta, com brevíssimas exceções, acabou estourando o teto e chegando aos dois dígitos. Os juros, que haviam sido reduzidos, tiveram que ser elevados para evitar o descontrole. Desde a posse de Ilan Goldfajn o BC teve autonomia e conseguiu fazer seu trabalho de trazer a inflação para níveis baixos e pôde conduzir o mais longo ciclo de redução das taxas de juros. A autonomia entregou o que se pede ao Banco Central, que é a estabilidade de preços. Se ela for consagrada em lei, será mais fácil resistir às investidas de governantes intervencionistas.

E o desemprego? Ele começou a subir quando a política monetária aceitava uma inflação mais alta, no governo Dilma, e permaneceu alto no governo Temer, com uma tendência, em parte sazonal, de queda no final do ano passado. Deve continuar caindo durante este ano. O Banco Central que persegue com autonomia a estabilidade de preços faz mais pelo emprego do que o que aceita taxas mais elevadas.

A proposta apareceu no meio do pacote das quinze medidas que foi fechado às pressas no Planalto para dar a impressão de que o governo sabia o que fazer no momento seguinte em que enterrou a reforma da Previdência. Naquele conjunto de medidas sem um propósito definido foi incluído, no último momento, a ideia de Banco Central autônomo com duplo mandato, que seria apresentada pelo senador Romero Jucá, juntando todos os projetos sobre isso que já tramitam no Congresso, inclusive um do deputado Rodrigo Maia. Nenhum economista defensor da ideia gostou da proposta que também foi criticada pelo Ministério da Fazenda e Banco Central. Maia também não gostou.

A autonomia do Banco Central já enfrentou os abusos de uma campanha eleitoral. Defendida em 2014 pela candidata do PSB-Rede, Marina Silva, foi tema de uma agressiva campanha de ataque comandada pelo notório João Santana. Pratos sumiam das mesas dos pobres, cadernos eram tirados das mãos de estudantes e uma voz cavernosa culpava por toda essa maldade o Banco Central autônomo. E essa manipulação dos fatos, característica do estilo Santana, ainda era financiada com dinheiro sujo.

Agora Jucá disse que está pensando em incluir também uma meta de desemprego porque isso tornaria a ideia mais palatável para os políticos. Formatar esse projeto com o objetivo de agradar políticos é a receita certa do fracasso.

O mercado de trabalho neste momento tem desafios específicos de um tempo de mudanças radicais na forma de produzir. A transição para a nova economia com nova tecnologia de produção e o mundo digital têm reduzido o emprego. É um tempo desafiador. Como o Banco Central poderia diferenciar o desemprego causado pelas transformações tecnológicas, do supostamente causado pela política monetária apertada?

O Fed, com seu século de vida, história e serviços prestados à economia americana, tem duplo mandato. É isso que tem sido defendido agora. Como a jornalista Cláudia Safatle lembrou no artigo de ontem do “Valor”, quando precisou escolher o que combater, na gestão Paul Volcker, no começo dos anos 1980, elevou os juros para 21%. Mesmo lá, combater a inflação é o primeiro dos objetivos.

Inflação baixa não é um fim em si mesmo, é um meio que permite outros fins. O Banco Central quando consegue levá-la a um nível baixo está tornando possível a política de estímulo ao crescimento que poderá aumentar a oferta de emprego. Defender a moeda é o papel clássico do Banco Central e é isso que a nossa história prova. Há muitos exemplos de uso do BC para crescimento e baixo emprego que provocaram o efeito oposto. Por isso, se não for por um projeto consistente, a ideia deve ser abandonada.

 


Míriam Leitão: O erro na Caixa

A Caixa foi o assunto numa reunião ontem em Brasília de todos os órgãos de controle: TCU, MPF, CGU, Banco Central e auditoria da CEF. Concordaram que não basta afastar quatro vice-presidentes, e que é preciso mudar radicalmente a forma de seleção de dirigentes. Vão dar um voto de confiança ao Conselho de Administração, que começa semana que vem a implantar a nova estrutura de governança.

O presidente Temer sabia que estava errando na Caixa. Tanto que estabeleceu outros critérios na direção da Petrobras e Eletrobras. Para as duas estatais de energia escolheu gestores sem ligação política e concedeu a eles liberdade de atuação. Entre as grandes estatais, a Caixa ficou como o enclave podre. Nas outras muitas estatais o padrão também é o fatiamento político.

A situação no banco começou a mudar esta semana. Após o MP pedir a substituição dos vice-presidentes, o Banco Central fez o mesmo. O Conselho de Administração, que é presidido pela secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, havia contratado a auditoria do escritório Pinheiro Neto, depois que a Price aprovou com ressalvas o balanço de 2016. O que a auditoria descobriu confirmou tudo o que fora investigado em quatro operações do Ministério Público. O cerco começou a se fechar.

A Caixa tem sido vítima do uso político abusivo. A operação Sepsis exibiu como acontece. No dia primeiro de julho de 2016, quando Temer ainda era interino, a operação foi estourada. Lá se contava como acontecem as indicações para a Caixa. Lúcio Funaro, com uma folha corrida de crimes investigados em três operações — Banestado, Satiagraha, Mensalão —, foi a “autoridade” que decidiu quem seria o vice-presidente de Loterias e Fundos Públicos. Funaro indicou o nome de Fábio Cleto ao deputado Eduardo Cunha, no governo Dilma, em 2012. Foi explícito a Cleto sobre o fato de que ele tinha que fazer o que “nós quisermos". O “nós” era ele e Cunha. O ministro Guido Mantega chamou Cleto em seu gabinete e o nomeou.

Imaginemos, apenas por hipótese, que em meados de 2016 o presidente Temer não soubesse o risco das indicações políticas. Se tivesse lido o que ficou público pela Sepsis naquele primeiro de julho, saberia que a distorção é tal que um criminoso, réu confesso do mensalão, na prática havia indicado a pessoa responsável, entre outras coisas, pelo FGTS.

Na Eletrobras, Wilson Ferreira fez uma mudança na organização para cortar os excessivos cargos administrativos. A Caixa permaneceu tendo uma dúzia de vice-presidentes, abaixo deles os diretores e depois os superintendentes. Para que ter 12 vice-presidentes? Elementar. Para melhor dividir o bolo, ocupar a máquina, ordenhar o banco no qual está depositada a poupança de milhões de brasileiros.

Quando Pedro Parente foi convidado para a Petrobras ele recebeu a informação de Temer de que teria liberdade para nomear a diretoria. Na Caixa manteve-se a rotina de dividir o comando em sesmarias e entregálas aos capitães políticos para as práticas extrativas.

Quando Temer assumiu, as análises da situação das empresas indicavam que tanto a Petrobras quanto a Caixa precisavam ser capitalizadas. A Petrobras se ajustou sozinha, cortou custos, vendeu ativos, reduziu endividamento, aumentou a receita. A Caixa, desenquadrada nas normas bancárias internacionais, vem tentando se capitalizar com o dinheiro do FGTS.

O erro na Caixa foi a repetição do pecado original: usar as empresas estatais para o repasto político. Não basta tirar quatro vice-presidentes, ou mesmo todos. É preciso mudar a forma de recrutamento de gestores. Alguns dos atuais dirigentes da Caixa estão sendo investigados. “Não podemos dizer que eles são culpados, mas podemos garantir que o sistema que os levou é. O corrupto é apenas o fruto. Se a árvore não for extraída, o crime continuará", diz um integrante de órgão de controle.

Temer sabia o que aconteceria na Caixa ao reserva-la aos políticos. Quando o Ministério Público pediu a saída dos vice-presidentes, fingiu não ouvir. Foi preciso que o Banco Central usasse seu poder de fiscal do sistema financeiro para que quatro deles fossem afastados. Sanear a Caixa vai demorar anos. Mas esta semana pode ter sido um ponto de inflexão na longa história de abusos sofridos pelo banco público.

 


Míriam Leitão: Alavanca da retomada

A vitória sobre a inflação construiu o caminho pelo qual o país saiu da recessão. Por causa da queda dos preços, houve uma sequência de eventos favoráveis na economia que permitiu o início da retomada. Não foi a recessão que derrubou a inflação, foi a queda da inflação que superou a recessão. Nas causas da vitória estão a produção agrícola e a ação do Banco Central.

O mocinho da virada foi o preço de alimentos, mas a redução da inflação foi generalizada, tanto que, como disse o Banco Central, sem os alimentos a taxa teria ficado em 4,54%. A queda foi resultado da supersafra, mas também dos acertos da política econômica, principalmente do BC.

A inflação estava acima de 10% em janeiro de 2016 e terminou 2017 em 2,95%. O INPC, que mede a evolução da cesta de consumo de famílias até cinco salários mínimos, terminou o ano em 2,07%. Como esse índice corrige benefícios previdenciários, isso ajudará também nas contas públicas, porque o Orçamento foi elaborado prevendo 3,1%.

Por causa da queda dos preços, houve mais espaço no orçamento das famílias para outros consumos. E isso aconteceu principalmente porque foram os alimentos que puxaram a média dos preços para baixo. Em 2016, houve momentos em que a inflação de alimentos se aproximou de 15%. O grupo terminou 2017 com deflação de 4,8%. Com a queda da inflação, os juros puderam ser reduzidos em mais de sete pontos percentuais. O relaxamento monetário permitiu renegociação de dívidas privadas e redução dos preços de rolagem da dívida pública. Com menos inflação e menos juros, houve um aumento da confiança e, mais tarde, da produção e das vendas.

Um evento levou ao outro, numa sequência de fatos positivos na economia que desafiou o ambiente tóxico da política, com a revelação da inaceitável conversa entre o presidente e o empresário Joesley Batista e todas as articulações nefastas para manter o governo.

Apesar da confusão política, a economia foi encontrando seu caminho para sair do buraco de duas quedas sequenciais do PIB de 3,5%. Mas a crise política impõe um teto para a recuperação. A alta do PIB de 2017 deve ter ficado em torno de 1%. Pouco para o tamanho da perda, apenas permite que o país comece a fazer o caminho de volta.

Ao contrário de todos os outros momentos da história do real, esta queda da inflação não elevou a popularidade presidencial e a aprovação do governo. Uma das razões é que o ambiente ainda é de crise, a renda permanece em níveis mais baixos do que já esteve, o desemprego continua muito alto. Além disso, os vilões — preços que subiram muito apesar da queda geral — atingem em cheio a classe média: combustíveis, mensalidades escolares, energia, planos de saúde. Essa recuperação é também diferente de outras recessões, porque o país está saindo à francesa. Lentamente. A última recessão deste tamanho foi provocada pelo Plano Collor. A recuperação ocorreu no governo Itamar, e o país saiu do PIB negativo de 1992 para a alta de quase 5% em 1993. O clima agora ainda é de crise, o país continua com sequelas, as empresas investem pouco, o governo enfrenta graves dificuldades fiscais.

Sair desse fosso pela queda dos preços é um fato curioso no Brasil que teve durante tanto tempo uma relação atormentada com a inflação. Ela arruinou a economia do país várias vezes. Quando voltou a dois dígitos no fim de 2015 e começo de 2016, temia-se a reindexação da economia. O cenário felizmente não se confirmou.

A ideia de que foi a recessão que derrubou a inflação não explica o que aconteceu. No Brasil, várias vezes tivemos recessão com preços subindo, a última vez foi em 2015. O país colheu uma supersafra e isso foi providencial. A produção agrícola foi o grande jogador em campo. Mas a atuação do Banco Central buscando a meta, quando parecia difícil ser atingida, e os acertos da política econômica ajudaram a derrubar os índices de preços. Os IGPs da FGV terminaram o ano com deflação. Em 2018, a inflação sobe um pouco, mas o temor do descontrole que havia no começo de 2016 foi superado. Na velha briga do Brasil contra a inflação, o país venceu desta vez.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)


Míriam Leitão: Urgência da hora

A história fiscal do país foi quebrada em 2014 com a entrada na era dos déficits altos e crescentes. A série do Banco Central, iniciada em 1991, mostra que no período Dilma-Temer o país entrou numa anomalia tão grande que exige o uso de armas mais poderosas do que os pequenos pacotes de ajuste. Houve uma mudança na natureza da crise, é preciso muito mais ousadia para enfrentá-la.

Durante os 23 anos que vão de 1991 a 2013 o país teve superávit primário em 22 deles e um pequeno déficit de 0,25% do PIB em 1997. Nessa longa temporada de mais de duas décadas, o país incorporou na contabilidade parte da dívida que estava fora das estatísticas e assumiu os chamados esqueletos. Por isso a dívida aumentou inicialmente. Os superávits permitiram que ela ficasse estável e, depois, caísse. Nos últimos anos, entrou numa escalada que atingiu níveis perigosos. Este é o quinto ano de déficit. Estão projetados resultados negativos para os próximos dois. Serão, então, sete anos de vermelho nas contas. O gráfico abaixo ilustra a mudança radical que houve. Descontrole desse tamanho só aparece nas contas dos países atingidos pelas crises bancárias de 2008, como Espanha, Grécia, Islândia, Irlanda, Portugal. Aqui não houve crise bancária, apenas uma calamitosa administração econômica nos anos Dilma, cujos erros o atual governo não conseguiu reverter e, às vezes, repete.

O ano de 2019 é o ponto que não se pode ultrapassar. Há uma barreira no caminho chamada “regra de ouro”. Ela foi pensada exatamente para ser parada obrigatória. Suspendê-la no momento da crise é um erro. Mesmo que o governo queira cercar a decisão com outras propostas. O fato de haver essa pedra no caminho serve para mostrar que o país tem que olhar mais profundamente o que fazer para superar a crise fiscal.

Medidas como contingenciar, cortar investimentos, limitar as viagens, aumentar IOF, elevar a alíquota de alguns produtos, mudar a época da cobrança de impostos, tudo já se esgotou. Foram úteis quando o que se precisava era menor. Agora é preciso uma proposta ampla para reformular completamente o gasto público. Por isso, o governo, em vez de propor a quebra de uma regra disciplinadora, tem que fazer a coisa certa e propor uma radical mudança no Orçamento e na estrutura dos gastos públicos.

Um país que precisa de um ajuste de 2% do PIB, entre R$ 180 bilhões a R$ 200 bilhões, não pode dar 4% do PIB para empresários. O Banco Mundial recentemente mostrou que as transferências para o capital saíram de 3% para 4,5% de 2003 a 2015. O dinheiro vai para empresas na Zona Franca de Manaus, para a indústria automobilística, para setores que foram desonerados, para empresas que entraram na lista ampliada do Simples. Alguns subsídios mais absurdos, como o PSI, foram cortados, mas os que permanecem são gigantes.

A reforma da Previdência é indispensável. Mas a proposta foi sendo modificada para ser aceita pelos mais diversos lobbies, principalmente de setores do funcionalismo. O governo capitulou logo no início diante da pressão dos militares. A Previdência brasileira como está não se aguenta em pé. As despesas com o pagamento de pensões e aposentadorias cresce a cada ano de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões. Isso é equivalente a tudo o que o governo investiu no ano passado.

Um país cujo governo só tem como mexer em 8% do Orçamento precisa ter a ousadia de mudar leis, alterar a Constituição e mudar radicalmente a forma de distribuir o dinheiro coletivo. Essa não é uma crise fiscal a mais. É a maior.

 


Míriam Leitão: Para sair do impasse

Orçamento de 2019 não poderá ser feito enquanto a lei não for alterada, e governo prepara uma série de medidas que ainda serão apresentadas como contrapartida. O governo quer a suspensão da regra de ouro junto com um conjunto de medidas: a possibilidade de usar recursos de superávits passados que estão na conta única, mudar o artigo constitucional que dá aos servidores direito a aumento salarial todo ano, reduzir carga horária e salário de servidor. Para o governo, 2019 é o ano que já começou. Ele tem que preparar o Orçamento e há um impasse.

Quando o ministro Henrique Meirelles fala em adiar a discussão é porque houve forte reação. Mas no governo admite-se que dá para fechar as contas de 2018, mas não dá para fazer o Orçamento do próximo ano. A ideia é apresentar um conjunto de propostas junto com a suspensão da regra de ouro.

Algumas delas: na conta única estão receitas de impostos que tinham destinação específica, não usadas nos anos em que houve superávit. Pela lei, essa receita só pode ser usada naquele objetivo para a qual estava destinada. A Cide, por exemplo, que é para investimento em estradas. O governo quer a liberdade de remanejar esses recursos. Outra mudança é no artigo da Constituição que dá ao funcionário público o direito a reajuste anual. O governo quer não reajustar durante a crise. A terceira medida seria a possibilidade de reduzir horas trabalhadas de servidores de áreas não essenciais para diminuir os salários. O ministro Teori Zavascki morreu antes de julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo sobre isso.

O que se diz no governo é que a crise é maior e mais ampla do que eles estão conseguindo explicar. Admitem que comunicaram mal a ideia de quebrar a regra de ouro, que estabelece que só pode haver aumento de endividamento na mesma proporção dos investimentos. A ideia é reapresentar a proposta junto com outras mudanças constitucionais.

Pela lei, a regra de ouro se cumpre duas vezes: quando o Planejamento faz o Orçamento e o entrega em agosto ao Congresso e, depois, quando o Tesouro prova ao fim do ano que não quebrou a regra. Portanto, o impasse de 2019 é realidade agora. Teria que haver um ajuste que os técnicos calculam entre R$ 180 bilhões e R$ 200 bilhões num ano, 3% do PIB. Um ajuste “impossível”.

O grande risco seria o Congresso se enganar com o curto prazo. De imediato, há notícias boas: o déficit de 2017 ficará menor em R$ 30 bilhões, como eu já escrevi aqui, e em 2018 haverá o repasse de R$ 130 bi do BNDES para o Tesouro, como informou ontem o “Valor”. A confusão é o ano que vem, por isso o que se diz no governo é que as boas notícias de curto prazo têm que ser vistas como uma janela de oportunidade:

— A ideia de que se pode resolver o problema aprovando crédito suplementar, como foi sugerida por alguns economistas, é equivocada. Esse recurso é para ser usado quando uma despesa não prevista aconteceu, uma catástrofe, por exemplo, e o gasto real que o governo terá com uma rubrica é maior do que a orçada. Mas o governo não pode fazer um Orçamento com despesas deliberadamente subestimadas para, no ano seguinte, pedir um crédito suplementar ao Congresso.

Quem olha a série do Banco Central dos resultados do Tesouro vê que o Brasil, de 1991 até 2014, teve apenas um pequeno déficit primário, de 0,25% do PIB em 1997. No começo do segundo mandato do governo Fernando Henrique, ele levou o resultado para superávit através de um aumento de impostos. As receitas líquidas foram de 14% do PIB para 18%. E as despesas subiram de 14% para 16%. Atualmente seria difícil fazer o ajuste através do aumento de carga tributária. Seria impossível também cortar porque a rigidez do Orçamento aumentou em vez de diminuir. Agora é de 92% dos gastos.

— A situação é trágica. O país em 2020 entrará no sétimo ano de superávit. Não se deveria permitir que chegasse nesse ponto, mas chegou. O investimento público da União em 2014 foi 1,4% do PIB. Em 2016 foi 1%, ou, R$ 65 bilhões. Em 2017 deve fechar em 0,6% do PIB, entre R$ 40 bi e R$ 45 bi. Mesmo se fosse a zero não seria suficiente. Hoje para dizer a verdade precisaríamos de um ajuste impossível, de 2% do PIB — admite um alto funcionário da área econômica.

Esse tom dramático se pode ouvir de vários integrantes da equipe. O país chegou num impasse fiscal. Eles dizem que é preciso agir agora para ter Orçamento para 2019, ano em que o governo será outro.

 


Samuel Pessôa: O debate da política fiscal

Há um debate sobre a importância da política fiscal no atual momento do ciclo econômico. Em geral, defende-se que a política fiscal seja contracíclica. Ou seja, em momentos de forte recessão ou depressão, o governo deve reduzir o superavit primário ou elevar o deficit primário para estimular a demanda.

O impulso à demanda acelera o crescimento econômico. Se a ociosidade da economia for muito elevada, o crescimento acelerar-se-á fortemente e a economia sairá rapidamente da recessão.

Evidentemente, no final do processo, a dívida pública será maior, mas a elevação da dívida pública é mais do que compensada pelo ganho de bem-estar de uma redução mais rápida da taxa de desemprego.

Mas será que não seria possível que a aceleração do crescimento promovida pelo ativismo fiscal fosse tão intensa que o crescimento da receita de impostos –que acompanha a aceleração do crescimento econômico– mais do que compensasse o aumento do gasto (isto é, o ativismo fiscal) e, no frigir dos ovos, teríamos o melhor dos mundos: crescimento maior, desemprego menor e relação dívida-PIB menor?

Ou seja, será que não é possível termos uma política fiscal ativa autofinanciável?

A teoria econômica e a evidência empírica indicam que em economias com juros reais elevados esse não é o caso. O motivo é claro: dadas as defasagens naturais entre a política fiscal e seu efeito sobre a atividade e a receita, seu impacto sobre o endividamento já se acumulou na forma dos juros compostos.

Ou seja, em economias que experimentam juros reais elevados, a melhor política contracíclica é deixar o BC fazer o seu papel, em vez de combater a ociosidade da economia e seu impacto sobre o emprego e a renda por meio do efeito expansionista sobre a atividade da política fiscal.

Além de estimular a atividade, como ocorre com a política fiscal ativa, a política monetária (isto é, a redução dos juros) o faz reduzindo o crescimento da dívida.

A alternativa do expansionismo fiscal gera um episódio de crescimento concomitantemente a uma piora adicional sobre a dinâmica da dívida. Essa piora adicional pressionará os prêmios de risco, o que elevará ainda mais o custo de capital futuro.

A recuperação é menos sólida e será abortada mais rapidamente. Após o processo, o desemprego será ainda maior.

Ou seja, numa economia em que os juros básicos reais ainda são altos, o remédio é persistir com a política monetária. Ela tem demonstrado grande eficácia e ajudado –em que pese a crise política que ainda está conosco– a promover recuperação cíclica, mesmo que tímida.

A retomada do crescimento mais robusto depende de questões estruturais alheias à politica macroeconômica de curto prazo.

Morreu na quarta (13), aos 74 anos, meu colega de trabalho no Instituto Brasileiro de Economia da FGV Regis Bonelli. Formado em engenharia pela PUC-RJ, Regis doutorou-se em economia em Berkeley, na Califórnia. Fez carreira no Ipea, com passagens no IBGE e no BNDES.

Em importante trabalho em coautoria com Pedro Malan, nos anos 1970, foi das primeiras vozes a notar que o regime de politica econômica da segunda metade daquela década tornava-se insustentável.

Sua característica marcante era a gentileza e a educação natural sem artificialismos e sem ser, o que muitas vezes é comum em pessoas muito educadas, subterfúgio para manter distância. Priorizava a construção das instituições em que atuava. Fará falta.